• Nenhum resultado encontrado

O canto da Odisseia e as narrativas docentes : dois mundos que dialogam na produção de conhecimento histórico-educacional

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O canto da Odisseia e as narrativas docentes : dois mundos que dialogam na produção de conhecimento histórico-educacional"

Copied!
346
0
0

Texto

(1)UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO. CYNTIA SIMIONI FRANÇA. O Canto da Odisseia e as Narrativas Docentes: dois mundos que dialogam na produção de conhecimento histórico-educacional. CAMPINAS 2015.

(2) CYNTIA SIMIONI FRANÇA. O Canto da Odisseia e as Narrativas Docentes: dois mundos que dialogam na produção de conhecimento histórico-educacional. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de Doutora em Educação, na área de concentração de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte.. Orientador: Dr. Guilherme do Val Toledo Prado. O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA CYNTIA SIMIONI FRANÇA, ORIENTADA PELO PROFESSOR: DR. GUILHERME DO VAL TOLEDO PRADO. CAMPINAS 2015.

(3)

(4) UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO. TESE DE DOUTORADO. O Canto da Odisseia e as Narrativas Docentes: dois mundos que dialogam na produção de conhecimento histórico-educacional. Autora: Cyntia Simioni França. COMISSÃO JULGADORA: Elison Antonio Paim Maria de Fátima Guimarães Adriana Carvalho Koyama Ana Maria Falcão de Aragão Guilherme do Val Toledo Prado. A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.. 2015.

(5) Dedico a todos que ousam despertar dos sonhos e a reavivar utopias coletivas, em especial, a professora orientadora Maria Carolina Bovério Galzerani. (in memoriam) Tive a oportunidade e a satisfação de conviver e ser orientada pela professora Dra. Maria Carolina Bovério Galzerani, durante o período de fevereiro de 2012 a fevereiro de 2015 (data do seu falecimento). A sua memória se faz presente em toda a tese e no posfácio, agradeço imensamente o seu carinho, a sua dedicação, contribuição intelectual e o seu respeito humano, inspirando-me a desenvolver a pesquisa..

(6) Aos professores artífices dessa pesquisa que ao narrarem as experiências vividas ensinaram a re (inventar) à docência.. Ao meu marido Glaucius Compartilho uma conquista nossa.. Aos meus pais Pelos conselhos transmitidos durante a minha trajetória de vida..

(7) Certas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar e hora qualquer. Estritamente reservadas para companheiros de confiança, devem ser sacralmente pronunciadas em tom muito especial lá onde a polícia dos adultos não adivinha nem alcança. Entretanto são palavras simples: definem partes do corpo, movimentos, atos do viver que só os grandes se permitem e a nós é defendido por sentença dos séculos. E tudo é proibido. Então, falamos.. Carlos Drummond de Andrade, in 'Boitempo'.

(8) FRANÇA, Cyntia Simioni. O canto da Odisseia e as narrativas docentes: dois mundos que dialogam na produção de conhecimento histórico-educacional. 2015. 334fls. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2015. RESUMO A tese tem como mote a relação entre formação docente e experiências vividas, fomentada por uma pesquisa-ação desenvolvida com professores da Educação Básica, na cidade de Londrina, no estado do Paraná. No referencial teórico e metodológico, dialogo com Walter Benjamin e Edward Palmer Thompson. Trago, nesta pesquisa, o trabalho com as práticas de memórias e narrativas, pois considero que produzem férteis movimentos de (re)significação da docência e um meio para a produção de conhecimento históricoeducacional. Para desenvolver este projeto formativo, escolhi a obra Odisseia, do autor Homero, para ser lida alegoricamente pelos professores. Considerei essa literatura um documento histórico potencializador para as rememorações coletivas das experiências vividas. Os professores construíram narrativas orais e escritas, que traziam à tona suas imagens da docência (re)significadas e partilhadas coletivamente. Tais produções foram transformadas em mônadas como aporte metodológico, orientado por Walter Benjamin. As mônadas são concebidas como a cristalização das tensões nas quais se inscrevem práticas socioculturais, plurais, contraditórias, neste caso da pesquisa, práticas que abrangem o campo da docência. Portanto, apostei no trabalho colaborativo (de fazer pesquisa com os professores e não sobre os professores), ao mesmo tempo, autônomo e inventivo, com a potencialidade de possibilitar a produção de conhecimento históricoeducacional, no qual o professor teve um papel de sujeito ativo. Além disso, questionei as pesquisas sobre formação de professores, principalmente, aquelas que não os reconhecem como produtores de conhecimento, bem como diluem as suas dimensões espaço-temporais e trazem as informações “sobre” os professores como dados supostamente neutros e objetivos, com sugestões de propostas formativas utilitaristas, fundadas no tempo da urgência do capitalismo. Face ao modelo racional instrumental, indaguei a mecanização da vida dos professores, condição instalada pela órbita econômica, a exclusão do “outro”, o esfacelamento dos modos de alteridade nos espaços educacionais, o declínio das experiências dos professores concomitante com a narrativa e a transformação dos professores e dos processos formativos em mercadoria, na modernidade. A partir do olhar inquieto, problematizei a racionalidade instrumental/técnica que desvaloriza o saber do professor e não os considera como sujeitos da e na história. Operei pelas brechas da modernidade e com esta pesquisa contribuí para o fortalecimento da imagem do professor como sujeito autônomo e intelectual em processo contínuo de formação. Formação como um processo inacabado, no qual o outro nos constitui. Formação que abarcou um projeto humano emancipatório. Formação que se pautou pelo viés da racionalidade estética. Palavras-chave: Formação de professores. Memória. Narrativa..

(9) FRANÇA, Cyntia Simioni. O canto da Odisseia e as narrativas docentes: dois mundos que dialogam na produção de conhecimento histórico-educacional. 2015. 334fls. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2015. ABSTRACT This thesis has as its theme the relation between teacher training and experiences, promoted by an action-research developed with Basic Education teachers in the city of Londrina, Paraná state, Brazil. The theoretical and methodological framework used Walter Benjamin and Edward Palmer Thompson works. The research applied the practices of memories and narratives research, that are believed to produce fertile movements on the (re) significance of teaching and is a mean for the production of historical-educational knowledge. Teachers read, allegorically, Odyssey, by Homero in this formative project, literature considered as a potentiating historical document for collective memories of experiences. Teachers constructed oral and written narratives, (re) signifying and sharing collectively their teaching background. The productions turned into monads, as a methodological approach guided by Walter Benjamin. Monads are conceived as the crystallization of tensions in which enroll social-cultural, plural and contradictory practices. The collaborative, autonomous and inventive work of this dissertation has the potential to enable the production of historical-educational knowledge, in which the teachers have an active role. Furthermore, the research on teacher training was questioned about the non-recognition of teachers as producers of knowledge, diluting their spatiotemporal dimensions and bringing information “about” teachers as supposedly neutral and objective data, using suggestions of utilitarian training proposals founded on the time of capitalism urgency. Given the instrumental rational model, some discussed points were the mechanization of teacher’s life, a condition installed by the economic orbit, the exclusion of “the other”, the otherness modes in educational spaces, the decline of teacher’s experiences concurrent with the narrative and the transformation of teachers, and training processes. From the uneasy look another point was questioned, the instrumental / technical rationality that devalues the knowledge and do not consider teachers as part of and from history. From the gaps of modernity, this research contributes to the strengthening of teacher’s image as an autonomous and intellectual subject in continuous training processes. Training as an unfinished process, which included an emancipatory human project. Keywords: Teacher training. Memory. Narrative..

(10) SUMÁRIO. 1 INTRODUÇÃO: VAMOS EMBARCAR NESTA VIAGEM?. 14. 2 PREPARATIVOS PARA A VIAGEM. 35. QUE TERRA É ESTA?. 39. MASTROS E VELAS: TOMAMOS NOSSOS LUGARES, OS VENTOS E OS PILOTOS DIRIGIAM A NAU. 53. SONO, SONHO E VIGÍLIA: A IMAGEM DA ODISSEIA. 56. AS MARCAS DE UMA FORMAÇÃO. 61. A VIAGEM ALEGÓRICA DE ULISSES. 65. ULISSES: NARRADOR BENJAMINIANO?. 67. ULISSES NÃO PODE EXISTIR MAIS?. 72. IMAGENS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA MODERNIDADE. 90. 3 O CAMINHO DA VIAGEM É INDIRETO. 103. MÉTODO DE TRABALHO: MONTAGEM LITERÁRIA. 103. TECENDO AS MÔNADAS: UM MERGULHO NA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO HISTÓRICO-EDUCACIONAL. 107 EM BUSCA DE LEITURAS MÁGICAS. 124. IMPRESSÕES DE VIAGENS DA PESQUISADORA NA RELAÇÃO COM OS PROFESSORES. 134. O BANQUETE COMO (RE)MEMÓRIA. 146. O ATO EDUCATIVO E O FAZER-SE PROFESSOR COMO BANQUETE DA (RE)MEMÓRIA. 153. COMEÇAREI A DECLARAR MEU NOME PARA QUE CONTINUE A SER SEU HÓSPEDE. 154. 4 AS PARADAS DA VIAGEM EM IMAGENS MONADOLÓGICAS - NARRATIVAS DE HISTÓRIA DE VIDA 162 4.1 MÔNADAS PRODUZIDAS DAS NARRATIVAS DA TESSÁLIA Um pouco de minha vida A época do ginásio: não sabia o que era período militar Eu nunca quis ser professora Minha infância. 163 163 163 164 164.

(11) 4.2 MÔNADAS PRODUZIDAS DAS NARRATIVAS DA MINERVA Não vai ser professora, a pessoa sofre demais Fui fazer Letras Comecei a dar aula, gostei e estou até hoje Ser professora Quero aprender sempre, aprender mais. 166 166 167 167 167 168. 4.3 MÔNADAS PRODUZIDAS DAS NARRATIVAS DA GALATEIA Marcas na vida Caminhos da vida e ramos diferentes: amigos O professor é uma amalgama do saber Como se fosse a primeira vez O encanto já tinha passado. 168 168 168 169 169 170. 4.4 MÔNADAS PRODUZIDAS DAS NARRATIVAS DE ARIADNE Memórias da família e da cidade Eu fazia parte do processo econômico Não me lembro de nenhuma didática Que ensino é esse? Quem me deu educação Eu fiz história por convicção Visão crítica da história. 170 170 170 171 171 172 172 172. 4.5 MÔNADAS PRODUZIDAS DAS NARRATIVAS DE CLEÓPATRA Eu nunca gostei da roça Fotografias: pedaços da vida O que ficou do meu pai Não aceitava o que lia Trabalhadores de todo o mundo uni-vos Tudo começou com os livros Eu fui aprendendo assim Entendi por que não podia falar em sala de aula. 173 173 173 173 173 174 174 175 175. 4.6 MÔNADAS PRODUZIDAS DAS NARRATIVAS DE SHERAZADE Uma carta Fugimos da perseguição da ditadura no Brasil: somos judeus Acabou a perseguição As múltiplas facetas da memória Uma bolsa com um acabamento que não se faz mais Amo minha dissertação de mestrado Por que me tornei professora A escolarização foi um trauma na minha vida. 175 175 176 176 177 177 177 177 178. 4.7 MÔNADAS PRODUZIDAS DAS NARRATIVAS DE ALICE Minha família Medo de ser discriminada na escola Eu sempre quis ser professora de história Imagens dos professores Início da carreira docente Sempre fez parte da minha formação, mesmo querendo fugir. 178 178 179 179 180 180 181.

(12) 4.8 MÔNADAS PRODUZIDAS DAS NARRATIVAS DO SATURNINO Eu pensei em uma trajetória do interior Avós importantes para a minha formação Como me tornei professor Fascínio pela literatura fantástica Voltando aos sonhos infantis. 182 182 182 184 185 185. 4.9 A MINHA ODISSEIA Em busca das brincadeiras da infância Primeiro dia de aula Outro modo de vida O quintal do casarão de madeira O som que toca o coração Como me tornei professora No chão da escola: a beleza de ser um eterno aprendiz Eu quero a sala de aula A magia dos livros. 187 187 188 189 190 191 192 193 194 194. 4.10 O CALEIDOSCÓPIO DE MÔNADAS DAS NARRATIVAS DE VIDA E AS IMPRESSÕES DA 195. PESQUISADORA. 5 SER PROFESSOR: O ATO DE SAIR DA CAVERNA PARA ENCONTRAR O OUTRO 220 A CAPACIDADE DE SE COLOCAR NO LUGAR DO OUTRO. 222. SERÁ O ATUAL GOVERNO UM POLIFEMO?. 222. COLOQUEI-ME NO LUGAR DO OUTRO. 223. DIFERENTE DE POLIFEMO E SEMELHANTE A ULISSES. 223. SE AS PESSOAS SE COLOCASSEM NO LUGAR DO OUTRO. 224. DEPARAR-SE COM O OUTRO QUE NEM SEMPRE É IGUAL A VOCÊ. 224. SER PROFESSOR: O ATO DE SAIR DA CAVERNA PARA ENCONTRAR O OUTRO. 224. O CONJUNTO DAS MÔNADAS E AS PERCEPÇÕES DA PESQUISADORA. 226. 6 O (EN)CANTO E O SILÊNCIO DAS SEREIAS. 245. O QUE NOS SEDUZ TAMBÉM NOS IMPULSIONA. 251. NÃO FICO PRESA AO MASTRO NA ESCOLA PÚBLICA. 251. O DESEJO DE SER VALORIZADO COMO SER HUMANO. 251. LIBERTAR-SE DO MASTRO. 252. A POBREZA DE EXPERIÊNCIA. 252.

(13) A MORTE SIMBÓLICA DO CANTO DO PROFESSOR. 253. O FETICHE DAS SEREIAS NO DIA A DIA. 254. 7 CHEGANDO A ÍTACA. 290. 8 RECONHECIMENTO. 299. 9 POSFÁCIO. 318. REFERÊNCIAS. 329. ANEXOS. 339. MEMORIAL DE FORMAÇÃO. 339. CONVITE. 341. TERMO DE CONSENTIMENTO INTELECTUAL. E. CESSÃO. PARA. UTILIZAÇÃO. DE. MATERIAL 343. TERMO DE CONSENTIMENTO E CESSÃO DE DIREITOS PARA UTILIZAÇÃO DE MATERIAL INTELECTUAL – VERSÃO FINAL 344.

(14) 14. 1 INTRODUÇÃO: VAMOS EMBARCAR NESTA VIAGEM?. Imagem 1: Assembléia na Ágora Fonte: KOYAMA, Sofia Yumi Carvalho, Campinas, 2015. Habitantes de Ítaca, escutai o que vou dizer. Nunca nossa assembleia se reuniu, nem celebramos qualquer sessão, desde que o divino Ulisses partiu em suas bojudas naus. Quem nos convoca hoje? Que premente necessidade o induziu a isso? Foi um moço? Um ancião? Terá ele acaso ouvido falar da volta do exército, e quererá comunicar-nos a informação que recebeu antes de nós? Ou será que se propõe expor e submeter a nosso conselho algum outro assunto de público interesse? (HOMERO, 1981, p.20). É com a alegoria1 do fragmento do poema da Odisseia, de Homero, pleno de racionalidade estética, que convido você, caro leitor, a viajar comigo pela. 1. A expressão alegoria vem dos gregos, fundamentalmente dos estoicos, em contraposição a Platão, que considera a linguagem em seu sentido literal. Os estoicos diziam que a linguagem é mais do que o sentido literal da palavra, é subtexto. Filo de Alexandria apresenta, pela primeira vez, a palavra allos (outro) agorein (dizer), ou seja, a linguagem é outro dizer, uma oportunidade de mergulhar no.

(15) 15. tessitura desta pesquisa de doutorado que buscou produzir conhecimento histórico-educacional, tecido na relação com o outro, tendo o professor como protagonista desta produção, face às contradições da modernidade2 capitalista. Inspiro-me na passagem que trata de Telêmaco, filho de Ulisses, que, ao raiar a matinal aurora de róseos dedos, acordou, suspendeu sua espada de bronze, pegou as belas sandálias, colocou em seus pés reluzentes e pediu aos arautos de voz sonora para reunirem uma assembleia com todos os anciãos da comunidade. Em seguida, correu em direção à ágora para encontrar os Aqueus reunidos à sua espera e pedir um conselho à assembleia dos anciãos: o que fazer se não escuto falar do regresso do exército do meu pai, que, após 10 anos de ter lutado na Guerra de Tróia, não retorna ao lar? Como agir com os pretendentes de minha mãe (Penélope) que invadem o palácio e assediam-na todos os dias? É possível expulsar esses homens ilustres (pretendentes) de Ítaca, os quais consomem nossos bois, ovelhas, cabras, festejam com nossos vinhos e fazem grande estrago no interior do meu palácio? Entrego-me a luta? Saio à procura de meu pai? Nesse episódio da obra, flagro a “ágora” como espaço comum de valores compartilhados, local no qual se busca um conselho entre os cidadãos que se reuniam em um mesmo destino, um lugar de encontro para a troca de experiências entre pessoas do mesmo universo sociocultural. “Ágora” como local de circulação livre da palavra, aberta para múltiplos sentidos. Na atitude de Telêmaco, percebo. vivido, expressa um outro dizer que é o da experiência, (GALZERANI, 2004; MATOS, 1989; GAGNEBIN, 2011). 2 O conceito de modernidade capitalista será tratado a partir das imagens benjaminianas, como um período ligado aos aspectos concernentes à modernização das forças produtivas e dos valores estéticos, dificultando a fusão das forças materiais e espirituais dos sujeitos, em nossa sociedade. Nesse sentido, partimos da leitura de Walter Benjamin (1985) que aponta a necessidade de pensarmos de forma alargada a concepção de modernidade capitalista. Nesse processo, torna-se essencial a inclusão da dimensão cultural e das sensibilidades para o entendimento da realidade social, no que tange à busca pela superação das tendências instrumentais que desconsideram o fazer dos sujeitos nas pesquisas. O conceito de modernidade para Benjamin está relacionado ao avanço do capitalismo, incluindo “relações sociais de produção, a dimensão cultural, as visões de mundo e as sensibilidades” (GALZERANI, 2005, p. 54)..

(16) 16. a necessidade de construir o presente junto daqueles que fazem parte da mesma tradição, vivem na mesma comunidade e desfrutam de um tempo partilhado. Na modernidade capitalista, o que foi feito do espaço público? O que aconteceu com a vida coletiva? Como se perdeu a palavra comum? Os professores invocam suas experiências? Os professores compartilham do mesmo universo de práticas culturais e linguagens? O que os professores narram? Para partilhar dessas reflexões, faremos uma “viagem”, expressão usada como metáfora, que significa “experiência”. A palavra experiência, na língua alemã, é Erfahrung, vem do radical fahr-, que significa atravessar uma região, durante uma viagem por locais desconhecidos. Experiência na palavra latina tem como radical per- (experiência) e também vem da palavra periculum, etimologicamente significando deslocar de um perímetro ao outro, em que perigos podem nos surpreender ou, ainda, sair da condição do já conhecido/vivido e agregar novos conhecimentos em nossa vida. Portanto, as viagens oferecem-nos experiências que alargam a nossa identidade, tocam a nossa sensibilidade, dilatam nosso conhecimento e ampliam nossa condição de sujeitos no mundo. Viagem, nesse sentido, é formação (MATOS, 2009). Entendo a viagem como metáfora que se abre como possibilidade de conhecer uma pesquisa que atravessou um caminho infinito pelo encontro com o outro, tal como fez Ulisses na sua “odisseia”, sem mapas prévios, sem teorias a priori que conduzissem o caminho, mas uma pesquisa com a ousadia de atravessar um percurso que levou aos extravios, aos desvios de rotas, às situações imprevisíveis. Mas, sem tais condições, a experiência não poderia nos tocar e nos transformar nessa pesquisa, nem mesmo possibilitar a produção de conhecimento histórico-educacional em uma relação mais dialogal. Focalizo historicamente uma pesquisa desenvolvida por meio do projeto de formação “O Canto da Odisseia e as Narrativas Docentes: dois mundos que dialogam na produção de conhecimento histórico-educacional”, sob a orientação da.

(17) 17. professora Maria Carolina Bovério Galzerani 3 , ligado ao “Grupo de Estudos em Educação Continuada” (GEPEC), da Faculdade de Educação da Unicamp, e ao “Grupo de Pesquisas Kairós: história, memória e sensibilidades”, do Centro de Memória da Unicamp, ambos em Campinas, no Estado de São Paulo. Esta pesquisa-ação (ELLIO; GERALDI, FIORENTINI E PEREIRA, 1998) constituiu-se com a participação de professores da Educação Básica que aceitaram o convite de narrar coletivamente as suas experiências vividas. Desenvolvi o projeto no período de setembro a dezembro de 2014, com encontros semanais, na Escola4 Estadual Barão do Rio Branco, localizada em Londrina, no estado do Paraná. Durante os encontros com os professores, estabeleci um diálogo com as preocupações do filósofo Walter Benjamin (1985) sobre as relações entre memória, experiência e narrativa na modernidade, em especial a partir do final do século XIX e no século XX. Refletindo sobre os textos “O Narrador” (1985) e “Experiência Pobreza” (1987), Benjamin nos alerta sobre o desaparecimento da experiência na modernidade concomitante ao declínio de narrar. Pode-se dizer que, com o avanço do capitalismo, esgarça-se a vida coletiva, o respeito às experiências dos anciãos, bem como a cadeia temporal. Passa a prevalecer a vivência, modo que leva ao despojamento da imagem de si e do outro, a perda gradativa da memória quando o passado não é mais referência e os sujeitos são atropelados pelo tempo. 3. A Profa. Dra. Maria Carolina Bovério Galzerani orientou esta pesquisa de doutorado, no período de fevereiro de 2012 a fevereiro de 2015, data do seu falecimento. Então, a partir de março de 2015, o Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado, coordenador do GEPEC, assumiu a orientação. 4 Os professores participantes da pesquisa eram provenientes de várias escolas da cidade de Londrina, mas as reuniões foram realizadas nessa escola, pois faço parte do grupo de pesquisa do Mestrado em Metodologia do Ensino, Linguagens e suas Tecnologias, da Universidade do Norte do Paraná, instituição em que trabalho como professora de História, no curso de História e Pedagogia. A instituição mantém parceria com a escola, desenvolvendo atividades com os alunos e professores. Esse curso de mestrado compartilha uma sala na escola para trabalhar com projetos de pesquisaação durante todo o ano letivo. A coordenadora do curso de mestrado e a professora coordenadora do Projeto “Professor Seu Lugar é Aqui” aceitaram realizar a parceria com a Unicamp para o desenvolvimento do meu projeto sob a orientação da professora Carolina Bovério Galzerani, pois o mesmo vem ao encontro das reflexões que venho construindo junto ao projeto “Professor seu Lugar é Aqui”..

(18) 18. do relógio. Isso faz que o autor busque novos percursos no texto “O Narrador”, como uma tentativa de pensar: de um lado, o declínio da experiência e das narrativas tradicionais, do outro lado, a possibilidade de encontrar e/ou (re)inventar narrativas diferentes das baseadas nas vivências, no sentido alemão Erlebnis, tais como as expressas no romance. De forma concomitante a essas reflexões, ampliamos o debate, revisitando Edward Palmer Thompson, em sua obra Miséria da Teoria (1981), na qual o historiador explicita sua concepção de produção do conhecimento histórico. Para Thompson, a produção do conhecimento ocorre por meio do olhar atento e cuidadoso do historiador diante de suas evidências. Interessa, nesse processo de produção, ao pesquisador, abarcar especificidades e particularidades, pois é onde encontramos as experiências humanas, as quais não estão nas teorias. As ideias desse historiador são um diferencial para esta pesquisa, trazendo a relação dialogal como o fundamento para a produção de conhecimento histórico, ou seja, o diálogo entre empiria e teoria e teoria e empiria, sem sobreposições. Escolhi, também, para dialogar nessa pesquisa a obra Odisseia, do autor Homero, datada do século VIII a.C., traduzida por Antônio Pinto de Carvalho, pois entendo constituir-se como um importante documento histórico (THOMPSON, 1981) para a construção coletiva desse trabalho. Apostei que essa obra literária seria um documento potencializador do processo de rememoração das experiências vividas dos professores. Vejo como uma ousadia a escolha dessa literatura, pois foi um exercício constante de diálogo e de procura de relações junto com os professores, mas, ao mesmo tempo, um documento histórico fértil para a produção de conhecimento: percebi que os professores realizaram uma viagem alegórica pela Odisseia e inspiraram-se nas searas da vida de Ulisses para a produção de suas narrativas orais, compartilhadas nos encontros e narrativas escritas individuais, das suas experiências no tempo e no espaço..

(19) 19. Tive como base a estratégia usada por Benjamin que procurou a literatura como um meio para produzir imagens significativas sobre os movimentos culturais dos séculos XIX e XX. Igualmente, acreditei que a Odisseia fosse uma produção capaz de engendrar sensibilidades e estimular as memórias dos professores. Nessa pesquisa, a literatura apareceu como desveladora do instante, aquilo que reveste a linguagem como memória apresentada por “imagens”. Willi Bolle é um dos estudiosos de Walter Benjamin e debruçou-se em seu livro a Fisiognomia da Metrópole (2000) a refletir sobre a acepção de imagens benjaminianas, as quais se articulam não tanto por meio de conceitos, mas por imagens.. A imagem é a categoria central da teoria benjaminiana da cultura: “alegoria”, “imagem arcaica”, “imagem de desejo”, “fantasmagoria”, “imagem onírica”, “imagem de pensamento”, “imagem dialética” [...]. A imagem possibilita o acesso a um saber arcaico e a formas primitivas de conhecimento, às quais a literatura sempre esteve ligada, em virtude de sua qualidade mágica e mítica. Por meio de imagens — no limiar entre a consciência e o inconsciente —, é possível ler a mentalidade de uma época (BOLLE, 2000, p.43).. É nesse sentido que vou usar o termo imagem no decorrer da pesquisa. Literatura e imagem assumem funções distintas, no pensamento benjaminiano: a primeira é entendida como via de acesso ao conhecimento, enquanto a segunda, meio de alcançar e despertar um saber do passado que se encontra adormecido. Saber que é arrebatado de seu contexto por uma explosão (o movimento de formação da imagem) e trazido para o tempo do “agora” como uma imagem dialética (BOLLE, 2000). Neste projeto, busquei uma tessitura de experiência singular, no mundo da escola e da universidade: a realização de uma pesquisa coletiva, mediante a rememoração das experiências vividas pelos professores para a produção de.

(20) 20. conhecimento histórico-educacional. Apostei no trabalho colaborativo (de fazer pesquisa com os professores e não sobre os professores), ao mesmo tempo, em um trabalho autônomo e inventivo, com a potencialidade de promover a produção de conhecimento histórico-educacional, no qual o professor tem um papel de sujeito ativo. Assim, a pesquisa teve o desafio de ouvir vozes (professores) dispersas (sem espaços de acolhimento) por práticas culturais prevalecentes com o avanço do capitalismo. Ao encontro das preocupações da professora Maria Carolina Bovério Galzerani durante o percurso da pesquisa, questionamos a produção dos conhecimentos predominantes nas práticas culturais na modernidade, as quais compreendem o saber escolar como inferior ao saber acadêmico, ou, ainda, como se este último ocupasse a posição de produtor de verdades absolutas. Além disso, indagamos as pesquisas realizadas com a temática de formação de professores, tendo em vista que muitas não os reconhecem como produtores de conhecimento histórico-educacional, bem como diluem as dimensões espaço-temporais e trazem as informações com dados supostamente neutros e objetivos, com sugestões de propostas formativas utilitaristas e imediatistas, fundadas no tempo da urgência do capitalismo. Face ao modelo mencionado, indagamos a mecanização da vida dos sujeitos (professores), condição instalada pela órbita econômica, a exclusão do “outro”, o esfacelamento dos modos de alteridade e a transformação das pessoas e dos processos formativos em mercadoria. A partir do olhar inquieto, problematizo, nessa pesquisa, a racionalidade instrumental/técnica (CONTRERAS, 1994), que busca aprisionar os professores em uma perspectiva de desvalorização do seu saber e, nesse sentido, não os considera como sujeitos da, e na, história. Ao contrário dessa visão, trago a imagem de professor não como mero transpositor didático (CHERVALLARD, 1995), mas.

(21) 21. sujeito produtor de conhecimento histórico-educacional (CHERVELL 1990; LOPES, 1992; 1997a; 1997b). Assim, procuro, com esta pesquisa, contribuir para o fortalecimento da imagem do professor enquanto sujeito ativo e intelectual em processo contínuo de formação. Formação como um processo inacabado, no qual o outro nos constitui. Formação que abarca um projeto humano emancipatório (GALZERANI, 2008a). Problematizo, ainda, a acepção de experiências docentes concebidas no estrito limite da escola e da universidade (sem desconsiderá-las). Em movimento com as leituras de Thompson (1981), entendo as experiências como o meio pelo qual nos tornarmos pessoas inteiras. Experiências como matéria de formação, historicamente situada no tempo e no espaço, produtoras de culturas, na relação contraditória, ambivalente, com “outras” práticas culturais, localizadas também historicamente. Considero que os sujeitos se constituem e são constituídos pelas experiências em diversas situações do cotidiano, desde os acontecimentos relacionados à família, ao lazer, ao trabalho, à igreja e a muitas outras possibilidades humanas (THOMPSON, 1981). Assim, Thompson ampliou a minha concepção de formação continuada de professores, no sentido de ajudar a me distanciar dos impositivos da racionalidade instrumental, que entende a formação estritamente ligada à escola e a universidade, bem como aos aspectos da profissão. Portanto não limito, nessa viagem de pesquisa, a acepção de experiência àquela estritamente voltada ao campo docente, mas considero as experiências mais amplas dos professores como formadoras, vinculadas a uma dimensão de longa duração (desde os primórdios de vida do professor), historicamente situadas, logo, formadoras. Embora existam tendências culturais dominantes na modernidade capitalista que trazem a concepção de formação docente restrita aos espaços acadêmicos, reconheço e dialogo com essas tendências dominantes, com as suas resistências e com os conflitos imbricados nas práticas de formação docente,.

(22) 22. buscando ressignificá-los nesta pesquisa. Nessa perspectiva, assumo, a partir de Thompson (1981), não serem dominação/resistência blocos monolíticos e pertencentes a polos opostos: tanto a dominação como a resistência entrecruzamse pelo fato de estarem imbricadas.. É nesse sentido que a formação de. professores se insere em um terreno de lutas, de ambiguidades, de contradições, no qual as diferentes concepções disputam espaços simbólicos e transformam-se. Além disso, este projeto diferencia-se de muitas pesquisas, realizadas na academia, que buscam levantar hipóteses e defender uma tese, dentro dos modelos cientificistas. Ao contrário, acolho e trago sonhos5 e utopias, no sentido benjaminiano. O sonho para Benjamin abarca a perspectiva de desestruturação e ruína, porém traz imagens movediças, pois, em seu bojo, perpassa a dimensão das nossas experiências e o entrecruzamento do tempo (passado, presente e futuro) como possibilidades e esperança de mudanças. Penso que, além de acolher sonhos6, tenho a tarefa de “interpretadora dos sonhos”, a partir das imagens dialéticas7, para reavivar utopias (BENJAMIN, 2007, p. 506).. 5. Em uma das orientações coletivas feita pela professora Maria Carolina Bovério Galzerani, em 2013, na Unicamp, conversamos sobre a pesquisa em desenvolvimento e ela falou que o projeto trazia sonhos e utopias, relacionando-o com as reflexões de Walter Benjamin, sobretudo, com a produção textual de 1935, “Paris, Capital do século XIX”, que faz parte do livro Passagens (2007). Ressalta-se, nessa leitura, a importância de compreender a acepção de “dialética em paralisia” como utópica e imagem de sonho do pensamento. Dialética que possibilita articular a temporalidade em paralisia e que não é compreendida na visão marxista ortodoxa, ou seja, a tese, antítese e síntese como movimentos separados: a tese, a antítese e a síntese ocorrem ao mesmo tempo, sendo, portanto, um movimento do “agora”. Destaca-se, ainda, Benjamin que, no ato de produção de conhecimento, os sonhos estão presentes e o próprio historiador também tem sonhos. 6 A utilização dos elementos dos “sonhos ao despertar é o cânone da dialética. Tal utilização é exemplar para o pensador e é obrigatória para o historiador” (BENJAMIN, 2007, p. 506). 7 Na obra Passagens, Walter Benjamin, em seu capítulo “Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso”, apresenta uma mônada que trata da imagem dialética como o “ocorrido de uma determinada época é sempre, simultaneamente, o ocorrido desde sempre. Como tal, porém, revelase somente a uma época bem determinada, a saber, aquela na qual a humanidade, esfregando os olhos, percebe como tal justamente esta imagem onírica. É nesse instante que o historiador assume a tarefa de interpretador dos sonhos” (2007, p. 506)..

(23) 23. No projeto “O Canto da Odisseia e Narrativas docentes: dois mundos que dialogam na produção de conhecimento histórico-educacional”, uma das utopias foi a aposta em um trabalho coletivo, na produção de conhecimento, por meio da rememoração das experiências vividas. Produção de conhecimento capaz de permitir atos mais plurais, dialogais, no qual o professor assume o papel de sujeito ativo. Produção fundada na relação com os professores e, ao mesmo tempo, baseada nas dimensões de seres humanos inteiros. Produção de conhecimento que busca práticas reflexivas, questionadoras de práticas educacionais automatizadas, mais plenas de sentidos para os professores e para esta pesquisadora/professora. No diálogo com Benjamin, a utopia traz a. libertação de energias criadoras que dão asas ao pensamento e revelam os sonhos de uma época [...] são testemunho de uma vontade, de uma intenção e de um desejo, todos históricos e datados, concebidos pelos homens de uma época (PESAVENTO, 2008, p. 114).. Se a utopia desvela o sonho de cada época e, sonhando, esforça-se para “despertar”, Walter Benjamin dizia que “toda apresentação da história deve começar com o despertar” (2007, p. 506). Despertar nesta pesquisa foi possível pelo ato de rememoração dos professores para juntos reavivarmos “utopias”. O ato de rememorar em Walter Benjamin configura imagens políticas, as quais implicam no questionamento das práticas culturais prevalecentes na modernidade consolidadas com o avanço do capitalismo e, concomitantemente, prenhe de potencialidades de invenção de novas práticas educacionais..

(24) 24. A rememoração não consiste na reconstrução8 do passado no presente, mas, sim, na construção de um novo elo entre o passado e presente. Tendo em vista que a história9 não se repete, mas está em movimento, em construção à espera de desdobramentos múltiplos. A rememoração se dá na construção de uma história aberta, fundada na relação com o outro, em um diálogo com os estilhaços do passado, explicitando as condições, as ressignificações, trazendo a pluralidade de sujeitos, articulando não apenas racionalidades, mas sensibilidades. É na relação com as diferentes temporalidades que as memórias são plenas de conhecimento e carregadas de sensibilidades. Memórias que se relacionam com o presente, em um entrecruzamento de vozes e espaços múltiplos. Uma memória não simplesmente racional, mas de um ser humano considerado na sua inteireza. A memória compreendida como vida e como possibilidade de expressar a experiência vivida. A memória como atividade artesanal, vinculada ao vivido, capaz de dinamizar a produção de conhecimento (BENJAMIN, 1985). Em diálogo com Walter Benjamin, a professora Maria Carolina Bovério Galzerani traz reflexões analíticas sobre a rememoração, destacando que esse ato possibilita a recuperação de dimensões. pessoais perdidas, ou no mínimo, ameaçadas face ao avanço do sistema capitalista. Dimensões psíquicas e sociais do ser humano que rememora. [...] afirmação de sua própria singularidade, sabendo-a constituída na relação, muitas vezes conflituosa, com “outras” pessoas. Ou, ainda, permite o reconhecimento de que a (re)constituição temporal de sua vida só adquire sentido na 8. “É importante para o historiador materialista distinguir, com máximo rigor, a construção de um estado de coisas histórico daquilo que se costuma denominar reconstrução A reconstrução através da empatia é unidimensional. A construção pressupõe a destruição” (BENJAMIN, 2007, p. 516). 9 “Para o historiador materialista, cada época com a qual ele se ocupa é apenas a história anterior da época que lhe interessa. Por isso mesmo, não existe para ele a aparência da repetição na história, uma vez que precisamente os momentos do curso da história que mais lhe importam tornam-se eles mesmos — em virtude de seu índice como história anterior — momentos do presente, mudando seu próprio caráter conforme a definição catastrófica ou triunfante desse presente” (BENJAMIN, 2007, p. 516)..

(25) 25. articulação com uma memória coletiva. Rememorar, além disso, para este filósofo, significa sair da gaiola cultural que tende a nos aprisionar no sempre-igual e recuperarmos a dimensão do tempo, através da retomada da relação do presente, passado, futuro. [...] não significa para Benjamin um devaneio ou uma evasão em direção a um passado, do qual o sujeito não quer mais emergir. [...] não se trata de não esquecer o passado, mas agir sobre o presente (2008, p.7).. Assim, rememorar para Walter Benjamin é um “ato político, com potencialidades de produzir um despertar dos sonhos, das fantasmagorias, para a construção de utopias” (GALZERANI, 2008, p. 21). Nesse sentido, a rememoração abarca uma dimensão subjetiva e só adquire sentido se for para construir algo no presente, ou seja, a construção de outras realidades. O professor quando rememora se enxerga mais inteiro, com potencialidades múltiplas, inventivas, criativas e singulares. Na concepção benjaminiana, rememoração remete à constituição do sujeito. Ainda sobre a relação entre rememoração e experiência, Benjamin, nos ensaios intitulados “Experiência e Pobreza”, “Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo” e o “Narrador” (produções de 1920 e 1930), traz a imagem de experiência como “matéria da tradição”, que se constitui tanto no cotidiano particular, como no coletivo, atravessada por elementos conscientes e inconscientes da memória. Ou seja, experiência que nasce das perdas, das ausências, dos destroços, do lixo, das ruínas, dos conflitos, das resistências, das ambivalências, das disputas de forças, enfim, das possibilidades do fazer humano. Imagem de experiência fundada no movimento dialético entre destruição e construção, e é nesse movimento que encontramos a potencialidade de produção de conhecimento histórico. Levando em consideração que a experiência entra em declínio, ou ainda se perde gradativamente no seu sentido benjaminiano (que repousa sobre a possibilidade de uma tradição compartilhada por uma comunidade, tradição.

(26) 26. retomada e transformada, de geração a geração, na continuidade de um conselho a ser transmitido de pai para filho), concomitantemente, com o declínio da narração tradicional10 (como a Odisseia, em que Ulisses é o narrador épico, enraizado numa longa tradição de memória oral, possibilitando-lhe contar suas experiências em mar e terra, as quais os ouvintes compartilham da mesma linguagem e universo cultural) na modernidade capitalista, as pesquisas 11 contemporâneas sobre formação continuada de professores revelam o quanto as narrativas e as experiências têm sido transformadas, abaladas face à radicalização das tendências dominantes socioculturais. Acrescento, ainda, minha experiência como professora de história há dezessete anos na Educação Básica e, há oito anos, no ensino superior, vivendo esse. panorama. catastrófico. e. reconhecendo. estarem. as. experiências. empobrecidas, esquecidas, desvalorizadas. Assim, busquei, junto ao pensamento benjaminiano, operar pelas brechas da modernidade, a fim de transformar esse cenário, ou seja, escovar a “história a contrapelo”, desenvolvendo, para tanto, o projeto “O Canto da Odisseia e as Narrativas Docentes: dois mundos que dialogam”, de modo a inventar outras formas de narração (nas ruínas da narrativa, uma transmissão entre os cacos de uma tradição em migalhas) na qual seja possível o intercâmbio das experiências. Benjamin esboça a ideia da necessidade de outra narração, porém oferece apenas algumas pistas do narrador moderno, na figura do trapeiro, do catador de lixo e sucata, personagem das grandes cidades modernas. que recolhe os cacos, os restos, os detritos, movido pela pobreza, certamente, mas também pelo desejo de não deixar nada se perder. Esse narrador sucateiro (o historiador também é um Lumpensammler) não tem por alvo recolher os grandes feitos. Deve 10. O modelo originário desse tipo de narrativa é, para Benjamin e para Lukács, a Odisseia, “relato exemplar de uma longa viagem cheia de provações e descobertas, da qual o herói sai mais rico em experiências e histórias e, portanto, mais sábio”. (GAGNEBIN, 2014, p. 221). 11 Pesquisas que vêm sendo realizadas no grupo do GEPEC e no grupo do Kairós..

(27) 27. muito mais apanhar tudo aquilo que é deixado de lado como algo que não tem significação, algo que parece não ter importância nem sentido, algo com o que a história oficial não sabia o que fazer (GAGNEBIN, 2004, p. 90).. Nesse sentido, a pesquisa se distancia das propostas formativas carregadas dos ideais da racionalidade instrumental preocupada com os grandes feitos: ao contrário, busco o miúdo, os detalhes, os pequenos feitos das experiências. dos. professores. omitidas,. desconsideradas. e. apagadas. da. historiografia tradicional. Para isso, mergulhei nas lentes da racionalidade estética com a intenção de olhar a paisagem de formação continuada de professores. Racionalidade estética fundamentada na concepção de Olgária Matos (1989), na relação, sobretudo, com o filósofo Walter Benjamin e no diálogo com a historiadora Maria Carolina Bovério Galzerani. Esta acepção é compreendida como modo de. conhecer, capaz de produzir a ampliação sensível dos conhecimentos, bem como das relações entre os diferentes saberes. Tal razão é capaz de reencantar práticas de produção de saberes, muitas vezes, instrumentalizadas e hierarquizadas, as quais acabam por despoetizar as relações educativas, excluindo sujeitos e saberes. É uma racionalidade familiarizada com o limite do âmbito do possível, mas capaz, igualmente, de transfigurá-lo (GALZERANI, 2013, p. 249).. Compartilho. dessa. racionalidade. que. se. compromete. com. as. experiências vividas e possibilita ampliar a imagem dos professores — tanto do ponto de vista físico e psíquico, como do ponto de vista social —, entendendo-os como sujeitos portadores de racionalidades, mas, sobretudo, de sensibilidades, lembranças, esquecimentos, (in)certezas, resistências e conflitos. Volto ao início desse texto para o fragmento do poema da Odisseia, lido alegoricamente pela pesquisadora como uma forma de pensar sobre as.

(28) 28. experiências em declínio, a perda da narrativa, o esfacelamento do viver coletivo e da tradição e, por isso, pergunto-me: até quando deixaremos as experiências se extinguirem do nosso cotidiano? Até que ponto viveremos hoje a desarticulação das experiências vividas? Qual é o espaço das experiências humanas na sociedade? Onde as experiências dos professores podem se manifestar? Onde poderemos encontrar professores que ousem contar suas experiências? Ou, ainda, no que diz respeito à relação memória e experiência, memória e narrativa, até quando continuaremos a realizar pesquisas apresentando a memória restrita ao conhecimento racional, bem como as experiências dos sujeitos deslocadas do tempo e do espaço? Continuaremos enquadrando a memória como um campo à mercê do domínio da “senhora” história? Quando haverá pesquisas acadêmicas engendradoras de práticas de produção de conhecimentos mais dialogais, que não apaguem o outro, nem esqueçam as singularidades espaço-temporais dos sujeitos? Essas são questões desafiadoras apresentadas ao longo do projeto de pesquisa-ação, estimulando-nos a ultrapassar a dimensão do sonho e transformálo em utopias coletivas. Com esses questionamentos, a pesquisa procurou, pela via da rememoração das experiências (dado seu cunho formativo) dos professores, a possibilidade de construir uma história a contrapelo das tendências dominantes de formação continuada de professores, bem como a produção de conhecimentos histórico-educacionais pelo viés coletivo. Para tanto, os professores, ao realizarem rememorações coletivas e individuais das suas experiências, ultrapassaram as barreiras das simples lembranças e escavaram o inconsciente para encontrar o passado soterrado que pede um “outro” porvir. Ao escavar o campo da memória, o narrador pretende encontrar no “passado as centelhas da esperança” (BENJAMIN, 1985, p. 224). As narrativas das experiências dos professores podem auxiliar-nos no enfrentamento de problemas cotidianos de práticas culturais e escolares,.

(29) 29. individualistas, narcísicas, utilitárias, hierarquizadoras, excludentes, consolidadas com o avanço do capitalismo, a partir do final do século XIX. Narrativas docentes contadas não como quadros científicos fiéis de uma realidade histórica, mas tecidas pelas lentes da racionalidade estética.. Narrativa concebida como. transmissão de experiências entre diferentes gerações, "na acepção plural de verdade, na relação do narrado com o vivido, na dimensão mais ampla de sujeito, de ser humano (portador de consciência e inconsciência), e, sobretudo, na recuperação da temporalidade” (GALZERANI, 2004, p. 296). Narrativa que não se aparta da memória e não existe sem as pontes entre passado, presente e futuro (BENJAMIN, 1985). Dessa maneira, as acepções de experiência em Walter Benjamin e Edward P. Thompson contribuem para pensar a formação continuada de professores, no sentido de que a experiência corresponde a uma repulsa aos modelos. de. conhecimento. cartesianos,. positivistas,. hierarquizadores,. normatizadores, classificatórios, à superação da dicotomia sujeito-objeto, bem como entre teoria versus prática como tendências prevalecentes na modernidade. Proponho-me trazer para essa pesquisa as imagens dialéticas, plurais, de produção de conhecimentos histórico-educacionais, relativas às experiências vividas dos professores com os quais entrei em contato, por meio de dados empíricos (narrativas orais e escritas). Estas serão focalizadas como mônadas, no sentido benjaminiano, ou seja, fragmentos dos significados mais explosivos deste projeto de educação dos sentidos12e sensibilidades. Nas palavras da professora. 12. A educação dos sentidos ou das sensibilidades é um processo ampliado da noção de educação que atravessa as dimensões racionais e sensíveis dos seres humanos, construído coletivamente, permeado por tensões. Não é um movimento que traz blocos monolíticos, no sentido de anulação dos sujeitos, ao contrário, participamos de sua constituição e somos, ao mesmo tempo, constituídos por ela. No grupo do Kairós, os autores que oferecem subsídios para reflexões na perspectiva da história cultural são: Peter Gay, Edward Palmer Thompson e Walter Benjamin. Dialoguei com esses autores durante essa viagem e, nesse percurso, relacionei-me com os professores de forma dinâmica, percebendo as tensões, contradições (de dominação e/ou de resistência) imbricadas, e.

(30) 30. Maria Carolina (2013, p. 241), as mônadas “são miniaturas de sentido que podem ter a força de um relâmpago, nas quais a ideia de totalidade se acha presente”. A metodologia de pesquisa mergulhada em fragmentos revela uma época, como o micro contém o macrocosmo. Cada “caco” é recolhido atenciosamente. O conjunto monadológico que será apresentado nesta tessitura traz a imagem do individual, do singular que abarca uma perspectiva alegórica, ou seja, um “contar outro” (GALZERANI, 2008). Assim, os professores, ao narrarem suas experiências vividas nesta pesquisa, não contam apenas de si mesmo, mas dizem outras coisas e sobre outros sujeitos. Para que você possa conhecer como foi tecida esta pesquisa, indico as tônicas fundamentais trilhadas. No capítulo 2, intitulado “Preparativos para a viagem”, narro sobre como foi o convite realizado aos professores da Educação Básica, na cidade de Londrina-PR, para participarem do projeto de formação, bem como as dificuldades encontradas no percurso para a constituição do grupo de estudo. Explicito porque escolhi a obra Odisseia, de Homero, para me acompanhar nessa viagem, estabelecendo uma relação entre Ulisses e o narrador benjaminiano; além disso, complemento que a escolha pela literatura também está ligada às minhas dimensões pessoais, tendo em vista que as narrativas literárias infantis ainda vivem dentro de mim, como os grãos de sementes que, após milênios fechados em estufas nas pirâmides, ainda hoje se encontram conservados e com toda a vitalidade para a germinação (BENJAMIN, 1985). Ainda trago a acepção da palavra experiência a partir dos autores (Thompson e Benjamin) com quem dialogo nesta viagem, pois ela, a imagem de experiência, perpassa toda a pesquisa. Estabeleço, ainda, uma relação com as propostas de cursos de formação continuada na modernidade, tensionando esse debate a fim de encontrar brechas na modernidade para sonhar e reavivar reconhecendo que nesse universo as narrativas das experiências dos professores foram produzidas..

(31) 31. utopias coletivas, a contrapelo das tendências prevalecentes. Modernidade que, para Walter Benjamin, traz uma imagem ambivalente, pois, ao mesmo tempo em que entende a modernidade como uma maneira de alienar os sujeitos, por outro, entende que é possível provocarmos rupturas e construir “outras” histórias. Nesse capítulo, reflito sobre como, nessa pesquisa, procurei pensar nas alternativas para a formação de professores, por meio da construção de um trabalho coletivo13 . Refleti sobre as potencialidades da produção de conhecimento históricoeducacional, via memória e narrativas das experiências vividas dos professores como proposta fértil para formação continuada de professores. No Capítulo 3 (O caminho da viagem é indireto), apresento como foi conduzida a tessitura deste trabalho, a escolha do método (montagem literária), fundamentada no pensamento benjaminiano. Descrevo o percurso metodológico desta pesquisa mergulhada em imagens monadológicas e complemento o debate com as concepções de Edward Palmer Thompson sobre o processo de produção de conhecimento histórico e, sobretudo, educacional. Trago as minhas experiências de produção de conhecimento no diálogo com os professores e apresento alguns lampejos dos encontros deste projeto de formação. No capítulo 4 (As paradas da viagem em imagens monadológicas narrativas de história de vida), convido o leitor a mergulhar nas mônadas que. 13. No artigo do professor Guilherme do Val Toledo Prado “Narrativas pedagógicas: Indícios de conhecimentos Docentes e Desenvolvimento profissional” (2013), conheci uma estimulante experiência, relativa a um projeto coletivo de formação, fundamentado em uma epistemologia, subsidiado nas reflexões das práticas, evidenciadas nas narrativas pedagógicas produzidas pelos professores e profissionais participantes, nos contextos de produção na e da escola. Além disso, os trabalhos que orienta em nível de mestrado e doutorado, no grupo do GEPEC, inspiraram-me a continuar essa travessia de viagem. Também participei do VII Seminário FALA Outra ESCOLA – “O Teu Olhar Trans-forma o Meu? ”, em 2015, na Unicamp, organizado pelo GEPEC, e, após vários dias participando das sessões de diálogos e rodas, pude sair oxigenada ao ouvir as narrativas dos professores acerca dos projetos que vêm desenvolvendo na escola com crianças, professores e supervisores pedagógicos. Acredito, junto com os gepequianos que é possível uma “Outra Escola” a partir do diálogo com pesquisadores, professores e outros profissionais do campo educacional que reconhecem a escola como lócus de produção de conhecimento não só para os alunos, mas para cada sujeito que vive nesse universo escolar..

(32) 32. flagram as histórias de vida e possibilitam-nos perceber as marcas da experiência, do enraizamento dos professores e conhecer esses sujeitos na sua inteireza, bem como respeitá-los enquanto seres humanos dotados de racionalidades e sensibilidades. O perfil de rememoração coletiva e individual dos professores nesta pesquisa implicou no questionamento profundo das suas histórias de vida e de práticas educacionais totalitárias, assentadas na visão instrumental que tem produzido irracionalidades no cotidiano da escola e disseminando violências nas relações educacionais. Entendo que rememorar nesse sentido trouxe o passado vivido dos professores, articulado com o questionamento de práticas culturais no presente e, ainda, uma busca atenta à construção das direções ao futuro. No capítulo 5 (Ser professor: o ato de sair da caverna para encontrar o outro), é possível capturar nas mônadas como o professor percebe o “outro” (alunos, equipe pedagógica, gestor escolar, professores, pais, governo) e como constitui-se professor nas relações de alteridade. Para essa reflexão, procurei trazer algumas discussões sobre a noção de alteridade desde a antiguidade grega até a contemporaneidade. Para entendermos que essa noção foi modificada radicalmente na modernidade, no sentido de que passou a existir uma separação entre o “eu e o outro”, ou seja, o outro é aquilo que não me reconheço e aquilo que não faz parte de mim, portanto, excluo o diferente. Assim, a alteridade passou a estar estritamente relacionada à exclusão (social, política, cultural, psíquica). Hoje, o “outro” é o sujeito que além de “eu” discriminar, é alguém que também coisifico. O lócus dessa “exclusão” é perceptível, em diferentes mônadas que trazem as narrativas sobre as experiências docentes, muitas delas articuladas alegoricamente com o episódio de Ulisses na caverna do Polifemo. No capítulo 6 (O (en)canto e o silêncio das sereias na modernidade capitalista), os professores, a partir das suas experiências vividas, trouxeram uma releitura da epopeia homérica, permitindo-nos problematizar as relações entre modernidade e práticas educacionais e cotidianas. Tomando como alegoria.

(33) 33. essa passagem das sereias, passamos a movimentar algumas questões: É possível pensar no canto, (en)canto ou no silêncio das sereias na modernidade capitalista? Quem são as sereias para os professores? Será melhor tapar os ouvidos para as sereias ou ouvir a beleza do seu canto? É possível capturar imagens ambivalentes no Canto das Sereias? Como reconhecer o encanto das sereias sem cair na sedução? Onde reside o encantamento na modernidade capitalista? Como perceber o encantamento da troca das experiências, se a alteridade é vista como perigosa e proibida? Com esses questionamentos, problematizamos as ideias de fetichismo, fantasmagoria, progresso, tempo e capitalismo na modernidade. Convido o leitor a buscar o brilho de cada mônada e reuni-las para formarem uma imagem constelar, às vezes totalmente diferente da imagem que enxergo enquanto professora e pesquisadora, e também dos professores, ora tripulantes, ora marinheiros dessa viagem, presentes nos capítulos apresentados. Quanto a “Chegada a Ítaca”, em vez de tecer alguma conclusão ou as considerações finais, acredito que essa pesquisa abre frestas para pensar se Ítaca é o ponto de partida ou de chegada para esta pesquisadora e para a temática da formação continuada de professores na relação com as experiências vividas, tanto para área de história e de um modo mais amplo, abrangendo o campo educacional. Tentarei rememorar ainda mais um pouco essa experiência, embora eu tenha dialogado com as experiências dos professores ao longo de todo o texto, exercício que realizo a partir da minha relação com os professores e acerca dos deslocamentos que vivi nessa viagem. Rememoro as peripécias (palavra advinda do grego, significa a descoberta do “novo”, do diferente, que estimula a procurar em comum o que perturba) (GALZERANI, 2004) vividas ao longo dessa pesquisa-ação, inspirando-me na metáfora ligada ao mundo da viagem, uma maneira que encontrei para trazer à tona o comprometimento dos movimentos vividos, a pluralidade das visões compartilhadas, a dialeticidade que esteve presente nos encontros, a existência também das contradições, dos conflitos, das esperanças, dos sonhos.

(34) 34. coletivos que permearam toda essa movimentação de sentidos e sensibilidades, sem perder de vista as singularidades de cada professor em seus enfrentamentos e dilemas na contemporaneidade. Além disso, fiz a opção de romper com os tradicionais agradecimentos no início da tese e trazê-los ao final dessa pesquisa. Com a denominação “Reconhecimento”, inspirei-me em Ulisses que, ao chegar a Ítaca, começou a viver momentos de reconhecimentos da sua pessoa, depois de ter ficado tantos anos longe da terra de origem, com os seguinte personagens: “Eumeu (servo)”; Telêmaco (filho);. Euricleia (escrava); Argos (cachorro); os pretendentes da Penélope;. Laertes (pai) e Penélope. Assumo alegoricamente essas passagens para trazer intensamente as marcas de cada ser humano durante essa minha viagem de pesquisa como forma de gratidão, tanto para aqueles que estiveram dentro da minha nau como para aqueles que me abasteceram durante o percurso, em várias paradas da viagem. Acrescento um posfácio que traz dois movimentos: o primeiro, apresento ao leitor como vejo a professora Carolina e ao mesmo tempo homenageio-a pelos anos dedicados ao ensino de história e ao campo educacional, e depois, destaco a sua presença em minha trajetória de vida bem como reconheço o quanto as suas palavras. delicadas,. seus. gestos. singelos. e. seus. pensamentos. firmes,. transformaram-me ao longo do percurso dessa viagem. Agradeço imensamente por ter sido a sua orientanda. Por fim, espero ter despertado o desejo em você, caro leitor, de conhecer esta instigante viagem. Começo “invocando” os professores da Educação Básica a “cantar/contar” suas experiências plenas de sentidos e sensibilidades como fez Homero, invocando as musas para “cantar” sobre as façanhas de Ulisses: “Canta para mim, ó Musa, sobre o varão industrioso” (HOMERO, 1981)..

(35) 35. 2 PREPARATIVOS PARA A VIAGEM. Imagem 2: Atena e Hermes c. 1585 Fresco Castle, Prague Invocação às Musas Canta para mim, ó Musa, o varão industrioso que, depois de haver saqueado a cidadela sagrada de Tróade, vagueou errante por inúmeras regiões, visitou cidades e conheceu o espírito de tantos homens; o varão que sobre o mar sofreu em seu íntimo tormento sem conta, lutando por sua vida e pelo regresso dos companheiros. (...) Deusa, filha de Zeus, contanos, a nós também, algumas destas façanhas, começando por onde quiseres (HOMERO, 1981, p. 11).. Como Homero invocou a Deusa Atena, filha de Zeus, para narrar as façanhas de Ulisses: “Canta para mim, ó Musa”, convidei os professores da.

(36) 36. Educação Básica, da cidade de Londrina-PR, para “contarem suas rapsódias” e experiências vividas. Começo esta viagem narrando de que modo convidei os professores a embarcar comigo nesta “Odisseia” e como foram os preparativos para o percurso da pesquisa. Recorri à deusa Atena, protetora de Ulisses, para guiar meu caminho com sabedoria e encontrar os professores da Educação Básica que pudessem viver, comigo, uma experiência de formação estética. Em resposta, Atena me disse: “Irei ajudá-la nessa ´Odisseia`, logo voltarei com notícias”. Tão logo a deusa virou-se e atou aos pés suas belas e imortais sandálias de ouro, que a levavam para a imensidade da terra e das águas, tão veloz como os ventos, pegou a sua lança pontiaguda e inquebrável, com a qual derruba vários heróis e foi até Zeus, no monte Olimpo. Chegando lá, falou: “Zeus, meu poderoso pai, aflige meu coração ao relembrar que a prudente Cyntia ainda aguarda o momento de iniciar a sua viagem (pesquisa)”. Zeus, amontoador das nuvens, respondeu: “Minha filha Atena, como poderia me esquecer da tese de doutorado da Cyntia? Faça o seguinte: envie Hermes, o mensageiro, para tocar em sonho e convidar os professores de Londrina a compartilharem as suas experiências vividas, rumo ao caminho de ´Ítaca`”. Atena foi em direção a Hermes e falou: “Hermes, tu que és o portador de todas as mensagens, anuncie a irrevogável decisão de Zeus aos professores que atuam na Educação Básica: queremos convidá-los a ´cantar` as suas experiências vividas, mergulhando em uma viagem ´Odisseica`”. Assim falou e o mensageiro perguntou: “Mas, Atena, se eles perguntarem mais detalhes do destino, o que farei? ”. Atena respondeu: “Ah, sim, bem lembrado, Hermes, diga que buscaremos rememorar as experiências vividas, inspirando-nos na obra literária Odisseia, de Homero”..

(37) 37. Hermes não lhe desobedeceu e visitou-os em sonho. Os professores, ao vê-lo face a face, imediatamente o reconheceram, pois os mortais conhecem a aparição divina e cada um o interrogou: “Hermes de bastão de ouro, a quem respeito, por que me procuraste? Dize-me o que pretendes que meu coração está disposto a cumprir teu desejo, caso me seja dado fazê-lo e ele for realizável” (HOMERO, 1981, p. 53). Zeus, por intermédio de Atena, ordenou-me que viesse aqui convidá-lo a ´cantar a sua Odisseia`, porque sabemos da riqueza de suas experiências de vida e da importância de serem partilhadas com outros colegas de trabalho. Experiências singulares, onde encontramos a fonte das narrativas, com as incertezas, as aventuras e os riscos da vida como a história de Ulisses, que durante anos passou por provações em alto mar e terra e, após vinte anos, retornou a sua terra (Ítaca) com uma experiência alargada. Tendo Hermes. 14. a sua missão concluída, retornou e falou-me:. “Preparamos os seus convidados, agora é a sua vez”. Na Grécia, os deuses preparavam antes o coração das pessoas para uma passagem ou avisava-os em sonho sobre um acontecimento, como o episódio de Atena, que, com um sopro do vento, deslizou no leito da donzela Nausica, filha do rei Alcino, e conduziu-a para encontrar Ulisses, no rio de águas cristalinas, e levá-lo para o palácio do seu pai. Quando Hermes, com suas asas enormes, virou-se para voltar à sua morada, falei: “Gostaria daquela erva que ofereceu a Ulisses quando foi entrar na morada da Circe, lembra?”. Hermes hesitou: “Mas por que precisa dessa planta benéfica? Quando entreguei a Ulisses foi porque não queria que ele caísse no feitiço da deusa Circe. E qual a sua necessidade?”. Respondi a ele: “Também não quero nesse percurso de viagem me entregar às tentações da racionalidade. 14. Hermes “tem origem, provavelmente, em herma, palavra grega que designava os montes de pedra usados para indicar os caminhos” (HOMERO, 1981, p. 107). Por isso, certamente, a sua relação com as viagens e o seu papel de deus das viagens..

(38) 38. instrumental, pois muitas vezes somos seduzidos a expressar juízos de valores, sendo vítimas também da nossa formação e das artimanhas científicas. Como essa viagem envolve muitas vidas e estas fazem escolhas individuais, não quero cair nas armadilhas de sobrepor os meus valores em detrimentos de outros”. Hermes15 me disse: “Tenho um pouco aqui nesse solo”. E explicou-me acerca da erva: “Tinha a raiz negra e a flor branca como o leite. [...] Os mortais muito a custo logram arrancá-la; aos deuses”, e, em seguida, entregou-me algumas folhinhas. (HOMERO, 1981) Em seguida, Hermes retirou-se para o vasto Olimpo, através da ilha arborizada; e percebi que me imunizou apenas para o começo da viagem, mas me lembrou que estaria acompanhada da deusa Carol16 até o meu regresso a “Ítaca”.. 15. Muitas vezes precisamos de um Hermes que nos alerta dos encantos da feiticeira Circe. Expressão atribuída com todo respeito, carinho e admiração pela memória da minha estimada professora orientadora, Dra. Carolina Bovério Galzerani, exemplo de pessoa e profissional que lamento, imensuravelmente, não poder ter a honra de estar comigo em minha chegada até “Ítaca”. Sinto, diante das tempestades e infortúnios com que me deparei na caminhada, com a sua presença em meu coração, buscando forças por acreditar incontestavelmente, que está me acompanhando em outra dimensão. Quando fiz esse texto, não imaginava que perderia minha grande companheira de viagem, pois, assim como Ulisses, durante o percurso, teve a sua nau espatifada e deparou-se perdido no oceano, sem o auxílio e o apoio de seus amigos, que juntos haviam partido para a viagem.. 16.

(39) 39. QUE. TERRA É ESTA?. MAPA 1- Londrina: Escola Estadual Barão do Rio Branco FONTE: JESUS, Lilian Gavioli. Londrina, 2015..

Referências

Documentos relacionados

Após a implantação consistente da metodologia inicial do TPM que consiste em eliminar a condição básica dos equipamentos, a empresa conseguiu construir de forma

Incidirei, em particular, sobre a noção de cuidado, estruturando o texto em duas partes: a primeira será uma breve explicitação da noção de cuidado em Martin Heidegger (o cuidado

Para analisar as Componentes de Gestão foram utilizadas questões referentes à forma como o visitante considera as condições da ilha no momento da realização do

O TBC surge como uma das muitas alternativas pensadas para as populações locais, se constituindo como uma atividade econômica solidária que concatena a comunidade com os

xii) número de alunos matriculados classificados de acordo com a renda per capita familiar. b) encaminhem à Setec/MEC, até o dia 31 de janeiro de cada exercício, para a alimentação de

Além desta verificação, via SIAPE, o servidor assina Termo de Responsabilidade e Compromisso (anexo do formulário de requerimento) constando que não é custeado

Atualmente os currículos em ensino de ciências sinalizam que os conteúdos difundidos em sala de aula devem proporcionar ao educando o desenvolvimento de competências e habilidades

and generally occur associated with mafic mineral aggregates, where titanite forms continuous rims around ilmenite (Fig.. Table 1- Modal composition of the studied rocks