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Indústria 4.0: o lastro da transformação digital da indústria automobilística nos contextos global e brasileiro

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ECONOMIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA

CURSO DE MESTRADO E DOUTORADO EM ECONOMIA

MOIRA SOUSA ALVES

INDÚSTRIA 4.0: O LASTRO DA TRANSFORMAÇÃO DIGITAL DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NOS CONTEXTOS GLOBAL E BRASILEIRO

SALVADOR 2018

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MOIRA SOUSA ALVES

INDÚSTRIA 4.0: O LASTRO DA TRANSFORMAÇÃO DIGITAL DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NOS CONTEXTOS GLOBAL E BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Economia na Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Economia.

Área de Concentração: Desenvolvimento Econômico. Orientador: Prof. Dr. Uallace Moreira Lima.

SALVADOR 2018

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A474 Alves, Moíra Sousa

Indústria 4.0: o lastro da transformação digital da indústria automobilística nos contextos global e brasileiro/ Moíra Sousa Alves. – Salvador, 2018.

168 f.; il.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Economia. Orientador: Profº Drº Uallace Moreira Lima.

1. Idústria – conceito. 2. Industria 4.0. 3. Indústria automobilística. 4. Sistemas ciberfisícos. I. Universidade Federal da Bahia. II, Lima, Uallace Moreira. III. Título.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelas oportunidades que me foram dadas, principalmente por ter conhecido pessoas de coração bom e firme, mas também por ter vivido fases difíceis, que foram matérias-primas para construir quem eu sou.

Aos meus pais, Marcos e Ivanete, espelhos da minha vida, pelo apoio material e, principalmente, afetivo, que através de seu amor e fé não me deixaram desanimar. Tenho muito orgulho de ser filha de vocês. E a meu irmão pela cumplicidade.

Ao meu orientador, prof.º Doutor Uallace Moreira Lima pelo apoio, disponibilidade e compreensão demonstrados ao longo do período de execução deste trabalho. Agradeço-lhe, ainda, por ter assumido o papel que julgo ser aquele que se espera de um orientador, isto é, por ter sido um porto seguro.

À Dércio, pelo incentivo, compreensão incondicional e por me presentear com seu amor. E a sua família pelo carinho e cuidado constante.

Aos meus amigos de todas as horas, Sabrina, Igor, Alessandro, Paulo, Beta, Breno, Rodrigo, André, Harlen, Tiago, Daniel, Edilene, Clério, Clélio, Carlos e Castro, que não mediram esforços para me ajudar ao longo desta experiência acadêmica. Vocês tornaram essa caminhada ainda mais prazerosa e enriquecedora.

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RESUMO

O trabalho tem como objetivo principal apresentar as oportunidades, impactos e desafios que a Indústria 4.0 traz para a indústria automobilística global e brasileira. Parte-se do fato de que a crescente digitalização e conectividade da economia e da sociedade está transformando a indústria, especialmente a automobilística que tem sido referencial de aplicação dos conceitos de Indústria 4.0 no mundo e no Brasil. A Indústria 4.0 representa a evolução da indústria para sistemas ciberfísicos, nos quais existe a conexão do meio físico ao digital, permitindo a melhor colaboração e acesso entre toda a cadeia produtiva. O poder de processamento de grandes quantidades de dados gerados por equipamentos e sensores ligados à rede é um elemento-chave dessa indústria e tem criado, juntamente com um conjunto de tecnologias e soluções, cadeias de valor inteligentes e novas oportunidades de negócio para a indústria automobilística. Entender quais são as implicações das novas tendências tecnológicas da indústria 4.0 e as tendências disruptivas do setor, possibilita compreender a nova trajetória de desenvolvimento econômico e social a ser alcançada pelas empresas dos mais variados países, assim como seu novo patamar de competitividade. Isso porque a indústria automobilística é uma das mais globalizadas e competitivas do mundo, sempre à frente na implantação de processos inovadores, um dos principais impulsionadores do crescimento macroeconômico e do avanço tecnológico em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Diante desse cenário, a problemática principal desta dissertação é identificar a atual condição da indústria automobilística brasileira e discutir quais são seus principais desafios para a sua inserção no padrão tecnológico da indústria 4.0. A hipótese principal defendida nesta dissertação é que no período recente as mudanças da indústria 4.0 evidenciam a dependência tecnológica forte das montadoras instaladas no país em relação às suas matrizes, as quais não estimulam suficientemente investimentos em pesquisa e desenvolvimento local em áreas estratégicas, afetando negativamente sua competitividade nacional e dificultando sua inserção nos mercados globais. Por outro lado, em relação ao setor de autopeças, identifica-se que no período recente houve um amplo processo de desnacionalização do setor, fato este que também propicia um ambiente onde as principais decisões sobre investimento se concentram nos países de origem dessas empresas. Portanto, muitas das dificuldades e obstáculos enfrentados pelas montadoras e empresas de autopeças nesse novo cenário disruptivo estão relacionados ao desenvolvimento tecnológico frágil, a educação precária, a infraestrutura deficiente, como também a baixa cultura inovativa e digital de muitas das empresas brasileiras. Sendo assim, o trabalho salienta a importância da atuação do Estado brasileiro na promoção de políticas e incentivos que alterem a estrutura econômica e produtiva do país, impulsionando investimentos em tecnologia, ciência e inovação (os instrumentos de política industrial de viés neo-schumpeteriano vão nessa direção), conduzindo o país a um desenvolvimento tecnológico e competitivo inclusivo que não aumente ainda mais as desigualdades com relação a outros países Uma das estratégias possíveis é implementar políticas que estimulem a indústria automobilística – montadoras e autopeças – a terem uma inserção externa mais competitiva, ampliando a participação das exportações como destino da produção e reduzindo a forte dependência em relação ao mercado interno. Isso exigiria dessas empresas maior nível de competitividade para se inserirem em novos mercados, colocando como imperativo para essas empresas a necessidade de ampliarem seus investimentos no país, em particular no desenvolvimento das tecnologias da indústria 4.0, direcionando recursos para a construção de centros de P&D e C&T no Brasil e internalizando mais suas decisões e produção de produtos mais intensivos em tecnologia.

Palavras-chave: Indústria automobilística. Tendências disruptivas. Competitividade. Indústria 4.0.

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ABSTRACT

This essay has as principal objective present the opportunities, impacts and challenges that Industry 4.0 brings to global and Brazilian automotive industry. It comes from the fact that the growing digitalization and connectivity of the economy and society is transforming the industry, especially the automaker which has been applying the concepts of referential Industry 4.0 in the world and in Brazil. Industry 4.0 represents the evolution of the industry for cyber-physical systems, where there is the connection of the digital media, enabling better collaboration and access between the entire production chain. The processing power of large amounts of data generated by equipment and sensors connected to the network is a key element of this industry and have created, along with a set of technologies and solutions, smart value chains and new business opportunities for the automotive industry. Understand what are the implications of the new industry technology trends and disruptive trends of Industry 4.0, allows understanding the new trajectory for economic and social development to be achieved by the companies of various countries, as well as their new level of competitiveness. That's because the auto industry is one of the most globalized and competitive in the world, always ahead in deploying innovative processes, one of the main movers of the macroeconomic growth and the technological advancement in developed and developing countries. In this scenario, the main problem of this dissertation is to identify the current condition of the Brazilian auto industry and discuss what are their main challenges for their inclusion in Industry’s 4.0 technological standard. The leading hypothesis defended in this thesis is that in the recent period Industry’s 4.0 changes demonstrate the strong technological dependence of the automakers installed in the country in relation to their headquarters, which do not stimulate sufficient investments in local research and development in strategic areas, negatively affecting their national competitiveness and making it difficult to enter the global markets. On the other hand, in relation to the auto parts sector, it is identified that in the recent period there has been a broad process of denationalization of the sector, which also provides an environment where the main investment decisions are concentrated in the countries of origin of these companies. Therefore, many of the difficulties and obstacles faced by automakers and auto parts companies in this new disruptive scenario are related to fragile technological development, precarious education, poor infrastructure, as well as the low innovative and digital culture of many Brazilian companies. To that end, this essay highlights the importance of the Brazilian State in promoting policies and

incentives that alter the economic and productive structure of the country, boosting investments in technology, science and innovation (neo-schumpeterian bias industrial policy instruments go in that direction), leading the country to an inclusive technological and competitive development that does not inequalities in relation to other countries. One of the possible strategies is to implement policies that stimulate the automobile industry - automakers and auto parts - to have a more competitive external insertion, increasing the participation of exports as a destination of production and reducing the strong dependence on the intern market. This would require these companies to be more competitive in order to enter in new markets, making it imperative for these companies to expand their investments in the country, in particular in the development of Industry’s 4.0 technologies, directing resources for the construction of R&D centers and S&T in Brazil and further internalizing its decisions and production of more technology-intensive products.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 Valor adicionado da indústria (% do PIB mundial) – 1998 a 2016 33 Gráfico 2 Participação de trabalhadores da indústria no emprego mundial (%) – 1991

a 2014 34

Gráfico 3 Participação da indústria de transformação no PIB, em %. Período: 1947 a 2014

78

Gráfico 4 Investimento em P&D como proporção do PIB em países selecionados

(2010-2015) 81

Gráfico 5 Porcentagem dos gastos em P&D interno da receita líquida das vendas (período 2009-2011 e 2012-2014). Atividades industriais selecionadas

102

Gráfico 6 Produção de veículos no Brasil. Período de 1999 a 2017. Em milhões de unidades

107

Gráfico 7 Nível de ociosidade das montadoras % (2013-2017) 109 Gráfico 8 Nível de ociosidade do setor de autopeças % mensal (2014-2017) 110 Gráfico 9 Saldo da balança comercial das montadoras e autopeças. Período de 2001

a 2017. Em US$ milhões

111

Gráfico 10 Balança comercial do setor de autopeças (2001 a 2017). Em US$ milhões 112 Gráfico 11 Balança comercial de montadoras de veículos (2001 a 2017). Em US$117

milhões

113

Gráfico 12 Exportação veículos – principais destinos, 2017 114 Gráfico 13 Exportação de autopeças por macrorregião. Part. (%) – 2017 114 Gráfico 14 Faturamento nominal (com ICMS e sem IPI) e Investimentos totais do

setor de autopeças. Em US$ Bilhões – 2011 a 2018

126

Figura 1 Evolução tecnológica da produção 37

Figura 2 Como a indústria 4.0 gera ganhos de receita, custo e eficiência 40 Figura 3 Indústria 4.0: framework e tecnologias digitais 41 Figura 4 Investimento na Indústria 4.0 como porcentagem da receita anual 42 Figura 5 China/EUA - Gastos domésticos em P&D (US$ bilhões) 46 Figura 6 Evolução no número de patentes relacionadas a Indústria 4.0 segundo o

European Patent Office (1991-2016)

47

Figura 7 As 20 empresas que mais registraram patentes relacionadas a Indústria 4.0 (2011-2016)

48

(9)

Figura 9 As quatro fases da condução autônoma 63 Figura 10 Vendas globais de veículos leves: Veículos Elétricos (BEV- Elétricos

puros, PHEV - Híbrido Plug-in) e Veículos a Combustão Interna (ICE). Período de 2015 a 2040

65

Figura 11 Evolução do custo e densidade das baterias com projeções para 2022 65 Figura 12 Crescente complexidade competitiva da indústria automotiva 68 Figura 13 Evolução dos gastos em P&D da indústria automotiva 69 Figura 14 Gastos Totais de P&D Automotivos (domésticos e importados) por região

– 2007 e 2005 70

Figura 15 Gastos totais em P&D da indústria automotiva de países selecionados 70 Figura 16 Aplicações de patentes em tecnologias da indústria 4.0 (1990-2016) 71 Figura 17 Posição do Brasil no ranking do Índice Global de Inovação de 2011 a 2017 75

Figura 18 Índice Global de Inovação 2017 75

Figura 19 Investimentos em capital humano e em P&D, 2015 81 Figura 20 Foco/estágio do uso das tecnologias da indústria 4.0. Ano de 2016 e 2018.

Percentual de respostas das empresas que utilizam tecnologias 85 Figura 21 Estimativa anual de demanda de robôs industriais pelas indústrias em todo

o mundo de 2014-2016. Mil unidades

87

Figura 22 Densidade robótica por país – 2016 (número de robôs para cada 10 mil

trabalhadores) Média mundial = 74 89

Figura 23 Competências demandadas pela Indústria 4.0 no Brasil 90 Figura 24 Polo Automotivo Fiat em Betim (MG) – Aplicações da Indústria 4.0 121

Figura 25 Exemplo de uma cadeia de valor dos VEs 129

Figura 26 Motorização veicular e poluição por quilômetro rodado. Emissão total de Gases do Efeito Estufa (em gramas de CO2 equivalente por quilômetro rodado – gCO2/km)

131

Figura 27 Cinco maiores países em carros autônomos e os que estão na lanterna do ranking

134

Quadro 1 Iniciativas de Indústria 4.0 lançadas por países selecionados 56 Quadro 2 Produtividade do trabalho do Brasil e de seus principais parceiros

comerciais e produtividade relativa efetiva, Indústria de transformação Produto por horas trabalhadas. Variação acumulada (%)

78

Quadro 3 Número de robôs industriais por países (2015 e 2016), com estimações para os anos 2017, 2018, 2019 e 2020

(10)

Quadro 4 Ranking de países por produção de veículos (2008-2017). Em milhões de unidades

106

Quadro 5 Investimentos das montadoras (2014-2022). Anunciados até junho de 2018

119

Quadro 6 Novas profissões demandas pela Indústria 4.0 à Indústria automotiva

brasileira 124

(11)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Vendas mundiais de veículos novos (2012-2017). Países e regiões selecionados

60

Tabela 2 Volume de produção de veículos por região/países selecionados – Variação (2016 -2017)

60

Tabela 3 Posição do Brasil entre exportadores mundiais de manufaturados (colocação em termos de US$ Bilhões FOB) – Parcela sobre o total mundial de manufatura. Período de 2006 a 2016

77

Tabela 4 Participação da produção brasileira de manufaturados na produção mundial de manufaturados (%). Anos selecionados.

77

Tabela 5 Investimentos em P&D em relação ao PIB (%). Brasil 2013, 2016 e previsão para 2022

80

Tabela 6 Tecnologias da Indústria 4.0 segundo sua utilização nos estágios da cadeia produtiva (desenvolvimento, processo de produção e produto) e importância para competitividade - Percentual de respostas (%)

84

Tabela 7 Uso das tecnologias digitais por setor - Percentual de empresas que utilizam pelo menos uma das tecnologias digitais listadas (%)

86

Tabela 8 Composição do faturamento e do investimento – Setor autopeças 1994/2007/2017

99

Tabela 9 Importância atribuída às atividades inovativas (%) pelas empresas da indústria automotiva que implementaram inovações de produto ou processo. Brasil - período 2012-2014

101

Tabela 10 Vendas mundiais de veículos. Maiores mercados de veículos (2008-2017) milhares de unidades. Licenciamentos

108

Tabela 11 Emplacamentos de veículos novos, evolução da frota circulante de veículos (em milhões de unidades) e idade média da frota brasileira (2012 – 2017)

109

Tabela 12 Número de postos de trabalho do setor de autopeças (2010-2017). Em

milhares/ Fechamento anual 111

Tabela 13 Número de postos de trabalho das montadoras - veículos (2010-2017). Em

milhares/ Fechamento anual 111

(12)

Tabela 15 Principais países de destino das exportações de autopeças brasileiras – 2015, 2016 e 2017. Valores em US$ FOB

(13)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12

2 POLÍTICA INDUSTRIAL: O CONHECIMENTO E A INOVAÇÃO

TECNOLÓGICA COMO ELEMENTOS DINAMIZADORES DA ATIVIDADE INDUSTRIAL DO SÉCULO XXI

18

2.1 IMPORTÂNCIA DA POLÍTICA INDUSTRIAL NA DINÂMICA ECONÔMICA SEGUNDO A TEORIA ECONÔMICA CUNHO ORTODOXO E HETERODOXO

18

2.2 POLÍTICA INDUSTRIAL NA PERSPECTIVA NEO-SCHUMPETERIANA 28

3 INDÚSTRIA 4.0: TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NA INDÚSTRIA

AUTOMOBILÍSTICA

33 3.1 AS VÁRIAS DIMENSÕES DO DEBATE EM TORNO DA INDÚSTRIA 4.0 33 3.2 INDÚSTRIA 4.0: TENDENCIAS PARA CADEIAS GLOBAIS DE VALOR 50

3.3 INDÚSTRIA 4.0 – ALEMANHA 53

3.4 INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA EM DIREÇÃO À INDÚSTRIA 4.0 56

4 O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA 4.0 NO BRASIL COMO

ELEMENTO DE ESTRATÉGIAS DE COMPETITIVIDADE DE SUA INDÚSTRIA

73

4.1 CONHECIMENTO E INOVAÇÃO COMO NECESSIDADES URGENTES

NO DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA 4.0 NO BRASIL 73

4.2 REALIDADE DA INDÚSTRIA 4.0 NO BRASIL 81

4.2.1 O baixo estágio de difusão das tecnologias 4.0 no brasil 81

4.2.2 Estrutura de oferta das tecnologias da indústria 4.0 brasileira 91

4.2.3 Iniciativas do governo relacionadas a indústria 4.0 93

5 INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA BRASILEIRA: SUA RELAÇÃO

COM A INDÚSTRIA 4.0 E COM AS NOVAS TENDÊNCIAS DE MOBILIDADE AUTOMOTIVA

97

5.1 INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA BRASILEIRA – VISÃO GERAL 97 5.2 CRISE NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO PERÍODO RECENTE

E SEUS NOVOS DESAFIOS 105

5.3 INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA: REALIDADE NACIONAL DA INDÚSTRIA 4.0, DOS VEÍCULOS ELÉTRICOS, AUTÔNOMOS E COMPARTILHADOS

116

5.3.1 Indústria 4.0 – conectividade e digitalização 116

5.3.2 Indústria 4.0 e os desafios para a cadeia de fornecedores automobilísticos 124

5.3.3 Tendências disruptivas na indústria automobilística nacional 127

5.3.3.1 Veículos elétricos 127

(14)

5.3.3.3 Veículos compartilhados 137 5.4 ROTA 2030 – INCENTIVO À PRODUÇÃO DE VEÍCULOS ELÉTRICOS

E HÍBRIDOS NO BRASIL 139

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 142

(15)

1 INTRODUÇÃO

Em um período marcado pela crescente incorporação de informação e conhecimento na produção e comercialização de bens e serviços, as inovações tecnológicas e organizacionais estão se tornando uma variável cada vez mais importante na economia global. Isso porque ela está dando maior impulso à competitividade de organizações e países, estimulando novas oportunidades de negócios e novos caminhos para acesso ao mercado externo. As vantagens competitivas naturais e de menor custo relativo de produção estão perdendo influência como fatores determinantes de competitividade internacional.

Hoje, o grande desafio para a competitividade industrial consiste, em grande medida, na capacidade dos países de construírem vantagens competitivas dinâmicas a partir do atual contexto das recentes soluções tecnológicas. Tecnologias essas que vem trazer novas oportunidades e desafios para as empresas e Estados, como também, revolucionar a produção industrial e impactar o dia a dia das pessoas. Trata-se da necessidade de introduzir eficientemente nas cadeias produtivas os avanços trazidos pela nova revolução industrial. Acredita-se, portanto, que se está no início de uma nova revolução industrial, considerada como o quarto avanço desse tipo e, portanto, rotulada Indústria 4.0. Diferente da Indústria 3.0, que envolveu a maior automação de máquinas e processos, a Indústria 4.0 é a evolução para sistemas ciberfísicos, que une o mundo físico e o virtual por meio da Internet com o intuito de total integração da cadeia de valor por todo o ciclo de vida do produto. Para tanto, engloba a digitalização, a ampla aplicação das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), elevado grau de conectividade nos processos, introdução de Internet das Coisas (IoT), agregação de dados obtidos em tempo real de toda cadeia de valor com bastante uso de Inteligência Artificial, Big Data e um conjunto de outras novas tecnologias. Á medida que as novas tecnologias têm seu custo reduzido e são incorporadas no chão de fábrica, a produção caracteriza-se pela complexidade, customização em massa, flexibilidade de produção, redução do tempo entre o design, produção e entrega dos produtos, digitalização, total interligação aos serviços, melhor qualidade, eficiência e maior produtividade. Tais característica contribuem para atender, de maneiras inteiramente novas, às necessidades e preferências de consumidores cada vez mais exigentes. Elas passam a ser o centro da cadeia produtiva, sendo internalizadas na produção.

(16)

No entanto, para capturar os benefícios da Indústria 4.0, as empresas precisarão enfrentar desafios que estão relacionados a necessidade de altos investimentos em equipamentos, softwares e em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), a mudança de modelos de negócios, segurança digital, questões jurídicas de responsabilidade e propriedade intelectual e de dados, padrões e inadequações de habilidades de mão-de-obra. Assim, o debate sobre indústria 4.0 não é apenas sobre a questão de competitividade e produtividade, ou seja, de seus benefícios, mas envolve questões sobre emprego, qualificação da mão-de-obra e segurança de dados que impactam diretamente a sociedade e a economia.

A Indústria 4.0 abre caminho para transformações no mundo produtivo, que afetará substancialmente as características da indústria mundial nos próximos anos, expandirá o potencial dos negócios e o ambiente competitivo que se concentrará em inovações e no aumento do valor agregado nos produtos. O resultado será a construção de indústrias mais competitivas, inovadoras, globais e sustentáveis. Com essa perspectiva, a implementação da Industria 4.0 está sendo apoiada por muitos governos, de diferentes países, como estratégia de desenvolvimento econômico e social e em resposta a um cenário de desindustrialização, desaceleração da economia mundial e do crescimento de países asiáticos, especialmente, China. Para as economias em desenvolvimento, alguns desafios para essa implementação são adicionais, como a existência de lacunas em áreas importantes como ciência, tecnologia e inovação (que acentuam a defasagem tecnológica desses países), deficiências quanto a habilidades e qualificação da mão-de-obra, além da grande desigualdade socioeconômica. O Brasil se encontra com tais dificuldades que se agravam com o fato de que o país ainda nem sequer internalizou de forma adequada seus setores na terceira Revolução Industrial. Assim, diante das fragilidades produtivas, tecnológicas, políticas e sociais do Brasil, torna-se mais essencial a indústria brasileira se voltar para as mudanças relacionadas a Indústria 4.0 e buscar reduzir sua distância da fronteira tecnológica mundial. Diante desse conjunto de transformações na economia global, cabe destacar que a teoria neo-schumpeteriana, por incorporar em suas análises as mudanças tecnológicas e as inovações como elementos dinamizadores da economia, tem servido de base para a elaboração de políticas industriais voltadas para esse novo cenário competitivo.

Da mesma maneira como ocorre no mundo, no Brasil, a indústria 4.0 começa a aparecer principalmente na modernização de plantas de grandes multinacionais da indústria automobilística. Essa indústria tem sido referencial de aplicação dos conceitos de Indústria 4.0 no mundo e é um dos principais impulsionadores do crescimento macroeconômico e do avanço

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tecnológico em países desenvolvidos e em desenvolvimento, devido a seu forte encadeamento com outros setores e por contribuir de forma significativa para a geração de receita do governo, de empregos diretos e indiretos e para a promoção de P&D e inovação. É uma das mais globalizadas e competitivas indústrias do mundo. Por essa razão, sempre está à frente na implantação de processos inovadores.

Com a indústria 4.0, a indústria automobilística se prepara para um mundo conectado. As montadoras têm perdido oportunidades significativas em relação ao planejamento de produtos, serviços e reação de time-to-market com a falta de feedback de dados do cliente. Para resolver isso, as tecnologias da indústria 4.0 têm a capacidade de coletar gigabytes de dados de uma variedade de sensores, analisá-los no que diz respeito a serviços para o motorista e análises voltadas ao processo de construção dos veículos. Com isso, a conectividade será capaz de fornecer uma infinidade de serviços para o consumidor final, o que, por sua vez, permitirá que as montadoras criem novas oportunidades de receita. Além disso, o acesso à análise preditiva com base em dados em tempo real ajuda os fabricantes a identificar os problemas antes que eles aconteçam, reduzir os custos de estoque e, potencialmente, reduzir os custos de capital. Dessa forma, a transformação digital da indústria automobilística trará melhorias contínuas com o uso de tecnologias que tendem a aprimorar os processos existentes, aumentando a produtividade, bem como causando rupturas e mudança de paradigma que se apresentam como desafios para o setor no que se refere aos modelos de negócio existente e a maneira pela qual é visto o papel do veículo. Algumas das principais tendências disruptivas são as seguintes: veículos compartilhados, tornando-os um serviço e, com isso, direcionando a indústria a prestar serviços de mobilidade; eletrificação abrangente de veículos, o que leva a uma nova revolução técnica na construção de veículos e nos processos de valor agregado; e veículos autônomos, construindo uma percepção completamente nova dos mesmos. As empresas automotivas precisam transformar esses desafios em oportunidades para se manterem competitivas e relevantes no mercado doméstico e no global.

Adaptar toda a cadeia de valor a esses novos desafios globais é indispensável, pois a indústria automobilística vai se voltar cada vez mais para produtos complexos, prazos de entrega mínimos, novos materiais e produtos personalizados. Essas tendências acabam alterando as condições históricas de mercado. A tradicional cadeia de valor da indústria de montadoras, fornecedores, varejistas e o mercado de reposição sofre com a concorrência de novos entrantes não tradicionais. São empresas baseadas em tecnologia, multibilionárias, com fortes equipes de

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pesquisa e desenvolvimento e que ocupam posições de liderança no mercado regional ou global (como por exemplo a Microsoft, Google, SAP, Samsung, Siemens, Deutsche Telekom e até mesmo Twitter e Facebook). Isso representa um desafio crescente para os modelos de negócios das montadoras e de todos os envolvidos ao longo da tradicional cadeia de valor do setor. Diante dessas mudanças, será exigido grande esforço de todos os parceiros do ecossistema (montadoras, policymakers, fornecedores, consumidores, etc.) para se ter uma conscientização mais ampla entre os consumidores do imenso potencial dessa nova revolução, o que, em última análise, levará a uma maior demanda por novos serviços e sustentabilidade da indústria automobilística.

Com isso, o presente trabalho tem como objetivo principal apresentar as oportunidades, impactos e desafios que a Indústria 4.0, ou seja, a Quarta Revolução Industrial, traz para a indústria automobilística mundial e brasileira. Os objetivos específicos são: apresentar as definições e conceitos da Indústria 4.0; indicar como tem evoluído as tendências disruptivas e como podem influenciar o desempenho do mercado automobilístico no Brasil e mundo; identificar os impactos dessa revolução tecnológica sobre sua cadeia de suprimento, em especial o setor de autopeças; descrever as características da indústria automobilística nacional, bem como as de sua crise iniciada em 2014; apontar em que consiste o esforço inovativo dessa indústria e se a condição de subsidiária de suas empresas possibilita desenvolver tecnologias nacionais voltadas para a indústria 4.0; e identificar qual a realidade da indústria 4.0 no setor industrial brasileiro.

Tal objetivodecorre do fato de que para evidenciar o potencial das transformações digitais é indispensável analisar a indústria automobilística, como ela tem mudado a forma que executa suas operações internas, como interage com os clientes e se integra as cadeias de suprimentos internacionais. É uma indústria que desperta interesse pela velocidade da sua evolução e de como ela se mantem competitiva, como também, pela constante demanda por inovações tecnológicas e organizacionais.

No Brasil, dado a condição de subsidiária das empresas dessa indústria e pela crescente desnacionalização do setor de autopeças, os desafios trazidos pela indústria 4.0 são particulares e mais complexos pois se estabelece uma dependência tecnológica forte com suas matrizes, não estimulando suficientemente investimentos em pesquisa e desenvolvimento local em áreas

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estratégicas afetando negativamente sua competitividade nacional e dificultando sua inserção nos mercados globais.

Em suma, compreender o que a transformação digital significa para a indústria automobilística é compreender a nova trajetória de desenvolvimento econômico e social a ser alcançada pelas empresas dos mais variados países. A familiarização com os conceitos da indústria 4.0 e com suas implicações será fundamental para sobrevivência das empresas nos mercados globais e para direcionar futuras decisões no âmbito político, econômico e social dos Estados.

A metodologia tem a finalidade de oferecer subsídios para o cumprimento dos objetivos gerais e específicos deste trabalho. Nesse sentido, é necessário aprofundar a leitura da bibliografia com o intuito de mapear os estudos desenvolvidos sobre a indústria 4.0, em particular analisando o debate em torno das transformações da indústria automobilística diante da nova dinâmica tecnológica. A partir da revisão da literatura e do mapeamento, segue-se para a segunda etapa da metodologia que é a pesquisa empírica em fontes secundárias. Assim, haverá uma etapa de investigação/resenha da bibliografia existente e depois a construção da base de dados estatísticos da pesquisa, usando fontes impressas e digitais usadas pelos trabalhos consultados, e disponíveis em publicações em mídia impressa e digital. Ou seja, diante do intuito de difundir o tema de pesquisa, considerando as transformações trazidas pela indústria 4.0, cuja definição e exploração são recentes, o trabalho tem a finalidade exploratória, com abordagem qualitativa, pois se preocupa com aprofundamento da compreensão e dinâmica do fenômeno a ser estudado, com os aspectos da realidade que nem sempre podem ser quantificados. Nesse sentido, utilizou-se fontes secundárias existente sobre o tema, fontes impressas e digitais disponíveis, no Brasil, de organizações como Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Banco Central do Brasil (BCB), Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (FUNCEX), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA) e internacionais como o Fundo Monetário internacional (FMI), Organização Mundial do Comércio (OMC), Banco Mundial (WBG), Fórum Econômico Mundial (FEM), Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização Internacional de Fabricantes de Veículos Automotores (OICA) dentre outras.

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Para tanto, o trabalho estar organizado da seguinte forma: nessa parte introdutória, que constitui o primeiro capítulo, é apresentado o contexto do tema a ser abordado, o objetivo principal e específicos, a importância da pesquisa e os procedimentos metodológicos. O capítulo segundo, trata da importância do setor industrial no processo de desenvolvimento das nações e das políticas industriais para alcançar mudanças na estrutura produtiva dos países segundo a visão de três correntes teóricas: ortodoxa, desenvolvimentista e neo-schumpeteriana (ambas heterodoxas). O terceiro capítulo expõe os conceitos da indústria 4.0, seus benefícios quanto a produtividade, eficiência e competitividade para a indústria, como também os desafios referentes a nova dinâmica do emprego no cenário global e com especificidades no contexto da América Latina. Os efeitos do uso das tecnologias da indústria 4.0 nas cadeias globais de valor também serão apontados, bem como o uso da indústria 4.0 como política estratégia de desenvolvimento industrial de várias nações. Além disso, trata-se dos impactos da indústria 4.0 no setor automobilístico mundial, com as novas tendências de mobilidade e com a concorrência de novos entrantes não tradicionais no setor, trazendo desafios específicos para a base global de fornecedores e para as montadoras. No quarto capítulo busca-se retratar a realidade da indústria 4.0 no Brasil e os principais desafios quanto a sua implementação, que se concentram nas deficiências e limitações de infraestrutura, inovação e no cenário de contração de investimentos públicos voltados para a áreas de ciência, tecnologia e inovação, como também na falta de conhecimento sobre o tema de uma parcela significativa das empresas. O quinto capítulo visa abordar a realidade da indústria 4.0 na indústria automobilística brasileira, com foco nos produtores de veículos (automóveis, veículos comerciais leves, caminhões e ônibus) e nas empresas de autopeças, em um contexto de recuperação da crise econômica iniciada em 2014 no país, de forte concorrência asiática, considerando a pouca força em P&D das empresas domésticas e as desvantagens competitivas dessa indústria. Por último, são apresentadas as considerações finais do presente trabalho.

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2 POLÍTICA INDUSTRIAL: O CONHECIMENTO E A INOVAÇÃO TECNOLÓGICA COMO ELEMENTOS DINAMIZADORES DA ATIVIDADE INDUSTRIAL DO SÉCULO XXI

2.1 IMPORTÂNCIA DA POLÍTICA INDUSTRIAL NA DINÂMICA ECONÔMICA SEGUNDO A TEORIA ECONÔMICA CUNHO ORTODOXO E HETERODOXO.

Em boa parte da literatura teórica e empírica a participação do setor industrial na economia é apresentada como indispensável no processo de desenvolvimento de países que hoje possuem alto desenvolvimento tecnológico e científico, renda per capita elevada e distribuição de renda relativamente homogênea. Ou seja, a relação histórica entre indústria e desenvolvimento econômico se mostra positiva entre diversos países do mundo. De acordo com Loures, Oreiro e Passos (2006, p. 20) desde o surgimento do capitalismo “não existe um único caso histórico de crescimento sustentado do PIB que não tenha sido liderado e/ou impulsionado por um maciço processo de industrialização”. Portanto, a capacidade industrial dos países é determinante no potencial e nos limites de seu dinamismo econômico. A partir da Primeira Revolução Industrial países da Europa Ocidental, Japão e os Estados Unidos adquiriram taxas rápidas de crescimento da renda per capita em comparação com outras regiões como a Ásia Oriental e América Latina, ascendendo a categoria de grandes potências econômicas no último quartel do século XIX. Nos períodos mais recentes países como China, Coreia do Sul, Tailândia e Singapura, relativamente atrasados, conseguiram por meio do processo acelerado de industrialização impulsionar seu desempenho econômico.

Quando comparado com o setor agrícola e de serviços, o industrial possui ganhos mais dinâmicos relativos ao esforço inovativo, a difusão tecnológica e a produtividade. Além disso, a indústria proporciona uma maior remuneração dos fatores de produção, efeitos de transbordamento, retornos crescentes de escala, uma maior participação nos mercados externos, dentre outros ganhos.

Esses aspectos considerados inerentes a indústria, especificamente a de transformação (manufatureira), estão sintetizadas no que a literatura convencionou chamar de Leis de Kaldor ressaltando o setor industrial como a engrenagem do crescimento econômico de longo prazo das nações. Acrescentando ainda que a sustentabilidade desse crescimento depende da capacidade dos países manterem a competitividade de suas exportações. Isso porque, para Kaldor o crescimento econômico pode ser restringido por desequilíbrios no balanço de pagamentos desencadeados pelo aumento das importações em detrimento das exportações ou

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pela perda de competitividade das exportações provocado pelo relativo atraso tecnológico da indústria (LAMONICA; FEIJO, 2011, 2013). Nesse sentido, uma indústria competitiva consegue reduzir o risco de crises do balanço de pagamentos com sua capacidade de exportar e induzir o crescimento do PIB nacional (TADINI; ROCHA, 2018). Portanto, os efeitos das exportações sobre o crescimento do produto dependem de uma estrutura produtiva industrializada, mas voltada para a produção de bens com maior conteúdo tecnológico e valor agregado. A competitividade das exportações, segundo a visão kaldoriana, decorreria do aumento da produtividade resultante das mudanças tecnológicas estimuladas, por sua vez, pela própria expansão da indústria de transformação e de seu produto (LAMONICA; FEIJO, 2011). Economistas como Adam Smith, Raúl Prebisch, Celso Furtado, François Perroux, Albert Hirschman, Walt Rostow, Arthur Lewis, dentre outros, também enfatizaram que a indústria detém o maior número de encadeamentos e externalidades positivas, demonstrando a importância do setor industrial para toda a economia. Contemporaneamente, autores como Robert Wade, Alice Amsden, Justin Lin, Joseph Stiglitz e Ha-Joon Chang, abordam as políticas industriais como uma busca estratégica de desenvolvimento que tende a impulsionar o emparelhamento tecnológico dos países (TADINI; ROCHA, 2018).

Chang (2004) destaca que por mais críticas que as políticas industriais recebam de vários teóricos do campo ortodoxo é fundamental reconhecer que os países atualmente desenvolvidos se utilizaram de política industrial, comercial e tecnológica intervencionista no seu processo de desenvolvimento, quando eram ainda economias em catching-up. “Somente após atingirem sua fronteira tecnológica, ou seja, estarem em estágios mais avançados de desenvolvimento, esses países passaram a condenar estes tipos de políticas e advogar pelo livre-comércio” (BRITO; GARROTE, 2015).

Diante disso, segundo Suzigan e Furtado (2006), grande parte dos debates e controvérsias em torno do escopo das políticas industriais e do papel da indústria para o desenvolvimento econômico tem a ver com pelo menos três diferentes visões sobre seus fundamentos teóricos: ortodoxa, (neoclássica), a desenvolvimentista e a neo-schumpeteriana, ambas associadas a tradição heterodoxa.

Para os heterodoxos o papel exercido pela indústria no processo de desenvolvimento é enfatizado e determina o potencial dos países em promover progresso tecnológico e o crescimento da produtividade, como enfatizado anteriormente. Assim, “como a indústria é o

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motor do crescimento econômico e a inovação um requisito à criação e manutenção da competitividade” (BRITO; GARROTE, 2015, p. 12),

A política industrial tem o papel de proporcionar as condições para o fortalecimento, modernização, elevação da produtividade e geração de competitividade da indústria na economia, possibilitando a expansão destas para o atendimento tanto da demanda interna quanto da externa, objetivando com isso elevar o crescimento econômico (BRITO; GARROTE, 2015, p. 12).

Para Kupfer (2003, p.1) a política industrial precisa ser pensada na perspectiva de que desenvolvimento econômico é crescimento com mudança estrutural cabendo a política industrial “acelerar os processos de transformação produtiva que as forças de mercado, com lentidão, podem operar e disparar os processos que essas mesmas forças são incapazes de articular”. O mercado, sozinho, não seria capaz de estimular e produzir as mudanças necessárias que alterassem a estrutura produtiva, pois não possui a capacidade de combinar previamente e coordenar decisões mutuamente dependentes. Portanto, a política industrial consiste numa ação do Estado sobre a atividade produtiva capaz de acelerar as transformações em sua estrutura levando ao desenvolvimento econômico e ao “emparelhamento (catching up) das atividades produtivas de uma nação” (PEREIRA; REBELATO, 2006, p.2). Nessa lógica, Ferraz, Mendes e Kupfer (2002, p. 545) afirmam:

A política industrial deve ser entendida como o conjunto de incentivos e regulações associadas a ações públicas, que podem afetar a alocação inter e intraindustrial de recursos, influenciando a estrutura produtiva e patrimonial, a conduta e o desempenho dos agentes econômicos em um determinado espaço nacional.

No mesmo sentido, para Pereira e Rebelato (2006, p.3),

[...] a política industrial apresenta como objetivo fundamental criar condições para que, a partir da intervenção sobre a atividade dos agentes produtivos, seja possível a conquista de desenvolvimento econômico e bem-estar social em níveis superiores àqueles que seriam possíveis se a política industrial não fosse implementada. O conceito de política industrial pode ainda ser definido com base nos instrumentos utilizados, podendo ser de cunho vertical e horizontal. Ferraz (2009) as define da seguinte forma:

As políticas horizontais procuram melhorar o desempenho da economia na sua totalidade, sem especificar um setor ou empresa em especial, enfatizando a ação governamental sobre as condições gerais que conformam o ambiente econômico, de maneira a afetar o desenvolvimento industrial apenas de forma indireta. Dentre as medidas associadas às políticas industriais horizontais destacam-se: aquelas destinadas à melhora da infraestrutura (portos, telecomunicações, transporte etc.); melhoria da infraestrutura educacional e de ciência e tecnologia (como subsídios e investimentos em institutos de pesquisa e universidades); a política antitruste; as diretrizes governamentais mais gerais para a indústria; a própria política macroeconômica; dentre outros aspectos que operam de forma indistinta sobre o setor industrial.

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As políticas verticais, por sua vez, são aquelas que privilegiam deliberadamente uma indústria específica, atuando de forma seletiva. Assim, este enfoque enfatiza a delimitação de um espaço próprio para a política industrial, onde medidas mais discri-cionárias se justificariam pela existência de indústrias que exibem certas características como, por exemplo: um maior valor agregado; elevado poder de encadeamento na cadeia produtiva; grande dinamismo potencial; ou retornos crescentes de escala; de maneira que sua promoção teria um impacto mais incisivo sobre o tecido econômico (FERRAZ, 2009, p.231).

Para muitos economistas uma política industrial eficiente utiliza conjuntamente esses instrumentos. Isso porque muitos desses instrumentos são concebidos na esfera macroeconômico “na qual se definem as políticas que lidam com o comportamento agregado da economia (inflação, taxa de câmbio e de juros, carga tributária e investimentos) diretamente relacionadas com as políticas fiscais, monetárias e cambiais”. As políticas industriais estão inseridas nesse macro ambiente que precisa estar favorável e adequado a promoção dessas políticas. É necessário, portanto, que o Estado convirja as políticas macroeconômicas, tecnológicas, educacionais, regionais, comerciais, dentre outras, com a política industrial seletiva (MORAIS; LIMA JUNIOR, 2010, p.10).

A preferência e uso de uma política a outra é modificada ao longo do tempo, dependendo da hegemonia teórica do período. Nesse sentido, Grassi (2008) observa:

Mesmo com a predominância no mundo atual de recomendações de política de corte “neoliberal”, que costumam ser bastante críticas quanto a medidas de política industrial de modo geral, e, principalmente, quanto a políticas industriais verticais, o fato é que muitos países (tanto desenvolvidos como em desenvolvimento) continuam usando, de forma aberta ou dissimulada, os mais variados tipos de medidas de política industrial vertical (GRASSI, 2008, p. 681).

Chang, Andreoni e Kuan (2013) compartilham dessa mesma percepção de que países, hoje desenvolvidos com EUA, se valeram e ainda se valem de políticas industriais seletivas para moldar e transformar sua economia.

De todo modo, no campo teórico heterodoxo a política industrial está ligada à capacidade do Estado em pensar em seu desenvolvimento autônomo, por isso precisa ter caráter permanente ou ser renovada continuamente, passando a ser uma preocupação constante do Estado para obtenção e manutenção de um certo padrão de desenvolvimento, dado que é na indústria que ocorre o desenvolvimento tecnológico e a sua difusão pelos demais setores econômicos. Em contraposição, para os teóricos neoclássicos, “a indústria é apenas um setor entre outros, não possuindo nenhuma importância fundamental para o crescimento econômico de longo prazo”, não há diferenças de dinamismo entre eles e, portanto, o crescimento econômico não

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possui um caráter setorial específico (LOURES; OREIRO; PASSOS, 2006, p. 19). “A estrutura produtiva deveria ser definida exclusivamente pelas forças de mercado, inexistindo qualquer vantagem para o país no desenvolvimento das atividades industriais” (CURADO, 2013, p.625). Dessa forma, para os neoclássicos “as políticas industriais seriam meramente reativas e restritas, especificamente direcionadas a remediar as imperfeições de mercado, e não seletiva em termos de setores ou atividades” (SUZIGAN; FURTADO, 2006, p. 164). O argumento principal apresentado para se restringir a utilização de políticas industriais, seletivas ou verticais, é que que elas criam distorções no mercado em favor de setores não competitivos. Se defende, portanto, políticas horizontais que não fazem distinção dos setores que irão receber proteção por parte do governo. O Estado deve interferir de forma homogênea por meio de investimentos em infraestrutura, qualificação da mão de obra, controle de inflação, incentivo à poupança, estabilidade econômica e política, por exemplo.

No Brasil, as políticas industriais começaram a ser utilizadas de forma mais coordenada a partir de 1930, por meio do Modelo de Substituição de Importações (MSI) que visava proteger e fomentar o setor industrial. Posteriormente, até o primeiro choque do petróleo (1973), houve um processo de forte crescimento econômico liderado pela indústria. O processo de industrialização brasileiro ganhou força, diversificação e sua estrutura se consolidou com a instalação das indústrias de bens de consumo duráveis, bens de capital, insumos básicos e energia (CORONEL; AZEVEDO; CAMPOS, 2014). O Estado articulou políticas industriais que foram capazes de alterar a estrutura industrial do país: Plano de Metas (1956-1961), I PND (1972-1974) e o II PND (1974-1979). Prevaleciam, portanto, no espaço político, o desenvolvimentismo e o intervencionismo estatal. Segundo Bielschowsky (1988, p. 7) citado por Fonseca (2015) o desenvolvimentismo, considerado hegemônico dentro do pensamento econômico nacional entre a década de 1950 e início da década de 1980, pode ser entendido como a ideologia de um projeto econômico de transformação da sociedade brasileira composto dos seguintes pontos:

a) a industrialização integral é a via de superação da pobreza e do subdesenvolvimento brasileiro; (b) não há meios de alcançar uma industrialização eficiente e racional através da espontaneidade das forças de mercado, e por isso, é necessário que o Estado a planeje; (c) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores econômicos e os instrumentos de promoção dessa expansão; e (d) o Estado deve ordenar também a execução da expansão, captando e orientando recursos financeiros e promovendo investimentos diretos naqueles setores em que a iniciativa privada for insuficiente (FONSECA, 2015, p. 16).

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Para Fonseca (2015) o desenvolvimentismo é tanto usado para se referir a um fenômeno da esfera do pensamento (como assim utilizou Bielschowsky) expressando teorias, concepções ou visões de mundo, como um fenômeno do mundo material através da prática de políticas econômicas, estas, geralmente associadas ao Estado desenvolvimentista, porém, uma ideologia sempre está presente para justificar e nortear essas políticas.

Esse autor consegue constatar, através da vasta literatura estudada, que há variáveis e conceitos comuns ou utilizados com alta frequência nos trabalhos analisados, sugerindo uma convergência para um possível “núcleo comum principal” do conceito desenvolvimentismo. Sendo elas: i) a existência de um projeto deliberado ou estratégia tendo como objeto a nação e seu futuro; ii) a intervenção consciente e determinada do Estado com o propósito de viabilizar esse projeto; iii) a industrialização, como caminho para acelerar o crescimento econômico, a produtividade e a difusão do progresso técnico, inclusive para o setor primário. Diante disso, o autor define desenvolvimentismo como:

A política econômica formulada e/ou executada, de forma deliberada, por governos (nacionais ou subnacionais) para, através do crescimento da produção e da produtividade, sob a liderança do setor industrial, transformar a sociedade com vistas a alcançar fins desejáveis, destacadamente a superação de seus problemas econômicos e sociais, dentro dos marcos institucionais do sistema capitalista (FONSECA, 2015, p.40).

Porém, mesmo dentre aqueles que compartilhavam da visão de que o processo de industrialização era essencial para o país não havia um consenso acerca de quais seriam os limites desse intervencionismo ou o grau de participação do capital estrangeiro (CURADO, 2013). Nesse sentido, para Bielschowsky (1988, p. 40 apud Fonseca, 2015) existiam três correntes do pensamento econômico desenvolvimentistas brasileiro: i) desenvolvimentismo do setor privado que defendia a industrialização com proteção estatal ao capital nacional e protecionismo diante da concorrência externa.; ii) desenvolvimentismo do setor público não nacionalista, que era favorável ao apoio estatal à industrialização, porém acreditava que o capital estrangeiro tinha grande contribuição a dar no processo de industrialização, sendo preposto ao capital estatal. Dava-se ênfase a políticas de estabilização monetária e de controle de inflação; e iii) desenvolvimentismo do setor público nacionalista que era favorável ao capital estrangeiro, desde que sob controle e não em setores estratégicos para o processo de industrialização, como mineração, energia, transporte e algumas indústrias básicas.

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Cabe lembrar, que nas décadas de 1930 e 1940 havia um intenso debate sobre o papel da indústria no desenvolvimento brasileiro que se deu entre o desenvolvimentista Roberto Simonsen e o liberal Eugênio Gudin.

Simonsen afirmava que a indústria era uma atividade superior às atividades agrícolas. Assim sendo, entendia que a indústria desempenhava o papel central na superação da condição de subdesenvolvimento. Simonsen entendia que o progresso técnico era originado no setor industrial, daí sua centralidade no processo de desenvolvimento econômico. Para ele, a industrialização poderia amenizar a vulnerabilidade externa brasileira pelo fortalecimento do mercado interno.

Baseando-se na teoria das vantagens comparativas, Eugênio Gudin contestava as afirmações de Simonsen. Gudin entendia que o livre-comércio internacional – o mercado – acarretaria o desenvolvimento econômico. Ele afirmava que o Brasil deveria se especializar nas atividades agrícolas em virtude da abundância de seus recursos naturais. Simonsen, porém, alertava que isso seria um retrocesso, uma volta à estrutura econômica da Colônia. Gudin via com desconfiança a industrialização, principalmente pela proteção que o governo daria ao desenvolvimento da indústria doméstica (SIMONSEN; GUDIN, 2010 apud PAMPLONA; FENERICH, 2016, p. 64).

A teoria estruturalista da Cepal nas décadas de 1950 e 1960 reforçaram os argumentos de Simonsen contra a teoria das vantagens comparativas e deram a sustentação teórica a defesa da centralidade da indústria no processo de desenvolvimento com a indução e coordenação do Estado. Para os autores cepalinos (Hirschman, Prebisch e Furtado, por exemplo) a agricultura não seria capaz de gerar, de maneira firme e consistente o crescimento econômico e o aumento do nível de ocupação como a indústria seria. Segundo Curado (2013), o pensamento cepalino se constituiu em um dos pilares da formação do pensamento econômico brasileiro. Autores como Maria da Conceição Tavares, José Serra, Fernando Henrique e Enzo Faletto apesar de criticarem a relação direta entre industrialização e desenvolvimento estabelecida pela Cepal, permanecem com a visão de que o desenvolvimento da indústria continua como uma condição essencial para o crescimento econômico do país, ainda que isto não significasse necessariamente desenvolvimento econômico e social.

Nos anos 80 devido aos fortes desequilíbrios macroeconômicos que o país enfrentava muitas críticas foram direcionadas ao MSI reduzindo, por conseguinte, a capacidade de influência das ideias e das propostas de políticas desenvolvimentistas responsáveis, desde a década de 1930, pela acelerada industrialização brasileira. O que predomina nesse período são discussões sobre políticas de estabilização econômica de curto prazo e não mais projetos de investimentos e desenvolvimento econômico. A preocupação com a capacidade produtiva é deixada de lado com a inclinação liberal. “Os instrumentos de políticas que antes serviam à industrialização passaram a ser administrados de acordo com os objetivos da estabilização macroeconômica” (SUZIGAN; FURTADO, 2006, p.172). De acordo com Filgueiras (2006, p.182) com o fracasso

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do Plano Cruzado e dos demais planos que se seguiram durante os anos 1980 “o projeto neoliberal foi se desenhando e se fortalecendo, passando do campo meramente doutrinário para se constituir em um programa político”, com uma percepção que o MSI havia falhado e que o projeto neodesenvolvimentista, que surgia na época como resposta à crise do modelo, não era capaz de responder aos problemas colocados na época.

Esse projeto neodesenvolvimentista, segundo Bielschowsky e Mussi (2006, p.40), se constitui em um esforço de “adequar as estratégias políticas às novas circunstancias internas e internacionais – economia aberta, mais privatizadas, submetidas às regras da OMC, e com grandes dificuldades fiscais”. Também, inclui reflexões sobre a necessidade de concentrar esforços nos segmentos industriais intensivos em progresso técnico pertencente ao novo paradigma tecno-econômico (eletrônica, biotecnologia, novos materiais, fontes renováveis de energia). Nesse sentido, os autores observam que a vertente neo-shumpeteriana prospera no ambiente acadêmico brasileiro e em alguns núcleos do governo, chamando a atenção para a “necessidade de preparar o Brasil para o que se afigurava como o futuro da economia mundial” (BIELSCHOWSKY; MUSSI op. cit. p.42), ou seja, para as mudanças que se projetavam em um cenário cada vez mais globalizado. Seguem de todo modo acreditando que “o Estado tem uma série de funções econômicas fundamentais a cumprir para sustentar o crescimento e elevar a eficiência a médio e longo prazo, além da boa administração fiscal e macroeconômica” (BIELSCHOWSKY; MUSSI op. cit. p.40).

Segundo Filgueiras (2006), o liberalismo na década de 1990

[...] que já havia adentrado na maior parte da América Latina, implanta-se no Brasil, com toda força, a partir do Governo Collor. O discurso liberal, combinado com a abertura da economia e o processo de privatizações inaugura o que poderíamos chamar da Era Liberal no Brasil (FILGUEIRAS, 2006, p.182-183).

Surge, portanto, um novo modelo de desenvolvimento que confere ao mercado o movimento em direção a máxima eficiência, bastando apenas garantir o bom funcionamento deste para que o crescimento econômico ocorra naturalmente. “A exposição à concorrência internacional substituiria com vantagem a política industrial na tarefa de dar continuidade ao desenvolvimento industrial brasileiro” (LAPLANE; COUTINHO; HIRATUKA, 2003, p.8). Buscou-se “seguir os ditames do Consenso de Washington – na questão da competitividade, a ser alcançada pelo aumento da eficiência na produção e comercialização de bens e serviços, com base na modernização e reestruturação da indústria” (CANO; SILVA, 2010, p.3). Na década de 1990 até início dos anos 2000, qualquer agenda de política industrial passou a ter

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menos espaço político. Para Laplane, Coutinho e Hiratuka (2003, p.8) não houve uma política industrial propriamente dita, “ocorreram apenas iniciativas isoladas, mas desintegradas e sempre contrariando a orientação geral da política macroeconômica”. As autoridades econômicas da época “não enxergavam a política industrial como algo relevante para o desenvolvimento do país, admitindo que o equilíbrio macroeconômico, por si só, produziria as condições necessárias e suficientes para o desenvolvimento dos setores produtivos” (FERRAZ, 2009, p.240).

O que ocorre em decorrência da abertura comercial, privatizações e do processo de valorização da moeda a partir do Plano Real é, segundo Curado (2013), Pereira e Dathein (2015) uma rápida deterioração das condições de competitividade da indústria, principalmente dos segmentos intensivos em tecnologia, o aumento da dependência brasileira por capital produtivo internacional e aumento do grau de desnacionalização das empresas brasileiras.

Diante disso, o Brasil não consegue entre as décadas de 1990 e 2000 acompanhar a evolução da indústria e dos serviços industriais típicos dos países emergentes de maior dinamismo. A fragilidade brasileira quanto às possibilidades de inserção internacional de sua produção industrial estava deflagrada. O atraso relativo da economia brasileira era visto pela corrente ortodoxa como consequência da intervenção do Estado na economia com o uso do MSI, portanto, para adaptar o país e sua estrutura industrial ao novo cenário competitivo “era indispensável abandonar a ideia de que a política industrial era um instrumento fundamental de desenvolvimento econômico para economias periféricas como a brasileira” (PEREIRA; DATHEIN, 2015, p.4). Acreditava-se que a solução para a retomada do desenvolvimento estava na atração de capital estrangeiro, atuando na ampliação de financiamento para modernização do parque industrial brasileiro e na capacidade de inovar. Segundo Feijó, Carvalho e Almeida (2005, p.3) no Brasil e na América Latina a renúncia ao papel central que a indústria exerceu até os anos 1970 pode ser entendida como uma desindustrialização precoce, “precoce porque ao se abrir mão da dinâmica industrial se abriu mão também de um crescimento econômico mais rápido”. Ainda na década de 1980, inicia-se o processo de desindustrialização brasileira (com especialização em setores de baixo conteúdo agregado), que se agrava após a crise internacional de 2008.

A desindustrialização seria identificada não apenas com a perda de importância da indústria no PIB ou no emprego total, mas também a partir de mudanças na estrutura de produção da indústria, em particular pela maior participação de setores mais intensivos em recursos naturais e com menor capacidade de encadeamentos produtivos e tecnológicos vis-à-vis setores mais intensivos em capital, conhecimento

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e tecnologia e assim com maior capacidade de encadeamentos (SARTI; HIRATUKA, 2011, p. 7).

Mas, para Laplane, Coutinho e Hiratuka (2003, p.14) é a partir dos anos 90 que esse processo passa a ser visto como “um problema decorrente principalmente da ausência de política industrial e da ineficiente inserção dinâmica da produção industrial nacional no comércio internacional”. Isso distanciaria o Brasil, em termos de convergência das estruturas produtivas, das economias avançadas e mesmo de outros países em desenvolvimento.

Para Tadini e Rocha (2018):

Ao contrário da tendência do Brasil e da América Latina, as economias asiáticas persistiram no processo de industrialização, alcançando uma participação do setor manufatureiro no PIB de 28% em 2010. As participações mais elevadas em 2010 ficaram a cargo da China com 42%, seguida por Índia e Asean-4 (Malásia, Tailândia, Indonésia e Filipinas) – com 24,5%. No que tange à produtividade, assim como ocorrera no processo de industrialização dos países desenvolvidos, as economias asiáticas não deixaram a desejar. Motivados pelos efeitos dinamizadores da indústria de transformação, registraram-se extraordinários ganhos de produtividade na China, com médias de crescimento de 5,6% ao ano na década de 1990 e 10,3% ao ano nos anos 2000. De forma inversa, os países latino-americanos patinaram, com médias de crescimento anuais de 1,3% nas décadas de 1990 e 2000 (TADINI; ROCHA, 2018, p. 2).

A globalização e a liberalização dos mercados tornaram o processo de convergência tecnológica ainda mais difícil para o Brasil devido ao fato de sua indústria ter sido colocada em segundo plano no processo de desenvolvimento a partir do Plano Real (PEREIRA; DATHEIN, 2015; TADINI; ROCHA, 2018). Para Coutinho (1996, p.237) citado por Pereira e Dathein (2015, p.6) a globalização não se constitui em um fenômeno espontaneamente benigno para os países em desenvolvimento, “ela certamente cria possibilidades, mas apenas para as sociedades que têm coesão, estratégia e Estado eficiente para delas tirar proveito”.

Nos anos 2000, a política industrial volta a ocupar espaço na agenda política e econômica brasileira (SUZIGAN; FURTADO, 2006), no entanto, as políticas industriais utilizadas eram pouco efetivas e sem um direcionamento macroeconômico (câmbio e juros) que levasse a um planejamento de longo prazo (TADINI; ROCHA, 2018).

Stein e Herrlein Jr. (2016, p.284) ao analisar as políticas industriais estabelecidas nos anos de 2003 a 2014 no Brasil (Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce), Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e Plano Brasil Maior (PBM)) observaram que a ótica neoschumpeteriana é explicita nos objetivos e justificativas dessas políticas, “recuperando a preocupação com a constituição de novas forças produtivas capazes de alterar a estrutura industrial e tecnológica do país”. Isso deriva do fato que para os autores neo-schumpeterianos

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a indústria é a principal responsável por gerar e disseminar inovação no sistema econômico com capacidade de conduzir à mudança estrutural (FERRAZ, 2009, p.235; GADELHA, 2001). No entanto, Stein e Herrlein Jr. (op. cit.) destacam a falta de seletividade setorial (“seja de cunho neoschumpeteriano, em vista do dinamismo das inovações e sua difusão, seja de cunho desenvolvimentista, em vista do caráter estratégico para a estrutura produtiva almejada”) e de cadeias estratégicas dentro de um plano nacional de desenvolvimento. Isso significa, segundo os autores, uma aceitação da estrutura produtiva existente, que por sua vez, “implica aceitar a primazia do mercado na alocação setorial dos recursos, condizendo, portanto, com o ideal neoclássico”. Nesse sentido, para Morais e Lima Jr. (2010, p. 16), Cano e Silva (2010) a política industrial utilizada nos governos Lula se caracteriza por uma contradição fundamental: “embora fundamentada numa abordagem evolucionária vai em direção a mera correção de falhas de mercado, subjugando-se ao jogo do grande capital e mantendo o Brasil enquanto nação uma construção interrompida”.

De todo modo, as políticas adotadas a partir de 2003 “reintroduziram na agenda de políticas públicas o tema da política de desenvolvimento industrial como um instrumento fundamental de desenvolvimento econômico” (CANO; SILVA, 2010, p.20). No entanto, ainda é fundamental se pensar em questões cruciais para efetivar as políticas industriais futuras, tais como uma política macroeconômica condizente com uma estratégia de desenvolvimento nacional de longo prazo que permita alterar a estrutura produtiva existente e avançar no sentido de fortalecê-la.

2.2 POLÍTICA INDUSTRIAL NA PERSPECTIVA NEO-SCHUMPETERIANA

O diferencial competitivo industrial no século XXI está vinculado ao processo de busca por inovação de tal forma que a inovação se estabelece como o determinante fundamental do processo dinâmico da economia, especialmente, no atual crescimento da competitividade em nível regional e global (TAVARES; KRETZER; MEDEIROS, 2005).

Para Freeman e Soete (2008), as inovações são cruciais tanto para elevar a taxa de crescimento econômico quanto para mudar a direção do avanço econômico em busca de melhor qualidade de vida das sociedades. Tigre (2006, p.6) aponta que as empresas e setores da economia mais dinâmicos e rentáveis são justamente aqueles que geram e se apropriam de inovação que, “em vez de competirem em mercados saturados pela concorrência, criam seus próprios nichos e usufruem de monopólios temporários por meio de patentes e segredo industrial”. Aqueles, porém, que não investem em inovação tecnológica estão condenados a desaparecer do mercado.

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A compreensão da essencialidade das inovações no processo de evolução e mudanças do sistema capitalista decorre da grande influência do pensamento econômico de Joseph Alois Schumpeter. Com avanços teóricos e empíricos deriva-se da teoria econômica schumpeteriana a corrente denominada de evolucionária ou neo-schumpeteriana que ganha expressão e se incorpora a teoria econômica a partir do final da década de 1970. As transformações vivenciadas pela economia mundial a partir dessa década, relacionadas a introdução de inovações de caráter revolucionário associadas aos desenvolvimentos ocorridos nas áreas da microeletrônica, da biotecnologia e de materiais, tem despertado ainda mais o interesse pelas concepções shumpeterianas. Nesse sentido, a teoria neo-schumpeteriana tem mostrado, nos anos recentes, ser capaz, com o uso de uma abordagem dinâmica, de desenvolver e responder às questões que norteiam o crescimento econômico impulsionado por inovações como “a função das mudanças tecnológicas no comportamento do sistema econômico, das firmas, dos consumidores, na estrutura do mercado, dentre outros” (TAVARES; KRETZER; MEDEIROS, 2005, p.110; COSTA, 2006). Além disso, é levado em consideração as enormes diferenças em termos de grau de desenvolvimento industrial, arranjos institucionais (historicamente construídos), contextos políticos e de política econômica que existem entre os países e regiões (SUZIGAN; FURTADO, 2010). Isso quer dizer, dentre outras coisas, que para esses teóricos, “a forma como o desenvolvimento industrial e tecnológico se projeta na economia global não é uniforme, existindo, portanto, assimetrias e especificidades importantes quando se analisa a inserção dos países em desenvolvimento”. Nesse sentido, é considerado a existência de barreiras em relação ao acesso de países em desenvolvimento ao conhecimento e ao aprendizado criado nos países desenvolvidos. Assim, essa abordagem seria compatível com um dos aspectos centrais do estruturalismo cepalino, que é o reconhecimento das condições assimétricas de que partem os países em desenvolvimento perante as nações desenvolvidas (HIRATUKA; SARTI, 2017, p.196-197).

A inovação é compreendida pelos neo-schumpeterianos como um processo dinâmico e interativo de mudança tecnológica, sendo sujeita a “um ambiente organizacional e institucional mutante, que gera a consolidação de um paradigma tecnológico”, este se configura como “uma espécie de motor de amplas transformações sociais como efeito de mudanças tecnológicas, institucionais e organizacionais nas esferas da produção, do trabalho e dos hábitos das pessoas” (CONCEIÇÃO, 2000, p.61).

Referências

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