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Que "nutrientes" a Odisseia, como uma narrativa de tradição oral, poderá oferecer ao sujeito que vive na modernidade? O mundo moderno, dominado pela racionalidade teria espaço para ouvir as experiências oriundas de uma narrativa da tradição oral? Que memórias serão disparadas após a leitura da Odisseia? O que lembram os professores quando leram a Odisseia? Como os professores mergulhariam na leitura da Odisseia, estabelecendo conexões e elos alegóricos com suas experiências vividas?

As reflexões de Benjamin (1985) sobre o ato de ler saltam aos nossos olhos quando encontramos a possibilidade de ler a obra Odisseia como uma alegoria. Alegoria que se abre para cada sujeito produzir diferentes sentidos.

Michel de Certeau (2012, p. 241) alertou que a leitura é uma produção do leitor, que não assume

o lugar do autor nem um lugar de autor. Inventa nos textos outra coisa que não aquilo que era a intenção deles [...]. Combina os seus fragmentos e cria algo não sabido no espaço organizado por sua capacidade de permitir uma pluralidade indefinida de significações. O pluralismo de sentidos da leitura da Odisseia estava intrinsicamente relacionado com as experiências vividas e intensificava-se com os acontecimentos vividos pelos professores no cotidiano. Os olhares eram (re)dimensionados à medida que o dia a dia trazia conexões com outros significados para as experiências de cada sujeito. Trago o depoimento da professora Sherazade ao grupo, em uma das reuniões: “se não fosse o curso, não teria outra saída para onde canalizar o choque”, diante dos enfrentamentos na escola durante a semana. Cleópatra, em uma das suas falas, deixou visível o quanto as turbulências diárias intervinham em suas leituras, pois não conseguiu ler o capítulo sobre o “Mundo do Hades”, que trata da descida de Ulisses ao mundo dos mortos, pois, naquela semana, havia passado, também, por uma experiência de choque na escola e na família e, quando começou a ler o livro, expressou-se da seguinte maneira para o grupo: “Que horror, uma história macabra, não vou ler”.

Flagramos nessas falas que a leitura é plural e a criatividade do leitor aumenta à medida que diminui o controle de “como” deve ser lida a obra (CERTEAU, 2012). Ou seja, os professores, ao lerem a obra, mergulhavam como pessoas inteiras e (re)significavam-se a partir do lugar em que se encontram na sociedade e na relação com suas experiências de vida.

Sabemos que a leitura, para ser “compreensível, partilha com a leitura mágica57, que se submete a um tempo necessário, ou antes, a um momento crítico

que o leitor por nenhum preço pode esquecer se não quiser sair de mãos vazias”. (BENJAMIN, 1985, p. 113).

Capturei, na fala da professora Minerva, a partilha de uma leitura mágica, no sentido benjaminiano, quando comenta que a participação no projeto de pesquisa fez refletir:

Quem sou eu? Qual é a minha missão? Para mim não há o acaso, tudo é providência divina e tenho certeza absoluta que fiz a escolha certa, ser educadora é o que me dá vida, amo o que eu faço, amo meus alunos. Estudar a Odisseia e refletir sobre a vida de Ulisses

e seus relacionamentos me fizeram ter uma visão mais ampla do meu ser, do meu existir como: filha, esposa, mãe, amiga, educadora, principalmente, como pessoa (grifo nosso).

Para organizar as leituras do capítulo da Odisseia, no primeiro dia, apresentei um planejamento dos encontros, bem como a proposta da produção das narrativas escritas aos professores. No entanto, ao longo do projeto formativo, não foram seguidas as datas, devido ao prolongamento das discussões, então, ao final dos encontros, fazíamos o realinhamento dos capítulos que seriam lidos para o próximo (a maioria ocorreu semanalmente) e os professores faziam sugestões e intervenções nas propostas. As narrativas escritas eram compartilhadas oralmente durante os encontros coletivos.

Porém, do sétimo encontro em diante, percebi a necessidade de espaçá- los para cada quinze dias, embora, em nenhum momento, os professores tenham solicitado mudanças na organização. Quando eu as sugeria, porém, eles as consideravam pertinentes, devido às atividades que começaram a sobrecarregá- los no final do ano, pois novembro é o mês de quase encerramento do ano letivo, ficando mais complicado, assim, atender as atividades cotidianas do professor,

suas tarefas escolares (avaliações, correções de trabalho, conselhos de classe, reuniões) e as leituras do curso. Ressalto novamente, essa foi uma impressão que eu tive, mas eles não se opuseram, pelo contrário, “talvez” teríamos prolongado ainda mais o projeto da pesquisa-ação, com o intuito de abarcar outras discussões que foram surgindo ao longo do nosso caminho.

Quanto às leituras do capítulo do livro da Odisseia durante o decorrer dos encontros, percebia serem realizadas pela maioria dos professores: raramente pediam para reduzir os capítulos de estudo. Tive três professores que, no início do projeto de pesquisa-ação, realizaram a leitura da obra inteira, alguns buscavam estudar a obra recorrendo a artigos da internet, inclusive levando-os para dialogar com os colegas, outros falaram que não leram nada além da Odisseia, de modo a não ser direcionado.

Quanto à organização da leitura dos capítulos, os professores liam de dois a três capítulos para cada encontro. Porém, para a construção das narrativas escritas, fizemos um recorte na obra, propus a partir do capítulo VIII, no qual se inicia a parte central da obra, episódio em que Ulisses assume a narrativa em primeira pessoa no palácio do Alcino. Apresento uma síntese dos capítulos discutidos durante os dez encontros: