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20º Congresso Brasileiro de Sociologia. 12 a 17 de julho de UFPA Belém, PA. Comitê de Pesquisa CP22 - Sociologia da religião

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20º Congresso Brasileiro de Sociologia 12 a 17 de julho de 2021

UFPA – Belém, PA

Comitê de Pesquisa CP22 - Sociologia da religião

Experiências religiosas/universitárias de alfaeomeguenses pentecostais.

Mardson Alves Macedo Sousa da Silva.

Secretaria de Educação do Estado do Maranhão

Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão - FAPEMA

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Introdução.

Este texto tem como objetivo apresentar trajetórias religiosas, de estudantes da UFBA (Universidade Federal da Bahia) membros do movimento AeO (Alfa e Ômega), os quais quando entraram no movimento eram pentecostais. A escolha dos pesquisados ocorreu levando em consideração alguns critérios: o interesse do pesquisador em conhecer histórias de determinados participantes do grupo; segundo devido a inserção dos pentecostais na universidade em massa ser um fenômeno recente, além disso, por conta das tensões com os protestantes históricos.

Ao longo deste artigo podemos observar questões relacionadas a convivência entre os entrevistados e os demais alfaeomeguenses, assim como a relação com outros sujeitos pertencentes a universidade. A primeira questão é quanto a um processo de homogeneização dos evangélicos, ou seja, entender os evangélicos sem considerar a diversidade existente no grupo. Um ponto importante a ser destacado é que o movimento Alfa e Ômega se apresenta como uma mediação entre estes evangélicos/pentecostais e a universidade, o grupo gera em seus adeptos um evangélico/universitário. A articulação entre ser evangélico e universitário se apresenta, especialmente para os pentecostais, como algo perigoso e arriscado. Havia uma escassez de pessoas até então acessando ao ensino superior, além disso, as experiências vividas (se afastaram das respectivas igrejas) pelos poucos pentecostais universitários colaboraram para esta visão. Outro desdobramento deste trabalho é quanto a tensão entre pentecostais e tradicionais, relatos apontam para uma predominância dos protestantes históricos no movimento AeO, sendo assim uma série de conflitos, sobretudo quando eram minoritários (nos primeiros anos do grupo na UFBA).

A aproximação ao grupo pesquisado se deu em 2015 através de uma conversa informal com uma participante do movimento, ela havia estudado comigo no ensino fundamental (entre 2001 e 2004). Em seguida ao ver postagens no Facebook acerca do movimento e como pensava a universidade “Como um campo missionário”. Em 2016 direcionei minha pesquisa do mestrado para este grupo e realizei o trabalho de campo em 2016 e 2017. Fiz observações de atividades do grupo dentro e fora da universidade, bem como conversas informais. Em seguida elaborei um roteiro de entrevista, este foi aplicado a estudantes que já tinham alguns anos de vivência na UFBA, a fim de reconstruir as histórias de vida, tendo como foco as experiências na universidade. A história de vida junto com a observação participante segundo Becker (1997) nos fornece duas vantagens: explorar bem a noção de processo, observar os cruzamentos entre o individual e o coletivo.

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Desde o surgimento da sociologia os seus fundadores discutiram sobre a modernidade e o lugar da religião nas sociedades modernas. Weber aborda o processo de secularização característico da modernidade ocidental, pelo qual a religião gradativamente perde espaço na sociedade. Como parte deste processo verifica-se, segundo o autor (1974) uma autonomização crescente de esferas da vida (Weber destaca as esferas política, econômica, estética, intelectual e erótica) que, outrora fortemente dependentes da religião, passam a ser regidas por uma normatividade própria. As relações entre religião e cada um desses campos autonomizados, observa o autor, são marcadas por forte concorrência e caracterizadas por crescentes tensões.

São nítidos, por exemplo, os choques entre a esfera intelectual (que abarca a produção do conhecimento científico e sua valorização crescente) e a religião. Frente a esta tensão uma das direções religiosas foi esta tornar-se mais livresca e doutrinária em um intenso processo de racionalização.

Hervieu-Leger (2008) argumenta que no final dos anos 60 e início dos anos 70, século XX, houve uma explosão de movimentos religiosos. Isso ocorreu em diversos lugares do mundo, sendo que estes movimentos vão ao encontro das interpretações da secularização via privatização da religião, pois estes se apresentam na vida pública. A autora sintetiza este fenômeno em duas dimensões: dispersão das crenças; desregulação institucional. A primeira aponta para dificuldade de definição do termo religião e como os indivíduos têm feito bricolagens referente às crenças religiosas. A segunda indica a necessidade de entender religião além das instituições religiosas.

Berger (2017), outrora defensor da secularização como ausência de espaço para religião na modernidade, mais recentemente substituiu a teoria da secularização por uma teoria do pluralismo. Enquanto Taylor (2010), que também está em diálogo com Hervieu-Leger e Berger, recusa a teoria da secularização como uma restrição à religião no espaço público, bem como a queda das práticas religiosas e propõe a concepção de secularidade. Berger (2017) compreende o pluralismo de duas formas: diversidade de religiões em um mesmo espaço; diversidade de religiões junto com discursos seculares. A escolhida pelo autor foi a segunda forma de pluralismo, isto implica na forma como os sujeitos mobilizam os discursos, os quais geralmente associam justificativas seculares e religiosas aos seus argumentos. O pluralismo tem como um dos seus efeitos o enfraquecimento das certezas (plano de fundo) e ampliação de questões postas em dúvidas (primeiro plano). Taylor (2010) caracteriza as sociedades pré-modernas como um contexto da religião permeando “em toda parte”, interligada a todas as esferas sociais, em contrapartida a modernidade aponta para um processo de autonomização das esferas. Diante de

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diversas definições de secularização, Taylor prefere o termo secularidade, no qual compreende as religiões neste novo contexto como uma opção entre outras. Além de surgir a descrença como possibilidade, a fé se apresenta como algo que pode ser questionado. O autor não está interessado em explorar as crenças e teorias dos sujeitos sobre secularidade, entretanto se empenha em entender como as crenças e descrenças produzem efeitos nas experiências e sensibilidades dos sujeitos.

Tavares e Camurça (2009) dividem os estudos sociológicos sobre juventude em dois momentos. O primeiro abarca trabalhos produzidos até a década de 70, do século XX; nestes a juventude era tratada de forma homogênea, os autores falavam sobre a juventude, urbana, universitária, como se fossem todos os jovens brasileiros. No segundo momento, a literatura sociológica passou a abordar a noção de juventudes, a fim de mostrar a heterogeneidade desse segmento. A partir da década de 80, os estudos passaram a considerar o estilo de vida das juventudes: religião, sexualidade, consumo, música e demais aspectos da vida social. Essa mudança de perspectiva está relacionada a dois fatores: transformações sociais no Brasil;

“reorientação teórico-metodológica” nas ciências sociais.

A dissertação de Silva (2010) contribuiu com o levantamento bibliográfico referente aos estudos produzidos no Brasil, referente aos universitários e à religião. O autor visualiza duas modalidades de pesquisa sobre o tema: trabalhos que buscam entender os estudantes e suas respectivas trajetórias, abordando a dimensão religiosa em relação a outras esferas; e outras, mais recentes e minoritárias que visam compreender grupos religiosos que atuam nas universidades. Os estudos da segunda modalidade (SILVA,2010) apontam a existência de grupos cristãos atuando nas universidades brasileiras, o seu trabalho prioriza os maiores grupos evangélicos e católicos. Entre os evangélicos temos a ABU (Aliança Bíblica Universitária), movimento interdenominacional e liderado pelos próprios participantes, entre os católicos os GOU (Grupos de Oração Universitários), ligados ao movimento de RCC (Renovação Católica Carismática) de caráter emocional e conservador, à primeira vista parece não se encaixar bem nas universidades. Porém os estudos mostram que os GOUs são bem integrados à lógica moderna da universidade: desenvolvimento científico, argumentação racional, preparação profissional. Observamos questões em comum entre as juventudes cristãs universitárias, nas pesquisas sobre grupos católicos (SILVA, 2010) e movimento evangélico Núcleo Vida Cristã, da Universidade de Brasília (ROCHA, 2011).

Apesar dos grupos evangélicos universitários já existirem no Brasil há mais de 50 anos, há uma carência bibliográfica, além de começarem a ser produzidos a partir de 2010 (ROCHA,

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2011; COSTA, 2018, SILVA, 2010; COSTA, 2013; MENEZES, 2016; LOPES, 2015), exceto o trabalho de Freston (1994). Esse aumento também se fez presente nas universidades, devido a ampliação de vagas no ensino superior e aumento da renda entre os evangélicos (CARREIRO, 2017). A justificativa para o acesso desigual entre os evangélicos existe por conta da composição das camadas sociais entre o laicato destas denominações (CARREIRO, 2017), há uma inserção significativa nos últimos anos dos pentecostais e neopentecostais nas camadas médias, contudo a maioria dos seus membros são das camadas populares. Segundo Carreiro (2017) o número de evangélicos cursando o nível superior é maior que a média entre as camadas populares.

Além do aumento do número de evangélicos nas universidades ocorreu uma multiplicação de movimentos universitários, tanto nas universidades públicas, quanto particulares (COSTA, 2013; COSTA, 2018; ROCHA, 2011; SILVA, 2010). O caso do Alfa e Ômega na Bahia pode ser tomado como exemplo para tal afirmação, há 15 anos atrás o movimento surgiu na UFBA, atualmente está em diversas faculdades públicas e particulares espalhadas na cidade de Salvador.

Socialização religiosa intrafamiliar.

Perfil Socioreligioso dos Entrevistados

Nome Val Monara Rafael Diego

Locais de moradia

Camaçari (região metropolitana de Salvador), Bahia

1- Itororó (Interior da Bahia);

2- Maceió (Alagoas);

3- Salvador (Bahia)

Boca do Rio, Salvador, Bahia.

1- Senhor do Bonfim (interior da Bahia);

2- Salvador, Bahia.

Cursos de graduação

Fonoaudiologia Direito Economia e Administração

Engenharia Elétrica Religião da

família

Católicos Assembleia de Deus

Quadrangular Quadrangular

Trânsito Religioso

1- Catolicismo 2- Testemunha

de Jeová.

3- Quadrangular.

4- Igreja Batista.

Não houve Não houve 1- Quadrangular 2- Batista

Regular.

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Filiação religiosa Atual

Igreja Batista Assembleia de Deus

Quadrangular Batista Regular

Fonte: Mardson Alves, 2019.1

Diante das entrevistas realizadas nos deparamos com três jovens que desde a infância vivenciaram um ambiente evangélico pentecostal, um deles tinha o pai pastor da Igreja Quadrangular (IQ). A trajetória de Val é a única que não apresenta uma vivência familiar pentecostal. Val é moradora da cidade de Camaçari, região metropolitana de Salvador, oriunda de uma família de orientação católica. Participou de alguns sacramentos da igreja: batismo, catequese e crisma (não finalizou). Esse envolvimento com o catolicismo foi mediado pela mãe, apesar de não ser frequentadora assídua da igreja, mas considerava importante criar as filhas na igreja e que tivessem conhecimento da Bíblia. Saiu da Igreja Católica por não ter obtido algumas respostas.

Val, ao deixar de frequentar a Igreja Católica, passou a estudar com Testemunhas de Jeová através de estudos bíblicos em casa, durante dois anos. Depois perdeu o interesse por duas razões:discordava da posição teológica referente ao privilégio dos 144 mil que iriam morar no céu; considerava as reuniões muito formais. Apesar da mãe ser católica gostava da filha estudando com as Testemunhas de Jeová, pois acreditava que ela aprenderia a Bíblia e consequentemente mais obediente. Após quase dois anos cessou os estudos bíblicos.

Por influência de um primo passou a frequentar a Igreja Quadrangular, ele era membro desta igreja há alguns anos e a levou algumas vezes. Esse primo era uma referência masculina, afirma Val, pelo fato de ter sido criada sem a presença paterna. Perguntei há quanto tempo o primo frequentava a IQ e ela respondeu.

Ele se converteu já velho. Eu não vou lembrar. Mas foi velho já porque ele era homossexual e aí ele deixou de ser homossexual, virou cristão. Não sei, foi com vinte e poucos anos, eu era criança, não vou lembrar direito a idade. Eu lembro que quando eu era criança ficava falando “quando eu crescer vou me converter pra Quadrangular” e ele ficava falando pra eu aproveitar todas as festas que pudesse (risos). (Val, entrevista concedida em 2016).

A conversão de Val aconteceu de forma processual, primeiro ela decidiu se tornar cristã, porque tinha um namorado membro da IQ (há uma regra entre os evangélicos de namorar apenas com pessoas da mesma religião). Após o término do namoro ficou muito abalada, um fator que pesou bastante foi ter sido traída pelo namorado com uma menina da quadrangular.

1 Este quadro foi criado por mim, com o objetivo de apresentar um panorama geral sobre as trajetórias que serão

apresentadas ao longo do texto.

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Essa situação gerou uma tristeza profunda, teve como consequência um envolvimento maior na vida religiosa.

Enquanto Val teve sua experiência religiosa familiar num ambiente católico, as demais pessoas conviveram em famílias e igrejas pentecostais, inclusive em nenhum momento viveram trânsito religioso fora da religião evangélica. Temos duas situações na IQ e outra na AD, igrejas dos interiores da Bahia e da capital (bairro popular Boca do Rio), um fato em comum é que iniciaram suas experiências religiosas na década de 90, do século XX, momento em que os evangélicos eram pouco numerosos no Brasil, nem chegavam a 10% (SOUZA, 2012). Os entrevistados observam que eram de um grupo minoritário que teve um crescimento considerável, fenômeno denominado por Rafael de “booom evangélico”, inclusive comentam sobre a inserção de evangélicos em diversos espaços sociais e uma diversidade cada vez maior de formas de ser evangélico.

Rafael já nasceu imerso numa igreja pentecostal, pois o pai e a mãe eram membros da Igreja Quadrangular da Boca do Rio, bairro popular da cidade de Salvador. Se converteu2 aos dez anos, disse que já entendia o significado desta ação, pois era ensinado em casa, principalmente pela sua mãe e participava do estudo bíblico para crianças na IQ. O seu pai era pastor auxiliar e a mãe bastante envolvida nas atividades da igreja. Argumentou que pai e mãe valorizavam a fé e queriam que seus filhos a seguissem, diante disso os criaram nos fundamentos da fé evangélica.

A interpretação de Rafael é que a maneira que seus pais o conduziram à vida religiosa tem uma forte influência em seu pensamento, porém enxerga a sua conversão e permanência até os dias atuais relacionada a sua escolha, porque seus amigos de infância não permaneceram na fé dos pais. Aos dez anos de idade ocorreu a sua conversão, considerava ter uma maturidade além da sua idade e ter noção suficiente para fazer esta decisão, tinha instrução dos pais e da igreja.

A justificativa dada por ele para a certeza da decisão foi o fato de nunca ter se afastado da fé (já se passaram 16 anos desde o ano que se converteu). Rafael conta que recebeu uma educação mais liberal que outras famílias de sua igreja, não obstante seu pai ser pastor. Ele juntamente com seu irmão mais novo sempre teve acesso a música (XUXA, Eliana, Backstreet Boys e cantores de samba), dança e cinema secular. Enquanto diversos adolescentes da igreja eram impedidos por seus pais de irem ao cinema, ele viu filmes como: Harry Porter e da Disney.

2 Entre os evangélicos há um entendimento quanto à necessidade da realização de uma confissão pública de entrega da sua vida a Jesus, a fim de se tornar salvo. É uma ação que precisa ser voluntária, para que o indivíduo possa se tornar evangélico. Um texto bíblico bastante utilizado para justificar este ato é “Se com tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. ” Rm 10.9 (BÍBLIA, 1965)

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Rafael considera os seus pais liberais em relação aos demais da igreja, inclusive para não criar tensão entre membros da igreja a mãe dizia “não conta aos seus colegas da igreja que os liberamos”.

Enquanto Rafael teve uma experiência de socialização religiosa pentecostal na infância em um bairro popular de Salvador, Diego e Monara viveram no interior da Bahia (Valença e Itororó). Suas famílias tornaram-se evangélicas quando eles ainda eram crianças. A mãe de Diego passou a frequentar igrejas evangélicas em Valença após algumas experiências marcantes: brigas com o marido, separação e passagens por três cidades (Belo Horizonte, Salvador e Valença) em dois anos (Diego tinha entre 4 e 6 anos). Nesse período sua mãe passou a frequentar algumas igrejas evangélicas e o levava. Porém sua mãe conta que Diego falava para frequentarem a Quadrangular, apesar dele não lembrar desta fala. A fala de Diego abaixo sobre sua primeira experiência com Deus.

Eu era muito sensitivo, no sentido de quando eu ouvia um fundo musical, sem ter ideia de quem era a música eu me comovia, eu chorava, acho que eu era muito melancólico naquela época.

Então minha mãe se converteu ao cristianismo nessa época, eu com 6 anos. Tive a oportunidade de rever meu pai, só que ele não era um pai presente, eu queria carinho, não queria presente, dinheiro, eu queria que ele me desse a presença dele, que ele estivesse presente. Até meus 6, 7 anos quando ele esqueceu a data do meu aniversário, comecei a entender que não dava pra esperar muito dele em relação a essas afeições e lembro um Dia dos Pais que eu estava muito triste por essa ausência dele, e eu na igreja orei pra Deus e disse “Deus, eu quero que você seja o meu pai. Eu sei que meu pai é meu pai biológico, mas ele não me dá atenção e carinho que preciso como filho, mas tendo Você como pai terei esse carinho, esse amor”. (Diego, entrevista concedida em 2016).

Monara nasceu em Itororó, seus pais a criaram na AD.

Meus pais também são evangélicos. Quando eles foram para a igreja, eu era muito nova. Na minha cabeça eu tinha entre 5 e 7 anos. E aí fui com eles também e a gente se engajou muito porque é uma igreja do interior, todo mundo se conhece bastante, então foi bem fácil... (Monara, entrevista concedida em 2016).

Em uma grande pesquisa realizada entre jovens, estudantes do ensino médio, estado de Minas Gerais, buscou-se observar religião, cultura e política (PEREZ,TAVARES e CAMURÇA,2009). Um dos artigos observou de forma específica a transmissão religiosa intrafamiliar, uma das afirmações do autor mediante os dados quantitativos foi que os pais pertencentes às religiões protestantes e pentecostais (o autor utiliza esta divisão, porém não

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justifica o motivo) são os que mais influenciam os seus filhos na adesão à fé, estes só são superados pelas famílias espíritas. Os católicos, por sua vez, são os que têm a menor influência sobre seus filhos, ou seja, probabilidade menor de ter um filho seguindo a religião dos pais. É notória a predominância do lado materno nesse processo de socialização religiosa.

Tavares e Camurça (2009) também chamam atenção para a existência de jovens que aderem à religião da família, e que mesmo reconhecendo a influência familiar, afirmam ter escolhido participar da religião apresentada pelos pais.

Enquanto a literatura apresenta transmissão e escolha como se fossem excludentes, estes autores mostram a possibilidade de convivência entre elas. Estes argumentos nos levam à discussão sobre a força da socialização religiosa intrafamiliar.

Importante notar que enquanto Tavares e Camurça (2009) tratam de um contexto (Brasil, Minas Gerais) em que se verifica uma importância central da educação religiosa nas famílias, a pesquisa realizada na França por Hervieu-Leger (2008) mostrou que as famílias não valorizam a transmissão da religião a seus filhos, permitindo que estas escolhas fiquem a critério apenas dos filhos. A fim de entendermos a socialização religiosa faz-se necessário observar a diversidade de religiões, as quais valorizam de formas distintas a educação religiosa, como também diferenças entre as famílias de uma mesma religião. Além disso, é importante levar em consideração que os filhos desde a infância têm um papel ativo no processo.

2.5.2 Evangélicos e o estigma.

Os entrevistados afirmam sofrer preconceito em diversos espaços. Os que são dos cursos de humanas enfrentam alguns embates em sala de aula, apesar de poucos professores tratarem da questão religiosa a ponto de ofendê-los. A pesquisa realizada por Rocha (2011), acerca do Núcleo Vida Cristã, cuja atuação se dá na UNB apresenta diversos relatos de preconceitos, os participantes do movimento afirmam terem sofrido discriminação em diversas situações, inclusive durante atividades realizadas no espaço universitário.

De modo semelhante, Rafael (economia) e Monara (direito) tiverem experiências que os constrangeram

“Os professores evitavam esses assuntos...me lembro de três professores que falavam dessa coisa de religião, um deles de História do Direito que tinha comentários bem sarcásticos, na minha visão desrespeitosos, mas isso no início do curso, achei que ele ia acabar intervindo, mas ele não falou mais nada. Outra professora falava sobre o pentecostalismo e isso me dava mais vergonha, pois sabia que o que ela tava falando era verdadeiro e outro professor que se intitulava batista, mas a vida dele não

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demonstrava isso, as vezes criticava, outras vezes falava bem...mas o resto evitava esse tipo de assunto.” (Monara, entrevista concedida em 2016).

Tinha gente que não ligava pra religião e tinha gente que ficava incomodada e comecei a ver isso com o professor de “Produção de Teorias Econômicas” que era ateu militante, mega de esquerda, uma esquerda maluca, que sabia matemática e criticava a esquerda maluca. O sonho dele era o comunismo. Ele era da nata da esquerda, fez mestrado na UNICAMP – um antro da esquerda e tal... ele, ainda no primeiro semestre, começou a falar de religião de uma forma muito desrespeitosa. Por exemplo...vamos pegar uma empresa, a Igreja Universal. Eu não era da Universal, mas era a religião de alguém, velho! Se eu fosse daquela instituição, por mais que aquela instituição tenha erros, eu ia ficar P da vida. Porque é muito desrespeito. Ele só tem um sentido: criticar, debochar de alguém. Ele não falava de um terreiro de Candomblé, só falava da Universal. E o pessoal “kkkkkk....”. Ele queria manter aquele clima de ensino médio na sala, de cursinho, ele era novo, menos de 30 anos, substituto, saia com a galera pro bar... e eu comecei a ficar incomodado com as piadas, porque não era pontual, era em todas as aulas. E eu ficava pensando “ele deve ter algum problema. É ex-evangélico, ele tem um rancor, dá pra ver que é uma coisa pessoal”. E eu ficava triste e via que as pessoas reproduziam o que ele falava fora da aula. E eu comecei a me afastar dessas pessoas, não vou andar com uma pessoa dessas.” (Rafael, entrevista concedida em 2016).

Monara e Rafael reagiram diferente aos discursos veiculados pelos professores acerca dos pentecostais, ambos tinham alguma concordância com discurso dos professores (sobretudo quanto às igrejas neopentecostais, especialmente referente a teologia da prosperidade). Rafael não aceitava a maneira como era feito, pois considerou desrespeitoso tratar uma igreja (religião) como uma empresa e fazer piada, enquanto Monara costumava sentir vergonha, pois concordava com as afirmações feitas acerca dos neopentecostais. Alguns universitários estigmatizam os evangélicos fazendo referência à bancada evangélica, cura gay e a Igreja Universal (IURD). Monara afirma que a maioria dos evangélicos da UFBA não se enquadra nesse rótulo. Certa vez houve um seminário apresentado por estudantes do curso de direito, referente a disciplina de psicologia e o tema escolhido por uma das equipes foi a invisibilidade trans. O argumento apresentado pelo grupo responsabilizou os cristãos pela situação das pessoas transexuais. Monara pediu a fala e discordou, mediante dois argumentos: considerou a atitude como politicamente incorreta; e afirmou tratar-se da reprodução de estereótipos sobre cristãos. Percebe-se que o seu discurso está relacionado ao ambiente acadêmico, ela se apropriou do repertório universitário a fim de enfrentar o estigma.

Goffman (1982), em uma de suas obras discute sobre o conceito de estigma. O autor define como uma situação em que o indivíduo não tem aceitação social plena. O estigma remete à

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relação entre indivíduos, não atributos que algum indivíduo tenha. Goffman aponta que o indivíduo estigmatizado tem um traço que faz com que as atenções dos demais se voltem para ele. Isto tem como consequência o esquecimento dos outros atributos deste sujeito. O fato destes indivíduos serem evangélicos atrai a atenção dos demais universitários, a ponto de não conseguirem observar outras características. Os evangélicos são vistos como conservadores, apoiadores da bancada evangélica, teologia da prosperidade, visão construída e fortalecida mediante a atuação dos grupos evangélicos na mídia/política. Isto dificulta a observação da pluralidade existente nesses coletivos. A associação entre evangélicos e bancada evangélica aparece também na pesquisa realizada por Berkenbrock e Da Costa(2018) através de uma evangélica universitária vinculada a ABUB3 (Aliança Bíblica Universitária do Brasil). Esta se define como feminista evangélica e foi participar de uma reunião de um coletivo feminista, no primeiro encontro escutou que os evangélicos são apoiadores da bancada evangélica. Ela pediu a palavra, se contrapôs ao discurso e argumentou quanto a necessidade da igreja estar junto ao movimento feminista em prol das mulheres, em seguida passou a fazer parte do coletivo feminista socialista “Olga Benário”.

Movimento Alfa e Ômega como mediador entre a Religião e a Universidade.

A diferença que um movimento evangélico faz na vida destes jovens, frente a convivência com o espaço universitário, é grande. Ao ingressarem na universidade alguns já conheciam o movimento, outros nem imaginavam a existência de algum tipo de organização evangélica na UFBA. Monara e Val tinham notícias do movimento AeO, ambas por conta de seus irmãos (as), os quais participaram de algumas atividades. Diego e Rafael não tinham nenhuma informação sobre o grupo. Rafael logo na matrícula tomou conhecimento da existência do AeO, porém só passou a participar após alguns semestres, devido aos horários do seu curso de graduação em economia serem incompatíveis com os das reuniões do movimento no campus. A trajetória de Diego é a única que sempre foi marcada por vivência em algum movimento evangélico, desde quando entrou na universidade participou de um grupo evangélico. Quando ingressou na UFBA foi morar na residência universitária, havia um grupo chamado NERU (Núcleo de Evangelismo da Residência Universitária). Juntamente com outras pessoas se reuniam para atividades

3A ABUB junto com o Alfa e Ômega e a ABUB são os mais conhecidos: ambos atuam em diversos países do mundo, tendo surgido na Europa e EUA. A ABUB tem sido estudada por alguns pesquisadores brasileiros, este aparece em estudos desde os anos 90 (FRESTON, 1994; COSTA, 2013; BERKENBROCK, DA COSTA, 2018; MENEZES, 2016). Há relatos de que a ABU tornou os jovens mais críticos (BERKENBROCK, Da COSTA, 2018), diferente do que alguns vivenciavam em suas igrejas.

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religiosas, com intuito de se fortalecerem e evangelizarem os demais universitários. Quando o NERU se desfez Diego soube da existência do AeO, sendo, portanto, o único a não ter a dupla experiência: com e sem a participação em um movimento. Rocha (2011) observou esta questão ao analisar os membros do NVC, da UNB. Ele percebeu através dos seus interlocutores a diferença que faz estar ou não em um grupo, denominou de vivência atomizada (fora de qualquer grupo evangélico). As falas de alguns participantes do NVC confirmam quese sentiam deslocados antes de ingressarem no movimento, sem amizades e em posição de resistência, após o movimento passaram a praticar um intenso ativismo religioso (envolvimento intenso com as atividades evangelísticas e de formação promovidas pelo AeO) e construíram vínculos de amizades.

Val só passou a frequentar as reuniões do AeO no terceiro semestre de fonoaudiologia, nesse período afirma não ter tido força para viver sua fé, teve que enfrentar os questionamentos de seus colegas universitários sobre sua opção religiosa. Passava a maior parte do seu tempo na universidade: a cidade onde mora está situada a 41 quilômetros de Salvador, o que dificultava sua presença nas reuniões da igreja durante a semana. Ao direcionar os questionamentos dos colegas de universidade à sua pastora, não costumava obter respostas satisfatórias. Havia em sua turma de graduação em fisioterapia alguns evangélicos, porém entendiam a universidade como espaço destinado aos estudos seculares e não a vivência religiosa. Após a participação no AeO passou de uma posição de resistir às festas a um forte ativismo religioso. Passou a enxergar a universidade como um campo missionário.

A experiência de estar na universidade apenas para permanecer evangélico, sem enxergar este espaço como campo missionário é sentida por todos entrevistados(as), apesar de serem pentecostais e terem sido socializados em suas igrejas para se dedicarem à evangelização. Ao entrarem na UFBA o objetivo é sobreviver na fé e não se contaminar.

Ao chegar na graduação em direito da UFBA, proveniente de um intercâmbio, Monara ficou deslocada, pois passou a fazer parte de uma turma em andamento (as pessoas já tinham vínculos). Um dos seus objetivos era fazer amizades e se fortalecer na fé. Não estava conseguindo se adaptar à igreja AD(Assembleia de Deus), do bairro de Cosme de Farias (Salvador), já frequentava há um ano e meio. Ao fazer parte do AeO conseguiu as duas coisas:

fez diversas amizades e fortaleceu o ativismo religioso. Rafael, em sua trajetória antes da entrada no AeO esteve em um certo isolamento, não participava de um grupo evangélico onde pudesse compartilhar práticas evangélicas. Tinha apenas uma amiga evangélica, a considerava fundamental, pelo fato de trocarem ideias relacionadas à religião. Após a inserção no

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movimento evangélico universitário passou a dedicar-se à evangelização para todos os estudantes.

Os pentecostais de minoria e a maioria: mudanças na composição do AeO.

Rafael descreve uma situação que ocorreu em um acampamento do AeO, em 2009, a maioria dos participantes eram das igrejas protestantes históricas, os pentecostais eram minoria. As diferenças entre estes grupos evangélicos foram destacadas em torno de algumas dimensões:

teológica (predestinação x livre-arbítrio; crença na atualidade dos dons espirituais x cessacionistas); litúrgica (corinhos de fogo); classe social (pentecostais/ camadas populares e protestantes históricos/camadas médias). Rafael afirma que os pentecostais sofreram preconceito, inclusive de forma institucionalizada, mediante uma placa “Proibido falar em línguas!” (placa colocada em um evento em 2009), o que expressou uma determinada preferência teológica no movimento. Pessoas do movimento, de igrejas históricas, consideravam os pentecostais como: ignorantes teologicamente, crentes que exibem músicas e práticas engraçadas. Frente a isso, Rafael juntamente com outros pentecostais se auto afirmaram através dos corinhos de fogo.

Então a gente perguntava muito o nome das igrejas. Quando eu falava que era da Quadrangular, muita gente não conhecia, as pessoas perguntavam “como é a Quadrangular?” e eu respondia “é pentecostal”. Nossa, dava mudança na cara da pessoas. Tinha gente da Batista Renovada, Renascer em Cristo, a maioria de batistas, mas de batistas mais liberais. Liberais não de teologia, mas como se comporta e tal. Eu via muito que pentecostais andavam com pentecostais, mas a maioria do movimento era tradicional: Batista tradicional, presbiteriana...quando entrei, metade era da Batista Metropolitana. Isso era bom e ruim no movimento. Bom porque chegava gente do interior, desigrejado, e encontrava no movimento muita gente de lá e acabava se inserindo muito mais rapidamente na igreja. Por outro lado, criava um gueto e o movimento ficava com cara de igreja. Mas ao longo do tempo foram chegando mais pentecostais, neopentecostais e isso, acredito, foi sinal de que a universidade tava ficando mais aberta mesmo. A economia melhorou e a universidade foi ficando mais diversa.

Eu conversei isso com outros pentecostais e o que a gente fazia era se autoafirmar, por exemplo, no acampamento a gente fazia rodinhas pro “corinho de fogo”, que são músicas clássicas, culturais do pentecostalismo, que não tem nas outras igrejas, só nas pentecostais, é o “reteté”. E tinha uns tradicionais que achavam o máximo, sentavam, riam com a gente, achavam engraçado, mas tinha gente que era muito preconceituosa e falavam “Deus é mais”. (Rafael, entrevista concedida em 2016).

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Rafael afirma que desde quando Val e Monara entraram no movimento AeO (2012/2013) os preconceitos e restrições de forma institucionalizada em relação aos pentecostais haviam diminuído. Segundo Rafael, ao longo dos anos ocorreu uma mudança na composição do grupo, ou seja, o número de pentecostais no movimento cresceu. Este crescimento, associado à resistência dos pentecostais e o processo de conhecimento mútuo entre tradicionais e pentecostais fizeram com que passassem a ser tratados de forma menos preconceituosa. Apesar disso persistem ainda algumas brincadeiras, as quais geram barreiras para alguns pentecostais participarem do grupo.

Enquanto Rafael e os alfaeomeguenses enxergam e apresentam o movimento como moderado, há pentecostais que se aproximam e o enxergam como um grupo tradicional. Ao observarmos o caso dos dois irmãos assembleianos que se aproximaram do movimento, identificamos uma situação de inadaptação ao AeO. A dificuldade encontrada por um desses irmãos (estudantes de administração e psicologia) para aderir ao movimento aconteceu por conta dos seguintes fatores: hegemonia tradicional quanto a teologia; comportamento contido durante as reuniões (apesar do movimento ser interdenominacional o comportamento é parecido com o dos evangélicos históricos); piadas referente aos pentecostais; noção de salvação defendida pelo AeO. Existem diversas correntes no meio evangélico atinente à salvação, existem duas no debate teológico há séculos e representam dois campos extremos: predestinação da teologia Calvinista, livre-arbítrio de Armínio. Entre os pentecostais tem igrejas que defendem a possibilidade do indivíduo ganhar e perder a salvação diversas vezes, ou seja, não há como a pessoa ter certeza da salvação. O argumento defendido pelo AeO é visto por Rafael como uma teologia moderada: o indivíduo pode ganhar a certeza da salvação, porém caso se afaste completamente de sua relação com Deus perde a salvação. Esta discordância entre a posição do movimento AeO e o jovem assembleiano fez com que o mesmo afirmasse que havia uma doutrinação teológica, ou seja, que o AeO assumia um posicionamento teológico, apesar de se apresentar como um movimento plural.

A visão de Monara é que o AeO está mais plural, o que implica em maior número de membros de igrejas pentecostais, logo há um cuidado maior para evitar preconceito direcionado aos pentecostais. Ela nota uma diferença da convivência atual e os relatos de Rafael sobre anos anteriores, cujo os pentecostais costumavam ser estigmatizados. Enquanto isso, Val não observou exclusão dos membros das denominações pentecostais no movimento AeO. Ela afirma que os pentecostais fundamentalistas não conseguem permanecer no movimento e grande parte dos que ficam se tornam desigrejadas.

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Duas questões nestes relatos carregam uma semelhança com a pesquisa realizada por Karen (2018) com jovens da ABUB: o espaço da universidade, mediante os grupos evangélicos universitários proporcionam a muitos desses evangélicos a possibilidade de conviver com evangélicos de diferentes denominações, já que o movimento é interdenominacional; por outro lado, uma questão inusitada é o fato de alguns evangélicos enfrentarem mais dificuldades de se relacionar com indivíduos de outra denominação protestante, do que com os não-evangélicos.

Circulação e Trânsito religioso.

Estou considerando neste texto a circulação (ALMEIDA, 2006) de duas formas: ideias originárias de diversas denominações evangélicas, as quais circulam no AeO; visitas que passaram a serem feitas a outras igrejas. Quanto ao trânsito religioso aparece relacionado à mudança de grupo religioso, seja igreja/denominação evangélica ou fora dos grupos evangélicos. Nas trajetórias religiosas apresentadas neste capítulo houve circulação em todas, os quatro após se tornarem alfaeomeguenses visitaram pela primeira vez uma igreja diferente das denominações pentecostais. Observei entre eles um fluxo grande de visitas a igrejas reformadas, sobretudo a Igreja Batista Regular da Pituba4. Esta igreja do bairro da Pituba tem um vínculo forte com o movimento AeO: tem muitos membros dela que são do movimento (inclusive a líder do AeO na Bahia); várias atividades do AeO ocorrem nela; as lideranças da igreja apoiam o movimento. Porém não identifiquei visitas dos reformados, históricos, tradicionais a igrejas pentecostais. Após anos de movimento e conclusão do curso na universidade, o fenômeno da circulação alcançou a todos os entrevistados, entretanto o trânsito religioso ocorreu em dois casos.

Val deixou de ser pentecostal, passou a circular em algumas igrejas históricas. Em 2016 começou a participar de uma igreja não pentecostal, que procurou através de uma rede social (Facebook). Se interessou pelo conteúdo da pregação, cuidado do pastor com ela, os trabalhos sociais relevantes e um culto durante a semana que todo mundo fala, sem altar e em formato de círculo (parecido com as reuniões do AeO). Após um tempo de convivência com as pessoas do movimento AeO passou a entender o pentecostalismo através da chave do sincretismo religioso e considerá-lo como algo negativo, passando a perseguir um ideal de pureza religiosa. É importante ressaltar que Val nunca se sentiu confortável com algumas práticas pentecostais, a exemplo da experiência em que as pessoas caem no chão por ação do Espírito Santo,

4 Pituba é um bairro de classe média da cidade de Salvador, o mesmo está situado na orla, a Igreja Batista Regular se encontra em frente a uma praça junto com apartamentos, restaurantes e lanchonetes.

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considerando essa e outras práticas como emocionalismo (significa dizer que determinado comportamento não está relacionado a uma agência divina e sim um excesso de emoções humanas).

Diego, após anos na IQ e de ter finalizado a graduação em engenharia elétrica, decidiu estudar teologia, a fim de tornar-se pastor da Igreja Batista Regular da Pituba. Desde quando chegou a Salvador, em 2009, frequentou a IQ, bairro da Vasco da Gama, sede da denominação em Salvador, porém não se adaptou por considerá-la diferente da IQ em Valença, especialmente devido a existência da pregação voltada para teologia da prosperidade. Após a convivência no movimento AeO e estudos teológicos passou a se aproximar da teologia reformada. Frequentou a Igreja da Herança Puritana, porém não se adaptou, pois a considerava radical com relação ao uso dos instrumentos e liturgia. Posteriormente tornou-se membro da Igreja Batista Regular da Pituba, atualmente é auxiliar do pastor. Monara permaneceu como membro da AD, em Salvador não conseguiu se adaptar a AD do bairro de Cosme de Farias, frequentou outras igrejas (históricas), apesar de não ter se tornado membro. Com o passar do tempo, a convivência com a universidade e o movimento teve como consequência algumas discordâncias com a AD. Isso coaduna com a imagem apresentada por Berger (2017) do crente na modernidade, referente aos buscadores. Estes se encontram em uma determinada religião, porém selecionam o que concorda e discorda da mesma. Reafirma a religião na modernidade tendo a dimensão da escolha do sujeito como central. Monara permanece congregando na AD em Itororó, onde nasceu, entretanto houve uma aproximação do ponto de vista teológico e admiração com a teologia reformada.

Rafael permaneceu na IQ, bairro da Boca do Rio, onde é membro desde a infância. Entretanto a experiência de convivência com as pessoas de outras denominações evangélicas o fez entender melhor o pluralismo religioso, passou a considerar os membros dessas igrejas como pessoas que tem outro ponto de vista sobre a Bíblia e não como equivocados quanto a interpretação bíblica.

Considerações finais.

Esta pesquisa contribui para o entendimento da pluralidade entre os evangélicos, sobretudo em relação às organizações interdenominacionais e a defesa de uma identidade evangélica conectando as denominações, sem apagar as diferenças denominacionais. Podemos observar o movimento AeO atuando como mediador entre a vivência evangélica e universitária, ou seja,

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ele consegue associar estas práticas e produzir formas de lidar com as tensões entre ser evangélico e universitário.

Pensar as trajetórias dos alfaeomeguenses na UFBA, um dos espaços mais seculares da modernidade, faz-se necessário recuperarmos discussões sobre secularização, especialmente referente ao modo como esse fenômeno tem se desenvolvido no Brasil. Montero (2015) afirma que enquanto na França a resolução dos problemas públicos referente à religião foi via privatização da religião, em contrapartida no Brasil desenvolveu-se um pluralismo religioso acompanhado de confronto religioso. A autora mostra o redirecionamento do debate em relação ao espaço público brasileiro na década de 90, após a Constituição Federal de 1988, a especificidade do secularismo brasileiro e os deslocamentos do debate nas ciências sociais: de nacionalidade para cidadania, sincretismo para inclusão. Ao meu ver, a forma que Hervieu- Leger (2008) e Montero (2015) estão se referindo à privatização da religião são distintas. A primeira está se contrapondo à interpretação de que a religião foi expulsa do espaço público Francês, argumentando que os grupos religiosos e respectivos discursos aparecem no espaço público. Paula Montero pensa na privatização da religião na França como estratégia estatal para lidar com os conflitos religiosos no espaço público, o que revela a presença da religião no espaço público.

A pesquisa demonstrou a existência de atritos entre pentecostais e protestantes históricos, percebemos isto através de relatos de pentecostais referente a algumas atividades do movimento. Berger (2017) em sua teoria do pluralismo declara que os sujeitos e grupos passam por contaminação cognitiva e relativização permanente, além de expandir o primeiro plano (questões duvidosas). Uma estratégia utilizada pelos alfaeomeguenses que informa esse processo é quanto às categorias “coisas da diversidade” e “coisas essenciais”. Observa-se que a ampliação do número de pentecostais, bem como sua resistência foram um dos fatores para ampliação do termo coisa da diversidade e redução das coisas essenciais, o que significa uma ampliação do primeiro plano e redução do plano de fundo.

Faz-se necessário retomar a discussão de Berger (2017) acerca do pluralismo quanto a junção da religião com o discurso secular, a fim de compreender o modo como Monara se colocou frente a uma acusação de transfobia dirigida aos cristãos. A alfaeomeguense utilizou o discurso secular para se contrapor a exposição feita em sala de aula. No caso relativo a evangélica feminista também ocorreu uma associação entre um discurso secular e religioso (BERKENBROCK, DA COSTA,2018).

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Berger (2017) expõe em formato de pergunta uma associação entre o acesso dos pentecostais à educação universitária como geradora de modificações nas crenças sobrenaturais. O que esta pesquisa mostrou, sem a intenção de generalização, foi que o acesso à universidade não produziu necessariamente o afastamento das crenças pentecostais. Um ponto interessante é o fato de um ambiente secular, como a universidade, ter sido o primeiro espaço de encontro entre jovens pentecostais e protestantes históricos.

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