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Montagem literária: não tenho nada a dizer. Somente a mostrar. Não surrupiarei coisas velhas, nem me apropriarei de formulações espirituosas. Porém, os farrapos, os resíduos; não quero inventariá-los, e sim fazer-lhes justiça da única maneira possível: utilizando-os (BENJAMIN, 2007, p. 502).

Uma das preocupações durante esta viagem foi como tecer este trabalho de pesquisa: encontrei-me buscando o método de trabalho para continuar o percurso. Procurei caminhos “outros” para a produção de conhecimentos histórico-educacionais distantes dos elementos oferecidos pela racionalidade

instrumental. Porém, como explicar a escolha do método quando se trabalha com ciências humanas, especificamente, quando se pretende, no caso dessa viagem, narrar o vivido sem desenraizar o sujeito no tempo e no espaço?

Benjamin dizia que o narrador não está preocupado em apresentar argumentos para o ouvinte confiar em seu relato, pois o importante é o tecido de sua lembrança, o trabalho de rememoração de Penélope. O autor ressalta muito mais o

movimento duplo dos fios, da dinâmica do esquecer e do lembrar, em que ambos, esquecimento e lembrança, são ativos: isto é o esquecimento, não é somente um apagar o buraco, mas também produzir, criar ornamentos” (GAGNEBIN, 2014, p. 240).

Portanto, não compartilhamos de pesquisas que buscam, por meio de diferentes métodos, a busca de verdades, pois não alcançamos a exatidão da lembrança, como algo “imutável, mas atentarmos às ressonâncias que se produzem entre passado e presente, entre presente e passado, aquilo que Benjamin chama de Erfahrung mit der Vergangenheit, literalmente, “experiência do passado” (GAGNEBIN, 2014, p. 240).

Jeanne Marie Gagnebin, em diálogo com o pensamento benjaminiano, ressalta não se buscar salvar uma imagem do passado tal como ele foi, ou uma imagem eternizada, mas uma imagem involuntária, uma substância esquecida, negligenciada ou recalcada, algo não cumprido, mas que o presente pode capturar em um instante e retomar.

Benjamin, no seu texto “Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso”, inspira-nos a produzir conhecimento com base na montagem literária: “não tenho nada a dizer. Somente a mostrar. Não surrupiarei coisas velhas, nem me apropriarei de formulações espirituosas. Porém, os farrapos, os resíduos; não

quero inventariá-los, e sim fazer-lhes justiça da única maneira possível: utilizando- os” (1984, p. 502).

Como utilizar os “farrapos” e produzir conhecimento histórico- educacional recolhendo os “resíduos”? Em busca do caminho metodológico, Benjamin (1984) nos orienta a produção de mônadas como aporte metodológico. O autor, em suas produções, coloca em ação seu método, produzindo memórias mergulhadas em “mônadas — miniaturas de significados — conceito que o pensador coloca em ação no diálogo com o físico Leibniz. Tais centelhas de sentido [...] podem ter a força de um relâmpago” (GALZERANI, 2002, p. 62).

Mergulhando nas palavras de Benjamin para entender a mônada, encontramos a seguinte acepção:

A ideia é mônada. O Ser que nela penetra com sua pré e pós-história traz em si, oculta, a figura do restante do mundo das ideias, de mesma forma que, segundo Leibniz, em seu Discurso sobre a Metafísica, de 1686, em cada mônada estão indistintamente presentes todas as demais. A ideia é mônada, nela reside, preestabelecida, a representação dos fenômenos, como sua interpretação objetiva. [...] Assim o mundo real poderia constituir uma tarefa, no sentido de que ele nos impõe a exigência de mergulhar tão fundo em todo o real, que ele possa revelar-nos uma interpretação objetiva do mundo. Na perspectiva dessa tarefa, não surpreende que o autor da Monadologia tenha sido também o criador do cálculo infinitesimal. A ideia é mônada, isto significa, em suma, que cada ideia contém a imagem do mundo. A representação da ideia impõe como tarefa, portanto, nada menos que a descrição dessa imagem abreviada do mundo (BENJAMIN, 2007, p. 69). Nesse sentido, a mônada é concebida como a cristalização das tensões na quais se inscrevem práticas socioculturais, plurais, contraditórias. Nesta pesquisa, práticas que abrangem o campo educacional e não educacional, entendidas de maneira alargada (GALZERANI, 2012).

A mônada é um fragmento que salta do desenrolar do tempo linear.

Na imobilização da mônada, pode-se flagrar a imagem dialética — uma configuração saturada de tensões, nas quais ela se cristaliza. É nessa tensão entre o particular e o universal que a mônada de Benjamin se inscreve: O olhar para a mônada se direciona não para o seu caráter fragmentário, mas para a sua potencialidade de relações através dessa especificidade [...] (CORREA, 2011, p. 204). Benjamin entendia que a história se apresenta em imagens dialéticas, em forma de mônadas, como nos explica:

Ao pensamento pertencem tanto o movimento quanto a imobilização dos pensamentos. Onde ele se imobiliza, numa constelação saturada de tensões, aparece a imagem dialética. Ela é a cesura no movimento do pensamento. Naturalmente, seu lugar não é arbitrário. Em uma palavra, deve ser procurada onde a tensão entre os opostos dialéticos é a maior possível. Assim, o objeto construído na apresentação materialista da história é ele mesmo uma imagem dialética. Ela é idêntica ao objeto histórico e justifica seu arrancamento do continuum da história (BENJAMIN, 2007, p. 518). Levando em consideração a acepção de mônada, escolhi produzir a tessitura deste trabalho em imagens monadológicas, pois pretendo flagrar, nas narrativas dos professores, “minúsculos” fragmentos de experiências vividas que podem ser lidos na sua singularidade, com a potencialidade de estabelecer relações entre as especificidades.

Nesse sentido, busquei produzir, neste texto, um imbricamento entre a teoria e a prática, com dimensões transformadoras, em que o detalhe, o hieróglifo e o “insignificante” requerem um olhar “estereoscópio” para a espessura das sombras históricas (BENJAMIN, 2007).

Assim, as experiências dos professores são entendidas como possibilidades de estudos “microscópicos” que permitem a valorização do singular

(sujeito); o vestígio não é visto como um elemento isolado, mas um processo de conexões, elos e entrelaçamentos de narrativas individuais e coletivas.

Compartilho da ideia de que uma tese é como um processo de criação literária porque escolhi o caminho monadológico para trilhar a trama, situar os cenários (lugares e tempo de onde falam os professores) e os personagens (professores) que constroem essa história, possibilitando as ambiências para a composição do enredo, como o gênero literário da Odisseia. Tarefa árdua para quem busca, nesse texto, narrar uma experiência coletiva e, principalmente, para contar como foram tecidas as mônadas dessa instigante viagem, principalmente quando se pretende trazer à tona as vozes dos professores, sem reduzi-las ao meu próprio interesse bem como assumir a postura de que não existe neutralidade na pesquisa e apresentar uma produção de conhecimento construído por uma ação coletiva. Deixando visível que é possível uma pesquisa que trilhou caminhos tortuosos, que se movimentou vertiginosamente.

TECENDO AS MÔNADAS: UM MERGULHO NA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO HISTÓRICO-