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Relatório de Estágio Tradução e Legendagem Cinemágica, Lda

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Academic year: 2021

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Diogo Barroso

Relatório de Estágio

Tradução e Legendagem

Cinemágica, Lda.

Relatório de estágio realizado no âmbito do Mestrado em Tradução e

Serviços Linguísticos, orientado pela Professora Doutora Elena Galvão

Faculdade de Letras da Universidade do Porto Setembro de 2016

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AGRADECIMENTOS

Desejo agradecer agradecer a Beni Castañeira por ter possibilitado a realização do estágio na Cinemágica e a todos que ali trabalham pela disponibilidade manifestada. Quero agradecer em particular à minha orientadora na empresa, Elisabete Pinto, por todo o apoio, paciência e esclarecimentos dados em todas as fases do trabalho.

À Professora Doutora Elena Galvão pela orientação, pelos conselhos e disponibilidade em todo o processo de elaboração do relatório.

E, por fim, aos meus pais pelo seu apoio incondicional em todas as fases do meu percurso académico e profissional.

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Resumo

O presente relatório tem o objetivo de expor o trabalho realizado durante o estágio de quatro meses, entre Fevereiro e Maio de 2016, na empresa Cinemágica, Lda., no âmbito do Mestrado em Tradução e Serviços Linguísticos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

As secções iniciais incluem uma descrição da composição e do funcionamento da empresa, bem como os moldes de realização do estágio, incluindo as motivações e experiência profissional prévia relevante que me levaram a optar pela área de tradução e legendagem.

Nos pontos seguintes, introduz-se uma visão geral sobre a Tradução Audiovisual (TAV), os seus contornos específicos em Portugal e apresentam-se os resultados de um inquérito efetuado durante o estágio a profissionais na área de tradução e legendagem, com vista a ter uma perspetiva mais esclarecida e fundamentada acerca de algumas questões que me surgiram durante a realização do estágio e me pareceram ser pertinentes para poder entender melhor a realidade profissional em que este se insere. Os capítulos posteriores relacionam-se com um enquadramento teórico do trabalho realizado no estágio, no âmbito da matéria abordada no Mestrado em Tradução e Serviços Linguísticos, e com a explicação de parâmetros técnicos de legendagem e estratégias de redução de texto para se atingir um nível ideal de desempenho.

Por fim, os últimos capítulos relacionam-se com os resultados concretos da componente prática do estágio, nomeadamente o desenvolvimento de competências técnicas, análise do software utilizado, metodologia empregue e uma análise extensiva e detalhada de casos práticos que ilustrem toda a matéria explicitada até este ponto do relatório e demonstrem vários tipos de desafios que apelam à criatividade e ponderação de diversos fatores por parte do tradutor nas suas decisões.

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Abstract

This report aims to present the work carried out during a four-month internship, between February and May of 2016, at Cinemágica, Lda., as part of the Master’s in Translation and Language Services of the Faculty of Arts of the University of Porto. The first sections include a description of the company’s structure and operation, as well as some basic information about the internship, including the main reasons and previous professional experience that led me to choose the field of translation and subtitling. The following sections provide an overview of Audiovisual Translation (AVT), detailing its specific reality in Portugal, and an analysis of the results of a survey addressed to professional translators and subtitlers. This was carried out with the purpose of obtaining a clearer and more grounded perspective on some of the issues that emerged during the internship and that were considered relevant in order to better understand the professional context of this field.

The following chapters discuss the theoretical approach to the work performed during the internship and describe the technical specifications of subtitling and text reduction strategies to achieve an optimal level of quality in AVT.

Finally, the last chapters are devoted to the concrete results of the internship’s practical component, namely the development of technical skills, software analysis, methodology and provide an extensive and detailed analysis of practical cases which illustrate all the subjects addressed in the report and demonstrate various types of challenges appealing to the translator’s creativity and ability to consider several fators simultaneously.

Keywords: Internship, Audiovisual Translation, Subtitling

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1. Introdução...7

2. A Empresa – Cinemágica, Lda. ...8

3. Estágio...10

4. A Tradução Audiovisual: Panorâmica Geral...12

4.1 Tradução e Legendagem em Portugal...13

5. Inquérito Sobre o Panorama Atual da Tradução e Legendagem em Portugal...16

6. Considerações e Enquadramento Teórico da Tradução e Legendagem...21

7. Qualidade nas Legendas...25

7.1 Limitações e Configuração das Legendas...26

7.2 Critérios na Segmentação das Legendas...28

7.3 Estratégias de Redução de Texto...30

8. Aprendizagem e Desenvolvimento de Competências Durante o Estágio...32

8.1 Software de Legendagem...34

8.1.1 Software Gratuito – Aegisub...36

8.2 Metodologia...39

9. Análise de Casos Práticos de Tradução e Legendagem...42

9.1 Estratégias de Redução de Texto...44

9.1.1 Velocidade do Discurso...54

9.1.2 Divisões nas Legendas...56

9.2 Dificuldades Tradutivas Linguísticas e Culturais...58

9.2.1 Dificuldades Linguísticas...58

9.2.2 Dificuldades Culturais...64

10. Conclusão...73

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1. Introdução

A formação superior na área da tradução é extremamente diversificada em termos de aplicação prática e saídas profissionais. O Mestrado em Tradução e Serviços Linguísticos permitiu-me analisar o ofício da tradução em variados cenários profissionais, abordando problemáticas diferentes, sob perspetivas teóricas diferentes, e aplicando várias soluções práticas “devidamente” sustentadas. A palavra “devidamente” entre aspas sugere precisamente esse processo evolutivo e orientado de aprendizagem que contribuiu para a aquisição de inúmeros conhecimentos teóricos e práticos nas diversas ramificações que a tradução pode assumir, nomeadamente nos casos da tradução literária, jurídica, financeira, técnica, da interpretação ou da legendagem, entre muitas outras. O estágio que serve de base a este relatório serviu para complementar todo o processo desenvolvido no mestrado, focando-se então numa área muito específica, neste caso a da tradução e legendagem.

O estágio durou cerca de 4 meses, decorreu entre Fevereiro e Maio de 2016, na empresa Cinemágica Lda., sedeada em Gaia, e consistiu na tradução e legendagem de várias séries a serem emitidas na televisão, num processo contínuo de evolução para o qual a orientação da minha orientadora na empresa, Elisabete Santos, que efetuou a revisão de todos os meus trabalhos, foi fundamental no sentido de definir as melhores metodologias e critérios para se obter a qualidade final exigida.

Desta forma, será possível observar neste relatório conteúdos muito relevantes acerca de um processo de desenvolvimento de competências nesta área específica, com todas as considerações que me parecem ser pertinentes, na maioria acerca do trabalho em si, mas também abordando a contextualização do estágio e o enquadramento do ofício de tradutor-legendador em Portugal.

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2. A Empresa – Cinemágica, Lda.

A Cinemágica é uma empresa que atua na área dos audiovisuais, prestando serviços de tradução e legendagem, bem como serviços de gravação e pós-produção áudio, sendo que estes últimos estão associados às componentes das dobragens, locuções e publicidade.

A empresa é sedeada em Gaia, localizada no parque empresarial do Candal, e foi fundada em 1997. Inicialmente lançou-se na área das dobragens, locuções e gravações de spots e, em 2007, expandiu-se também para a área da tradução e legendagem, trabalhando atualmente com um grupo consistente e alargado de clientes nacionais e internacionais.

As instalações dividem-se essencialmente em duas partes diferentes, sendo que uma é composta por dois estúdios de gravação e produção áudio, a que estão associados os operacionais de dobragens e locução, e a outra é composta por quatro gabinetes de tradução e legendagem, pelos quais é distribuído criteriosamente todo o fluxo de trabalho e as tarefas distintas associadas a esta área. Existem, portanto, duas gerências operacionais em separado na empresa, sendo que o relatório se debruçará exclusivamente sobre a tradução e legendagem, que é a área respeitante ao meu estágio em particular.

O sistema da empresa consiste basicamente em duas equipas com funções e regimes de trabalho diferentes. Existe uma equipa interna composta por um diretor de dobragem, que revê e adapta traduções para sincronização, e três elementos que fazem supervisão de conteúdos (tradução e legendagem) dos programas ou séries televisivas, antes destas serem remetidas aos clientes. Esta equipa trabalha em regime contínuo e com horário fixo nas instalações. Existe depois uma equipa externa de cerca de dez profissionais independentes que efetuam a tradução e legendagem, trabalhando nas instalações ou em regime externo conforme for necessário, sendo que estes elementos têm forçosamente de dispôr de material e software próprio para haver uma maior disponibilidade e capacidade de resposta ao volume de trabalho exigido.

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posteriormente distribuído pelos tradutores de forma criteriosa, atendendo à experiência de cada um com determinados temas, tipo de linguagem, disponibilidade e continuidade do trabalho com séries ou clientes específicos. Os tradutores efetuam o trabalho de tradução e legendagem e enviam-no para a empresa, sendo este depois supervisionado pela equipa fixa nas instalações. Após todos os conteúdos terem sido devidamente aprovados, estes serão então remetidos aos clientes. Em todo este processo, a Cinemágica tem um elevado nível de exigência e seriedade, sendo muito profissional na verificação de todas as normas, como o cumprimento das especificações de legendagem (tempos de duração e intervalos das legendas, segmentação, velocidade de leitura, itálicos, oráculos, etc.), o tipo de linguagem utilizada, ortografia, pontuação, sincronização, adequação das opções tradutivas e consideração de todos os fatores pragmáticos.

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3. Estágio

As razões para a realização de um estágio em tradução e legendagem na Cinemágica devem-se ao facto de ter alguma experiência profissional prévia na área e na empresa em questão, bem como noções adjacentes ao ofício que passarei a explicar, e também à possibilidade de desenvolver o trabalho num regime de horário flexível. Por norma, a Cinemágica não costuma ter trabalhadores em regime de estágio, mas a empresa tinha-me contactado em 2015 manifestando interesse nessa possibilidade, uma vez que tinham conhecimento de que estava a realizar um mestrado na FLUP e, na altura, afirmaram ter disponibilidade e volume de trabalho para aceitar estagiários.

O meu primeiro contacto profissional com a empresa remonta a 2007. Após resposta a um anúncio num site de emprego que procurava tradutores freelancer de Inglês -Português para efeitos de legendagem, foi-me agendada uma entrevista nas instalações da empresa e consequentemente comecei a trabalhar com a Cinemágica. Esta colaboração decorreu no período entre 2007 e 2010, durante o qual trabalhei apenas como tradutor, ou seja, sem efetuar a parte da legendagem, que era feita pela equipa interna da empresa. No entanto, o meu trabalho de tradução era obviamente condicionado pela sua finalidade, que seria a sua utilização em legendas. Tive formação e acompanhamento em relação aos parâmetros de legendagem praticados pela empresa, como o limite de caracteres, a forma de segmentar as legendas e a estética destas no ecrã, a sincronização entre discurso oral e escrito, as técnicas de omissão e condensação, enfim, toda uma série de fatores absolutamente essenciais na elaboração e formatação do texto de chegada que irei abordar neste relatório.

Outros fatores que me permitiram trabalhar para a Cinemágica no período que acabei de referir, e que também motivaram a escolha deste estágio, foram o facto de já trabalhar na altura como tradutor independente e o de também ter trabalhado como operador de supra-legendagem no Teatro Nacional São João, no período entre 2003 e 2004. Esta última ocupação foi de natureza pontual, ou seja, após a realização de alguns testes, fui chamado pontualmente para a aplicação de legendas em direto em festivais de teatro ou alguma exibição em particular. Nos festivais, as peças exibidas eram em várias línguas

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independentemente de perceber a língua de partida, premindo simplesmente a tecla “espaço” de um computador durante a visualização da peça. Quando digo “simplesmente” é assumindo que não haveria erros durante a colocação de legendas, o que nem sempre era o caso, havendo no entanto formas de os corrigir rapidamente. O fator relevante foi ter a oportunidade de adquirir noções sobre a temporização na aplicação de legendas, ainda que num contexto de características muito próprias, o que me foi útil posteriormente.

Outro fator que me parece relevante no âmbito deste estágio foi o de ter obtido um certificado profissional de argumentista para audiovisuais na Restart, “Escola de criatividade e novas tecnologias”, em Lisboa, entre 2006 e 2007, que me permitiu explorar e adquirir conhecimentos acerca da escrita para imagem em variadas vertentes, nomeadamente para ficção, documentário, publicidade ou animação, entre outras. O contacto com estas várias formas de expressão escrita e os seus formatos acabou por me dar alguma familiaridade e conmhecimentos importantes na análise dos textos de partida, os guiões, e na forma de tentar manter algumas nuances expressivas no seu processo de tradução e legendagem.

Quando optei pelo estágio na Cinemágica, todos os elementos mencionados acima foram decisivos na minha motivação e a empresa já antes havia manifestado interesse na hipótese de receber estagiários da FLUP. A flexibilidade de horários e o conhecimento dos procedimentos da empresa também foram preponderantes na minha opção. De facto, a única possibilidade de realizar este mestrado foi em regime parcial ao longo de três anos, devido a compromissos profissionais que se mantiveram durante a realização deste estágio.

No entanto, convém referir que o trabalho desenvolvido ao longo do estágio na Cinemágica tem elementos e processos muito distintos em relação à minha primeira experiência na empresa. Um elemento essencial que irei analisar em detalhe mais adiante é o facto de a empresa agora aceitar apenas colaboradores que assumam as funções de tradutores e legendadores em simultâneo, o que antes não sucedia, mas que, hoje em dia, corresponde à realidade profissional na área. Outro fator fundamental e diferenciador foi o de desenvolver o meu trabalho com um olhar crítico adquirido ao longo do mestrado, que procurarei expor neste relatório.

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4. A tradução audiovisual (TAV): panorâmica geral

Hoje em dia, o recurso à tradução audiovisual (TAV) é generalizado e tem vindo a aumentar, sendo o reflexo de uma sociedade fortemente mediatizada e globalizada, o que se traduz também num enorme crescimento do consumo de produtos audiovisuais, que são disponibilizados de forma cada vez mais imediata, através de meios e plataformas cada vez mais diversificados. Estamos constantemente rodeados de ecrãs que transmitem informação variada, com propósitos diversos. Quando pretendemos aceder a informação que é transmitida através de um meio audiovisual, numa língua que seja diferente da nossa e que não dominamos, vemo-nos obrigados a recorrer à tradução audiovisual.

Como o próprio nome indica, a tradução audiovisual abrange todas as formas de tradução que se baseiam num “texto” de partida sustentado por meios visuais e/ou sonoros. Na sua introdução ao volume Topics in Audiovisual Translation, Pilar Orero (Orero, 2004: viii) define o conceito de TAV como abrangendo

all translations — or multisemiotic transfer — for production or postproduction in any media or format, and also the new areas of media accessibility: subtitling for the deaf and the hard of hearing and audiodescription for the blind and the visually impaired.

Existem várias formas de tradução audiovisual, como a dobragem, a legendagem, o voice-over ou a interpretação simultânea, entre outras, sendo que o elemento preponderante nesta categoria é a noção de “transferência multissemiótica”, uma vez que cada uma destas formas de tradução combina canais visuais e sonoros, verbais e não-verbais, de forma diferente, estabelecendo situações comunicativas com condicionantes muito específicas. Para além de ter de respeitar o texto oral ou escrito de partida, o tradutor é condicionado por fatores como a imagem e o tempo, uma vez que o texto oral ou escrito de chegada não pode contradizer a informação visual e tem de estar sincronizado com o acto linguístico original. No caso da legendagem, sucede uma mudança de registo, de oral para escrito, o que implica alterações e omissões, devido às limitações físicas inerentes ao meio usado.

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As particularidades referidas acima são a base de argumentação para os que consideram a TAV como uma forma de “adaptação”, ou seja, não a colocam no mesmo patamar da tradução no sentido tradicional. No entanto, a esta visão contrapõe-se uma outra perspetiva mais dinâmica segundo a qual “translation must be understood from a more flexible, heterogeneous and less static perspective, one that encompasses a broad set of empirical realities and acknowledges the ever-changing nature of practice” (Cintas & Remael, 2014:10). Na verdade, independentemente do termo usado, a realidade é que a evolução tecnológica constante e os fenómenos de mediatização e globalização mencionados inicialmente são fatores incontornáveis em algumas formas de tradução atuais, ainda que estas possam ser consideradas “híbridas”. O que convém não perder de vista é a noção de que, nas palavras de Cintas (2014: 13), “the key word for successful audiovisual translation is insight and understanding of the product and its expected function, combined with desire to learn and willingness to adapt.”

4.1 Tradução e legendagem em Portugal

A realidade da tradução audiovisual em Portugal, tanto a nível de produção como de consumo, é condicionada por diversos fatores históricos, económicos e técnicos que irei abordar de forma geral, apenas para enquadrar, em última análise, o tema da tradução e legendagem em Portugal.

Os dois métodos tradicionais e mais comuns de tradução audiovisual são a dobragem e a legendagem, sendo que, em Portugal, a grande maioria dos programas importados é legendada. Em muitos outros países, nomeadamente na Europa (Espanha, Itália, Alemanha ou França, entre outros), na América Latina e em alguns dos maiores países da Ásia (China, Índia ou Irão) a dobragem é o principal método usado1. Existem raízes

históricas que explicam parcialmente estas diferenças nos métodos tradicionais usados em cada país, os quais acabam por ter outras repercussões culturais, nomeadamente a nível de aptidões linguísticas. A tradução audiovisual começou a ter grande relevância em finais dos anos 20 e 30, uma época de fortes tendências nacionalistas em vários países. A dobragem começou por ser associada a esses mesmos países por permitir uma 1 https://en.wikipedia.org/wiki/Dubbing_%28filmmaking%29 (último acesso a 17.07.2016)

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grande manipulação do texto e da informação, sendo ideal para os propósitos de defesa da língua nacional, evitando a exposição do público a outras línguas, e facilitando a censura, uma vez que o discurso original é totalmente eliminado (Ivarsson & Carrol, 1998: 10). A legendagem foi limitada ou mesmo proibida nos regimes totalitários, sendo que Portugal parece ser uma curiosa exceção. Apesar de estar sob um regime ditatorial, as questões económicas e técnicas parecem ter sido mais fortes do que as ideológicas. A legendagem foi o método de tradução escolhido por ser mais barato, uma vez que a dobragem implica mais intervenientes e meios técnicos (Villaslobos, 2003). Além disso, a componente didática das legendas é um fator muito relevante em países com uma elevada taxa de analfabetismo, como era o caso de Portugal na altura em que a legendagem foi introduzida.

De facto, ao longo dos anos, a opção pela legendagem acabou por ter consequências culturais e linguísticas muito relevantes em Portugal. A tradução de uma língua estrangeira no ecrã, em meios de acesso às massas como a televisão ou o cinema, permite que a audiência ganhe familiaridade com ela e haja uma maior perceção e abertura a outras realidades culturais (Cintas, 2001: 48). Em termos linguísticos, permite que se desenvolvam aptidões fonéticas em relação a outros idiomas e que se reforce a alfabetização através da leitura de legendas em português.

Sendo o inglês a principal língua de partida dos produtos audiovisuais importados, associado ao facto de ser uma língua de aprendizagem obrigatória no ensino básico, pode-se supor que grande parte dos espectadores em Portugal tenha alguns conhecimentos da língua de partida. Este facto tem relevância profissional para o tradutor, uma vez que a legendagem tem a particularidade de tornar a sua presença ou o seu trabalho “visível” (o que não é ideal no processo de tradução, mas neste caso é uma condição) pela presença simultânea dos textos de partida e de chegada. Devido a esta particularidade, Cintas qualifica a legendagem como uma forma de tradução “vulnerável”, uma vez que “not only must the subtitles respect space and time constraints, they also must stand up to the scrutiny of an audience that may have some knowledge of the original language” (2014:57).

O facto de o trabalho de tradução poder ser escrutinado por um público conhecedor do idioma, no caso do inglês, mas que não está ciente de todas as condicionantes

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frequentemente em relação à legendagem e que nem sempre são devidas. No entanto, há inúmeros exemplos de legendagem no mercado atual que pecam na qualidade, seja por as legendas serem demasiado rápidas (outra crítica frequente) ou não terem um estilo fluído, por deficiências na semântica ou mesmo erros gramaticais, ou seja, são exemplos de incompetência ou negligência. O crescimento e a abertura do mercado atual a uma gama enorme e muito diversificada de canais de televisão e multimédia gerou naturalmente um aumento da procura de serviços de tradução e legendagem, mas que nem sempre se traduz num aumento da qualidade dos serviços. A tradução para legendagem é particularmente exigente e obriga a ter capacidades técnicas e criativas consistentes, para além de uma boa capacidade de resposta a prazos apertados. No entanto, este esforço adicional não é reconhecido pelos clientes das empresas de legendagem. O facto referido anteriormente de haver um conhecimento algo generalizado da língua inglesa, em maior ou menor grau, e de algumas pessoas conseguirem mesmo visionar conteúdos em inglês sem recurso a legendas, lança também a falsa presunção de que a legendagem interlinguística é uma tarefa fácil e rápida. Como tal, as empresas de legendagem têm lucros muito baixos em Portugal e a remuneração dos tradutores-legendadores não corresponde de forma alguma ao tempo necessário ou às competências exigidas para um trabalho de qualidade. O cenário consequente é o de algumas empresas aceitarem serviços de tradutores para legendagem sem competências profissionais, e que aceitam remunerações mais baixas, ou de profissionais qualificados que, sob pressão e na ânsia de rentabilizarem o seu tempo de trabalho, processam o seu trabalho de forma excessivamente rápida, resultando nos tais exemplos de negligência e numa qualidade geral inevitavelmente inferior.

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5. Inquérito sobre o panorama atual da tradução e legendagem em Portugal

A minha experiência em tradução e legendagem neste estágio permitiu-me ter uma noção clara das exigências específicas deste trabalho em termos de habilitações, níveis de dificuldade, gestão de prazos e da relação entre o tempo de trabalho e a sua remuneração. Todos estes fatores encontram-se naturalmente relacionados entre si e, conforme referi acima, no panorama geral da tradução e legendagem, os resultados e as expectativas profissionais estão longe de ser ideais. Para tentar obter uma visão mais abrangente e sustentada acerca desta matéria, durante o estágio elaborei um questionário destinado a profissionais da área que me pudesse talvez esclarecer quanto às razões de este mercado ser subvalorizado, apesar da elevada e crescente procura que se verifica, e que me permitisse discernir melhor as vantagens e desvantagens deste ofício. Em suma, seria uma forma também de enquadrar a experiência do meu estágio no mercado de trabalho real.

Eis as questões colocadas:

1. Como funciona a indústria da tradução e legendagem em termos de oferta e procura? 2. Quem são os principais clientes para um tradutor-legendador freelancer?

3. Vantagens/desvantagens entre trabalhar como contratado ou freelancer nesta área? (remuneração, pressão de prazos, volume de trabalho, etc.).

4. Quais as maiores dificuldades dos profissionais nesta área?

5. Qual o método de trabalho preferido? (em termos de ordem das fases do trabalho) 6. Os clientes/empresas pagam mal? Porquê? Como combater isso?

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Convém referir que o questionário não tem um carácter científico, uma vez que não foi conduzido de forma exaustiva e rigorosa devido a falta de meios e disponibilidade. As agências de legendagem contactadas não mostraram disponibilidade ou interesse em colaborar e a própria Cinemágica preferiu não facultar os contactos dos seus profissionais de legendagem. Ainda assim, tive a oportunidade de entrevistar cinco profissionais nas instalações da empresa e registar as suas reações às questões colocadas num contexto informal, obtendo algumas respostas objetivas e considerações diversas em relação aos temas abordados. O fórum do site para tradutores ProZ.com também serviu de plataforma para colocar as questões e permitiu-me obter as respostas de outros cinco tradutores-legendadores.

De uma forma geral, as reações que obtive, associadas a pesquisas em fóruns internacionais sobre o mesmo tema, permitiram-me tirar algumas ilações relativamente à evolução recente da indústria nacional que sustenta a tradução e legendagem e também perceber que, comparando Portugal com o cenário internacional, as tendências e os problemas parecem ser semelhantes, variando apenas nos valores pagos e nos métodos utilizados pelas empresas, embora não disponha de dados conclusivos e alargados para desenvolver esta última matéria.

Considerando o registo informal com que foi efetuado o inquérito e a diversidade e dispersão das opiniões manifestadas, ainda que reduzidas em número, procurarei resumir as respostas dadas nos seus pontos essenciais2, focando-me na matéria

relacionada com as perguntas colocadas, pela ordem em que foram apresentadas.

Começando então por analisar a questão da estruturação e funcionamento da indústria, as respostas dadas apontam para a existência de dois mercados no sector da tradução e legendagem: o cinema/televisão e os vídeos empresariais. O primeiro está relacionado com filmes, séries e programas de televisão que são distribuídos mundialmente em várias línguas. No caso da televisão portuguesa, as traduções são sempre feitas por agências ou, no caso de alguns canais, principalmente generalistas (RTP, SIC, TVI), são feitas pelas próprias equipas internas. No caso do cinema, varia entre independentes e agências, dependendo do distribuidor. Em relação aos vídeos empresariais, estes provêm sobretudo de empresas subsidiárias que necessitam de subcontratar serviços de tradução e legendagem para os seus vídeos institucionais, promocionais ou formativos 2 As entrevistas não foram gravadas, o seu conteúdo foi registado em apontamentos; as respostas no fórum do ProZ.com podem ser consultadas na íntegra no anexo 2.

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para uso local. Nestes casos, raramente é disponibilizado um guião, fazendo-se a tradução e legendagem diretamente a partir do vídeo, e é exigida a máxima qualidade. No caso do cinema/televisão é sempre (ou quase sempre) disponibilizado um guião, mas há variações na metodologia de tradução e legendagem, as quais irei abordar em detalhe mais adiante.

Em relação às diferenças entre trabalhar como independente e contratado nesta área, não consegui obter dados conclusivos em termos de rendimento. As reações que obtive são comuns a muitos trabalhadores independentes em tradução, ou seja, oferta ocasional bem paga versus oferta ilimitada mal paga, assim como ciclos de elevado e baixo volume de trabalho. A realidade é que a esmagadora maioria dos tradutores e legendadores são trabalhadores independentes, tanto em Portugal como no estrangeiro, o que contribui para a precariedade deste tipo de trabalho.

As dificuldades referidas com maior frequência foram: os “clientes acharem que deve ser fácil”, já que há tanta abundância de fansubbers; “profissionais” a fazerem trabalhos de má qualidade por valores muito baixos; canais de televisão que aceitam trabalhos de qualidade questionável, uma vez que os patrocinadores pagam de qualquer forma; software profissional a preços abusivos e software gratuito eficaz. Algumas destas questões serão inevitavelmente abordadas durante o relatório.

A nota dominante em todas as respostas que obtive foi a de que os valores pagos em relação às horas de trabalho são realmente baixos e de que a tendência nos últimos anos tem sido para baixarem cada vez mais. A razão constantemente referida para tal foi a de existirem demasiadas pessoas sem qualificações a trabalharem por valores irrisórios, o que por si só reflete a saturação atual do mercado e os padrões de qualidade de algumas agências. Acerca desta situação, tive a resposta de quatro profissionais com mais de 10 e 20 anos de experiência em tradução e legendagem em Portugal que me falaram da trajetória do mercado e apontaram alguns pontos em comum. Todos referem que o sector da legendagem (na altura a RTP e os cinemas) foi esmagado com a entrada dos canais privados de TV nos anos 90 e que, desde então, o que era uma atividade profissional bem remunerada, passou a sofrer cortes sucessivos. A razão apontada é a de que as agências e os profissionais de tradução e legendagem, com vista a angariarem trabalho nesses novos canais, foram baixando continuamente os preços. Um outro

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legendagem”3, em função da modernização do equipamento utilizado para versões

muito mais simples e baratas. No entanto, este fator não diminuiu a dificuldade nem o tempo necessário para a tradução do texto de partida, apenas fez com que a tradução passasse a representar uma parcela maior de um processo total que passou a ser mais barato e acessível. Na minha opinião, esta subvalorização do trabalho de tradução, associada a uma noção de maior acessibilidade em todo o processo, contribuiu de forma muito significativa para a desvirtualização do ofício e para a diminuição dos valores pagos aos profissionais.

Estes veteranos em tradução e legendagem mencionam ainda o caso da extinção dos trabalhos de locução, para os quais faziam a parte de tradução, sendo que passaram a fazer a tradução e legendagem destes mesmos programas sem que houvesse qualquer aumento no preço por minuto. Afirmam que este foi o verdadeiro motivo pelo qual vários canais passaram a ter legendas em vez de locução em português. Por outras palavras, os profissionais de TAV passaram a trabalhar mais horas e a receber o mesmo. Para se ter uma ideia mais concreta dos valores em questão, um destes profissionais disse-me que, nos últimos dez anos, nenhuma agência lhe ofereceu um preço por minuto (em vídeo) acima de 1,85 euros e que houve vários canais de séries que lhe ofereceram 1 euro por minuto (pm) de tradução e legendagem. Para se estabelecer uma comparação no universo da tradução, uma série televisiva de 40-45 minutos tem cerca de 3 mil palavras traduzidas e legendadas em média, assumindo que não se trata de nada excessivamente denso ou técnico como, por exemplo, um documentário. Num orçamento de tradução geral ou até especializada, considerando 0,05 euros por palavra como um valor minimamente aceitável, estaríamos a falar em 150 euros. No caso da tradução e legendagem, se assumir o valor de 1,85 euros pm (pude confirmar que esta é uma média muito favorável nos valores praticados em Portugal), o valor pago pelo serviço seria de 74 euros, ou seja, metade do valor praticado em outros tipos de tradução, sem incluir a tarefa de legendagem. Embora haja muitas outras variantes a ter aqui em conta, já se consegue ter uma ideia da discrepância.

Em jeito de conclusão, quando se coloca a questão em relação ao que poderia ser feito para se combater esta subvalorização, a reação geral é de desilusão por não haver uma solução prática à vista para se contrariar a situação. Uma das respostas dadas, que 3 Resposta 3, Anexo 2.

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reflete bem o sentimento geral, foi a de que “se recusarmos trabalho quando há tanta gente não qualificada a saturar o mercado, ficamos, literalmente, sem nada que fazer.” Alguns referiram que, se o público se queixasse mais em relação aos exemplos de má qualidade, talvez as empresas de tradução e legendagem tivessem outro critério na forma como contratam os serviços. No entanto, o verdadeiro poder de decisão está nos canais de televisão, uma vez que são estes que definem a fasquia qualitativa ao aceitarem ou rejeitarem determinados serviços de tradução e legendagem.

Um dos tradutores e legendadores mais experientes entre os inquiridos, disse-me que a “receita para a solução está no conhecido suivez l’argent.” O dinheiro na televisão provém essencialmente dos patrocinadores que pagam para terem os seus anúncios transmitidos. Ele sugeriu a ideia rebuscada de que os patrocinadores poderiam ter a opção de pagar menos quando os seus anúncios fossem transmitidos a meio de programas mal legendados. No fundo, o que esta solução expõe é a necessidade que os profissionais sentem de que haja um controlo mais efetivo e normalizado da qualidade da tradução e legendagem exibida na televisão; querem ver as suas qualificações e experiência, que são fundamentais na questão da qualidade, devidamente reconhecidas e recompensadas.

Apesar de o feedback geral a este questionário ser muito crítico e negativo em relação à situação atual, também há muitas vozes nos fóruns sobre este tema que valorizam excelentes exemplos de tradução e legendagem e elogiam algumas empresas nesta área pelo seu elevado nível de qualidade. Quando estamos cientes desta matéria e estamos atentos à legendagem na televisão ou no cinema, é relativamente fácil discernir e avaliar exemplos de grande qualidade, bem como identificar todo o tipo de erros e as suas causas, ou se calhar pensar em soluções diferentes. É possível constatar que certo tipo de canais ou programas primam mais pela qualidade do que outros. Apesar de se tratar de um mercado subvalorizado, difícil e ingrato para muitos profissionais, como pude verificar através deste questionário e por experiência própria, há muitas agências e independentes que efetuam tradução e legendagem de excelente qualidade. O estágio na Cinemágica permitiu-me avaliar isso mesmo: a exigência a nível de competências, a atenção ao detalhe, a criatividade, as fases do processo, bem como o tempo e a experiência necessária para se obter um trabalho de qualidade, como neste caso me foi

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6. Considerações e enquadramento teórico da tradução e legendagem

Durante a realização deste estágio, houve dois aspetos fundamentais que fizeram toda a diferença em relação à minha primeira experiência com a tradução para legendagem na Cinemágica. O primeiro foi o facto de fazer a tradução e legendagem de todos os trabalhos que me foram designados, ao invés da minha primeira passagem pela empresa, em que fazia somente a parte da tradução, ainda que considerando todas as condicionantes pragmáticas próprias da legendagem interlinguística. O segundo aspeto foi a oportunidade de avaliar todo o processo, as suas fases, as técnicas aplicadas e os fatores condicionantes com um olhar crítico proveniente das noções adquiridas durante o mestrado. De facto, a frequência do mestrado permitiu-me ganhar outra consciência durante a realização do trabalho, sendo um dos propósitos deste relatório precisamente o de expôr alguma sustentação teórica das opções tomadas.

A legendagem interlinguística, como acabei de referir, é uma forma de tradução com condicionantes muito específicas, implicando que o tradutor esteja ciente das suas imposições e da forma como estas interferem no processo e no resultado da tradução. A tradução de uma situação comunicativa oral para uma situação comunicativa escrita tem, por si só, dificuldades próprias às quais são acrescentadas as limitações físicas da legendagem, uma vez que o texto traduzido tem de ser inserido num espaço de duas linhas com um tamanho predefinido e tem ainda o carácter volátil de ser exposto durante um período de tempo reduzido. Como tal, nem tudo o que é dito poderá ser traduzido e nem terá necessariamente de o ser, uma vez que o significado do produto audiovisual é transmitido através da relação entre vários sistemas de códigos semióticos que, no seu conjunto, são complementares com o significado linguístico, sendo que é fundamental ter esta noção sempre presente durante a tarefa de legendagem.

Esta translação de um conteúdo da linguagem oral para a escrita obedece a parâmetros muito específicos que irei abordar mais adiante, como o limite de linhas e caracteres e a temporização de entrada e saída de legendas. Convém considerar ainda que, neste processo interlinguístico, os dois códigos verbais apresentados em simultâneo não só têm obviamente características diferentes, mas também estão inseridos em contextos distintos. Enquanto que no texto de partida, que é quase exclusivamente oral, os interlocutores partilham a informação gerada por todo um contexto situacional, nas

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legendas essa mesma informação tem de ser explicitada, uma vez que o receptor é desconhecido e não se insere no mesmo espaço do emissor. Esta distinção dimensional parece-me ser útil porque remete para a essência deste tipo de acto comunicativo e realça as diferenças e as condicionantes intrínsecas na passagem do conteúdo do texto de partida para o texto de chegada. Em termos de tradução e legendagem, há aqui fatores importantes a considerar, como o facto de a língua falada, em comparação com a escrita, ter tendência para seguir uma sintaxe muito menos estruturada, uma vez que é comum encontrar frases incompletas, construções gramaticais erradas, pausas, contradições, etc. No caso da legendagem de filmes, séries ou outro produto audiovisual em que o texto de partida se baseie num guião, este problema não é tão vincado. Contudo, nos casos em que predomina o discurso livre e espontâneo, como sucedeu nos produtos audiovisuais que me foram atribuídos neste estágio, o tradutor tem forçosamente de fazer uma “adaptação” mais profunda do texto de maneira a garantir a sua funcionalidade no formato de legendagem.

Este tipo de “adaptação” mais profunda, que é frequente e natural pelas condicionantes físicas da legendagem, leva por vezes a alguma distanciação ao nível da expressividade original no texto de partida, a fim de se preservar o conteúdo semântico. Na prática, esta constatação levou-me a questionar até que ponto seria sustentável a opinião dos que consideram a tradução para legendagem como uma forma de adaptação. Mas, em última análise, parece-me ser uma questão de perspetiva em relação ao que se considera ser tradução nos moldes atuais. Nesse sentido, Gambier afirma que (2003: 178):

subtitling is translating if translation is not viewed as a purely word-for-word transfer but as encompassing a set of strategies that might include summarizing, paraphrasing, etc., and if translation is viewed holistically, taking into consideration the genre, the film-maker’s style, the needs and expectations of viewers (who may, for instance, have different reading speeds and habits) and the multimodality of audiovisual communication (language, image, sound).

Esta citação associa precisamente o universo da legendagem interlinguística a uma visão global e abrangente da tradução, uma perspetiva holística da tradução, tendo sido esta uma palavra frequentemente veiculada durante o mestrado no sentido de promover uma abordagem interdisciplinar da tradução.

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De facto, as “perdas” de tradução não implicam necessariamente uma qualidade inferior ao desejável, já que estas poderão ser justificadas por outros motivos e objetivos inerentes ao processo tradutivo. A noção de interdisciplinaridade na tradução vem precisamente dar ênfase ao papel do tradutor, no sentido de que este deve considerar outros fatores e parâmetros externos ao texto de partida que tenham influência direta e decisiva no processo tradutivo, como sejam as particularidades do público-alvo, a função da tradução e as características dos meios que utiliza. Em última análise, as opções do tradutor irão depender de todo esse conjunto de considerações.

A manipulação do material linguístico é uma condição inevitável na tradução e legendagem e deve ser entendida para além da mera redução e eliminação do material original devido a limitações físicas dos meios utilizados, ou seja, mesmo quando a cadência da língua oral possa permitir a legendagem de tudo o que é dito, haverá sempre uma manipulação do texto de partida de forma a produzir legendas coerentes e adequadas que cumpram a sua derradeira função, que será a de estabelecerem uma ponte intercultural entre a língua-cultura de partida e a língua-cultura de chegada, sem perturbar a apreciação do filme ou programa.

Em termos teóricos, esta noção da tradução como um tipo de transferência cultural que se rege pelos fins que o texto traduzido deve atingir enquadra-se na perspetiva funcionalista da Skopostheorie, em que se favorece uma visão mais abrangente do “acto tradutivo” (translational acting) (Nord, 1997: 12) e em que o texto de partida é visto como uma “proposta de informação”, que depende do tradutor para a constituição de significado (Nord, 1997: 31). Nesta perspetiva, as especificações de tradução têm uma importância fundamental, uma vez que irão determinar as ações do tradutor. Estas especificações abrangem várias questões externas ao âmbito meramente linguístico dos textos de partida e de chegada, considerando eventualmente outros fatores pragmáticos a ter em conta para que seja possível concretizar um acto tradutivo adequado (Nord, 1997: 35).

No universo da tradução e legendagem, esta perspetiva funcionalista do “acto tradutivo” é, sem dúvida, a mais adequada às suas características específicas. Nesta abordagem holística do processo tradutivo, a “adaptação” do texto para legendagem é uma parte integrante desse mesmo processo. O texto de partida é um elemento entre vários e não pode ser considerado isoladamente, sem contexto. É impossível um tradutor para

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legendagem efetuar um trabalho completo, de qualidade, se não tiver indicações relativamente às necessidades do público-alvo ou se, pelo menos, não souber deduzi-las. Alguns elementos básicos a considerar, por exemplo, quanto ao tipo de linguagem utilizada são o género de programa, o horário de emissão ou o canal de emissão. Este tipo de indicações, que poderão ser dadas ou não por parte do cliente, são alguns dos elementos cruciais que constituem as especificações de tradução que permitem que o tradutor para legendagem elabore uma estratégia de tradução que seja eficaz, consistente e coerente na sequência de produtos audiovisuais que for abordando.

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7. Qualidade nas legendas

Em relação à qualidade das legendas, começo por considerar uma característica elementar e diferenciadora da tarefa de legendagem que é a natureza polissemiótica dos produtos audiovisuais. O espectador recebe informação através de quatro canais semióticos: o canal auditivo não-verbalizado (música, efeitos sonoros, etc.), o canal auditivo verbalizado (diálogos, narrações), o canal visual não-verbalizado (imagens) e o canal visual verbalizado (sinais, letreiros ou outros elementos legíveis no ecrã) (Gottlieb, 2011: 245). De acordo com este sistema, as legendas inserem-se no canal visual verbalizado, veiculando a informação que é transmitida através do canal auditivo verbalizado. Apesar de parecer evidente, um dos aspetos que o tradutor deverá ter sempre em mente é que a narrativa de um produto audiovisual efetua-se através dos quatro canais mencionados e que, por vezes, poderá sintetizar ou tornar as legendas mais eficazes ao evitar situações de redundância intersemiótica, em que exista informação sobreposta ou excessiva para a compreensão da situação por parte do espectador.

A tradução para legendagem lida também com uma questão de interdependência semiótica, na medida em que só é possível assegurar um trabalho de qualidade e sem erros se o tradutor tiver acesso a toda a informação veiculada nos canais mencionados. Alguns dos erros mais comuns resultam do facto de muitos profissionais fazerem tradução para legendagem apenas com base no áudio ou no guião e de descurarem, ou não lhes ser possibilitada, a visualização do vídeo. A análise isolada do texto e/ou do áudio gera por vezes situações que induzem em erro e que só podem ser verificadas ou totalmente compreendidas por parte do tradutor através do recurso às imagens. Alguns profissionais descuram este tipo de verificação, ou não revêem a tradução e legendagem com vídeo, na ânsia de rentabilizarem o seu tempo de trabalho, o que é um reflexo da já abordada questão dos baixos valores pagos.

Há muitas agências ou empresas de tradução, nomeadamente a nível internacional, que, também com vista a rentabilizar e acelerar o processo de tradução e legendagem, utilizam um método de templates que consiste em fornecerem ao tradutor um ficheiro com as legendas na língua original, já com os tempos de entrada e saída, e em que o tradutor se limita a inserir a sua tradução nos espaços predefinidos. Este sistema

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prejudica a qualidade da tradução e legendagem por ser muito limitativo, uma vez que o tradutor não pode considerar outro tipo de cortes nas legendas que estejam de acordo com o seu critério de tradução.

Um outro elemento a ter em consideração é a qualidade dos guiões fornecidos, quando são fornecidos, já que por vezes nem são disponibilizados ou então não existem, podendo suceder o caso em que é pedida uma transcrição. Um guião de qualidade inclui o código de tempo, descrições de cenas e anotações, o que não sucede, por exemplo, no sistema de templates mencionado. Os guiões devem ser escrutinados em simultâneo com o áudio, pois muitas vezes não correspondem exatamente ao que está a ser dito. Por vezes há gralhas, termos errados por serem homófonos, ou quase homófonos, partes que estão em falta e que têm de ser transcritas diretamente do áudio ou secções que estão a mais e foram posteriormente cortadas. Durante o estágio, e na experiência profissional anterior, lidei com todos os exemplos referidos.

7.1 Limitações e configuração das legendas

Para além da natureza polissemiótica dos produtos audiovisuais e da qualidade do material fornecido, há outros parâmetros que restringem o processo de legendagem em termos de espaço e tempo. De facto, a tradução para legendagem tem de se reger por algumas regras elementares como o número de linhas por legenda, o número de caracteres por linha, o tempo de exposição de cada legenda, o tempo de intervalo entre legendas e a velocidade de leitura, que se traduz numa razão de caracteres por segundo. Todos estes valores são variáveis e dependem de outros fatores como as línguas em questão, os formatos de exibição ou o público-alvo. As margens e as médias ideais destes parâmetros encontram-se estipuladas na literatura sobre legendagem, mas são adaptadas com ligeiras variações pelas empresas e profissionais independentes de tradução de acordo com os seus objetivos.

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Numa abordagem geral destes parâmetros, segundo o Code of Good Subtitling Practice (Ivarsson & Carrol, 1998: 157-159), na legendagem interlinguística as legendas devem ser limitadas a duas linhas, de maneira a ocultarem o mínimo possível da imagem. Em Portugal, as legendas são apresentadas na parte inferior do ecrã e costumam ser centradas, de forma a permitirem uma maior facilidade de leitura e a não obrigarem o espectador a desviar o olhar do centro do ecrã, onde decorre a ação. Nos casos das legendas com duas linhas, as divisões deverão ser feitas de acordo com uma lógica semântica ou gramatical, sendo que a linha superior deverá ser, sempre que possível, mais curta que a de baixo.

Em relação ao número de caracteres por linha, este deverá ter um limite máximo situado entre 35 e 40 caracteres, dependendo do meio audiovisual usado. No que respeita ao tempo de exposição de cada legenda, será necessário ter em conta a sincronização entre a parte escrita e o áudio, bem como a velocidade de leitura do espectador. As legendas deverão ter um tempo de exposição situado entre 1 a 6 segundos, procurando logicamente manter uma média de velocidade de leitura próxima do ideal. Uma legenda curta não pode ficar exposta demasiado tempo, podendo distrair ou confundir o espectador, assim como uma legenda longa tem de estar exposta o tempo suficiente para permitir uma leitura confortável. Em teoria, isto será o ideal, mas na prática, conforme irei demonstrar mais adiante, torna-se uma tarefa complexa em que, por vezes, é necessário sacrificar algum elemento de tradução, por representar um mal menor. Quanto ao tempo entre legendas, deverá haver um intervalo mínimo de 16 milissegundos, ou 4 fotogramas, pois é esse o tempo que o cérebro demora a perceber que a legenda mudou (Ivarson e Carroll, 1998: 64-65).

A relação entre o número de caracteres e os intervalos de tempo de exposição das legendas é feita com base na capacidade de leitura do espectador comum, que se situa entre as duas e três palavras por segundo, para um texto de complexidade média. De qualquer forma, estes valores encontram-se tabelados e são quase sempre predefinidos pelo cliente/empregador. No caso da Cinemágica, todos os programas e séries legendadas são para televisão, sendo que os parâmetros predefinidos pela empresa se situam dentro das margens ideais referidas, com algumas indicações adicionais relativamente ao uso de itálicos e aspas, conforme se pode verificar no Anexo 1.

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7.2 Critérios na segmentação de legendas

A segmentação das legendas é uma questão particularmente importante, uma vez que condiciona de forma decisiva a leitura e compreensão do texto de chegada. Aliás, foi das questões abordadas com maior frequência durante a orientação do meu estágio, já que há sempre várias opções na forma de efetuar a segmentação das legendas, mas há critérios que não devem ser ignorados e que promovem a coesão entre a imagem, o som e a parte escrita. Objetivamente, cada legenda deverá ser facilmente assimilável pelo espectador durante o seu curto espaço de tempo de exposição e, como afirma Cintas, deverá ser “uma unidade lógica e sintática em si mesma” (2003: 218).

A este respeito, Ivarsson e Carroll (1998:76) referem que, sempre que possível, deverá optar-se por legendas de uma linha, nomeadamente em televisão. Eu adotei este critério inicialmente, inserindo legendas de uma linha sempre que a velocidade do discurso assim o permitia, mantendo obviamente a sincronização entre o áudio e o texto escrito. Contudo, a minha orientadora na empresa chamou-me a atenção para o facto de que se gasta menos tempo de leitura para um determinado número de palavras numa só legenda do que para o mesmo conteúdo dividido em duas legendas, ou seja, será preferível juntar duas legendas curtas de uma só linha, desde que estas se sucedam rapidamente. Os fatores a ter em conta na forma de fazer esta segmentação são a já referida sincronização entre a parte escrita e sonora, a velocidade de leitura (CPS, do inglês character per second) e os cortes de imagens. É necessário conjugar estes fatores, procurar cumpri-los de forma equilibrada sem afetar o significado da mensagem veiculada ou reduzindo ao mínimo a perda de informação, que, por vezes, é inevitável. No entanto, pela experiência adquirida durante o estágio, passei a contemplar estes fatores pela ordem em que os referi, ou seja, percebi que é preciso considerá-los em conjunto mas também hierarquizar os seus efeitos. Os cortes nas imagens, por exemplo, são um fator importante a ter em conta para a coesão da legenda com a informação visual, mas muitas vezes é impossível satisfazê-lo sem descurar um dos outros elementos de decisão. No entanto, se tiver uma legenda de duas linhas, por exemplo, numa situação que corresponda a duas afirmações consecutivas com uma mudança de plano/imagem relevante pelo meio, irei considerar a divisão dessa mesma legenda se o

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resultado final for mais coeso, ou seja, se não afetar os outros dois parâmetros de compreensão.

Há ainda um outro fator importante a ter em conta na segmentação das legendas que, embora tenha uma natureza mais estética, condiciona a fluidez na leitura do texto. Trata-se do local preciso em que se efetua a mudança de linha nas legendas de duas linhas. Conforme já foi referido, estes cortes deverão obedecer a uma lógica semântica ou sintática. Esta lógica nem sempre é possível de manter, mas é resumida em linhas orientadoras no seguinte parágrafo (Cintas, 2003: 219):

[E]n primer lugar intentaremos terminar la primera línea en un punto y aparte. De no ser posible lo anterior, intentaremos terminar la primera línea en un punto y coma o en una coma. De no resultar tampoco posible, intentaremos terminarla en la separación entre el sujeto y el verbo o en la separación ente el verbo y los complementos. De no ser posible, intentaremos no fragmentar un complemento. Después, no fragmentar una palabra.

Este critério na estruturação da legenda é algo que qualquer legendador minimanente experiente tem em conta. Contudo, costuma ser cumprido de forma muito mais rigorosa nos conteúdos baseados num guião prévio do que em transcrições ou traduções e legendagens efetuadas diretamente a partir do vídeo. É frequente não se respeitar esta estética de legendagem, por exemplo, nas reportagens ou vídeos emitidos através dos meios de imprensa ou outras plataformas que implicam uma tradução e legendagem geralmente em cima do acontecimento e baseada num discurso mais errático.

Em relação à segmentação do texto por várias legendas, concluindo as considerações já expostas, esta deve ser efetuada de acordo com o ritmo da fala, acompanhando as suas pausas e acelerações, de forma a que o espectador estabeleça um paralelismo quase inconsciente entre a informação sonora e escrita. Para além da coesão do significado, as legendas deverão idealmente transmitir a dinâmica original do texto de partida, ou seja, deverão manter os seus elementos de surpresa, ironia, suspense ou hesitação através da forma como estão divididas e sequenciadas.

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7.3 Estratégias de redução de texto

Os fatores condicionantes abordados até agora, que estão relacionados com a passagem da oralidade para escrita, a natureza volátil das legendas e a velocidade de leitura do espectador, implicam, portanto, que haja necessariamente uma redução do conteúdo do texto de partida. O equilíbrio entre estas restrições físicas e o objetivo de se manter o significado do texto de partida e de cumprir a sua designada função comunicativa é, no fundo, a essência do processo de tradução e legendagem. Para se alcançar esse equilíbrio, faz-se uma redução seletiva do texto através das duas estratégias mais utilizadas pelo tradutor, que são a condensação e a omissão (Cintas, 2003 e 2014), sendo que normalmente são usadas em simultâneo.

A condensação consiste numa redução do texto, sem que se verifique uma perda do conteúdo semântico e permitindo manter grande parte da componente estilística. A omissão é utilizada sobretudo para eliminar elementos meramente funcionais e sem grande carga semântica para a legenda, como elementos fáticos, pausas, hesitações, repetições, etc. Apesar de não afetar o conteúdo, esta estratégia de redução pode alterar de forma mais significativa a expressividade do discurso original. O tradutor para legendagem tem de gerir de forma hábil e criativa a aplicação simultânea destas duas técnicas, sem nunca perder de vista a coerência temática e a coesão lexical das legendas. No entanto, neste processo por vezes realça-se em demasia a necessidade de se obter frases simples, bem sintetizadas e organizadas do ponto de vista sintático e semântico. Esta foi, aliás, provavelmente a primeira noção que adquiri no meu primeiro contacto com este tipo específico de tradução. Ao focar-me em demasia na eliminação de elementos redundantes e na simplificação do discurso, poderei inadvertidamente estar a produzir um texto de chegada mais monocórdico e a eliminar a tal expressividade do discurso original. A aplicação das técnicas de redução de texto tem, sem dúvida, de considerar uma estratégia predefinida no que respeita à funcionalidade do texto de chegada. As nuances expressivas e estilísticas, que são frequentemente sacrificadas no processo de redução de texto, podem ser muito pertinentes para a finalidade do texto em questão.

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problemáticos a nível de tradução. A tradução para legendagem não permite, por exemplo, a utilização de notas de rodapé ou outros recursos explicativos, uma vez que está obviamente sujeita às limitações específicas das legendas. Há muitas situações em que o tradutor tem de ser criativo e eficaz ao nível das equivalências de termos ou expressões no universo limitativo da legendagem, já que por vezes é impossível contextualizar devidamente essas transferências de significado. Neste processo, por vezes há a tendência para se camuflar algumas “perdas” de significado através de uma tradução redutora, que pode não deixar de ser coerente, mas é certamente menos rica. Os exemplos concretos de estratégias de condensação e omissão de texto que possam ilustrar os temas referidos serão abordados mais adiante.

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8. Aprendizagem e desenvolvimento de competências durante o estágio

A tradução e legendagem, conforme foi evidenciado anteriormente, é um processo que exige competências diversas, mas muito específicas, para se poder alcançar bons níveis de profissionalismo e qualidade. O tradutor para legendagem tem de possuir as mesmas qualidades e características exigidas a qualquer outro tradutor, como sejam competências linguísticas e de tradução, conhecimentos aprofundados das línguas-culturas envolvidas, competências de pesquisa terminológica e documental ou a capacidade para lidar com prazos apertados. A estas competências fundamentais, tem logicamente de acrescentar outras de carácter mais técnico que lhe permitam dominar todos os fatores e parâmetros referidos anteriormente associados à legendagem, assim como estar ciente das limitações dos meios que utiliza, a fim de poder decidir o tipo de estratégias a adotar e saber manipular o texto devidamente. Este tipo de competências específicas foram precisamente as que este estágio me permitiu desenvolver.

A primeira consideração a fazer relativamente à experiência do estágio foi que os processos de tradução e legendagem estão demasiado interligados, por todas as razões apresentadas até agora, para poderem ser considerados em separado. Na minha experiência profissional anterior ao estágio limitei-me a fazer a parte do processo relativa à tradução. Contudo, podendo agora estabelecer uma comparação, o trabalho final é mais coeso, coerente e rápido se for a mesma pessoa a efetuar as partes de tradução e legendagem. Como este processo envolve fases diferentes, que podem ser abordadas com metodologias diferentes, as primeiras opções de tradução e de segmentação das legendas sofrem sempre alterações nas fases posteriores. Há vários elementos a ter em consideração que condicionam a tradução, como os limites de caracteres, ritmo da fala e velocidade de leitura, por isso é necessário que o tradutor disponha de ferramentas que combinem todos esses fatores e lhe permitam ter uma perceção clara da adequação do seu trabalho de tradução para o formato de legendagem. Essa perceção completa só é possível recorrendo a software de legendagem, que dispõe dos devidos indicadores automáticos e das necessárias ferramentas de correção. Além disso, é muito frequente nas fases posteriores do processo surgirem ideias melhores para solucionar determinados problemas ou então o tradutor aperceber-se de que há

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parâmetro que não foi considerado de início (por exemplo, a sincronização com a imagem). As opções linguísticas em termos de estilo e ritmo que o tradutor possa ter assumido podem também ser alteradas no caso de ser outra pessoa a fazer a legendagem, uma vez que o legendador terá de considerar outros fatores de remodelação do texto e irá inevitavelmente romper com o critério assumido inicialmente pelo tradutor. Mesmo que se tratem de excelentes profissionais a trabalhar em separado, o texto de chegada irá correr mais riscos a nível de coesão e coerência, ou seja, o processo global será mais falível e demorado. Por todos estes motivos, a legendagem deverá ser feita, se possível, pela mesma pessoa que traduziu o texto de partida, uma vez que os processos de tradução, sincronização e adaptação do texto estão demasiado interligados e devem ser considerados sob um critério uniforme.

Outro tipo de competências apreendidas é a atenção às opções linguísticas em termos de estilo e vocabulário usado, tendo em conta as especificações relativas ao trabalho de tradução fornecidas pelo cliente/empregador ou, na ausência destas, a capacidade de dedução do tradutor em relação às necessidades do público-alvo. Há alguns fatores que, a serem preponderantes, são quase sempre mencionados pelo cliente, tais como o horário de emissão e o canal televisivo em questão. Eu não tive de considerar estes dois últimos fatores, mas sei de exemplos de tradução e legendagem na Cinemágica em que havia duas versões diferentes de um mesmo programa a serem emitidas em horários distintos, assim como é evidente, por exemplo, que o tipo de linguagem empregue para a SIC generalista é diferente da SIC Radical, devido a terem audiências diferentes. Nas séries que me foram atribuídas, que se destinavam aos canais Discovery e TLC, não me foram dadas indicações específicas quanto ao tipo de linguagem a usar e as temáticas abordadas também não levantaram entraves ou questões susceptíveis a esse nível. Há diferenças óbvias a nível de registo entre um documentário para o Discovery ou uma série de faits-divers no TLC e, nestes casos, limitei-me a adotar um tipo de linguagem semelhante ao original em termos de estilo e conteúdo, deduzindo o tipo de público a que se destinava.

No entanto, uma outra constatação que posso fazer associando a minha experiência profissional prévia com a do estágio, é que o tradutor para legendagem tem de trabalhar com vários géneros de produtos audiovisuais, o que implica abordar os mais variados domínios de conhecimento e respetiva terminologia. Durante o estágio traduzi uma série sobre pratos típicos regionais nos EUA e os seus conceitos de culinária e uma série

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sobre como são fabricados vários tipos de engenhos mecanizados comuns, como relógios ou máquinas corta-relva. Em traduções prévias para legendagem, traduzi séries sobre mecânica automóvel, aviação, armamento pesado e leilões de antiguidades, entre outras. Com isto, quero apenas realçar a extraordinária variedade de temas com que um tradutor nesta área tem de lidar e realçar a maior dificuldade que essa imprevisibilidade de domínios proporciona em comparação com um tradutor especializado numa determinada área. Não é apenas na tradução de documentários que um tradutor para legendagem tem de fazer pesquisa terminológica, e algumas com elevado grau de especialização. Evidentemente que esse grau de especialização vai depender também do género da série em questão e do público a que se destina, ou seja, apesar de por vezes ter de fazer uma pesquisa mais aprofundada de certos conceitos, o tradutor não terá de usar necessariamente uma linguagem especializada. Existem documentários emitidos em canais generalistas sobre, por exemplo, astronomia, que se destinam a todas as idades e onde não será adequado utilizar termos especializados. Assim como haverá eventualmente documentários sobre astronomia dirigidos a uma audiência mais especializada, onde se justifica o uso de uma terminologia mais rigorosa, resultando num registo de maior formalidade.

8.1 Software de legendagem

Regressando a um ponto referido no início deste capítulo, o facto de a tradução e legendagem serem efetuadas idealmente pela mesma pessoa implica que a capacidade de adaptação às novas tecnologias, nomeadamente ao software de legendagem, seja uma competência essencial de qualquer profissional nesta área. Aliás, no mercado de trabalho atual, particularmente em Portugal, é muito difícil conseguir trabalho sem dominar ambos os processos: tradução e legendagem. Em algumas empresas internacionais há bastante trabalho processado no sistema de templates, o que já foi referido, onde realmente se insere apenas a tradução, embora de uma forma mais limitativa e com qualidade inferior. No entanto, se um tradutor dominar todo o processo de tradução e legendagem e dispuser de material próprio será seguramente muito mais

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competências desenvolvidas durante a realização do estágio, apesar de já ter usado software de legendagem durante o mestrado e de forma pontual anteriormente.

A adaptação ao software de legendagem acabou por ser a tarefa mais árdua e demorada do estágio por diversas razões. A razão primordial deve-se ao tipo de software usado, que irei distinguir entre duas categorias principais: as ferramentas gratuitas e as ferramentas profissionais a pagamento. O grande dilema para a maioria dos trabalhadores independentes que iniciam a sua atividade em tradução e legendagem é o investimento pesado que o software de legendagem profissional implica, na maioria das vezes sem garantias de que se irá ter um volume de trabalho satisfatório. Este investimento tem de ser considerado pelos profissionais deste ramo porque as empresas de tradução e legendagem exigem, na sua esmagadora maioria, que os ficheiros de legendagem sejam entregues num tipo de formato que não é suportado pelo software gratuito e também por haver uma grande superioridade na qualidade operacional. Este foi o problema principal com que tive de lidar de início e que quase colocou em causa a própria realização do estágio. A Cinemágica utiliza dois tipos de software de legendagem profissional, o Transtation e o Spot, e exige que os ficheiros sejam entregues em formato PAC ou EBU(STL)4. O Transtation é uma ferramenta que hoje

em dia é quase obsoleta, enquanto que o Spot é a ferramenta mais utilizada atualmente no mercado da TAV e com a qual já tive oportunidade de trabalhar. O tipo de investimento que o Spot implicava não era uma opção viável para mim, no contexto deste estágio. Em alternativa, entre os dois tipos de software gratuitos mais utilizados e eficazes, o Subtitle Workshop e o Aegisub, a minha preferência seria o primeiro por ter sido a ferramenta usada durante o mestrado e ter uma utilização muito simples, prática e eficaz. No entanto, verifiquei que não suportava nenhum dos formatos pretendidos. O Aegisub exporta ficheiros de legendagem em formato EBU(STL) e, como tal, acabou por ser a minha escolha. A dificuldade foi o período de adaptação e o rol de problemas inesperados, os bugs, que naturalmente são próprios do software gratuito.

4 Os ficheiros PAC e EBU são formatos criados para a sincronização de legendas com timecode de vídeo e que podem ser editados com software de legendagem profissional. O EBU (European Broadcasting

Union) é o formato padrão para a entrega de ficheiros de legendas entre estações de televisão e outras

Referências

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