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20º Congresso Brasileiro de Sociologia 12 a 17 de julho de 2020 UFPA Belém, PA. Comitê de Pesquisa: Sociologia do Trabalho

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20º Congresso Brasileiro de Sociologia 12 a 17 de julho de 2020

UFPA – Belém, PA

Comitê de Pesquisa: Sociologia do Trabalho

Quando o formal e o informal se imbricam: as condições de trabalho em uma rede de fast-food reveladas por jovens trabalhadores no YouTube

Kelem Ghellere Rosso

Docente/IFPR e Doutoranda/UFPR

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Resumo: Este artigo busca analisar uma das facetas das novas determinações do mundo do

trabalho, que favorece a dupla jornada de trabalho dos trabalhadores da rede de fast-food do Grupo Madero. Trata-se de uma empresa que desde as origens se organizou e manteve as características de uma produção fordista, verticalizada, e que optou pela não externalização de seu negócio. Quando nos debruçamos sobre a força de trabalho, contudo, se observou os elementos da acumulação flexível. Os trabalhadores, jovens em sua maioria, combinam o trabalho formal, na cozinha ou no atendimento dos restaurantes, com a produção de conteúdo relacionado a essa ocupação em canal de YouTube, uma atividade originada das novas tecnologias da informação, que possibilita a monetização e obtenção de renda. O que essa produção revela sobre as condições de trabalho desses jovens trabalhadores? Quais as motivações para essa dupla atividade laboral? O que essa configuração revela sobre a fase atual do capitalismo? É o que buscamos responder a partir de uma metodologia que envolveu a análise da empresa Madero, através dos materiais feitos sobre e por ela, e os conteúdos produzidos por jovens que combinam o trabalho formal e a atividade no YouTube. Resulta de uma das etapas de uma pesquisa em curso

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, cujo objeto são as condições de trabalho na rede de fast-food do Grupo Madero, com especial atenção para o perfil juvenil da sua força de trabalho.

Palavras-chave: juventude; acumulação flexível; uberização; youtubers.

Introdução

O Grupo Madero é composto por uma rede de mais de 200 restaurantes fast-food, distribuídos por 18 estados, marca atingida em 2020, em meio à pandemia do COVID-19. O maior número deles está na região Sul e Sudeste, principalmente nos estados do Paraná e São Paulo. Paraná é também o nascedouro da empresa do Chef Júnior Durski, ex-madeireiro, natural de Prudentópolis, cidade do interior do estado. Instalados principalmente em shoppings centers, aeroportos e nos seus contêineres à beira de rodovias, os restaurantes conformam uma rede que surpreende pelo vertiginoso crescimento na última década. Nascida em 2005, a galinha dos ovos de ouro de Durski é o hambúrguer, nas suas palavras e no slogan da empresa, “o melhor hambúrguer do mundo”.

Destacamos que se trata de uma empresa cujas atividades se estendem para o setor fabril, altamente verticalizada, com total controle desde o processo de produção e manipulação dos alimentos, na sua cozinha central e, recentemente,

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A pesquisa de doutorado em curso é realizada através do Programa de Pós-Graduação em

Sociologia, da Universidade Federal do Paraná, sob orientação da Profa. Dra. Maria Aparecida

Bridi.

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na Fazenda Madero (onde são cultivados vegetais orgânicos que abastecem suas unidades), até o setor de logística e gestão de pessoas, uma característica dos sistemas fordistas de produção. Entretanto, no que se refere à mão de obra, nos deparamos com uma força de trabalho flexível, significativamente jovem, e que, no caso aqui analisado, combina o trabalho na hamburgueria e a atuação em redes sociais como youtubers.

Somado ao perfil juvenil, a empresa dá prioridade à contratação de funcionários sem experiência profissional prévia. Nesse sentido, segue uma tendência já bastante difundida no setor de fast-food pela rede McDonald’s (AREND; DOS REIS, 2009). O fato de concentrar atividades de baixo valor agregado e que tendem a ter a organização do trabalho pautada pela lógica fordista/taylorista, por meio da especialização das atividades, amplia a possibilidade do emprego desse perfil de trabalhador/a (BRAGA, 2006). A particularidade do Madero, e que motivou a pesquisa de doutorado em curso, está na estratégia de provocar um deslocamento proposital da sua força de trabalho que faz com que seus funcionários sejam agenciados em cidades que não possuem unidades do restaurante. Isso já estava presente na primeira experiência do empresário no ramo gastronômico, o Restaurante Durski, especializado em comida eslava, cuja força de trabalho havia sido recrutada na sua cidade natal, a fim de garantir a origem polonesa e ucraniana dos mesmos

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. Com a criação do Madero, a estratégia se expandiu para outras regiões do país, com grande destaque para a região Nordeste, mantendo o foco em cidades pequenas e de origem rural. Para que isso seja possível, a empresa assume os custos do primeiro traslado da cidade de origem até a cidade de trabalho e também do aluguel de alojamentos para cada novo funcionário.

Uma oferta de emprego como essa chega às cidades interioranas com certa efusão. Afinal, em regiões com forte retração do trabalho formal, não é comum encontrar anúncios para um número significativo de vagas e ainda com tais características. O entusiasmo, porém, é acompanhado da desconfiança sobre a veracidade dessa oportunidade. Os jovens que desconhecem a empresa buscam nas redes sociais informações que possam auxiliar na tomada de decisão

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Conforme relata em: DURSKI, Júnior. “Rede Mercosul - Circuito Empresarial - Palestra com

Júnior Durski”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hGgdsgF_jIw>. 2014. Acesso

em 27/05/2020.

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sobre disputar ou não a vaga, para sua preparação e, posteriormente, em como proceder no caso de ser selecionado/a. Questões que fomentam a criação e compartilhamento de vídeos por parte de funcionários/as do Grupo Madero no YouTube, sobre cujo conteúdo nos dedicaremos neste artigo. Antes de partir para a exposição da análise, apresentaremos alguns elementos sobre a condição da juventude trabalhadora brasileira, necessários para entender o significado das estratégias adotadas tanto pelo Madero quanto pelo YouTube.

1. Juventude e trabalho: a inserção laboral no contexto de acumulação flexível

Os indicadores sociais sobre juventude e mercado de trabalho sofreram mudanças significativas no decorrer da década de 2010. Entre 2012 e 2019, a taxa de desemprego dos jovens brasileiros com 18 a 24 anos

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subiu 10,8 pontos percentuais (CORSEUIL, POLOPONSKY, FRANCA, 2020). Foi período de intensas transformações políticas e econômicas, atravessado por crises mundiais e, no caso brasileiro, também por um golpe parlamentar destitui a então Presidente da República, Dilma Rousseff (PT). Um ano depois da sua substituição por Michel Temer (MDB), em 2017, é aprovada a polêmica Reforma Trabalhista, com o objetivo de desregulamentar as relações laborais, apesar da resistência por parte das centrais sindicais. Em 2018, na primeira eleição presidencial pós-golpe, a vitória eleitoral fica com Jair Bolsonaro (ex-PSL), que capitaneava um programa de combate aos Direitos Humanos e de aprofundamento da desregulamentação já em curso. O país chega a 2019 com uma taxa de 27,3% de desemprego entre os jovens. A entrada na década de 2020 não poderia ser mais trágica com o anúncio da pandemia do COVID-19 que rapidamente se alastra por todo o globo e tem no isolamento social a sua forma de contenção mais eficaz. Os efeitos da ausência de políticas de proteção ao trabalho nesse período recaem principalmente sobre os jovens, os mais afetados, conforme revelam os dados, chegando a uma taxa de 29,5% em situação de desemprego (IBGE/2021). Com cerca de um terço dos jovens desempregados e a continuidade da pandemia, o

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Optou-se por utilizar essa faixa etária como referência por ser a que corresponde à idade dos

jovens que são foco das seleções do grupo empresarial analisado.

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ano de 2021 inicia com perspectivas ainda mais desalentadoras para aqueles que buscam sua inserção no mercado de trabalho.

Num panorama anterior ao de 2020, as estatísticas já mostravam que pós- Reforma Trabalhista, o que mais cresceu, além do desemprego, foi a informalidade e a subocupação

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. Alguns dados mostram que 89% dos jovens que conseguiu uma ocupação remunerada entre 2018 e 2019 a exercia de maneira informal e por baixos salários

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. O contexto de grande insegurança laboral que atravessa a década é intensificado pela expansão de novas formas de emprego. A chamada uberização do trabalho, originada das atividades laborais mediadas por aplicativos/softwares, atrai uma grande multidão de trabalhadores desempregados com forte presença juvenil, negra e periférica (ABÍLIO, 2020).

Isso se deve a características que lhe são próprias: não realizar processo de seleção dos seus trabalhadores/as e nem exigir experiência profissional. Por outro lado, não garante vínculo empregatício, nenhum amparo legal, nem definição clara de jornada ou de remuneração. A informalidade, portanto, tem sido a grande porta de entrada dos jovens no mundo do trabalho.

Essas recentes transformações têm como pano de fundo a flexibilização das relações de trabalho, um fenômeno que passa a predominar com a reestruturação produtiva iniciada a partir da década de 1970, como resposta à crise do fordismo (HARVEY, 1994) e à necessidade de adaptar a produção industrial a um mercado cada vez mais dinâmico por conta dominância financeira da valorização (PAULANI, 2004). Suas consequências são marcadores da ampliação da precariedade laboral: aguda tendência à subcontratação e terceirização, intensificação e desregulamentação do trabalho, aumento da informalidade e agravamento do desemprego estrutural.

2. Funcionários/as do fast-food e youtubers? O jovem trabalhador do Madero na corda bamba entre o formal e o informal

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Para uma síntese dos principais dados: FILGUEIRAS, V., KREIN, J.D. Reforma criou a figura do

“desempregado com carteira assinada” no Brasil. Disponível em: <http://abet-

trabalho.org.br/reforma-criou-a-figura-do-desempregado-com-carteira-assinada-no-brasil/>. Acesso em 01/06/2021.

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Fonte: 89% dos novos empregos dos jovens são informais. Disponíveis em:

<https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2019/08/29/89percent-dos-novos-

empregos-dos-jovens-sao-informais.ghtml>. 2019. Acesso em 15/04/2021.

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A difusão de novas tecnologias informacionais tem gerado uma notável mudança de comportamento na sociedade contemporânea. A prática de assistir, criar e compartilhar vídeos na internet se tornou comum e foi possível a partir da criação, em 2005, da plataforma YouTube. Idealizada por funcionários egressos da PayPal (empresa de transações monetárias virtuais), logo foi comprada pela Google Inc.

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, e é atualmente parte de um grande monopólio de serviços digitais, hoje chamado Alphabet Inc., que engloba a própria Google e YouTube, e uma série de subsidiárias, como a Android, Fitbit, entre outras.

O alcance do YouTube impressiona: “é o maior e mais popular site de vídeos do mundo, tendo pelo menos 4 bilhões de possibilidades diárias de tornar efetivo um anúncio publicitário.” (DE LA GARZA, HERNÁNDEZ, 2018, p.231).

Sendo a publicidade a sua maior fonte de receita, quanto mais intensa a interação na plataforma, maior o interesse dos anunciantes e, por consequência, o faturamento dos seus proprietários. Retribuir financeiramente àqueles que criam vídeos e os disponibilizam nessa plataforma é uma maneira de impulsionar tal dinâmica. Expressões usadas repetidamente por esses criadores de conteúdo como “se inscreva no meu canal”, “ative o sininho de notificações” e “deixe o seu comentário” manifestam a sua busca incessante por atingir o máximo possível de interações, já que são elas que medem quão rentável é um Canal.

Para receber uma remuneração, ou seja, para “monetizar seus vídeos”, os youtubers precisam aceitar as normas do programa de sócios, criado em 2007, conhecido atualmente como Programa de Parcerias do YouTube (YPP). Essa possibilidade abriu caminho para uma nova atividade profissional: a dos youtubers. A ampliação do acesso a celulares e internet dá a impressão de que isso está ao alcance do todos. O que em parte se sustenta pelos conhecidos casos daqueles que começaram de forma amadora e atingiram projeção suficiente para assumir a função de youtuber como sua identidade profissional.

Atualmente temos observado a emergência de trabalhadores/as diversos/as que utilizam essa plataforma para compartilhar, através da criação de vídeos, o cotidiano do seu ofício. No caso da rede de restaurantes Madero, também encontramos relatos espontâneos

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de jovens que expõem a sua dinâmica de trabalho como funcionários/as dessa empresa. A partir de um

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Dados em relação à empresa foram tirados de De La Garza e Hernández, 2018.

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Tratamos aqui como “espontâneos” para diferenciar daqueles com fins de propaganda da marca.

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levantamento dos vídeos mais visualizados sobre o tema, chegamos à seleção de quatro Canais mantidos por jovens que trabalham/trabalharam no Grupo. Dois deles mantidos por jovens homens (Gabriel e Ícaro)

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e outros dois por jovens mulheres (Marciele e Deise), todos eles falando desde distintas localidades do país. Aqui o foco será na interpretação do conteúdo desses relatos. Serão considerados também os conteúdos presentes nos principais comentários feitos por parte da audiência desses vídeos, em geral, formada por jovens interessados em trabalhar nessa empresa.

Como recurso metodológico utilizamos as noções de “nós” e “conexões”, propostas por Fragoso, Recuero e Amaral (2011), a partir das quais entendemos que um Canal do YouTube pode ser entendido como o nó da nossa análise, posto que está no centro de uma série de conexões. Essas conexões ganham a forma de comentários que expressam as interações realizadas pela audiência. Assim, forma-se uma rede de contatos que se expande a partir de um diálogo entre os usuários da plataforma, cujo objetivo é a troca de informações relacionadas ao tema do vídeo, com ou sem a mediação daquele que mantém o Canal. No nosso caso, uma rede impulsionada espontaneamente por jovens trabalhadores do Madero que se conectam a jovens almejantes desse emprego e, ao mesmo tempo, os conecta entre si. Por conta dessas características, mostrou-se uma farta fonte empírica, de livre acesso

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, sobre as relações e condições de trabalho nos restaurantes, bem como sobre as aspirações dos jovens na busca por um emprego formal.

No processo de pesquisa de campo, dado de forma virtual, o grau de inserção desta pesquisadora foi o mínimo possível, caracterizando como uma

“observação silenciosa” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011). Isso significa que não foi realizada nenhuma intervenção em tais fóruns de discussão, a fim de

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Todos os nomes citados neste trabalho são fictícios. Apesar dos nomes dos pesquisados/as serem públicos, por conta da sua identificação nos seus próprios canais do YouTube, aqui optou- se por adotar nomes fictícios com a preocupação de diminuir a exposição destes jovens. Os nomes fictícios respeitaram a identificação de gênero de cada um. Além disso, optou-se também por não mencionar o título dos vídeos nem o nome dos canais, somente o link de acesso, assim permitindo a verificação da fonte.

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Com base em Fragoso; Recuero; Amaral, 2011, p. 21): “(…) a publicação de dados ou opiniões

em um sistema aberto ou semipúblico implicaria que os mesmos poderiam ser trabalhados e

divulgados pelos pesquisadores sem necessidade de autorização das pessoas que os originaram,

ou às quais eles dizem respeito. Essa é uma perspectiva que tem sido comumente adotada no

Brasil, por exemplo na reprodução de mensagens encontradas em comunidades do Orkut

(Fragoso, 2006 e 2008; Recuero, 2004 e 2006).”

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não causar alterações na relação nó-conexões estabelecida entre os seus agentes.

Para dar dimensão ao impacto desses vídeos, apresentamos na tabela abaixo a seleção daqueles mais visualizados de cada um Canais e os seus principais dados

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. Com exceção do Canal de Gabriel, os demais não são especializados no tema do trabalho nos restaurantes. Independente disso, todos têm em comum o fato de que os seus vídeos de maior alcance são também os que fazem uso do termo “Madero” nos seus títulos. O caso de Mariele é o mais marcante: enquanto o vídeo sobre esse tema teve mais de doze mil visualizações, os seus demais, dedicados a outros conteúdos, não passaram de quinhentas.

Tabela 1 - Dados dos vídeos mais visualizados de cada Canal.

Mariele Deise Ícaro Gabriel

Data de publicação 13/12/2018 26/09/2019 20/12/2020 24/12/2020 Número de

visualizações 12.953 5.173 1.371 292

Quantidade de Comentários

550 314 103 40

Inscritos no canal 471 124 422 90

Link de acesso vídeo https://www.yout ube.com/watch?

v=t5jIQu4Y4sE

https://www.yout ube.com/watch?

v=Gxit05hFe2s

https://www.youtu be.com/watch?

v=5FwM6hAB2sI

https://www.yout ube.com/watch?

v=o0zOWtEBcb8 Fonte: Elaboração da autora.

Um elemento a se considerar ao comparar tais números é o tempo de permanência dos vídeos na plataforma. Aqui se percebe claramente que os vídeos mais antigos atingiram um número maior de interações. O contrário acontece com os de Ícaro e Gabriel, disponíveis há menos de três meses na plataforma quando da data de referência para o nosso levantamento. A fim de comparação, uma nova apuração dos números foi realizada, na ocasião do fechamento deste artigo

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, o que permitiu observar que, pouco mais de três meses depois, o alcance desses vídeos quase duplicou, somando então 3.138 e 592, respectivamente

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. O que mostra que o interesse por tal experiência de trabalho segue a tendência de crescimento.

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Todos os dados têm como referência a data de 04/03/2021.

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Na data de 22 de junho de 2021.

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Já os de Mariele e Deise, embora tenham também crescido, o desempenho ficou bem abaixo.

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Possíveis razões para esse fenômeno “de audiência”, ou seja, para a existência de uma significativa demanda para o tema “Madero”, podem ser explicadas pelas características específicas do Grupo, já anteriormente mencionadas. Os comentários que chegam aos vídeos demonstram desconhecimento em relação à empresa, visto que, as seleções dos funcionários são realizadas em municípios do interior do país, onde não existem unidades desse restaurante. Além disso, expressam a desconfiança quanto às “vantagens”

oferecidas. No seu vídeo, Mariele diz ter tido a mesma preocupação quando uma amiga a informou da vaga e da existência dos alojamentos e demais benefícios.

Mesmo partindo de uma pessoa conhecida, a jovem desconfiou: “Eu fiquei com medo, fiquei com receio, mas mesmo assim eu fiz a entrevista.”

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E complementa que, para averiguar as informações, a sua mãe a acompanhou em algumas etapas do processo de seleção. No primeiro vídeo

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de Deise sobre o tema, a motivação declarada para a criação desse conteúdo coincide com a dos demais Canais, escrita da seguinte forma pela jovem:

Dúvidas sobre o Madero! A mais é muito estranho uma empresa dar moradia serviço e disponibilidade de mudança de cidade sem ter uma experiência em qualquer área. Além disso pagar toda a viagem. Isso é estranho. Eu não teria coragem! Essas são as perguntas que mais ficam no ar pra quem não conhece a empresa. Dai na dúvida a pesquisa na internet vai surgindo. Como é trabalhar no Madero? Como funciona o alojamento. E assim são milhares de perguntas. Vou contar um pouquinho pra vocês sobre a minha história no Madero.

Ao se dar conta dessa demanda, esses jovens parecem se dar conta também de que são detentores de um recurso incomum e desejado por outros jovens: a experiência de trabalho no Madero. Falar da dinâmica de trabalho nos restaurantes virou uma forma de alcançar seguidores e inscritos nas suas redes sociais. A insistência em solicitar a inscrição, os likes e comentários, manifestada nos seus vídeos, é um indício desse objetivo. Está presente nesse comportamento a expectativa sobre a possibilidade de “empreender” através das redes sociais, almejando um retorno financeiro por meio da sua “influência digital”.

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Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=t5jIQu4Y4sE>. Publicado em 13/12/2018. Acesso em 03/02/2021

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Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=oq9tOO0w-bg>. Publicado em 12/09/2019. Acesso

em 11/02/2021.

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Um dos nossos casos, o de Mariele, confirma, em algum grau, essa possibilidade. Em vídeo mais recente, publicado em janeiro de 2021, cerca de dois anos depois do mencionado anteriormente, informa que resolveu sair do Madero e apostar numa nova atividade: “pedi conta em meio à pandemia pra $$

ganhar em casa”

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. Relata que com isso passou a receber três vezes mais com publicidade nas redes sociais que como recepcionista do restaurante: “Eu achava que esse mercado digital que eu trabalho não tinha possibilidades. (…) Então hoje eu trabalho de casa e aonde eu estiver, eu só preciso de um celular”.

Essa aparente “facilidade” nos ajuda a entender os motivos que tornam a atividade de youtuber atrativa aos jovens, mesmo no caso de trabalhadores formais. A expressão “eu só preciso de um celular” pode ser estendida às condições para a criação dos conteúdos para o YouTube. Isso se confirma pelo caráter amador dos vídeos analisados: gravados pelo celular, aparentemente em seus locais de moradia, sem ou quase nenhuma edição e com conteúdo de elaboração própria. Nota-se, pelos cenários, que tais produtos são criados no que seria o tempo de não-trabalho desses jovens, intervalos ou momento de folga. Em nenhum deles são veiculadas imagens das atividades profissionais in loco.

Para entender as novas relações que surgem com a expansão de atividades desse tipo, De La Garza

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e Hernández (2018) questionam o caráter da relação estabelecida entre a empresa, YouTube, e os criadores de conteúdos, os youtubers. Dedicados à análise daqueles que recebem/receberam remuneração pelo YPP , os autores afirmam existir aí um vínculo de assalariamento, ou seja, uma relação de compra e venda de força de trabalho, mas que não é reconhecida como tal:

trata-se de uma relação salarial encoberta na qual o pagamento não se dá por cada vídeo e sim pela quantidade de visualizações do público e, nessa medida, a obsolescência e depreciação de um vídeo não é física, mas simbólica. (…) o youtuber não somente aparece como empregado do YouTube sem direitos trabalhistas, senão que também está sujeito às pressões do público e dos anunciantes para poder permanecer no trabalho. (DE LA GARZA; HERNÁNDEZ, 2018, p. 242).

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Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=3Y951vfkdmg>. Publicado em 17/01/2021. Acesso em 03/02/2021.

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Registro meu pesar pelo falecimento, em março deste ano, do pesquisador Enrique de La Garza

Toledo, que deixou um importantíssimo e instigante legado para os estudos do trabalho.

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A interpretação que fazemos dessa análise é que ela identifica também uma relação de subordinação do youtuber à empresa, vinculada à salarial, posto que as possibilidades de monetizar os vídeos depende do cumprimento permanente das normas estabelecidas pelo YPP. Existe, portanto, um controle de supervisão feito pelo próprio YouTube de forma “integral e por resultados” (Ibid., p.

242). Em outros termos, os youtubers só receberão pagamento pelo produto criado se, necessariamente, cumprirem os limites impostos pelo público, empresa e anunciantes.

Sabemos que as ciências sociais ainda estão longe de chegar a um consenso quanto a definição do conjunto dessas novas formas de trabalho que têm ganhado cada vez mais expressão na contemporaneidade. O caminho que propomos aqui é partir da análise de que as características dessa relação preconizada pelo Youtube compõem o que tem se definido como uberização do trabalho. Além das características citadas anteriormente, esse fenômeno provoca a dispersão do trabalho sem que o controle sobre ele seja perdido, o que é garantido justamente por se tratar de empresas-plataformas (ABÍLIO, 2019 e 2020).

A partir disso, queremos destacar um aspecto particular dessa relação: a existência de uma massa de “aspirantes a youtubers” que realizam todas as atividades de um youtuber remunerado, mas que ainda não são pagos por elas. É o que corresponde ao que De La Garza e Hernández mencionam como “período de prova inicial” (2018, p. 242): momento pelo qual têm que passar todos os participantes do YPP para assim receber remuneração pelos vídeos. Consegue ser aprovado nessa etapa aqueles que atingirem uma determinada quantidade de horas assistidas (quatro mil em 12 meses) e um número mínimo de inscritos no canal (mil inscritos), entre outros critérios de monetização do YouTube

17

.

E nessa situação de “provação” que se encontram os Canais aqui analisados, vide seus números de inscritos. Não se tratam, como já sabemos, de jovens exclusivamente dedicados a tal atividade, mas esse elemento mostra que eles são, antes disso, trabalhadores que nem sequer recebem qualquer remuneração pelas interações por eles movimentadas na plataforma.

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Fonte: <https://support.google.com/youtube/answer/72851>. Acesso em 22/02/2021.

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Essa perspectiva nos permite então identificar a presença de características que os aproximam da categoria de trabalho amador, noção recuperada por Ludmila Costhek Abílio (2011). Conforme exposto pela autora, a condição de amadores, ou seja, de não serem profissionais qualificados para aquela função e nem dependerem daquela remuneração, é justamente o que permite que prestem serviço ao YouTube sem a garantia de retorno. Um trabalho amador e, portanto, trabalho não pago (ABÍLIO, 2011 e 2020).

Esses jovens conformam então uma “multidão de amadores disponíveis”

(ABÍLIO, 2011, p. 208) que executam um trabalho com a expectativa de reconhecimento. Ao exercer a atividade de funcionários do Grupo Madero e a de aspirantes a youtuber, combinam um trabalho formal com o informal, ou com um

“trabalho sem forma trabalho” (Ibid., p. 211). Esse último marcado pelo borramento das fronteiras entre tempo de não-trabalho e tempo de consumo e, assim, o “elo que une ambas as indistinções é que todo tempo se torna potencialmente tempo de trabalho, podendo ser ainda tempo de trabalho não- pago.” (Ibid., p. 229).

Outro elemento a se considerar é a instabilidade intrínseca a essa forma de trabalho, pois a superação desse momento inicial, não é garantia de remuneração. A continuidade da atividade depende do sucesso em provas permanentes, a depender da satisfação do cliente e da adaptação dos trabalhadores às normas dessas empresas, que são constantemente alteradas de forma autocrática em prol de si mesmas. Assim como acontece com as categorias dos entregadores e motoristas de aplicativos.

Em suma, entendemos esse fenômeno de jovens que combinam o trabalho

formal com a atividade de youtubers como aspecto duplo da condição do jovem

trabalhador flexível: a busca pelo vínculo formal, para garantir certa segurança

laboral, e por um rendimento informal nas redes sociais que se coloca,

supostamente, ao alcance de todos e promete ser flexível as suas necessidades

tanto financeiras quanto de jornada de trabalho. A flexibilização do trabalho,

porém, tem como objetivo central ampliar as vantagens dos empregadores. E,

embora mais visível nas novas forma de trabalho, está presente também no

interior das relações formais de trabalho de uma empresa verticalizada, como

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veremos na exposição dos conteúdos produzidos pelos jovens trabalhadores do Madero.

3. As condições de trabalho nos restaurantes: a lógica flexível no trabalho formal

A análise dos vídeos se estruturou a partir da relação nó-conexões, conforme explicado anteriormente. Demos tratamento então ao conteúdo veiculado pelos nós, ou seja, pelos Canais, com foco nos vídeos sobre as relações de trabalho no Madero, entendendo a sua interdependência com o conteúdo das conexões que se estabelecem a partir deles, com o que expressa a audiência por meio dos comentários feitos a esses vídeos.

Num primeiro momento, identificamos alguns elementos em comum entre os vídeos analisados e que se confirmam mutuamente, entre eles estão: as condições de moradia e seu funcionamento; alimentação; jornada de trabalho e formas de remuneração. Ao considerarmos que tais vídeos foram produzidos por jovens desde distintas cidades e unidades de trabalho e também em funções variadas, chama a atenção a padronização da organização do trabalho dessa empresa.

Outros aspectos mais sutis, de caráter subjetivo, também foram observados: existe uma espécie de orgulho em ser trabalhador/a do Madero.

Consideram-se privilegiados, pelo motivo de terem conseguido passar na seleção, morar numa cidade grande e ter acesso a benefícios nada comuns. Isso se manifesta em expressões como a de Mariele: “Não tem o que reclamar.” Ou de Deise: “Eu agradeço muito a Deus por ter me dado essa grande oportunidade”

18

. O que é reafirmado pelo grande interesse manifestado por suas audiências.

Para esses jovens que estão em processo de inserção laboral em pleno anos 2010-2020, a possibilidade de alcançar um emprego formal, que já era muito estimado, como diz Adalberto Cardoso (2013), uma “terra de sonhos” para o trabalhador brasileiro, passa a ficar ainda mais distante. Pela predominância da informalidade, que nega acesso a direitos trabalhistas, um “emprego de carteira assinada” é visto como um privilégio, uma dádiva.

18

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=Gxit05hFe2s>. Publicado em 26/09/2019. Acesso

em 03/02/2021.

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O plano de carreira tem grande peso nessa valoração, pois entendido como uma possibilidade permanente de ascender a posições mais elevadas dentro da empresa. Sobre isso, Mariele diz: “eles dão muita oportunidade pra quem quer mesmo trabalhar. Se você for esforçado, se você gosta mesmo de trabalhar e quer tá lá. Em um ano você já cresce, já vai pra coordenação. Depois pode virar gerente. E vai do seu empenho mesmo.”

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Deise menciona num de seus vídeos que está treinando para coordenadora: “Gente, deixa eu contá pra vocês. (…) Estou treinando pra coordenadora de cozinha. Depois eu vô fazer um vídeo pra vocês falando sobre isso também, se vocês quiserem.”

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Todos os vídeos comentam que o trabalho na empresa tem suas dificuldades, mas a maioria reafirma que o esforço individual pode contorná-las.

Apenas um dos vídeos, o de Ícaro, apresenta críticas declaradas às condições de trabalho. Não surpreendentemente, é também o único que foi gravado depois do jovem ter sido demitido pela empresa. O jovem sugere que isso tenha acontecido como forma de represália por ter levantando entre colegas de trabalho os mesmos questionamentos que traz no vídeo. Esse fator foi determinante também do teor dos comentários que, nesse caso, chegaram a um número maior de críticas que dos demais vídeos.

Em geral, as suas narrativas se assemelham muito à propagada pela empresa via campanhas institucionais ou declarações diretas do proprietário. O que mostra que o processo de formação desses trabalhadores é contínuo e eficaz, porque, além dos aspectos da trajetória da empresa, os jovens se mostram atualizados quanto aos movimentos da empresa e seus proprietários. É o que vemos quando Gabriel informa que o Centro de Treinamento, localizado até então em Curitiba, vai mudar de estado: “o Madero tá mudando tudo pra São Paulo”.

Também quando Mariele exalta a beleza da arquitetura dos restaurantes, informando ser de responsabilidade da esposa de Júnior Durski, a também empresária, Kethlen Durski. Ou ainda quando citam o número exato de restaurantes inaugurados e as perspectivas de novas contratações.

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Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=t5jIQu4Y4sE>. Publicado em 13/12/2018. Acesso em 03/02/2021.

20

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=gTPXGwK02i4>. Publicado em 10/11/2020. Acesso

em 03/02/2021.

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Voltando aos tópicos mais abordados pelos vídeos, apresentaremos a seguir um panorama geral do que eles revelam sobre as condições de trabalho nos restaurantes do Grupo Madero:

a) Alojamento e alimentação: pela grande quantidade de dúvidas, todos os Canais dão ênfase a esse conteúdo, como vemos na preocupação de Mariele ao ressaltar: “Eles dão alojamento sim. Não fiquem com medo. Quem quiser entrar no Madero eles dão alojamento. Dão moradia, dão alimentação. Não tem o que reclamar.”

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Eles também confirmam que os gastos são divididos entre os moradores, como as taxas básicas (água e luz) e, no caso de apartamento, também o condomínio. E que, caso desejem ter acesso à internet, precisam buscar por conta própria. Quanto às questões frequentes sobre a divisão entre homens e mulheres, informam que as residências são, em geral, mistas, porém com quartos separados por sexo. Sobre os conflitos entre moradores, alegam ser algo intrínseco à convivência e que, por suas experiências, são contornáveis.

Quanto à localização dos alojamentos, informam ser próxima ao local de trabalho, pois se trata de uma exigência legal. Como a grande maioria dos restaurantes da empresa está localizada no interior de shoppings ou à beira de rodovias, isso significa que esses jovens vivem nos seus arredores.

Também observamos um volume expressivo de dúvidas quanto à questão da alimentação. Sobre isso, informam que são oferecidas refeições prontas, sempre em forma de pratos congelados produzidos pela própria Cozinha Central da empresa, mas que devem ser consumidas apenas no local de trabalho, não podendo ser levadas para o alojamento. É somente em dezembro de 2020, que a empresa se manifesta sobre essas questões, em material próprio, cujo conteúdo ratifica o apresentado por esses jovens.

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Esses dois aspectos, a oferta de alojamento e de refeições prontas, permitem à empresa se desresponsabilizar pelo pagamento do vale-transporte e do vale-refeição.

b) Salário: são unânimes ao informar que a remuneração corresponde ao piso salarial da região em que trabalham, em torno de mil e mil e trezentos reais, de acordo com a função de exercem. Expressam também que, dependendo do

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Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=t5jIQu4Y4sE>. Publicado em 13/12/2018. Acesso em 03/02/2021

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Fonte: Madero Brasil. Centro de Treinamento e Moradias – Grupo Madero. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=7bu47gMxbK4>. Publicado em 02/12/2020. Acesso em

03/02/2021.

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tipo de unidade, é possível receber pela soma correspondente à taxa de serviço, os 10% pagos pelos clientes sobre o seu consumo. O relato de Mariele resume o tema:

Não tenho do que reclamar do meu salário porque eu ganho bastante pelo fato dos 10%, os 10 % que o povo paga. Tem muita gente que acha que não vai pra gente, mas uma porcentagem é da loja, outra porcentagem é nossa. Então a gente recebe sim os 10%. É isso que dá a diferença totalmente no nosso salário. Mas eu trabalho Steak

House, agora tem

contêiner que não tem 10% e as pessoas não recebe um pouco a mais. É só o salário-base mesmo.

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c) Jornada de trabalho: informam que a jornada de trabalho diária está estabelecida entre meio-dia e 23h20, com duração total de 7 horas e 20 minutos.

O intervalo tem média de 5 horas e seu horário de saída e retorno é variável, a depender do que a chefia definir para o dia de acordo com o movimento no restaurante. Isso significa que, na prática, o funcionário fica num total de 12 horas à disposição da empresa, mas recebe apenas por pouco mais de 7 horas. Os comentários em torno dessa questão tem teor crítico ao apontar que a extensão do intervalo acaba por gerar mais cansaço, em vez de cumprir a função de descanso, ou por tomar todo o tempo do seu dia. Nos vídeos, também alertam que as horas-extras podem ser recorrentes. Esse é o conteúdo da crítica exposta abertamente por Ícaro ao alegar não ter recebido pelas horas-extras trabalhadas.

Ademais, Gabriel menciona que, com a pandemia, houve mudança nesse sistema. Se antes elas formavam parte da remuneração, a partir daquele momento a adotar o banco de horas. Ele explica quando o funcionário tem uma soma positiva de horas a receber: “Você tem coisa positiva eles tipo fica dando umas folgas pra você assim quando der pra abater, outra forma você trabalha menos pra abater pra você ficá diminuindo.”

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A sua fala aponta para um elemento comum às relações trabalhistas no país: a definição sobre a realização e compensação das horas de trabalho para além da jornada são decididas de forma autocrática pelos empregadores (DAL ROSSO, 2017 e BRAGA, 2012). São, também formas de uma “flexibilidade pré-regulamentada” (DAL ROSSO, 2017, p.49), advindas de um processo de regulamentação do trabalho que é particular ao Brasil que incorporou mecanismos específicos para o seu próprio

23

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=t5jIQu4Y4sE>. Publicado em 13/12/2018. Acesso em 03/02/2021.

24

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=cTROTSHhsqo>. Publicado em 24/02/21. Acesso

em acesso 04/03/21.

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descumprimento. Gabriel complementa: “Tá todo mundo espalhado. Tem gente que tá em casa no banco de horas, tem gente que foi pra fora pra trabalhar.”

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Em relação ao conteúdo dos comentários, especificamente, trazemos aqui um levantamento dos seus questionamentos mais recorrentes

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: em relação à possibilidade de conciliar o trabalho com estudos, aspectos específicos sobre o processo de seleção (como é entrevista, redação, se aparência influencia; o tempo que a empresa leva para entrar em contato após a seleção; como o contato é realizado, etc.), em relação ao treinamento (se o traslado até o Centro de Treinamento é pago pela empresa; o que levar mala, quantidade de dinheiro necessária; se já tem direito a refeição, alojamento e carteira assinada ou remuneração no período de treinamento; como é definida a função que terão que assumir) e a unidade/cidade de trabalho (como e quando acontece; se é possível escolher; se casais ou familiares conseguem ficar juntos.). Tomados em conjunto, os comentários não são refletem apenas as dúvidas daqueles que aspiram à vaga. Alguns são feitos por outros trabalhadores da rede que confirmam as informações disponíveis pelos vídeos. Por outro lado, é nos comentários que as críticas têm mais espaço que, em geral, reclamam da dificuldade de convívio no alojamento, do assédio de superiores, do grande volume de trabalho e da divisão da jornada de trabalho.

4. Pandemia: um capítulo (não tão) a parte dessa história

Pela singularidade do momento da pandemia e seus fortes impactos sobre o mundo do trabalho, cabe fazer um destaque para essa questão que se fez presente em todos os canais analisados.

A pandemia ameaçou também a estabilidade de grande parte dos trabalhadores formais. No caso de Ícaro, por exemplo, informa que a pandemia foi a justificativa usada pela empresa para a sua demissão, o que ele põe em dúvida no vídeo. Já Mariele se desligou por conta própria, mas não deixa de destacar ter sido um ato de coragem ao dizer que fez isso “em meio à pandemia”. Mostra

25

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=2zq8WELS6gY>. Publicado em 24/03/2021. Acesso em 15/04/2021.

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Sobre esses aspectos, não foi possível aqui dar o tratamento adequado à riqueza de dados que

trazem, o que se pretende realizar na tese de doutorado em andamento.

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assim o risco que isso significa, reafirmando a situação retratada pelos dados que indicam o agravamento do desemprego.

Deise e Gabriel, que continuaram publicando uma série de vídeos nesse contexto, tiveram que abordar continuamente essa questão nas suas falas, por conta das dúvidas frequentes da sua audiência. Deise explica: “Na época da pandemia, o Madero mandou muito treinamento embora. Esses treinamentos estão sendo recontratados sim. Porém, como eu falei, se não tiver nenhum problema.”

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Numas das falas de Gabriel sobre a adoção do banco de horas, como vimos, revela também que os deslocamentos dos funcionários em relação às unidades de trabalho passaram a ser constantes: “Tá todo mundo espalhado”.

Além disso, a empresa também acionou medidas como antecipação das férias e até mesmo a suspensão de contratos. Num deles relata estar passando suas férias antecipadas no alojamento, enquanto outros colegas ainda trabalhavam no restaurante

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. Em seguida, no início de abril, informa que seu contrato de trabalho foi suspenso: “A empresa só suspendeu nossos contratos. A gente vai pra casa e daí depois a gente volta. Ela dia primeiro mandou 600 pessoas embora. E quem ela não mandou embora ela só suspendeu contrato. A gente vai voltar. A gente vai voltar. Então assim, é de buenas.”

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. Alguns dias depois, grava da casa de sua irmã, localizada numa região do país distinta da de seu trabalho: “ vou passar trinta dias aqui que é o tanto de tempo da minha suspensão, mas vamos ver, se não for prorrogada né?”

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A preocupação com a instabilidade em relação às atitudes da empresa está presente na sua fala.

Quanto às demissões citadas, refere-se à decisão tomada pela empresa em primeiro de abril, pouco depois da publicação da polêmica declaração de Júnior Durski em que se diz totalmente contrário ao lockdown recém decretado nas cidades do país: “Mas nós não podemos, por conta de 5 mil pessoas, ou 7 mil pessoas que vão morrer. Eu sei que é muito grave, eu sei que isso é um

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Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=-TNBvNAACx0>. Publicado em 10/11/2020. Acesso em 11/02/2021.

28

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=W9FE0AhIDrw>. Publicado em 24/03/2020. Acesso em 09/02/2021.

29

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=Yxw-claYdTA>. Publicado em 08/04/2020. Acesso em 09/02/2021.

30

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=KXbGJUTnGl4>. Publicado em 17/04/2021. Acesso

em 09/02/2021.

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problema, mas muito mais grave é o que já acontece no Brasil.”

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.E onde também havia se comprometido a não fazer demissões: “Eu já disse, eu vou manter o emprego dos nossos empregados.”

Gabriel procura deixar sua audiência ciente dessa instabilidade que preocupa não só aos que buscam alcançar sua vaga, mas mesmo aqueles que já a alcançaram: “para aquelas pessoas que tão ansiosas porque fez seletiva e não foi chamado ainda”, explica o motivo, “tem a pandemia agora, a maioria das coisas tudo fechado. Em São Paulo mesmo, tudo fechado.”

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Considerações finais

Os vídeos produzidos pelos jovens trabalhadores do Grupo Madero, tanto pelo seu conteúdo quanto pela iniciativa em si de exercer a atividade de youtuber, apontam, por meio da análise aqui realizada, como as novas determinações do mundo do trabalho alteram a dinâmica de suas vidas.

A busca pelo vínculo formal e a possibilidade de rendimento informal pelas redes sociais aponta o aspecto duplo da condição do jovem trabalhador: a instabilidade laboral presente mesmo na formalidade tende a levar os trabalhadores/as a investir seu tempo livre em outras atividades a fim de conseguir outra fonte de renda. Nessa esperança, integram o exército de trabalhadores-amadores que compõem a massa de força de trabalho, não paga, expropriada por empresas-plataformas, como o YouTube.

Por outro lado, o conhecimento que adquiriram com a experiência de trabalho nessa grande rede de restaurantes, ou seja, por formarem parte de um grupo seleto, os coloca numa posição de destaque em relação aos demais jovens que buscam sua tão almejada carteira assinada. É preciso considerar que, a partir dessa perspectiva, convertem-se em “sujeitos de processos comunicacionais”

(TOMAZ, 2017, p. 26) quando adentram o universo do YouTube para compartilhar um material de produção própria sobre o assunto.

O retrato geral é preocupante. Os estudos sobre Juventude e Trabalho no Brasil têm chamado atenção para os impactos permanentes que uma inserção

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Disponível em: <https://www.instagram.com/p/B-FtEpyFZT-/>. Publicado em 23/03/2020. Acesso em 24/03/2020.

32

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=2zq8WELS6gY>. Publicado em 24/03/2021. Acesso

em 15/04/2021.

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laboral marcada pela precariedade opera na trajetória profissional. Atribui-se à juventude o caráter de transitoriedade, mas, embora essa fase seja de fato passageira, a precariedade presente nas primeiras experiências de trabalho tende a persistir ao longo das suas vidas (POCHMANN, 2007; CARDOSO, 2013).

Os relatos desses jovens refletem as preocupações em comum e constantes de grande parte da juventude trabalhadora do país, como a ameaça da informalidade e o medo do desemprego.

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