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20º Congresso Brasileiro de Sociologia. 12 a 17 de julho de 2021, UFPA Belém, PA. Comitê de Pesquisa 09 - Sociologia da Arte

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20º Congresso Brasileiro de Sociologia 12 a 17 de julho de 2021, UFPA – Belém, PA

Comitê de Pesquisa 09 - Sociologia da Arte

As premiações internacionais nas Bienais de São Paulo (1951-1979): circulação, prestígio e cartografias simbólicas da arte

Tálisson Melo de Souza (Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia, UFRJ, CNPq) Marina Mazze Cerchiaro (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, FAPESP)

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A intenção desta apresentação é delinear dinâmicas de circulação, construção de prestígio e projeção de cartografias simbólicas das artes visuais, por meio de análise quantitativa e qualitativa das premiações de artistas e/ou obras representantes de delegações estrangeiras nas quatorze primeiras Bienais de São Paulo (1951-1977). Especificamente, nosso objetivo é traçar um panorama das premiações apontando para as assimetrias geográficas, as especificidades contextuais e indagando sobre possíveis tendências gerais. Buscamos enfocar os padrões de distribuição geopolítica e sua reconfiguração ao longo do período tratado, refletindo sobre as relações entre espaço, nacionalidade e poder que operaram no sistema de premiações vigente até 1977, que redundou no projeto de exposição retrospectiva centralizado na 15ª edição, de 1979 – cuja repercussão também será objeto de nossa discussão.

Primeiro, demonstramos de que forma o sistema de premiações mantido durante as oito primeiras edições, entre 1951 e 1965, privilegiou a pintura em detrimento das outras modalidades artísticas, como a escultura, e também se concentraram geograficamente em países da Europa Ocidental (em particular Itália, França, Grã-Bretanha e Alemanha), Estados Unidos e Iugoslávia. Ponderamos que, no entanto, as premiações não reproduzem necessária e diretamente as ideias canônicas a respeito da arte naquele período, abrindo caminhos para avaliações de nuances que se aprofundam no segundo arco histórico analisado.

Entre 1967 e 1977, ao longo de seis Bienais, o sistema de premiações se alterou continuamente no que diz respeito tanto as categorias (abrigando ou excluindo linguagens artísticas emergentes no período, ao mesmo tempo que dissolvendo as distinções entre ‘nacional’ e ‘estrangeiro’), quanto aos valores (hierarquizações entre os distintos prêmios, com modalidades de aquisição e distintas formas de financiamento), estabelecendo panoramas mais complexos, ainda que se observe algumas tendências mais duráveis que outras.

Como demonstraremos, é na 14ª Bienal, em 1977, que ocorre um primeiro deslocamento das tendências de distribuição geográfica até então observável, com a atribuição de um primeiro grande prêmio a obras representantes de países latino-americanos, mas isso se dá justamente quando o sistema de premiações é fortemente atacado, sendo extinto nas edições seguintes.

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Num terceiro momento da apresentação, enfocamos a seção retrospectiva da 15ª Bienal, que se constituiu como projeto expográfico cronológico baseado em retomar a ‘lista’ de premiações anteriores como eixo para um balanço sobre o papel das Bienais ao longo de quase três décadas de atividades ininterruptas. Com base na repercussão dessa mostra, evidenciamos como a ‘retrospectiva’ acabou colocando em cena ou explicitando, embora não criticamente, as várias assimetrias, exclusões e ‘equívocos’ de interferência no processo da construção de prestígio artístico.

Refletindo sobre a maneira como o sistema de premiações e seu legado era apontado por artistas e críticos/as como um meio opaco de mediação cultural, encaminhamos para uma conclusão que se aproxima de uma abordagem mais nuançada do papel das premiações no processo de reconhecimento de trajetórias artísticas e de reformulação das cartografias simbólicas das artes visuais. Concluímos apontando as premiações como um objeto de estudo que nos permite construir, por meio de abordagens metodológicas tanto da sociologia quanto da história da arte, uma outra história das Bienais de São Paulo que tem como cerne noções de circulação e prestígio, bem como as implicações geopolíticas no/do mundo da arte.

1. As premiações das primeiras Bienais de São Paulo (1951-1965)1

Em 20 de outubro de 1951 foi inaugurada em um pavilhão adaptado na esplanada do Trianon, situado na Avenida Paulista, a I Bienal de Artes Plásticas do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Embora fossem fruto da iniciativa privada, as primeiras Bienais de São Paulo contavam com forte apoio estatal no que diz respeito à cessão do espaço para o evento e à impressão dos catálogos, além do auxílio por parte das embaixadas brasileiras na viabilização da participação de representações estrangeiras. Com o objetivo de apresentar as tendências nacionais e internacionais mais significativas da arte moderna no Brasil2, as Bienais de São Paulo seguiam em

1 O argumento central desta seção do texto é fruto da pesquisa de doutorado de Marina Cerchiaro, financiada pela Fapesp nº de processo 2016/21513-4 . Cf. CERCHIARO, Marina M. As premiações das primeiras Bienais de São Paulo (1951-1965). MODOS: Revista de História da Arte, v. 4, p. 55-72, 2020.

2 De acordo com seu primeiro curador, que era também diretor do MAM-SP, Lourival Gomes Machado. Ver: ALAMBERT, F. e CANHETE, P. As Bienais de São Paulo: da era do museu à era dos curadores (1951-2001). São Paulo: Boitempo, 2004, p. 32.

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vários aspectos as Bienais de Veneza como modelo, agrupando as obras por representações nacionais.

As delegações estrangeiras eram escolhidas pelas embaixadas dos países participantes, por instituições museais ou ainda por críticos brasileiros renomados. Artistas estrangeiros também podiam participar do evento a convite da comissão de organização ou submetendo seus trabalhos ao júri de seleção. Para a delegação brasileira, exigia-se que os candidatos fossem natos ou estrangeiros residentes no país por pelo menos dois anos. Era necessário enviar ao menos três obras originais para apreciação dos jurados, já em condições de serem expostas. Dois dos membros do júri eram indicados por artistas inscritos e outros três pela direção e pelo presidente da Bienal, Francisco Matarazzo Sobrinho. No entanto, frequentemente a comissão organizadora convidava artistas para expor em salas especiais ou concedia-lhes o privilégio de isenção de júri de seleção.

Fruto da consolidação de um processo de modernização econômica, social e cultural em curso ao longo das décadas de 1940 e 1950 na cidade de São Paulo, as primeiras Bienais representavam também as expectativas de futuro imaginadas pelas elites artísticas, políticas e econômicas da cidade.3

As premiações das Bienais de São Paulo tinham como pilar o reconhecimento institucional de nacionalidades e artistas, e a composição do acervo dos emergentes museus de arte moderna do país. Seguiam o modelo de Veneza, oferecendo três prêmios principais: 1.) o “grande prêmio”, que surgiu na segunda edição do evento e era o de mais alto valor monetário; 2.) o “regulamentar”, destinado ao melhor artista de cada categoria – pintura, escultura, gravura e desenho – pelo conjunto da obra apresentado; e 3.) o “de aquisição”, que deveria compor o acervo dos Museus de Arte Moderna de São Paulo e do Rio de Janeiro. Diferentemente do que se poderia esperar, os prêmios-aquisição não eram atribuídos a uma obra específica. Em geral, as atas do júri não nomeiam as obras laureadas, apenas o nome do artista, da delegação e da modalidade artística. As correspondências que encontramos no arquivo da Bienal de São Paulo demonstram que em muitos casos não era o júri internacional que escolhia

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a obra, mas uma comissão designada pelo museu. Em geral, os prêmios eram financiados por empresários ligados à rede de contatos de Francisco Matarazzo Sobrinho. O júri de premiação era composto, por um lado, pelos organizadores da Bienal e personalidades atuantes no país ligadas ao Museu de Arte Moderna e, por outro, críticos de arte, curadores de museus e artistas provenientes de diferentes países.

Se as primeiras Bienais de São Paulo procuravam atrair uma gama de países provenientes dos cinco continentes, a premiação, por sua vez, não espelhava a diversidade geográfica ambicionada para o evento, como demonstra a tabela 1. Das 66 delegações participantes, somente 28 são reconhecidas, totalizando 109 prêmios. Estão completamente preteridas das premiações as delegações provenientes da África e da Oceania. Apenas dois países do continente asiático, Japão e Israel, obtêm reconhecimento. De outro lado, a Europa concentra 69% dos prêmios, distribuídos entre 11 países da Europa Ocidental – Itália, França, Grã-Bretanha, Alemanha, Espanha, Áustria, Holanda, Bélgica, Suíça, Grécia e Suécia – e apenas três do Leste Europeu – Iugoslávia, Polônia e Tchecoslováquia. Já o continente americano, reunindo América do Norte, Central e do Sul, apresenta um número expressivo (25), tendo nove países premiados: Estados Unidos, Canadá, México, Guatemala, Cuba, Argentina, Bolívia, Chile e Uruguai, além da União Pan-Americana (nesse caso, o prêmio foi para Carlos Mérida, pintor da Guatemala). A concentração dos prêmios é ainda mais evidente quando olhamos para os seis países do topo da lista, já que Itália, França, Alemanha, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Iugoslávia acumulam mais da metade dos prêmios (58). A posição de destaque da Itália nas Bienais de São Paulo se deve à grande soma de prêmios conferidos ao país na primeira edição do evento, talvez uma forma de homenagear sua congênere veneziana, com a qual a Bienal paulista mantinha profundas ligações, referentes não só a questões estruturais, mas também a redes de agentes e instituições.

A maior quantidade de prêmios atribuída à Europa Ocidental e às Américas nas duas bienais resulta não apenas da centralidade desses países no sistema das artes, mas também de interesses políticos em criar diálogos e intercâmbios e em confrontar a produção artística do Novo Mundo com a do Velho Mundo, como sugere este trecho

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da carta de 7 de novembro de 1951 de René d’Harnoncourt, comissário dos Estados Unidos e membro do júri na I Bienal de São Paulo:

I firmly believe that the Bienal has set a valuable precedent that will do more than any other activity in the field of culture to tie the New World and the Old World together in one powerful stream of cultural interchange and mutual stimulation. I sincerely hope that the exhibition of 1951 will be landmarks in the development of the arts in the New World.4

Os dados coletados confirmam a crença de d’Harnoncourt, no entanto, a desigualdade na distribuição de prêmios entre as delegações também é evidente. Isso pode ser melhor compreendido quando levamos em consideração a composição dos júris de premiação. A carta de Max Bill (artista premiado na I Bienal), membro do júri de artes plásticas da II Bienal, enviada a Sérgio Milliet em 1953, em que ele expõe suas ideias a respeito da comissão do júri de eventos internacionais, demonstra que era prática corrente entre os jurados promover as próprias delegações:

Je me sens trop responsable. Si j’accepte de changer du jurie d’architecture au jurie des arts plastiques de la biennale c’est car je vois qu’un homme comme Walter Gropius, en lequel j’ai toute ma confiance, prend ma position. D’autre part, le jurie des arts plastiques me semble au fond plus intéressant, même du point de vue politique. Le jurie d’architecture se compose plus ou moins des amis personnelles qui peuvent s’entendre sur le même plan. Le jurie des arts plastiques est un jurie politique dans lequel chacun travaille d’abord sur le compte de son pays. C’est donc très difficile à travailler là, et c’est justement ce que j’aime.5

Nesse trecho, Bill expressa claramente que fazer parte do júri de artes plásticas consistia em um desafio político, uma vez que cada jurado estava comprometido com seu país, o que também é demonstrado pelos dados quantitativos. Dos 66 países participantes das primeiras oito bienais, apenas 28 integraram o júri internacional. Destes 28, foram laureados 25. Entre os que não tiveram representação entre os jurados, só três foram premiados: Canadá, Paraguai e Guatemala – ainda assim uma única vez. Quando observamos o gráfico 1, fica evidente a alta representatividade de algumas delegações. Em mais da metade das edições, nove países compunham o júri das Bienais: Itália, Holanda e Estados Unidos (nas oito primeiras edições), seguidos pela França (sete vezes), Grã-Bretanha (seis vezes) e Japão, Bélgica, Espanha e

4 Trecho de carta de René d’Harnoncourt ao escritório do diretor da Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Nova York, 7 nov. 1951. Documento pertencente ao arquivo da Fundação Bienal de São Paulo.

5 Trecho da carta de Max Bill a Sérgio Milliet, 21 set. 1953. Documento pertencente ao arquivo da Fundação Bienal de São Paulo.

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Alemanha (cinco vezes cada um). Esses nove países estão na lista dos 11 mais premiados nas primeiras Bienais de São Paulo. Percebe-se que há, portanto, uma relação expressiva entre a participação do país como jurado e a premiação da delegação. A única exceção é a Iugoslávia, que compôs apenas duas vezes o júri do evento, mas foi premiada oito vezes. Vale lembrar também que muitas vezes o mesmo jurado representa o país em diferentes edições, o que possivelmente leva ao reforço de uma determinada posição ideológica e estética.

Por fim, além das discrepâncias geográficas, os prêmios internacionais também reforçam assimetrias no que diz respeito às modalidades artísticas. A predominância de prêmios para a pintura é muito expressiva: (52) premiados, seguidos de longe pela escultura (23 laureados), gravura (21) e desenho (apenas 13). Considerando que os prêmios regulamentares distinguem apenas um artista por modalidade artística, a desigualdade observada se deve em parte aos grandes prêmios, mas principalmente aos destinados à aquisição. Criados na II Bienal de São Paulo, são atribuídos nas primeiras edições nove grandes prêmios, sendo sete para pintura e dois para escultura. Quanto aos de aquisição, 37 são destinados à pintura, 13 à escultura, outros 13 à gravura e apenas cinco ao desenho, o que denota uma possível predominância da pintura nas coleções iniciais dos Museus de Arte Moderna de São Paulo e Rio de Janeiro.

Até 1963, as Bienais de São Paulo ocorriam sob regime democrático – portanto, sem o impacto das posições de resistência à ditadura militar – e ainda mantinham algum vínculo com o Museu de Arte Moderna de São Paulo. A VIII Bienal, de 1965, foi uma edição de transição, a primeira realizada de maneira totalmente independente do museu e já durante a ditadura militar, em um momento em que os artistas questionavam a divisão em modalidades artísticas. O processo de desvinculação da Bienal do MAM-SP remonta a 1962 e se deu quando Francisco Matarazzo Sobrinho (Ciccilo) decidiu transferir sua coleção do Museu para a Universidade de São Paulo, dando início ao Museu de Arte Contemporânea, ao mesmo tempo em que criava a Fundação Bienal de São Paulo (FBSP) como entidade organizadora do evento6. Essas

6 Sobre processo de desvinculação de Ciccillo e da Bienal com relação ao MAM-SP e a criação do MAC-USP - primeiramente alocado no mesmo pavilhão do Ibirapuera em que se realizavam as Bienais desde 1957, onde

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decisões levaram a um rearranjo da estrutura institucional e organizacional das mostras, sendo que a principal alteração foi a ausência de agentes mediadores do campo artístico na direção do evento, já que antes eram os diretores do MAM-SP (Lourival Gomes Machado, Sérgio Milliet e Mário Pedrosa) que dirigiram as seis primeiras edições da Bienal. Dessa forma, o poder decisório em torno do evento passou-se a se concentrar cada vez mais na figura de Ciccillo, presidente-fundador da mostra.

2. Das premiações em questão à “Bienal das Bienais” (1967-1979)

Embora as Bienais de São Paulo sempre tenham sido objeto de críticas, a partir de 1966, Ciccillo se mostrava consciente das dificuldades de manter a legitimidade da Bienal. Em particular, o sistema de premiações era um dos alvos das várias críticas que começavam a emergir de maneira mais ampla naquele meio de década. Os questionamentos ao sistema de premiações não se restringiam as Bienais de São Paulo, mas vinham sendo suscitados de maneira mais geral em diferentes Bienais Internacionais. No que diz respeito as Bienais de Veneza, por exemplo, essas críticas aparecem com veemência na edição de 1968, que respaldada pelos movimentos estudantis de maio de 1968, se vê fortemente contestada. Tais questionamentos culminam com a extinção dos prêmios na Bienal de Veneza, em 1970 e na de São Paulo em 1977.

Assim, a transformação das premiações das Bienais de São Paulo que se manifesta na IX Bienal, de 1967, pode ser entendida tanto como uma resposta às críticas, quanto como resultado das mudanças estruturais pelas quais o evento passava. Nessa edição houve a dissolução da separação entre prêmios a artistas nacionais e estrangeiros, passando a contar com um único grande prêmio (financiado pelo Itamaraty), e um conjunto de “prêmios Bienal” que a cada edição eram destinados a um número de oito a dez artistas, sem especificações de linguagem artística – em

também passava a se instalar a Fundação Bienal -, ver: MAGALHÃES, Ana Gonçalves. “A Bienal de São Paulo, o debate artístico dos anos 1950 e a constituição do primeiro museu de arte moderna do Brasil”. In Museologia &

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dois casos esses prêmios foram para brasileiros, mas aos artistas “nacionais” eram concedidos os prêmios estadual, municipal e outros menores que variavam a cada edição, dependendo de financiadores eventuais. Outra novidade, foi que a partir dessa edição, se instituiu o “Grande Prêmio Latino-americano”7 (em homenagem ao

presidente da FBSP, Ciccillo Matarazzo Sobrinho), outorgado a um artista proveniente de países da região, incluindo o próprio Brasil, que teve um representante premiado na categoria.

Para além da falta de legitimidade que o modelo das “Bienais” passava a suscitar, o evento paulista também sofria as consequências das mudanças na situação política brasileira ocasionadas pelo golpe militar de 1964, que instaurara um regime ditatorial no país, e pelo Ato Institucional de número 5 decretado em 1968, que intensificava os mecanismos de censura e repressão, inclusive sobre o campo das artes visuais.

Se na Bienal de 1967 alguns artistas brasileiros sofreram censura ou constrangimento ao expor seus trabalhos na mostra – com destaque para Quissak Júnior e Cybéle Varela –, a partir de 1968, a situação se apresentava como mais coercitiva e a X Bienal, de 1969, foi amplamente tomada como vitrine de implicação nacional e internacional para tomadas de posição por parte de artistas, críticos e diretores de museus atuantes no país e no exterior. Numa ação de boicote que colocava em rede uma série de agentes importantes para a legitimação do evento, as Bienais passavam a sofrer relativo esvaziamento e tinha sua posição questionada por um círculo de pares do âmbito da produção e mediação das artes.

Diante dessa crise, que se aprofundaria nos anos seguintes, Ciccillo e a FBSP buscaram explorar outras formas de garantir o interesse pelo evento, reforçando os vínculos com a diplomacia e tratando de criar canais para a inserção de contingentes artísticos nacionais que se encontravam relativamente a parte do círculo que encampava o boicote desde 1969. No entanto, a curva geral do número de países

7 Vale lembrar que nas primeiras Bienais de São Paulo existiam alguns prêmios de aquisição destinados a artistas de delegações estrangeiras especificas, que não foram contabilizados na nossa análise. Entre eles estava o prêmio Ernesto Wolf, destinado a artistas latino-americanos que foi atribuído na IV, V, VI, VII e IX Bienais de São Paulo.

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participantes nas Bienais que ascendia desde 1951 até 1967, alcançando seu ápice com a IX Bienal, passava a decrescer a partir da X Bienal, experimentando uma recuperação gradual, apenas, a partir da 17ª Bienal, de 1983.8

As alterações no sistema de premiação não significaram uma grande mudança em termos de proporção de países com artistas representantes sendo premiados (ver tabela 2). O que verificamos é o oposto, uma manutenção em termos de concentração geopolítica sobre países da Europa no caso dos “grandes prêmios”, com cinco dos seis prêmios sendo destinados a países europeus9. O continente também concentrava

45,2% dos “prêmios Bienal de São Paulo” e quase todos os países provenientes da Europa Ocidental e Oriental citados na seção anterior, se mantiveram entre os galardoados10. Percebe-se também a mesma tendência em valorizar a arte do “Velho”

e “Novo” continente, já que a segunda região mais premiada são as Américas, alcançando o percentual, de 43,3%, sendo que quase metade das láureas são destinadas ao Brasil e o restante é dividido entre Canadá, Estados Unidos, Venezuela, Colômbia, Argentina e Paraguai.

No entanto, diferentemente do que ocorria nas primeiras edições das Bienais de São Paulo, a partir de 1967 os países latino-americanos passam a ser premiados com certa regularidade, para além do “Grande prêmio Latino-americano” – que foi realizado em quatro das seis edições em análise nesta seção do texto, atribuídos a Colômbia, Uruguai, Guatemala e Brasil, nesta ordem. A “ênfase” dada aos artistas da América Latina é ainda mais evidente na XIII Bienal, de 1975, que contou com artistas dessa região convidados especialmente para compor salas especiais. Essa foi a única edição que teve maior proporção de prêmios atribuídos a representantes de países sul-americanos, sendo três ao Brasil, dois à Argentina, e quatro a europeus. Vale notar, ainda, que a África e a Oceania são contempladas na seção “prêmios Bienal de São

8 A respeito desse de recuperação da atração de países participantes a partir dos 1980, bem como sobre as explorações encampadas pela Bienal desde 1969, ver: SOUZA, Tálisson M. Transações e transições nas Bienais

de São Paulo (1978-1983): arte contemporânea, mediação e geopolítica. Tese (doutorado em Sociologia e

Antropologia), Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2021. As seções 2 e 3 deste texto também foram extraídas em grande parte da tese desta tese.

9 Grã-Bretanha, Alemanha, Espanha, Bélgica e Iugoslávia.

10 No caso dos europeus, mantiveram-se Itália, França, Grã-Bretanha, Alemanha, Espanha, Áustria, Holanda, Bélgica, Suíça, Iugoslávia, Polônia e Tchecoslováquia, desaparecendo da lista apenas a Grécia e a Suécia, enquanto se inclui Portugal.

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Paulo”, ainda que uma única vez, ambos na XII Bienal (África do Sul e Austrália). A Ásia, passa a ser menos laureada – apenas o Japão é contemplado, com quatro prêmios.

A XIV Bienal, primeira edição realizada após o falecimento de Ciccillo, teve sua estrutura organizacional marcada pela atribuição de poderes executivos ao Conselho de Arte e Cultura da FBSP, que anteriormente atuava como órgão de consulta e normativo. Na ocasião, seus integrantes buscaram intervir na forma como o evento se organizava e como as obras eram selecionadas e dispostas no espaço expositivo, tentando substituir o critério eminentemente geopolítico das divisões por nacionalidades por um conjunto de categorias ligadas a “proposições da arte contemporânea” – o que não se efetivou para além de algumas ações concretas pontuais11.

O CAC, além de ter atuado para dirimir a influência das representações por nacionalidades na expografia e conceituação da mostra, também deixou patente uma oposição à manutenção do sistema de premiações como um todo, trazendo para o texto de apresentação do catálogo a seguinte afirmação: “As premiações, que não constituem, a nosso ver, uma medida necessária de avaliação, permanecem ainda nesse estágio de nossos trabalhos como estímulo vital para os participantes e para um público que ainda as solicitam como referência”12. Os componentes desse órgão

interno à FBSP faziam manifesto um entendimento e interesse de remodelação institucional que afetaria sua percepção: "A Bienal deixa de ser, finalmente, um espaço de consagração, para se tornar um espaço de experimentação" (idem.).

Essa edição também foi informada por outra decisão da FBSP tomada no ano anterior, quando a quarta edição das Bienais Nacionais (realizadas desde 1970 em anos alternados aos das Bienais Internacionais de São Paulo13), era anunciada como

a última mostra da série de escopo nacional, que cederia lugar a uma série de escopo regional/transnacional iniciada em 1978, as Bienais Latino-americanas de São Paulo,

11 Esse processo também é abordado de maneira mais aprofundada na tese de Tálisson Melo de Souza (op. cit.). 12 CONSELHO DE ARTE E CULTURA. “Apresentação”. In XIV Bienal Internacional de São Paulo. Catálogo de exposição. São Paulo: FBSP, 1977. P.2.

13 Ver: ZAGO, Renata C. As Bienais Nacionais de São Paulo: 1970-76. Tese (doutorado em Artes Visuais), IA-UNICAMP, Campinas-SP, 2013.

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que, no entanto, contou apenas com sua primeira e única edição. Essa guinada ‘latino-americanista’ no âmbito da Bienal, que se apresentara na edição de 1975, se ampliou na XIV Bienal Internacional, 1977, e, pela primeira vez um país latino-americano recebeu o “Grande prêmio”, a Argentina, através do grupo de artistas Los Trece. A premiação gerou celeuma entre artistas e críticos do Brasil, que apostavam num destino nacional para o “Grande prêmio”, enquanto as expectativas e polêmicas giravam em torno aos nomes de Franz Krajcberg, artista de origem polonesa radicado no Brasil (tendo participado da I Bienal, 1951, como representante nacional), e do grupo baiano de jovens artista ETSEDRON (que recebera o “Prêmio Governo do Estado de São Paulo” na edição de 1973).

Com a 1ª Bienal Latino-americana realizada em 1978, sua programação contou com um Simpósio, reunindo cerca de 20 intelectuais do campo das artes (e de áreas afins, como as ciências humanas e da comunicação), por três dias, sendo o último deles marcado por uma série de proposições a fim de intervir na Bienal. Uma delas se referia diretamente ao sistema de premiações, fazendo menção ao fato de a Bienal de Veneza ter tido esse mecanismo de consagração questionado desde 1968, enquanto a Documenta de Kassel (entidade congênere à Bienal, inaugurada na Alemanha em 1955, e que gozava de amplo reconhecimento como instituição promotora das linguagens contemporâneas, especialmente a partir de 1972), não o promovia. E com isso, a manutenção desse sistema na Bienal denotava um certo “atrasado” na configuração da instituição brasileira. A decisão tomada foi de se eliminar o sistema de premiação na edição seguinte, de 1979, o que viria de encontro com interesses da instituição em reequilibrar sua situação econômica e reformular sua imagem perante o campo artístico nacional e internacional, após uma década de fortes questionamentos acerca de sua legitimidade, iniciados de modo mais sistemático com o boicote à X Bienal, de 1969.

Diante disso, a 15ª Bienal lançava mão de um recurso específico para explorar um novo formato, e centrou sua organização na realização de uma mostra retrospectiva da produção de artistas premiados/as nas edições anteriores, desde a I Bienal até a XIV. Afirmava o então presidente da FBSP e diretor daquela edição da Bienal, Luiz Fernando Rodrigues Alves: “Nosso objetivo foi o de reunir, em uma só

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mostra, aqueles que, durante 28 anos, receberam os maiores prêmios [...] e continuaram trabalhando, sofrendo alterações, pesquisando, transformando-se, mas, de modo geral, continuaram a ocupar no mundo das artes o lugar que lhes compete” (RODRIGUES ALVES, 1979: 17). Com isso, a mostra passava a ser chamada de “Bienal das Bienais” na imprensa, e essa retrospectiva também foi enfatizada no cartaz de divulgação, que foi composto em grid com miniaturas dos 14 cartazes das edições anteriores.

As representações dos países participantes foram distribuídas no primeiro e terceiro andares do Pavilhão da Bienal, e foram de total responsabilidade de cada delegação, na qual se comporia uma “visão contemporânea da arte através da produção recente” (“Regulamento”, 1979: 23). A representação do Brasil, conforme discriminado no Regulamento, era encarregada à Associação Brasileira de Críticos de Arte, que, através do CAC também promoveu seções dedicadas a outras linguagens artísticas, como arquitetura, dança, cinema, música e teatro. Projetando uma convivência de diferentes seções no Pavilhão, o CAC acreditava ser possível gerar “uma reflexão sobre o significado dessas láureas e paralelamente sobre o significado das Bienais”.

Embora essa edição não tenha gerado uma planta da distribuição de obras, a reprodução da montagem num guia oferecido pelo Jornal da República (6 out. 1979)14,

permite apreender parte da expografia. Com base nele, percebe-se que a seção “Bienal das Bienais” ocupou todo o segundo pavimento do Pavilhão, em seções delimitadas por paredes e painéis divisores, num ordenamento cronológico e circular que seguia da primeira até a última Bienal, com indicações sobre a nacionalidade de artistas presentes em cada uma delas. O ‘círculo cronológico’ se encerrava com a sala de instalações do grupo argentino Los Trece, premiado em 1979, e que se estendia numa intervenção de grandes proporções ocupando o vão central do Pavilhão, de modo que era visível de todos os três andares do edifício: um guindaste tipo girafa elevando uma enorme cenoura inflável – obra de um dos integrantes do grupo, Leopoldo Maler, cuja escala, materialidade e linguagem dialogava com uma série de

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obras mais recentes integrantes dos envios de arte contemporânea das delegações nacionais.

O ‘círculo’ retrospectivo tomava centralidade no percurso da visita, seu sentido cronológico projetava uma linha do tempo e uma cartografia das obras de artistas laureados/as ao longo das três décadas. Entendemos que a decisão de promover tal revisão expositiva acabava por espacializar/narrar o desenrolar da atuação da Bienal como contexto legitimador e consagrador de artistas, obras, movimentos e linguagens contribuía para evidenciar o papel da instituição como mediadora e promotora de valorações. Reproduzia-se, assim, espacialmente as hierarquias geopolíticas das premiações, exibindo em grande proporção obras de artistas da Europa, com destaque para Itália, França e Alemanha. Ao mesmo tempo, reencenava-se no espaço expositivo a pequena presença da América Latina nos prêmios: o único país a aparecer mais de uma vez fora a Argentina, que teve seis nomes representativos de sua gravura e escultura premiados, além do prêmio mais recente para o conjunto de instalações do Centro de Arte y Comunicación (CAYC, espaço/coletivo sediado em Buenos Aires que abrigava os artistas do grupo Los Trece, que recebera o “grande prêmio” em 1977). Validava-se, assim, as narrativas que tomaram força com a 1ª Bienal Latino-americana, a de que as Bienais de São Paulo, ainda que importantes para visibilidade da arte na América Latina, tardou a agir como instância de consagração de artistas da região.

Enquanto a seção retrospectiva da 15ª Bienal espacializava um conjunto de nomes de artistas que receberam prêmios, expondo obras mais recentes e obras do período da premiação (em alguns casos contando com a obra premiada), a seção “visão contemporânea” restringiu-se a alocar separadamente as obras enviadas por cada delegação estrangeira e compor um espaço específico para o conjunto de artistas do Brasil composto pela ABCA, associada ao CAC. A documentação de trâmites institucionais e diplomáticos evidencia o caráter oficioso das relações entre a FBSP e as delegações estrangeiras, com integrantes da FBSP buscando garantir a presença do maior número de artistas das listas de premiações e envios atuais. A grande maioria das comissões organizadoras das representações estrangeiras foram compostas por agentes da diplomacia consular. Da confrontação entre as duas seções, a crítica de

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arte, de forma amplamente consonante, registrou uma boa organização em termos administrativos, com cumprimento de prazos e um objetivo didático de proporcionar um panorama com artistas de diferentes gerações, tendências e linguagens: “comparei a Bienal a uma feira de amostras ou industrial, um modelo muito em voga desde o século passado e ainda aplicado em nossos dias [...] cujo objetivo é exibir o que cada indústria produz e suscitar o interesse de possíveis compradores” (LEMOS, 4/11/1979: 51).

No entanto, as resenhas da crítica, após efetivamente montada a 15ª Bienal, apontavam que essa intenção didática falhou: "o que de início pareceu um bom projeto - uma avaliação crítica-histórica da Bienal de São Paulo através dos premiados nas 14 edições anteriores - deverá, mais uma vez, frustrar-se" (MORAIS, 3/10/1979: 35). Na impossibilidade de exibir as obras premiadas ou registros dessas obras, emergia uma série de reflexões acerca do legado das Bienais, pela falta da construção de um acervo e um arquivo sistemáticos que dessem conta de promover pesquisas e avaliações sobre sua história. A ausência de um caráter museológico por parte da instituição refletia em seu intento de avaliação retrospectiva, a esse respeito, a leitura da crítica Sheila Leirner sobre a “Bienal das Bienais” que sintetiza a leitura generalizada que aparece na maior parte das resenhas publicadas no período: “Uma espécie de museu de cera melancólico e coberto de mofo [...] Um museu que festeja o consagrado, mas é absolutamente impermeável a um diálogo com ele” (LEIRNER, 4/10/1979: 72).

3. Considerações finais: as premiações para além do reconhecimento

De acordo com o sociólogo James English, o costume de atribuir premiações a artistas e escritores/as experimentou ascensão ao longo do século XX, constituindo uma “economia global do prestígio”, ainda que imbricados em ambivalência e incerteza coletivas. Enquanto artistas e intelectuais comumente militam contra uma visão baseada em perdedores e ganhadores, e acusem os prêmios culturais como imposição externa sobre o mundo da arte, English reflete sobre sua proliferação como sintoma do desenvolvimento da sociedade de consumo. As realizações artísticas seriam acessadas mais popularmente por meio da projeção de seus componentes

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(obras, artistas, estilos, movimentos, países de origem, período de produção, etc.), constituindo uma espécie de zona poluída na qual distintos tipos de capitais se emaranham. A primeira analogia que o autor faz é com o sistema do estrelato, numa mediação carregada de noções similares àquelas que circulam nos programas de TV: “Prizes, from this vantage point, are not a celebration but a contamination of the most precious aspects of art” (ENGLISH, 2009: 13).

English chama atenção para como as listas de premiações a artistas funcionam para além de uma consagração direta de seus nomes e trabalho, pois há uma série de reações a tais sistemas “impuros” de valoração dentro e fora do universo artístico. Pelo próprio caráter de controvérsia e polêmica que a decisões acabam por tomar em sua publicização, as premiações constituem um mecanismo de atribuição de sentido, de inserção repetitiva de um objeto ou de um nome nas conversas cotidianas, nas discussões, na historiografia. A modalidade prêmios-aquisições também garante a entrada das obras em acervos de instituições, potencializando e prolongando esse efeito na construção de memória, como foram os casos de muitas das premiações das Bienais de São Paulo entre 1951 e 1963, que foram destinadas aos Museus de Arte Moderna de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Essa seria uma parte da dimensão estética da “esfera pública”, como forma de entretenimento que reproduz e naturaliza valores, julgamentos e sistemas interpretativos, também gerando polarizações e diferentes níveis de visibilidade (ver: JACOBS, 2012).

No caso das Bienais Internacionais de São Paulo, suas premiações mantidas até a 14ª edição foram uma das instâncias de reprodução de sistemas de classificação baseados em categorias geopolíticas, para além da disposição espacial das obras e dos intercâmbios diplomáticos-oficiosos que determinavam em grande parte as inclusões e exclusões do conjunto exibido. As valorações engendradas pelos prêmios das primeiras Bienais de São Paulo tinham de fato peso no processo de reconhecimento artístico, ajudando a promover, consolidar, internacionalizar carreiras e até mesmo a consagrar artistas (MAGALHÃES, 2015; CERCHIARO, 2020). Os prêmios também serviam às políticas de soft power, num contexto pós-Segunda Guerra Mundial, onde as diversas nações buscavam reconstruir novas geopolíticas de poder. Essas disputas perpassavam fortemente o sistema das artes e envolviam

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também a emergência de novos centros artísticos em países até então considerados periféricos, como Brasil, Iugoslávia, Argentina e Japão15.

Como argumentamos, a importância desses prêmios como instâncias de reconhecimento vai sendo gradualmente colocada em xeque, a partir de meados da década de 1960 e durante os anos de 1970, devido a: mudanças políticas cruciais nas esferas local e internacional que impactam diretamente as redes artísticas que davam sustentação as Bienais de São Paulo; alterações na estrutura institucional e organizacional do evento; profundas modificações nos próprios valores artísticos. Questionava-se assim as belas artes tradicionais e reivindicava-se a importância de articular a arte às manifestações políticas.

Os prêmios passam então a ganhar outros significados para além do reconhecimento artístico, como por exemplo o da espetacularização, da atração de público, ou ainda o de narrar uma determinada história das Bienais. Após a 15ª edição, as Bienais Internacionais de São Paulo passaram a contar com a posição formal de “curadoria geral”, o que permanece até a atualidade, a eliminação do sistema de premiações a partir daquela mostra retrospectiva, no entanto, não se estabeleceu como alteração permanente na estrutura da instituição, uma vez que o sistema de premiações do evento foi reinstaurado na 20ª Bienal (1989), tendo o valor de seu “grande prêmio” aumentado em cento e cinquenta mil dólares no ano seguinte, realocando a premiação ao centro das controvérsias suscitadas pelo evento.

Apesar da evidente ruptura que vemos nos processos de premiações das Bienais de São Paulo nos dois momentos aqui descritos e do fato de que cada edição tem importantes especificidades no que tange as premiações, algumas tendências gerais também emergem de nossa análise.

Uma delas é a tentativa de colocar em diálogo e comparação a arte produzida nas Américas e na Europa, ainda que não em pé de igualdade, dado o caráter eurocêntrico das premiações. Isso fica evidente quando detectamos que, embora presentes nas Bienais de São Paulo, outras regiões do globo como Oceania, África, Asia e Oriente Médio tem peso bastante reduzido, ou mesmo estão quase ausentes 15 Sobre as disputas geopolíticas e suas relações com os sistemas das artes no pós-guerra ver: DOSSIN, 2015; GIUNTA, 2015; PLANTE, 2013 e JOYEUX-PRUNEL, 2018.

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nos prêmios das Bienais de São Paulo. Nesse sentido, as premiações são um indício de que abrigar uma Bienal no período estudado era também um esforço, por parte de determinadas periferias do sistema das artes, de se fazer notar e de construir redes tanto entre centros e periferias, quanto entre as próprias periferias.

Outra é a constatação de que o universo da arte comumente reafirma hierarquizações de poder (financeiro, político e cultural), de modo que os países mais ricos da Europa Ocidental (Alemanha, Grã-Bretanha, França, Itália e Suíça) e os Estados Unidos, que se destacam nos prêmios das Bienais de São Paulo analisados, são também aqueles que concentram em ampla proporção o topo das listas de premiações e dos rankings de preços em vendas das maiores casas de leilão, num contexto mais contemporâneo (QUEMIN, 2002).

Por fim, os artistas e obras escolhidas refletem (em muitos graus, mas não completamente), a vinculação dos júris às discussões candentes daqueles anos numa arena transnacional de relações entre produção artística, crítica de arte, museologia, mercado e história da arte. O fato de nem sempre os artistas e vertentes premiadas nas Bienais de São Paulo serem aqueles que se situam nos cânones da história da arte, não se deve necessariamente a falta de legitimidade do prêmio, mas a coexistência de muitas instâncias de valoração e ao fato de as histórias da arte variarem de acordo com as localidades e com os agentes que as produzem.

Se na maior parte das vezes a história das Bienais de São Paulo é contada a partir das narrativas de alguns grandes críticos, fizemos aqui um outro caminho, apresentando-a por meio de seus prêmios. Viés que permite complexificar as leituras sobre o evento por enfatizar os processos de construção de prestígios, as assimetrias geopolíticas e alguns dos significados que determinadas articulações entre esferas locais e internacionais acionaram ao longo dos anos de 1950, 1960 e 1970.

Referências bibliográficas:

ALEXANDER, Jeffrey; JACOBS, Ronald; SMITH, Phillip (orgs.). The Oxford Handbook of

Cultural Sociology. Oxford University Press.

DOSSIN, C. The rise and fall of American art, 1940s-1980s: A Geopolitics of Western Art Worlds. Londres: Routledge, 2015.

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19 ENGLISH, James F. The Economy of Prestige: Prizes, Awards, and the Circulation of Cultural

Value. Cambridge-MA: Harvard University Press, 2009.

FURIÓ, V. Arte y reputación – Estudios sobre el Reconocimiento Artístico. Barcelona: Memoria Artium/UAB, 2012.

GIUNTA, A. Vanguardia, internacionalismo y política. Arte argentino en los años sesenta. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2015.

JACOBS, Ronald. “Entertainment Media and the Aesthetic Public Sphere”. In: ALEXANDER, Jeffrey; JACOBS, Ronald; SMITH, Phillip (orgs.). The Oxford Handbook of Cultural

Sociology. Oxford: Oxford University Press, 2012.

JOYEUX-PRUNEL, B. Gráficos, cartas, mapas: traçando a história global da arte moderna. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 67, agosto 2017, p. 17-37. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/137552. Acesso 30 abr. 2018. LEIRNER, Sheila. “Festa de consagrados, impermeável ao diálogo”. In: O Estado de São Paulo, 4 out. 1979, p.72

LEMOS, Fernando C. “Bienal, uma questão de marketing”. In: Folha de São Paulo – Ilustrada, 14 nov. 1979, p.51.

MAGALHÃES, Ana Gonçalves. “Bienal de São Paulo/MAM: Revisitando a Constituição de um Acervo Modernista”. In: Anais do XXXIII Colóquio CBHA: Arte e suas instituições. Rio de Janeiro: UFRJ, 2013, pp.267-481.

_______. A Bienal de São Paulo, o debate artístico dos anos 1950 e a constituição do primeiro museu de arte moderna do Brasil. Museologia & interdisciplinaridade. Vol. 1, nº 7, out./nov. 2015.

MORAIS, Frederico. “Começa a XV Bienal de São Paulo: E perde-se a oportunidade de uma avaliação crítica. In: O Globo - Matutina, 3 out. 1979, p.35.

PLANTE, I. Argentinos de París: arte y viajes culturales durante los años sesenta. Buenos Aires: Edhasa, 2013.

QUEMIN, Alain. “L’illusion de l’abolition des frontières dans le monde de l’art contemporain

internationalLa place des pays « périphériques » à « l’ère de la globalisation et du métissage »“. In : Sociologie et sociétés, V.31, N.2, 2002, pp.15-40.

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Tabelas e gráficos:

Tabela 1: Premiações internacionais das Bienais de São Paulo (1951-1965), por delegação e edição: Delegações premiadas (1951) (1953) (1955) (1957) (1959) (1961) (1963) (1965) Total geral Itália 5 2 2 1 2 1 1 14 França 3 3 2 2 1 1 12 Iugoslávia 1 1 1 1 2 1 1 8 Estados Unidos 1 2 1 1 1 1 1 8 Grã-Bretanha 2 1 2 1 1 1 8 Alemanha 2 2 1 1 1 1 8 Japão 1 1 1 1 1 1 6 Espanha 1 1 1 1 1 1 6 Holanda 1 1 1 1 4 Bélgica 1 1 1 1 4 Áustria 2 1 1 4 Argentina 1 1 1 3 México 1 1 1 3 Israel 1 1 1 3 Suíça 1 1 2 Polônia 1 1 2 Uruguai 1 1 2 Cuba 1 1 2 Grécia 1 1 Canadá 1 1 Suécia 1 1 União Pan-Americana 1 1 Tchecoslováquia 1 1 Paraguai 1 1 Chile 1 1 Venezuela 1 1 Bolívia 1 1 Guatemala 1 1 Total geral 14 19 14 14 15 12 14 7 109

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Gráfico 1 - Distribuição do júri internacional por delegação nas Bienais de São Paulo (1951-1965)

Tabela 2 - Principais premiações das Bienais - da IX à XIV edições (1967-77). Nas duas últimas, o "Grande prêmio Latino-americanao Francisco Matarazzo Sobrinho" não foi outorgado.

Edição Bienal País “grande prêmio” Países “prêmio Bienal” País “Prêmio Lat.-am.” IX Bienal

1967

Grã-Bretanha Brasil, EUA, França, Japão, Argentina, Venezuela, Polônia, Itália, Alemanha e Holanda

Colômbia

X Bienal 1969

Alemanha Áustria, Colômbia, Argentina, Grã-Bretanha, Canadá, Polônia, Tchecoslováquia e Suíça

Uruguai

XI Bienal 1971

Espanha Argentina, Itália, Suíça, Brasil, Colômbia, Iugoslávia, Alemanha, Japão

Guatemala

XII Bienal 1973

Bélgica África do Sul, Alemanha, Austrália, Espanha, EUA, França, Itália, Japão e Tchecoslováquia

Brasil

XIII Bienal 1975

Iugoslávia Argentina (2), Suíça, Brasil, Paraguai, França, Alemanha, Colômbia, Portugal, Espanha

X

XIV Bienal 1977

Argentina Itália, Japão e Brasil (8) X

Bras il Itáli a H o lan d a Es tad o s Un id o s Fr an ça G rã -B re tan h a Jap ão A le man h a Es p an h a Bél gi ca Po lô n ia Tc h eco sl o váq u ia Á u str ia A rg en ti n a Is rae l Su éc ia Un ião P an amer ic an a Ur u gu ai Iu go sl ávia Mé xi co Fi n lan d ia Co ré ia Cu b a Bo lívia URS S Ch ile Su iç a V en e zu el a G ré ci a 24 8 8 8 7 6 5 5 5 5 4 4 4 4 4 3 3 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 Total

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