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Semiótica do direito: modelos de signo jurídico com base nos conceitos de Charles Sanders Peirce

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO. SEMIÓTICA DO DIREITO: modelos de signo jurídico com base nos conceitos de Charles Sanders Peirce. DANIEL PITANGUEIRA DE AVELINO. DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Área de Concentração: Filosofia e Teoria Geral do Direito. Recife 2006.

(2) DANIEL PITANGUEIRA DE AVELINO. SEMIÓTICA DO DIREITO: modelos de signo jurídico com base nos conceitos de Charles Sanders Peirce. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife / Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: Filosofia e Teoria Geral do Direito Orientador: Prof. Dr. George Browne Rego. Recife 2006.

(3) Avelino, Daniel Pitangueira de Semiótica do direito: modelos de signo jurídico com base nos conceitos de Charles Sanders Peirce / Daniel Pitangueira de Avelino. – Recife : O Autor, 2006. 167 fls.; quad., fig. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Direito, 2006. Inclui bibliografia. 1. Semiótica jurídica – Definição. 2. Peirce, Charles Sanders, 1839-1914 – Semiótica. 3. Direito – Significação – Teoria. 4. Norma jurídica. 5. Modelos jurídicos extranormativos – Construção. 6. Semiótica (Direito). 7. Teoria dos signos – Direito. 8. Signo jurídico – Condutas e valores sociais. 9. Direito – Linguagem. 10. Direito – Filosofia. I. Título. 340.12 340.1. CDU (2.ed.) CDD (22.ed.). UFPE BSCCJ2006-019.

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(5) AGRADECIMENTOS. Aos professores da UFPE, Ao meu orientador, Prof. George Browne, Aos funcionários do CCJ, Aos colegas de curso, pelas lições de caráter; À minha família, À minha companheira, por tudo, simplesmente tudo..

(6) À filosofia coube a contesta, à ciência, respostas nuas; à linguagem nada mais resta a não ser brincar com as duas..

(7) RESUMO. AVELINO, Daniel. Semiótica do direito: estudo sobre o signo jurídico com base nos conceitos de Charles Sanders Peirce. 2006. 167 f. (Dissertação) Mestrado em Direito – Centro de Ciências Jurídicas / Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. Esta análise propõe uma tentativa de evocar as idéias de Charles Sanders Peirce, referentes à semiótica e teoria dos signos, a fim de promover uma abordagem prática sobre contextos jurídicos. De início, um retrato geral da obra de Peirce é apresentado, enfatizando sua fenomenologia e categorias triádicas e conduzindo a uma discussão sobre estruturalismo e estruturas como método. Mais adiante, os principais conceitos de uma teoria dos signos, enfocando os elementos de relações triádicas e aperfeiçoamento e abstração como cadeias semióticas, são descritos e aplicados no contexto do Direito, propondo uma rápida visão da norma jurídica como um signo e debatendo semiótica da norma, assim como os efeitos do dogma sobre semiose infinita. Por fim, os sistemas normativo e lingüístico são deixados para trás assim que a conduta assume o centro do palco, como um signo comunicativo. Esta semiótica das condutas apresenta seus conceitos e categorias, relacionando questões jurídicas a temas como valores sociais, ética e exemplo. O estudo finaliza ressaltando a importância do desenvolvimento conceitual para aprimoramento do discurso científico e acadêmico. PALAVRAS-CHAVE: Peirce; semiótica; direito..

(8) ABSTRACT. AVELINO, Daniel. Semiotics of law: study of juridical sign based on concepts of Charles Sanders Peirce. 2006. 167 f. Master Degree – Centro de Ciências Jurídicas / Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. This analysis proposes an attempt to evoke the ideas of Charles Sanders Peirce, concerning to semiotics and theory of signs, in order to promote a practical approach over juridical contexts. At first, a general depiction of Peirce’s works is presented, emphasizing his phenomenology and triadic categories, and leading to a discussion about structuralism and structures as a method. Further, the main concepts of a theory of signs, focusing the elements of triadic relations and improvement and abstraction as semiotic chains, are described and applied into the context of law, proposing a glance of juridical norm as a sign, and debating normative semiotic, as well as the effects of dogma over infinite semiosis. Eventually, normative system and language system are left behind as conduct emerges at center stage, as a communicative sign itself. This semiotic of conducts presents its concepts and categories, relating juridical issues to themes as social values, ethics and example. The study ends remarking the importance of conceptual development to enhance scientific and academic discourse. KEYWORDS: Peirce; semiotics; law..

(9) LISTA DE QUADROS. Quadro 1 – Arquitetura teórica das ciências segundo Peirce ................................................... 31 Quadro 2 – Categorias universais do pensamento de Peirce .................................................... 35. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Categorização do pensamento................................................................................. 56 Figura 2 – A percepção segundo Peirce ................................................................................... 62 Figura 3 – A estrutura do signo peirceano................................................................................ 67 Figura 4 – Classificação dos signos.......................................................................................... 70 Figura 5 – A cadeia semiótica .................................................................................................. 78 Figura 6 – Encadeamento por “aperfeiçoamento”.................................................................... 80 Figura 7 – Encadeamento por “abstração” ............................................................................... 82 Figura 8 – Signo jurídico – primeiro modelo: signo normativo lingüístico ............................. 92 Figura 9 – Signo jurídico – segundo modelo: signo normativo lógico-formal ........................ 95 Figura 10 – Quebra da cadeia semiótica................................................................................. 106 Figura 11 – Revisando o signo normativo lógico-formal....................................................... 114 Figura 12 – Signo jurídico – terceiro modelo: signo jurídico social ...................................... 125 Figura 13 – Signo jurídico complexo ..................................................................................... 156.

(10) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO E INTRADUÇÃO.........................................................................................9 CAPÍTULO 1 - UMA LÓGICA DA REALIDADE.............................................................17 1.1 CONHECENDO AS ESTRUTURAS DO CONHECER................................................17 1.2 AS SEMIÓTICAS............................................................................................................20 1.3 O FILÓSOFO, O CIENTISTA, O LÓGICO...................................................................22 1.4 BASES PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA SEMIÓTICA..........................................29 1.5 TRÊS CATEGORIAS DA REALIDADE.......................................................................34 1.5.1 Primeiridade....................................................................................................................35 1.5.2 Secundidade.....................................................................................................................37 1.5.3 Terceiridade.....................................................................................................................38 1.6 A SEDUÇÃO DA ESTRUTURA....................................................................................41 1.7 CONSIDERAÇÕES SOBRE CATEGORIZAÇÃO E MÉTODO..................................48 CAPÍTULO 2 - A CONSTRUÇÃO DE UM SIGNO NORMATIVO................................53 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5. O MENOR CONTINENTE DE TUDO............................................................................53 PEIRCE E A PERCEPÇÃO............................................................................................59 SOB O SIGNO DE PEIRCE.............................................................................................65 SEMIÓTICA DA NORMA JURÍDICA...........................................................................84 CONSIDERAÇÕES SOBRE DOGMA E SEMIOSE INFINITA..................................101. CAPÍTULO 3 - ALÉM DA NORMA..................................................................................108 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5. A ABORDAGEM LINGÜÍSTICA E SEUS LIMITES..................................................108 REVISITANDO A NORMA JURÍDICA.......................................................................112 SEMIÓTICA DAS CONDUTAS...................................................................................119 DIREITO E SEMIOSE DAS CONDUTAS...................................................................138 CONSIDERAÇÕES SOBRE EXEMPLO E ÉTICA......................................................144. CONCLUSÕES.....................................................................................................................152 REFERÊNCIAS....................................................................................................................162.

(11) INTRODUÇÃO E INTRADUÇÃO Uma palavra. Traços escuros sobre o fundo branco do papel. Nada mais que isso e, ainda assim, um fluxo infinito de idéias, conceitos e impressões são formados na subjetividade de quem lê. É um processo tão rápido, tão rotineiro, que é comum pensar na identidade entre o que se vê e o que se pensa. O reconhecimento de que há uma relação entre esses dois pólos fenomenológicos é o que fundamenta o estudo da comunicação humana. Destacar esse fenômeno – atribuir-lhe importância e prevalência – é o que caracteriza a semiótica, o estudo teórico dos signos. A significação é o conceito que melhor representa esse fenômeno. Consiste, em rápidas linhas, nessa habilidade humana de tomar algo por outro, de tornar presente o ausente. Adotando a premissa de que nem tudo aquilo que pode ser a realidade é apreensível, pelo menos não de forma plena, o recurso a elementos intermediários é o que define a capacidade humana de ir além da própria percepção, criando e comunicando sua visão de mundo, o que torna possível, simbolicamente, recriar uma realidade. Isso ocorre em todas as áreas do conhecimento humano, com suas linguagens, códigos e métodos próprios. No espaço epistemológico, tratar de significação implica discutir, em cada caso, qual e como é feito o recorte da realidade para produzir objetos de análise. Ao inquirir o que um pesquisador considera importante – significativo – em sua percepção, é possível verificar bons indícios de como o conhecimento é construído, ali. O conhecimento humano floresce onde lhe seja mais fértil o solo. Por exemplo, no campo do direito germinaram importantes sementes, como o estudo dos sistemas normativos, enquanto na filosofia da linguagem foram desenvolvidas as raízes da semiótica e da análise da significação. A proposta deste trabalho consiste em alcançar essas duas áreas de cultura.

(12) 10 humana – direito e semiótica –, descobrir-lhes caminhos comuns e, tanto quanto possível, traçar mapas das suas intersecções. Estudar os signos e os processos de significação é uma importante forma de compreender o que repousa nos discursos jurídicos – e além deles. Para tanto, é necessário trazer discussões e hipóteses sobre a significação jurídica, a fim de guiar mais alguns passos do andarilho que tentar se aventurar no tortuoso caminho que une a semiótica ao direito. Desenvolver um estudo sobre semiótica requer a superação de alguns desafios fundamentais, sendo que o mais determinante consiste no estabelecimento do referencial teórico (e ideológico) a ser adotado. Esse cuidado, presente em qualquer estudo científico, também deve ser observado em uma doutrina como a semiótica, que apresenta linhas de pensamento distintas – e até contrastantes – conforme o pensador a ser estudado. Sem o marco ideal de um discurso acadêmico comum (ou pelo menos de relativo consenso epistemológico), há uma clara tendência a existirem tantas “semióticas” quantos forem os autores a tratarem do assunto. Além disso, o signo – o elemento básico da significação – é um objeto conceitualmente delimitado, mas que pode ser concretizado em uma infinidade de formas possíveis e diversas. Os desenvolvidos estudos de semiótica aplicada, sobre formas específicas de signos, contribui ainda mais para aumentar a pluralidade (e plurivocidade) do discurso semiótico. A fragmentação da semiótica não é fenômeno recente. Há autores, como Lúcia Santaella (2003), que apontam o início da abordagem analítica dos signos em três linhas distintas, quase simultâneas: a corrente norte-americana, a doutrina européia da semiologia, e a semiótica russa de Tártu-Moscou. A convergência das três propostas de teoria dos signos não ocorreu sem mácula, decorrente inclusive das divergências entre os conceitos básicos que.

(13) 11 orientavam cada uma das tendências, o que é combustível farto para as discussões semióticas da atualidade. Além disso, a chamada “virada lingüística” da filosofia pós-moderna, após elevar a linguagem ao estado de núcleo central dos seus estudos, contribuiu para a produção de diversos trabalhos que tratam, direta ou indiretamente, da relação do homem com sua comunicação e, portanto, do homem com seus signos. Estes estudos sobre linguagem, vinculados às mais diversas formas de conhecimento humano, por apresentarem uma relação direta ou indireta com o objeto da semiótica, terminaram por serem tomados como integrantes desta disciplina, em sua grande maioria. Com isso, ainda mais tênues se tornam as fronteiras que delimitam a semiótica. Além dessa multiplicidade de discursos, todo aquele que pretende empreender a viagem ora proposta deve considerar as especificidades dessa área do saber. Se estiver partindo de um paradigma racional e formal de ciência, ou de um modelo filosófico de plenitude e universalidade como no direito, o pesquisador, como todo bom turista em nação estranha, deve estar preparado para conhecer a semiótica em suas diversas correntes, seu discurso não-linear, seu caráter simultaneamente geral e específico e seu objeto de formas infinitas. A semiótica pode estar amparada, portanto, por um outro paradigma não-científico de conhecimento, determinado pela natureza peculiar do seu objeto ou influenciada pelo pósmodernismo, ama-de-leite das jovens doutrinas que se desenvolveram no século XX. Por todos estes motivos, abordar a teoria dos signos implica estabelecer, de início, qual a linha doutrinária a ser seguida, a fim de tornar claros quais os conceitos e métodos utilizados – e, por conseqüência, qual “semiótica” será analisada. A linha teórica a ser adotada no presente trabalho, sem dispensar a necessária análise crítica, tem fundamento na obra do filósofo norte-americano Charles Sanders Peirce. Descrevê-lo como “filósofo” é uma simplificação da realidade que não faz jus a um pensador.

(14) 12 que ousou trilhar as mais diferentes áreas de conhecimento humano – desde as ciências até a filosofia – com igual empenho. A leitura do conjunto de sua obra – dificultada consideravelmente pela sua produção fragmentada – revela uma preocupação constante em explicar a realidade ou, ao menos, a forma como é percebida pelo homem. A lógica foi a área do conhecimento que se mostrou mais profícua às incursões de Peirce. Pelo prisma da lógica, foram lançadas as sementes do que poderia ter sido uma teoria geral do conhecimento, uma tentativa de explicação da realidade, que rendeu alguns frutos exóticos, entre eles seus estudos sobre os signos, como será evidenciado em páginas por vir. Por fim, cumpre apontar que os conceitos traçados por Peirce constituem a avenida principal em que trafegará o presente texto, mas sempre será necessário recorrer a outras teorias como vias secundárias – seja porque, mais modernas, conduzem melhor o fluxo entre estruturas construídas em tempos recentes, ou ainda porque, melhor localizadas, permitem o acesso direto a pontos importantes para os propósitos deste trabalho. Aplicar esses conceitos da semiótica no âmbito do direito não é de forma alguma uma proposta inédita ou recente, mas sempre sedutora. A prática do jurista envolve um manuseio constante da linguagem como forma instrumental e, por isso, trazer esta mesma linguagem para o foco dos debates soa como algo natural e previsível. Por mais paixão que desperte o tema, emergir os debates semióticos para o cenário jurídico requer muito mais esforço racional do que parece à primeira vista. Em empreitada como esta, estão sendo enfocados dois conjuntos doutrinários com características sensivelmente diferentes. De um lado, a semiótica, discurso recente com características pósmodernas, sem um sistema unívoco, com objeto conceitualmente definido, porém ilimitado em forma. Por outro lado, apresenta-se o direito, influente, tradicional e milenar, com um corpo de pesquisadores e operadores razoavelmente coeso e dotado de suficientes identidade e auto-referência, com uma prática extremamente formalizada, mas que, no campo de uma.

(15) 13 teoria geral, mantém em permanente debate mesmo seus pontos fundamentais, como a conceituação do seu objeto ou a sua própria cientificidade. Se, por um lado, ainda há discussão sobre o objeto epistemológico do direito – o que representaria uma significação aberta a vários fenômenos –, por outro a nossa prática jurídica contemporânea aponta para o majoritário primado da norma. Ainda que não se confundam direito e norma, esta última, inegavelmente, constitui o limite auto-imposto e o campo de atuação do jurista dos nossos tempos – e tudo o mais é relegado à Filosofia do direito. Faça-se filosofia, pois. Em uma precipitada análise lógica, o ideal seria a superação desses impasses, em ambas as áreas do conhecimento, antes de qualquer tentativa de trabalho transdisciplinar. Todavia, no campo das ciências humanas e mais ainda na filosofia, o ótimo racional nem sempre é o ponto de chegada e às vezes sequer o horizonte. O conhecimento humano, como objeto cultural, é dinâmico e social e historicamente condicionado. Portanto, conscientes da sua função, os pesquisadores não se devem omitir na produção de qualquer estudo tido como válido e pertinente, ainda que sua probabilidade atual de aceitação ou aplicação seja reduzida. Embora pretenda tornar inteligível o real imediato, o conhecimento pertence ao futuro. Além disso, uma análise das doutrinas como objeto não se pode deixar limitar pelas fronteiras consensualmente aceitas entre elas. Pela própria natureza do conhecimento humano, é comum que o progresso de uma dada área seja o apoio para os debates de outra, numa demonstração de que as distinções entre si são muito mais culturais – e formais – do que ontológicas. Para tornar possível a intersecção entre os dois discursos, a noção de objeto é o ponto fundamental, muito embora seja preciso ter em mente que, especificamente, traçar uma resposta definitiva, acaso concebível, para as questões referentes ao objeto de cada uma das.

(16) 14 mencionadas áreas de conhecimento é uma tarefa extremamente complexa que ultrapassa as pretensões do presente trabalho. De uma maneira muito mais restrita, neste estudo será encarado diretamente o desafio de definir o objeto de uma possível semiótica jurídica. Especificamente, o objetivo propositivo e geral do presente estudo é analisar e propor um modelo de signo jurídico, considerando os limites e as potencialidades de aplicação da semiótica e do direito a contextos comuns. De forma mais precisa, por meio da aplicação dos conceitos e categorias de Peirce há a proposta de testar a normatividade jurídica, de forma a tentar estabelecer relações (comunicacionais) com as formas pelas quais se expressa. Da mesma maneira, há ainda a hipótese da possibilidade de construção de modelos jurídicos extranormativos. Não há como garantir que esse exercício de semiótica aplicada traga inovações extraordinárias para a discussão jurídica, quando o mais provável é que apresente, sob nova forma, sob novos nomes, temas que já fazem parte do debate no direito. Todavia, a pretensão deste texto é precisamente conceitual e, por isso, a enunciação de elementos jurídicos conforme a teoria dos signos tem o potencial de permitir uma aproximação entre o contexto do direito e a vasta filosofia de Peirce e dos seguidores de sua semiótica. No contraste entre esses dois discursos as críticas e as propostas certamente hão de surgir. Trata-se, portanto, de uma experiência de tradução – e seus limites. Traduzir os conceitos jurídicos em termos semióticos, em um primeiro momento, não passa de (mais) uma modelagem de fenômenos sociais em estruturas formais. Nessa primeira leitura, há um resultado preliminar esperado que consiste em, ao testar a teoria da significação no direito, identificar seus elementos de comunicação mais básicos – e por isso mais significativos. Isso seria um vestígio de contribuição para a discussão sobre o objeto do direito..

(17) 15 Com esse objetivo, o primeiro capítulo do trabalho enfrenta o desafio de expor as noções sobre a teoria fenomenológica de Peirce, especificamente as suas categorias fundamentais, o que leva a uma discussão sobre estrutura como método e como objeto. A segunda parte enfatiza a noção de signo, destacando os seus elementos conformadores, e apresenta as primeiras propostas de modelos de signos jurídicos normativos (sob as perspectivas lingüística e lógico-formal), culminando com uma análise sobre a atuação do dogma sobre a semiose. Por fim, o terceiro capítulo revisa as propostas anteriores para acrescentar mais um modelo de signo jurídico enfatizando o papel significativo das condutas e dos valores sociais, concluindo com uma exposição sobre a relevância do exemplo em um contexto de crise do sistema simbólico jurídico-estatal. Após esse percurso, o confronto entre duas estruturas formais – o sistema normativo de inspiração kelseniana e as categorias peirceanas – para a produção de modelos transdisciplinares de significação jurídica é apto a produzir conclusões relevantes. Em hipótese, as críticas comuns podem revelar uma identidade insuspeita entre as duas visões, o que igualmente permite um compartilhamento – uma tradução – de suas propostas de aperfeiçoamento. O contrário também é factível. Há a possibilidade de que se conclua, ao final, que as estruturas jurídicas e semióticas não são compatíveis e, além disso, que os fenômenos do direito, em si, não formam uma linguagem ou sequer uma comunicação. Pode ser que direito e semiótica sejam completamente intraduzíveis. Essa não é a crença que fundamenta o presente trabalho. A constatação de que muito separa os conceitos de direito e de semiótica não implica que sejam incomunicáveis. Ainda que fossem, nada demonstra que não possam vir a ser compatíveis, no futuro, o que por si justifica qualquer esforço de interação. Afinal, pode haver diálogo até mesmo entre quem não fala a mesma língua. Um diálogo difícil, mas que pode ser construído. A natureza.

(18) 16 humana, flexível, comunicativa e adaptável, é o que fomenta o restrito exercício de tradução proposto neste trabalho. Uma vez posto este cravo da estrada de ferro, os trilhos da semiótica jurídica poderão ser assentados, em um outro devido momento, com a firmeza necessária para resistir à passagem do tempo e dos andarilhos. Quando a estrutura estiver completa, talvez os engenhos que trafeguem pelo caminho entre semiótica e direito – então já bem menos tortuoso que antes – comuniquem não apenas pessoas, mas também idéias, matéria-prima para o progresso de qualquer conhecimento..

(19) 17. CAPÍTULO 1 - UMA LÓGICA DA REALIDADE 1.1 CONHECENDO AS ESTRUTURAS DO CONHECER Dentre as diversas formas de conhecimento do mundo, possivelmente aquela que mais desafia o sujeito pensante seja precisamente o exame de si mesmo, a difícil tarefa de voltar o olhar para suas próprias ações, seus próprios traços peculiares, sua forma singular de manifestar-se na realidade e como parte dela. Considerando-se os limites de nossa compreensão das coisas, não é surpresa perceber que a complexidade que caracteriza o ser humano como objeto de estudo torna igualmente complexos quaisquer meios de explicá-lo e explicar-se-lhe. Assim, todo o conjunto de disciplinas que tratam do conhecimento, por envolver uma relação em maior ou menor intensidade com esse objeto prismático e multifacetado que é a própria noção de subjetividade, tende a amplificar esses contrastes. Enfim, a interminável tarefa do ser humano em entender o mundo pode ser considerada uma jornada incerta voltada para conhecer a si mesmo. Desta forma é possível alimentar a fome de saber. Assim, a formação de conhecimento, em qualquer área teórica, implica o estabelecimento de relações entre quem conhece e aquilo que se dá a conhecer. Ou seja, um determinado “objeto” não é “descoberto” ou “explicado” pelo pesquisador, mas sim apreendido e inserido, de uma nova forma, no conjunto de elementos que compõem sua visão de mundo. Entender um “objeto” equivale a torná-lo compreensível, fazê-lo compatível com o que já se sabia, encaixá-lo no seu “devido lugar” e com isso reforçar ainda mais a coerência do conjunto de conhecimentos prévios. Em suma, compreender significa tornar algo parte de nossa realidade – a realidade que cada sujeito constrói. Nessa linha de raciocínio, resta pouco espaço para o verdadeiro “novo”. A aquisição de conhecimentos transita por um processo constante de transformação, não de surgimento, em que as coisas que compõem nosso conjunto de “verdades” são.

(20) 18 sucessivamente ressaltadas, recortadas e devolvidas ao mesmo cenário sob novas relações. Assim, o processo do conhecimento não reside na incorporação de elementos “descobertos” da realidade, pelo menos não em sua totalidade, mas no estabelecimento de novas conexões entre fragmentos que, possivelmente, já integravam nossa moldura de mundo. Aqui mais uma vez fica explícita a participação do sujeito cognoscente como elemento do seu próprio conhecimento. Estabelecer relações entre fragmentos do real é essencialmente reconhecer relações entre a realidade e si mesmo – ou o que se entende por “si mesmo” –, pois toda conexão de idéias, por mais abstratas e distantes que sejam, tende a ser mediada pelo sujeito e sua visão de mundo. Aquele que conhece figura não apenas como coordenador da formação de novas relações, mas principalmente como o marco-zero, o ponto de referência de todas as idéias que passem a integrar sua visão de um mundo tido como “externo”. Portanto, construir uma noção de realidade é também traçar os limites da própria subjetividade. Nesse ponto ganha relevância o aspecto da linguagem. Sem reduzir a importância da percepção direta como fonte de experiência em estado bruto, é possível notar que a partir do momento em que o ser humano, em sua história de vida, passa a fazer parte do universo discursivo de alguma linguagem socialmente fundada, esta tende a participar de toda aquisição de conhecimento, seja como sua fonte, como mediadora ou como verificadora de validade. Em outras palavras, há a tendência de que as idéias sejam trazidas pelas linguagens, sejam formatadas pelas linguagens ou, pelo menos, julgadas como possíveis ou absurdas por critérios apontados pelas linguagens. É possível presumir que há elementos psíquicos incompossíveis com os limites das linguagens em geral. Ou seja, é possível concordar com a hipótese de que existem idéias não-comunicáveis. Mesmo assim, a formação de uma explicação do mundo, do ponto de vista consciente, exige do sujeito não somente um entrelaçamento de pensamentos, mas também.

(21) 19 uma tarefa de seleção, julgando cada elemento segundo critérios próprios e aproveitando mais o que for compatível com sua noção de realidade e descartando as demais idéias – os “absurdos”. Nesse juízo, são privilegiadas as concepções que estão mais ancoradas nos valores sociais, culturais e ideológicos compartilhados por aquele sujeito. Em um julgamento dessa natureza, as linguagens exercem seu poder de influência de forma constante e deixam de ser apenas ferramentas de comunicação, portanto “externas”, para revelarem-se como métodos de racionalização e ordenação de idéias, portanto internas à subjetividade. Reconhecida a influência que as linguagens – lingüísticas ou não – exercem sobre a aquisição e modelação de pensamentos, resta saber em que intensidade e de que forma acontece essa intervenção. Obviamente, esta é uma empreitada ousada, mas que pensadores como Charles Sanders Peirce tentaram realizar. Na trilha de sua jornada, nos limites estreitos que condicionam o presente estudo, certamente algumas respostas hão de surgir. Serão respostas incompletas, seguramente, e de forma alguma consensuais. Todavia, é esperado que sejam construções coerentes, fruto de teorias dotadas de considerável consistência, que poderão pelo menos indicar algumas formas pelas quais dizemos o que pensamos e pensamos o que dizemos. Tratar do trabalho de Charles Sanders Peirce deve sempre ser uma tarefa integradora. O legado do filósofo norte-americano não pode ser analisado de forma fragmentária, ou reducionista. Por este motivo, fica o alerta de que estas páginas dedicadas a aspectos de sua obra, de antemão, já começam incompletas. Independentemente do esforço de pesquisa, não é possível compreender e ainda menos explicar o conteúdo de alguma das teorias de Peirce sem recorrer ao conjunto de conceitos dispersos ao longo de toda uma vida dedicada a conhecer o próprio conhecimento. Assim, o assunto abordado neste capítulo, apesar de ser tão delimitado quanto possível,.

(22) 20 inevitavelmente atua como uma representação (um signo?) de uma construção lógica muito maior e mais complexa1.. 1.2 AS SEMIÓTICAS A disciplina da semiótica – se é precipitado defini-la como ciência – tem três raízes distintas que lhe conceberam quase ao mesmo tempo. A primeira linha é a semiologia européia, com origem nos estudos de lingüística de Ferdinand de Saussure. Também foi desenvolvido na Rússia um modelo de semiótica, com fundamentos na poética e crítica da cultura. Por fim, antecedendo cronologicamente esses dois momentos, Charles Sanders Peirce lançou as bases do que viria a ser a semiótica americana. A matriz semiótica peirceana está assentada em alguns fundamentos filosóficos, principalmente em sua fenomenologia ou phaneroscopia. É nesse ponto que reside sua principal diferença em relação aos outros grupos que desenvolveram teorias de significação. A semiótica européia é tributária dos trabalhos de Ferdinand de Saussure, reunidos por seus alunos do livro “Curso de Lingüística Geral”2. Nessa obra, além de expressar a necessidade de recortes metodológicos específicos para o estudo da linguagem verbal – o que pode ser considerado o início do estudo da lingüística com pretensões científicas – o professor francófono sinaliza a possibilidade de um estudo geral do conjunto das formas de linguagem possíveis, a semiologia, à qual a lingüística seria subordinada. As idéias de Saussure e seus seguidores são comumente associadas com o movimento do estruturalismo europeu e os conceitos de sincronia, diacronia e signo3 são apresentados como exemplos do formalismo estruturalista no estudo da linguagem.. 1. O que pode ser considerada uma “filosofia cosmogônica” (SHERIFF, 1994, p. 3). Não só para a afirmação da semiótica européia, mas principalmente “para a afirmação do estruturalismo na Europa, foi altamente relevante o sucesso do livro Cours de linguistique générale, publicado em 1916 como obra póstuma do lingüista suíço Ferdinand de Saussure” (ILARI, 2004, p. 55). 3 Diferente da semiótica peirceana, “signo é empregado por Saussure, ao longo de suas aulas e de seus escritos, em duas acepções: de um lado, esse termo designa a entidade lingüística global composta de uma face fonológica e de uma face semântica; de outro lado ele designa apenas a face fonológica” (BOUQUET, 2000, p. 229). No signo saussureano, estão combinados significado e significante, este sendo “a forma sonora que 2.

(23) 21 Esse tema é posteriormente verificado em trabalhos como o de Roland Barthes, que desenvolve algumas discussões sobre o campo de estudo e os métodos da semiologia. De forma coerente com o viés lingüístico da semiologia européia, Barthes reconhece que a linguagem verbal permeia todos os outros códigos de comunicação, como parte desses códigos ou como uma tradução necessária, e conclui que é possível estudar as demais formas de expressão com os instrumentos da linguagem verbal, devidamente adaptados. Em conseqüência, a lingüística não seria uma parte da semiologia, como propôs Saussure, mas exatamente o contrário4. A semiótica européia – ou semiologia – desenvolveu um largo espectro de discussões desde sua formação até os presentes dias. Além dos dois já mencionados, também podem ser considerados militantes dessa linha vários nomes, como Algirdas Julien Greimas e Umberto Eco. Principalmente após Michel Pêcheux, toma corpo na França o debate sobre a ideologia nas formações discursivas. Com isso, surge a escola da Análise do Discurso5, que buscou afastamento do formalismo estruturalista e passou a orientar boa parte dos estudos lingüísticos na Europa – e também no Brasil. Um pouco menos conhecido é o conjunto de discussões semióticas desenvolvidas na Rússia. A chamada “Escola de semiótica russa”6, ou o círculo de Tártu-Moscou, reuniu pensadores como Iúri Lótman e Bóris Uspiênski para explicar as relações entre linguagem e cultura. Com fundamentos na poética e no formalismo russos, além de influência da escola. condiciona e determina o significado, o aspecto formal da entidade chamada signo” (BENVENISTE, 1989, p. 225). 4 Para Barthes, seriam objetos da semiologia “qualquer sistema de signos, seja qual for a sua substância, sejam quais forem os seus limites: as imagens, os gestos, os sons melódicos, os objetos e os complexos dessas substâncias que se encontram nos ritos, protocolos ou espetáculos, se não constituem ‘linguagens’, são, pelo menos, sistemas de significação” (1987, p. 11). 5 Para Eni Puccinelli Orlandi (2002, p. 15), “na análise do discurso, procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história”. 6 Irene Machado (2003, p. 164) conceitua como semiótica russa a “disciplina teórica dos estudos russos para construção da cultura enquanto metassemiótica. Nesse sentido, seu objeto não é a cultura, mas seus sistemas semióticos. Constituiu-se no Departamento de Semiótica da Universidade de Tártu, Estônia, nos anos 60, em meio aos encontros da ‘Escola de verão sobre os sistemas modelizantes de segundo grau’, que reuniram professores da universidade local e também de Moscou”..

(24) 22 européia, os pesquisadores eslavos conceberam teorias notáveis para demonstrar os sistemas de signos que circundam a vida humana. Para a Escola de Tártu-Moscou, toda a cultura pode ser representada por meio dos sistemas de signos que determinam cada uma de suas formas de manifestação. A formação cultural, portanto, é assemelhada a um “texto” composto por estes diversos códigos, lingüísticos ou não. Assim, a maior contribuição da semiótica russa pode ser considerada a revelação de que todos esses elementos antropológicos – arte, tradição, comunicação – podem ser estudados como sistemas de signos e compõem, conjuntamente, uma grande enunciação cultural, uma “semiosfera”. Cada uma dessas outras visões modernas sobre a semiótica – além de estudos primevos de Aristóteles, Santo Agostinho e John Locke, por exemplo – fornece um conjunto coerente de instrumentos para a explicação da realidade. Todavia, mergulhar em algumas dessas linhas teóricas, pela forma como seus conceitos estão sistematizados em uma linguagem acadêmica própria, implicaria uma necessidade de categorização e diferenciação (ou seja, de tradução de linguagens teóricas) que ultrapassaria os limites do presente trabalho conceitual. Voltando o foco para a teoria peirceana, que servirá de trilho metodológico para orientar as categorizações a serem formuladas, é necessário verificar as linhas que definem a sua noção de semiótica. Para isso, é preciso empreender um esforço de enxergar pelos olhos do autor, para entender o mundo como um sistema de signos, não apenas nos seus aspectos lingüísticos ou culturais, mas tudo isso reunido – a semiótica como percepção da realidade.. 1.3 O FILÓSOFO, O CIENTISTA, O LÓGICO Para que um determinado intelectual ou um determinado trabalho seja considerado um “clássico” é preciso que as questões por ele propostas, em outro contexto social e histórico, permaneçam válidas e atuais além do seu tempo. Nesse sentido, muitas das.

(25) 23 construções de Charles Sanders Peirce foram revistas ao longo das décadas, tanto por seus conterrâneos pragmatistas quanto pelos pensadores filiados a outras tendências filosóficas. Todavia, ainda assim Peirce é um clássico. Sua atualidade decorre da forma original com que pretendeu enfrentar os problemas filosóficos, como já apresentado, e pelo conjunto coerente de explicações que trouxe à discussão. No campo da teoria da comunicação, os trabalhos apresentados por Peirce continuam a ser objetos de estudo, cada vez mais compatíveis com um contexto de transmissão de informações por múltiplos meios, como o que é possível verificar na contemporaneidade. Não é por outra razão que o foco do presente trabalho é a aplicação de um conceito elementar na teoria peirceana – a noção de signo – em um ambiente atual, em conformidade com suas idéias sobre a semiótica. Assim como outros pensadores também considerados “clássicos”, Peirce procurou manter um esmerado rigor conceitual na elaboração de suas propostas. Com esse objetivo, buscou formular métodos para garantir uma maior precisão dos conceitos, em qualquer situação. Por isso é razoável perceber que o trabalho do filósofo norte-americano como conceituador é um dos aspectos de sua obra que mais permanecem válidos. Isso explica em grande parte por qual motivo Peirce é conhecido como o “pai” da semiótica. Para que um pensador conquiste esse título, não basta demonstrar originalidade e atualidade, mas é preciso explicitar uma certa visão estratégica de futuro ao delimitar os contornos de uma certa disciplina, conferindo-lhe uma área de atuação e destacando-a do conjunto teórico então existente. Quando essa proposta epistemológica encontra amparo no discurso intelectual futuro, surge uma disciplina autônoma e perpetuam-se as contribuições do seu idealizador..

(26) 24 Charles Sanders Peirce nasceu em Cambridge, Massachusetts, em 10 de setembro de 18397. Breves palavras sobre sua inquieta história de vida, bem como sobre a época em torno do homem, podem indicar algumas razões pelas quais o filósofo norte-americano veio a ser celebrado como um importante nome na teoria da comunicação (assim como na lógica, na matemática, na fenomenologia) e, mais precisamente, na semiótica que orienta o presente trabalho. Peirce cresceu em um ambiente propício ao desenvolvimento intelectual e acadêmico, o que explica em parte suas precoces realizações8. A busca por uma formação teórica além dos limites tradicionais das ciências influenciou de forma marcante a intelectualidade norte-americana do século XIX e alcançou o filho do astrônomo, físico e matemático Benjamin Peirce9. Assim como seus contemporâneos, Charles Sanders Peirce manteve a preocupação com o conhecimento como um todo e com respostas que pudessem ser aplicadas a todas as disciplinas científicas. Essa visão foi mantida mesmo depois de ingressar na Universidade de Harvard, direcionando seus estudos para a física e a matemática, e pode em boa medida explicar a orientação do seu pensamento10. Ainda na adolescência, produziu trabalhos no ramo da Química, em que veio a graduar-se (BRENT, 1993, p. 54-55). Manifestando seu gênio inquieto, aventurou incursões também sobre o terreno da matemática, física, astronomia, geodésia, metrologia, espectroscopia, biologia, geologia e zoologia, entre outros interesses. Na parte das ciências. 7. Peirce cresceu nos ambientes protestantes de Cambridge e Boston, cidades em rápida transformação, com o declínio do comércio naval, pela concorrência com Nova Iorque, e crescimento dos bancos e empresas de manufaturas. A época era de florescimento cultural e intelectual, com o transcendentalismo de Emerson, o abolicionismo e fortalecimento da ciência experimental (BRENT, 1993, p. 23). 8 Eram “época e lugar extraordinários para nascer, especialmente como filho favorecido de pai e mãe aristocratas” (BRENT, 1993, p. 29). 9 Um homem “bem-sucedido como uma figura pública tanto quanto como acadêmico” (BRENT, 1993, p. 31). 10 Três temas são apontados como recorrentes na vida do jovem Peirce: o cruzamento entre ciência e filosofia; o comportamento dândi e romântico; e dúvidas sobre seu propósito na vida (BRENT, 1993, p. 38). É acrescentado, ainda, como constante, sua preocupação com problemas de saúde, principalmente desordens nervosas (p. 39)..

(27) 25 humanas, empreendeu estudos sobre lingüística, filologia, história, psicologia e dezenas de línguas, além de uma filosofia com apurado senso crítico (BRENT, 1993, p. 58-59). Após a formatura, Peirce trabalhou como físico, geólogo, químico e astrônomo e conquistou um relativo reconhecimento por seus trabalhos. Em paralelo, empreendeu estudos na área de filosofia, principalmente sobre os trabalhos de Kant, que lhe permitiram lecionar lógica em ambientes universitários. Esse percurso, das ciências matemáticas para a filosofia, permite duas inferências sobre a personalidade peirceana: a insatisfação com as respostas limitadas das disciplinas da natureza, forçando um desvio para análises mais abstratas sobre as formas do conhecimento, que só a lógica poderia proporcionar; e uma formação científica originariamente formal, típica das ciências exatas, determinando uma visão sistemática e categórica do mundo, que lhe acompanhou durante toda a sua produção intelectual. As múltiplas atividades do jovem Peirce demonstravam seu gosto pelo saber, em suas diversas formas, assim como sua versatilidade científica. Revelaram com mais importância, todavia, o início de uma busca pelo conhecimento, sem se deixar limitar pelas fronteiras convencionalmente estabelecidas entre as ciências. Delineava-se a paixão por uma teoria geral da cognição. Assim como na seara das ciências, Peirce também transitou desde cedo entre os mais diferentes ramos da filosofia de sua época. Mesmo com isso, sua rotulação posterior como filósofo decorreu menos de seu conhecimento filosófico, impregnado em sua obra como um todo, e mais da forma pouco usual com que tratou o saber científico – chegando à filosofia pela via das ciências. Portanto, a filosofia de Peirce começou como uma meta-ciência, para só depois afirmar-se como modelo cognitivo. Por essa origem, a filosofia peirceana carregou diversos traços provenientes das ciências de uma forma geral, como o formalismo, sistematização e empirismo. Não é.

(28) 26 surpresa, também, que a lógica tenha desempenhado um papel central no seu pensamento – especialmente a lógica da ciência. Do ponto de vista pessoal, Peirce não obteve em vida o sucesso que suas idéias alcançariam mais tarde. Casou-se por duas vezes – em 1862 (sendo abandonado pela esposa em 1876) e 1883 – e não deixou descendentes. Sua vida profissional não foi muito além de algumas conferências acadêmicas e, nos seus últimos anos, viveu às custas de amigos como William James, em relativo isolamento até falecer em 19 de abril de 1914, em Milford, Pensilvânia. Seu comportamento inconstante fechou-lhe as portas de uma carreira universitária bem sucedida, mas, pelo menos, sua ausência nos círculos de discussão acadêmicos contribuiu para o fortalecimento da originalidade de suas idéias, mantida ao longo de sua vida intelectual. Contrastando com o formalismo de suas teorias, a vasta produção de Peirce foi publicada em vida de forma esparsa e assistemática, geralmente em revistas de pouca circulação. Um primeiro volume reunido só veio a ser editado em 1931 e ainda hoje uma parcela considerável dos seus papers permanece inédita. Isso leva à suposição de que toda a contribuição de Peirce para a filosofia ainda não foi inteiramente revelada e, certamente, ainda não foi inteiramente compreendida. Quando se afirma a originalidade da obra peirceana, não se pretende negar a importância de influências intelectuais nítidas, como o trabalho de Kant11 – basta reparar nas similitudes entre as suas categorias12 de pensamento e o conceito de signo desenvolvido pelo filósofo norte-americano. Peirce é original na maneira como relacionou a fenomenologia, a teoria do conhecimento e os aspectos comunicativos de uma forma sistemática. 11. A quem Peirce denominou o “rei do pensamento moderno” (PEIRCE, 2003, p. 9). Entre tantos outros cabíveis, convém destacar o seguinte trecho: “dessa forma, toda diversidade, na medida em que é dada numa intuição empírica, é determinada em relação e uma das funções lógicas do juízo, por meio da qual é conduzido a uma consciência em geral. As categorias não são mais do que estas mesma funções do juízo, na medida em que a diversidade de uma intuição dada é determinada em relação a elas. Nesse sentido, também numa intuição dada, a diversidade se encontra necessariamente submetida às categorias” (KANT, 2003, p. 133-134).. 12.

(29) 27 Para esse objetivo, a lógica demonstrava ser o campo de estudo mais propício. Admitindo a relação inerente e complementar entre o pensar e o significar, Peirce buscou desenvolver uma linha de especulação filosófica que não fosse incompatível com os métodos e experimentos desenvolvidos pela ciência. Pretendeu, assim, formular uma teoria que pudesse ser utilizada por todas as áreas do saber, naquilo que houvesse de comum. O contexto lógico seria uma escolha ideal. Peirce era um cientista, em suas mais diversas atividades; porém, mais do que isso, era um lógico. Foi à lógica que dedicou, em uma prova de amor científico, a maior parte dos seus escritos e foi essa mesma lógica que permeou todas as suas obras filosóficas até o fim de seus dias. Inclusive, sua ênfase em buscar condições necessárias para questões como a verdade foi responsável por certa indulgência com exageros e distorções (FEIBLEMAN, 1970, p.143). Portanto a lógica, para Peirce, além de uma possível linguagem comum para todas as ciências, era uma forma de demonstrar que o conhecimento científico, nas suas mais diversas manifestações, repousava sobre princípios gerais. Seu mergulho progressivo na lógica era conseqüência de sua busca pelos fundamentos das ciências, do conhecimento e da própria realidade. Um primeiro passo deveria ser o afastamento de todas as conjecturas de ordem mística ou transcendental, para que as questões filosóficas pudessem ser enfrentadas com o apoio de recursos metodológicos experimentais. Diferente de “positivar” a filosofia, a pretensão era desenvolver a clareza e a transmissão de suas idéias, em qualquer área, promovendo uma explicação da realidade que pudesse, discutida, retornar como agente de transformação da mesma realidade. Do ponto de vista filosófico, esse projeto deu origem à.

(30) 28 escola do pragmatismo13 norte-americano. Do ponto de vista comunicativo, fixou as bases para a teoria geral dos signos – a semiótica14. Portanto, não se pode considerar as construções da semiótica de Charles Sanders Peirce fora dessa pretensão fenomenológica mais ampla. O intelectual norte-americano buscou utilizar metodologicamente as estruturas lógicas mínimas – os signos – para explicar o conceito filosófico máximo – a noção de realidade. Nessa dupla convergência reside a originalidade do pensador. Sua vida foi curta para tamanha empreitada. Peirce viveu cerca de sessenta anos de integral dedicação aos estudos, sem qualquer fama ou fortuna, encorajado por suas próprias pretensões. O reconhecimento em vida veio em decorrência de seus trabalhos como lógico, a muito custo, e contribuíram mais para a aceitação da lógica como ciência do que para a valorização de suas idéias. É possível admitir que, se Peirce não conseguiu ser devidamente reconhecido como lógico, foi menos ainda como filósofo. Vários anos ainda teriam de se passar após a sua morte para que seus escritos fossem discutidos nos ambientes acadêmicos e o mérito de suas idéias fosse verificado. Postumamente, seus leitores e alunos contribuíram para a divulgação da maior parte de sua obra. Só então Peirce veio a ser reconhecido como um dos maiores filósofos dos tempos modernos. É por esses motivos que, na estrada da produção intelectual da humanidade, Charles Sanders Peirce é mais considerado como um ponto de partida do que como um ponto de chegada.. 13. As duas linhas – semiótica e pragmatismo – representam decorrências de um ponto comum, a noção de Peirce sobre verdade e realidade. Sobre filosofia pragmática e verdade, é pertinente a crítica de Hans Lenk (1990, p. 39-40). 14 A estrutura lógica da semiótica guarda, ainda, semelhança com a idéia de “construção arquitetônica do pragmatismo” defendida por Peirce (2003, p. 193-195)..

(31) 29. 1.4 BASES PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA SEMIÓTICA Não é surpresa que a semiótica de Peirce guarda estreita relação com a sua lógica. Inicialmente foi concebida como uma ciência maior, da qual a lógica seria uma subdivisão. Contudo, o desenvolvimento de ambas foi gradualmente reduzindo suas diferenças, o que tornou quase identitária a relação entre lógica e a teoria geral dos signos. Foi o próprio Peirce quem reconheceu que não poderia estudar coisa alguma, senão como um estudo de semiótica. Esta seria a fusão de suas teorias lógicas, filosóficas e científicas – se é possível fundir coisas idênticas. Assim, os diversos aspectos das idéias peirceanas, com íntima relação entre si, formavam um todo coerente e generalizante, com raízes na lógica, na filosofia e nas ciências e com pretensões de sistematizar, de forma menos cartesiana15, as categorias de pensamento humano. Esse todo respondia pelo nome de semiótica. Considerando seus trabalhos como fonte, essa não é uma afirmação fácil ou unânime. A sua produção fragmentada, além do alto grau de complexidade de suas construções, leva a crer que para o autor a semiótica tinha fronteiras muito mais amplas do que lhe é hoje atribuída. A exata noção do que é a semiótica de Peirce encontra-se oculta em sua própria obra. Calcula-se que Peirce tenha deixado mais de oitenta mil manuscritos inéditos, além de vários escritos publicados em vida. Até tempos recentes, menos da décima parte dessas obras havia sido selecionada e sistematizada para publicação. Se esforços contemporâneos tentam superar esse hiato com a catalogação do restante de seus trabalhos, outro desafio ainda maior deverá ser a leitura e a compreensão dessas idéias,. 15. Em um estudo bastante significativo da obra peirceana, Lucia Santaella (2004) procura demonstrar que a construção de Peirce rivalizava com a de Descartes – não no sentido de oposição, mas de formulação de um estatuto teórico mais adequado. Entre os principais pontos de discordância, está a importância diferenciada que ambos pensadores atribuem à intuição (que para Peirce não pode ser tomada como origem da descoberta, preferindo a abdução) (p. 111)..

(32) 30 consideravelmente abstratas e inovadoras, mesmo para nossa época. Vale a pena revisar alguns desses fundamentos. Um primeiro conceito científico básico em Peirce é o de falibilismo. Com base em um evolucionismo próprio, defendeu que o conhecimento das leis da natureza é sempre precário e sujeito a transformações. Por tal razão, não se poderia falar de princípios perpétuos ou inerentes, uma vez que o pesquisador é naturalmente falível, como qualquer observador (GALLIE, 1952, p.106-107). Além disso, para Peirce ciência e filosofia não são um conjunto crescente de conceitos, mas um processo constante de transformações, frutos de novas experiências e observações, mediadas por idéias, e sempre dependentes do contexto social e histórico do sujeito observador. Desta forma, o falibilismo de Peirce repele a consideração da ciência como instrumento de precisão ou de busca pela verdade e, ao mesmo tempo, abre espaço para a ampliação do próprio conceito de ciência, como será evidenciado no próximo quadro. Nesse contexto, delimitar o conceito da semiótica de Peirce requer, previamente, a análise de sua estrutura geral do conhecimento. O quadro a seguir (adaptado de Santaella, 2003, p. 27) reflete a sua visão das ciências em geral, com destaque para a posição da lógica e da semiótica:.

(33) 31. Quadro 1 – ARQUITETURA TEÓRICA DAS CIÊNCIAS SEGUNDO PEIRCE Matemática Fenomenologia Estética Ciências da descoberta. Filosofia. Ciências normáticas. Ética Semiótica ou lógica. Gramática pura Lógica crítica Retórica pura. Metafísica Ciências físicas Ideoscopia. Ciências psíquicas. Ciências da digestão Ciências aplicadas. Em primeiro lugar, é importante observar como sua noção de “ciência” é ampla, a ponto de envolver não só a lógica e a semiótica, como a própria filosofia. Somente com fundamento na teoria do falibilismo podem ser relativizadas as diferenças entre essas áreas do conhecimento, possibilitando uma classificação comum. A primeira divisão separa as chamadas ciências da descoberta, da digestão e aplicadas. A filosofia está incluída no primeiro grupo, que representa os conhecimentos fundamentados na observação e na apreensão de idéias. As ciências da digestão são responsáveis pela divulgação, classificação e discussão dessas idéias, enquanto as ciências aplicadas as utilizam com vistas a uma produção eficiente de resultados. Para Peirce, a filosofia é observativa porque lida com as percepções comuns e busca dar-lhes uma ordem e descobrir o que lhes é verdadeiro. Por isso, entende que a fenomenologia é independente da.

(34) 32 epistemologia, mas a recíproca não é verdadeira, já que a epistemologia depende dos dados fenomenológicos (FEIBLEMAN, 1970, p.198-199). Por isso, dentro do campo da filosofia, a fenomenologia foi um dos primeiros desafios de Peirce, que tomou para si a tarefa de analisar a experiência, em todas as suas formas possíveis. Caberia à fenomenologia a observação e classificação dos fenômenos, destacando suas propriedades universais. Considerando a Teoria das Categorias existente desde Aristóteles, com clara inspiração em Kant16, o filósofo norte-americano reformou a fenomenologia de sua época para traçar um novo modelo de categorias universais, que chegou a batizar de phaneroscopia. Na construção de Peirce, a fenomenologia inicia-se livre e aberta, permeável a todo tipo de fenômeno – assim entendido qualquer modo ou manifestação que se apresente ao observador. Apenas dessa maneira, sem conceitos prévios (pré-conceitos) ou juízos valorativos, a fenomenologia pode dar conta da multiplicidade de manifestações da realidade. A partir desse estado inicial, cabe à fenomenologia a complexa tarefa da categorização. Esse esforço consiste em observar o conjunto de fenômenos possíveis e, com o apelo inevitável à sensibilidade, identificar as suas categorias universais – as características verificáveis em todos os fenômenos, ainda que variantes seus modos ou manifestações. Considerado por Peirce como a primeira tarefa a ser cumprida por uma filosofia, a categorização foi comparada a “agarrar nuvens”, exigindo competências elevadas do pesquisador, como a contemplação e capacidades de distinção e generalização. Deixando de lado a categorização mais comum, que classificava os fenômenos pelos seus materiais ou conteúdos físicos, Peirce gradualmente deslocou o foco da. 16. A inacessibilidade do real, senão pelas categorias, é o ponto mais próximo entre Kant e Peirce: “todas as representações que nos chegam sem o nosso arbítrio (como as dos sentidos) nos dão a conhecer os objetos não de outro modo mas sim como nos afetam, permanecendo-nos desconhecido o que eles sejam em si mesmos, e que, portanto, no que a tal espécie de representações se refere, se bem com a mais esforçada atenção e clareza que possa acrescentar um intelecto, só podemos chegar a conhecer os fenômenos; todavia nunca as coisas em si mesmas” (KANT, 1981, p. 106-107)..

(35) 33 fenomenologia, saindo da experiência ou manifestação do objeto e passando para o seu processo de apreensão pelo observador. Desta forma, após diversos e minuciosos conjuntos de observações, são elaboradas as suas propostas de categorias universais, elementos de todas as formas de experiência verificáveis e pressupostos de toda cognição possível acerca dos objetos. Em uma primeira terminologia, as categorias foram definidas como “qualidade”, “relação” e “representação”. Com uma maior depuração, Peirce cunhou os termos “Primeiridade”, “Secundidade” e “Terceiridade” – palavras criadas especialmente para definir as categorias – a fim de impor um rigor e uma precisão terminológica que não seria possível com o uso de conceitos já carregados de outros sentidos (a criação de novas palavras foi uma característica constante na obra de Peirce). Essas categorias, um dos pontos basilares de toda a teoria peirceana, ainda seriam bastante discutidas ao longo de sua obra. Uma vez que a fenomenologia seria capaz de definir as categorias universais do pensamento como um todo, sobre ela deveriam ser assentadas as ciências normativas. Entendimento oposto levaria à conclusão de que a fenomenologia não seria inteiramente independente das ciências normativas e de que neste âmbito seriam possíveis juízos a priori – independentes de experiência –, ambas convicções desprezadas por Peirce. No espectro prescritivo das ciências normativas, fazem parte dessa divisão a estética – na ordem do admirável ou agradável, – a ética – como o domínio das ações e condutas – e a semiótica – abrangendo todo o pensamento deliberado. O campo da filosofia torna-se completo com a inclusão da metafísica, assim considerada como a ciência ou o estudo da realidade. O real, para a metafísica, difere daquele da fenomenologia por ser, idealmente, independente da linguagem ou da percepção humana. É possível entender, por essa rápida descrição, como a fenomenologia e a semiótica de Peirce estão mais próximas entre si do que da metafísica. Não é por outra razão.

(36) 34 que as categorias fundamentais de pensamento descritas anteriormente representam um princípio fundamental para o estudo dos signos.. 1.5 TRÊS CATEGORIAS DA REALIDADE Para compreender a semiótica peirceana é preciso desenvolver um estudo aprofundado dos seus conceitos, primordialmente. Para tanto, é essencial ter em mente as idéias que amparam as suas noções de Primeiridade, Secundidade e Terceiridade – as três categorias fundamentais do pensamento. Essas categorias triádicas compõem o núcleo da fenomenologia de Peirce. Com inspiração kantiana17, Peirce reconheceu que todos os fenômenos da realidade transparecem à percepção humana como variações de conteúdo de categorias fundamentais determinadas. De forma distinta de Kant, sua fenomenologia procurou examinar as mais diferentes manifestações da realidade para sintetizar as possibilidades de apreensão de idéias nas mais elementares categorias possíveis – apenas três. Mais de quinze anos depois de propor as categorias universais18, como forma de categorização do processo de cognição dos objetos pela mente, Peirce retomou e aprimorou os seus conceitos e os estendeu a toda análise da realidade. O conjunto de resultados obtidos pelo filósofo americano em observações ligadas aos mais diversos campos científicos comprovou, progressivamente, a aplicabilidade das categorias a toda forma de conhecimento. Formava-se o caminho para uma teoria geral de características cosmológicas. A versão final dessa abordagem pretensiosa não pôde ser verificada, em virtude da sua morte, que o impediu de concluir alguns importantes trabalhos. Se Peirce havia desenvolvido uma teoria fenomenológica mais apurada, ou se havia ainda aprimorado as suas categorias universais, talvez não se possa jamais verificar. 17. A categorização é apontada por Kant como necessária: “não podemos, pois, explicar nada, a não ser reduzido-o a leis, cujo objeto possa resultar possível em alguma experiência” (KANT, 1981, p. 117). 18 Uma das formas iniciais com que foram propostas as categorias envolve as denominações “Presentidade” (Presentness), “Conflito” (Struggle) e “Leis” (PEIRCE, 1980, p. 17-24)..

(37) 35 Da forma como expostas, as categorias triádicas da teoria peirceana representam as três possibilidades de compreensão dos fenômenos do mundo e não indicam ordem ou prevalência, mas complementaridade. Da combinação recíproca desses três aspectos, assim como da variação de seus conteúdos, toda forma de idéia ou experiência poderia ser representada. As categorias universais de Peirce não podem ser tomadas como conceitos em si, da forma como concebemos o termo atualmente. Da mesma forma, não são fenômenos, posto que, como são universais, não acrescentam conhecimento propriamente novo (GALLIE, 1952, p. 183-184). São idéias ou noções puras, que podem ser verificadas em qualquer fenômeno observável (embora não se confundam com o fenômeno em si), tão simples e abrangentes quanto universais. É esboçado adiante um quadro comparativo das categorias, como tentativa de expor com mais clareza os seus fundamentos, jamais com pretensões conclusivas. Quadro 2 – CATEGORIAS UNIVERSAIS DO PENSAMENTO DE PEIRCE 1º 2º 3º PRIMEIRIDADE SECUNDIDADE TERCEIRIDADE Sentimento Acaso e espontaneidade Originalidade e liberdade Qualidade Aspecto Unidade e indivisibilidade. Conflito Ação e reação Fatos concretos e reais Experiência Existência Binômio e alteridade. Interpretação Mediação e processo Crescimento e hábitos Tradução Pensamento Tríade e significação. 1.5.1 Primeiridade A noção inicial é a da Primeiridade, que corresponde à qualidade, ao fenômeno no seu aspecto mais primordial. Essa categoria responde pela impressão, pela apreensão de um determinado estado de coisas em si mesmo, sem relação com outros referenciais. Pela Primeiridade, um acontecimento é percebido por algum de seus aspectos, independente da noção de tempo, espaço ou mesmo da possibilidade de ser diferente..

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