Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Marilia Gabriela Gonçalves
Estratégias comunicativas para dar visibilidade à dança:
o papel da mídia, as políticas públicas, a criação de um
campo de conhecimento
Mestrado em Comunicação e Semiótica
São Paulo
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Marilia Gabriela Gonçalves
Estratégias comunicativas para dar visibilidade à dança:
o papel da mídia, as políticas públicas, a criação de um
campo de conhecimento
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
Tese apresentada à banca
Examinadora como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em
Comunicação e semiótica pela
Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, sob a orientação da Prof
Dra Christine Greiner
São Paulo
Sumário
Agradecimentos 04
Resumo Português
05
Resumo Inglês
06
Introdução
08
Capítulo 1
Que danças vieram dançar no Brasil
12
1.1
-
A busca de uma singularidade para dança nacional
12
1.1.1-A Mímica colonial, no Brasil nacional
15
1.1.2–Eros Volúsia, criadora do bailado nacional
18
1.2
-
Como contexto e o corpo co-evoluem?
20
1.3-
A ação da mídia e dos críticos de dança
24
1.4
-
A criação de um campo de conhecimento para
dança
26
Capítulo 2
Onde estão os equívocos? Leis, políticas, ações.
33
2.1
-Breve histórico das leis de incentivo a cultura no
Brasil
33
2.1.1-A Lei Rouanet e seus desdobramentos
36
2.2
-
O caso específico da dança
39
Conclusão
–
Quando tradução é comunicação
44
Bibliografia 52
Anexo 1
texto Lei Rouanet
55
Anexo 2
Pac anos 2006 e 2007 e Prêmio Funarte Petrobrás
Anexo 3
Reportagem Jornal Folha de São Paulo – “A dança das
Cadeiras”
Resumo
A formação de público para arte contemporânea tem sido um tema reincidente em
diversos fóruns de debate, no Brasil e no exterior. Implica em discussões relativas ao
jornalismo cultural, a mudanças de critério no âmbito curatorial e da produção cultural,
assim como no estudo de novas bibliografias para conceituar arte, cultura e poder. A
hipótese desta dissertação de mestrado é a de que, neste contexto, há, fundamentalmente,
um problema de comunicação. Este não diz respeito exclusivamente à relação entre público
e artista, mas envolve um sistema complexo de poder e veiculação de informação. Para
estudá-lo e propor estratégias para lidar com algumas das principais dificuldades que têm
impedido projetos de amplo escopo, é preciso discutir o papel das mídias, algumas leis de
fomento à cultura criadas nos últimos dez anos e a ação de algumas instituições públicas e
privadas neste contexto.
Selecionamos, como estudo de caso, a dança no Brasil, traçando um diagnóstico dos
problemas de comunicação que assolam este campo de conhecimento desde a chegada do
balé ao país, em 1927 e que tem se desdobrado até hoje. Isso porque existem padrões que se
mantêm. O quadro teórico da pesquisa inclui a reflexão sobre o corpomidia de Christine
Greiner e Helena Katz, os estudos sobre tradução de Boaventura Sousa Santos ( importante
para se compreender como a dança foi apresentada ao público como um mecanismo de
poder), o conceito de mimese trabalhado por Homi Bhabha, a inclusão como modo de
exclusão estudada por Giorgio Agamben e as discussões em torno do “Jornalismo Cultural”
termo questionado por Daniel Piza e ainda sem alternativas para as instituições que
trabalham questões relativas à mídia cultural.
Esperamos com este trabalho, detectar os ruídos de comunicação existentes neste
sistema que é a formação de público, mapeando a trajetória da relação entre público, artista
e demais processos (mídia, política, poder) e, dentro do possível, sugerir novas estratégias
de atuação.
Abstract
The creation of a public for contemporary art has been a recurring theme in different
forums of debate in Brazil as well as abroad. This has led to discussions related to cultural
journalism, to changes in the criteria of curatorship and the production of culture, as well as
to the study of new bibliographies to evaluate art, culture and power. The hypothesis of
this dissertation for a Master’s Degree is that, in this context, there is a fundamental
problem of communication. This does not apply exclusively to the relationship between the
artist and the public, but involves a complex system of power and the means of transmitting
information. To study it and propose strategies for dealing with some of the main
difficulties which have been barriers to the development of broad projects, it is necessary to
discuss the role of the media, some laws during the last decade to encourage culture, and
the action of some public and private institutions in this context.
As a case study, we selected dance in Brazil, drawing a diagnosis of the problems of
communication that have overrun this field of knowledge since the arrival of ballet in the
country, in 1927, and which have continued doing so until today. This is because there are
standards that are fixtures. The scenario of theoretical research includes reflections on the
bodymedia theory of Christine Greiner e Helena Katz, the studies on translation of
Boaventura de Sousa Santos (important to understanding how dance was presented to the
public as a mechanism of power), the concept of mimesis developed by Homi Bhabha, the
concept of inclusion as a means of exclusion studied by Giorgio Agamben and the
discussions on the term “Cultural Journalism” as raised by Daniel Piza and as yet to be
answered for the institutions that work on questions related to cultural media.
Through this work, we hope to detect the sounds of communication that exist in this
system which aims at forming a public, by showing the path of the relationship between the
public, the artist and the accompanying processes (media, politics, power) and, insofar as
this is possible, suggesting new strategies to achieve this.
I n t r o d u ç ã o
Dado que a condição do subalterno
é o silêncio, a fala é a subversão
da subalternidade. Tornar
possível esta fala exige, porém,
um trabalho político que vai
além da discursividade acadêmica.
(Santos, 2006: 235).
Há alguns anos trabalho na área da dança. No início, como
dançarina, tive a oportunidade de conviver com muitos aspectos do
universo da criação artística - a coerência entre a idéia e a
construção dos movimentos, como o corpo transforma as idéias em
dança e como isso se concretiza em comunicação com o público.
Depois, já com novos questionamentos e buscando um engajamento
mais consistente com a área, e por uma necessidade prática do
próprio trabalho, resolvi buscar formas de trabalhar com produção e
programação de dança.
Trata-se de uma área que exige um conhecimento mais
específico, embora muitas vezes, normalmente por escassez de
recursos financeiros, os artistas produzam seus próprios produtos
artísticos. De fato, na estrutura de trabalho de grande parte dos
artistas da dança, não há espaço para o produtor, além de
atualmente existirem poucos produtores especializados em dança em
São Paulo e no Brasil.
demandas que permeiam a área da produção e da programação de
dança.
Além disso, na ação de produzir espetáculos, pude refletir
melhor sobre a relação entre público, artista e espaço de exibição.
Várias inquietações surgiram, então: Quais os ganhos de se
programar espetáculos de dança aleatoriamente? Será que a
quantidade é uma solução para falta de público? Apenas
disponibilizar espaço para o artista é suficiente? O público, por sua
livre e espontânea vontade, vai ao teatro assistir dança, sem
informações prévias? É possível construir um trabalho de formação
de público para dança sem um diálogo entre as partes que constituem
essa relação?
E foram essas questões que me levaram ao mestrado, sendo
que escolhi como tema desta dissertação a formação de público para
dança contemporânea. O objetivo deste estudo é, então, desvendar
pistas de como se constituiu a relação entre público e artista ao longo
da história, detectar os problemas e sugerir novas alternativas de
ação. Para tanto, buscamos na história da dança no Brasil exemplos
que nos ajudassem a desenhar o percurso de como foi pensada a
formação de público.
Como bem destaca Greiner (2005:130):
“Já há alguns anos o
“onde” deixou de ser apenas o lugar em que o artista se apresenta,
transformando-se em u m parceiro ativo dos produtos cênicos. Ao
invés de lugar, o onde tornou-se uma espécie de ambiente
contextual”
.
chegada do balé no Brasil em 1927
1e vem se desdobrando até hoje;
ou seja, há diversos ruídos de comunicação que estão se replicando
na história da dança brasileira. Certamente, ocorreram mudanças no
decorrer do tempo, mas existem padrões que se mantêm, e é sobre
estes ruídos de comunicação e a repetição desses padrões que
vamos discutir no decorrer do trabalho.
Temos ainda como hipótese que a carência de políticas públicas
para dança contribui de forma significativa para as dificuldades de
formação de público. Observamos que, de fato, há pouco interesse
em se constituir programas públicos consistentes e contínuos.
Há também que se pensar na ação da mídia perante a dança e
na escassez de matérias disponíveis, o que também pode contribuir
para a dificuldade de formação de público.
“Há muitas razões para esta incomunicabilidade.
Apesar do surgimento de novos ambi entes para estudo,
criação e di scussão da dança, nem todos cumpre m
seus papéis da mesma ma neira. As diferenças não
estão relacionadas à diversidade de linhas teóricas e
me todológi cas ou ao uso de técnicas e procedi mentos
de criação disti ntos. Se fossem estas as diferenças,
seri am mais do que benvindas. Mas o que te m
parali sado a troca entre pares não é a informação
gerada a partir de princípi os distintos, mas justa mente
a falta de infor mação e os jogos de poder del a
decorrentes”
(Greiner, 2007)
Para embasar esta dissertação teoricamente investigamos três
conceitos que foram sistematizados por Homi Bhabha, Boaventura de
Sousa Santos, Christine Greiner e Helena Katz e Giorgio Agamben. O
primeiro, Homi Bhabha, crítico pós-colonialista, investiga o conceito
de mimese, para descrever o perverso processo de submissão em
que passamos a nos enxergar a partir da visão do outro. Boaventura
1 Criação da primeira escola de bailado, no Rio de Janeiro, pela coreógrafa Maria Olenewa. Momento de
de Sousa Santos, sociólogo português, estuda questões do
colonialismo e pós-colonialismo e nos ajudou a compreender melhor
os processos de assimilação que vieram importados da Europa e o
conceito de tradução. Para elucidá-lo, estudamos também Haroldo de
Campos. Estudamos também a teoria do corpomídia, de Christine
Greiner e Helena Katz, autoras que também nos permitiram
compreender as questões da comunicação, o trânsito entre corpo e
ambiente e o conceito de contexto. E o teórico italiano que discute o
estado de exceção e a relação inclusão para exclusão.
Para refletir sobre a questão da escassez de público nos
espetáculos de dança contemporânea, organizamos o estudo da
seguinte forma.
No primeiro capítulo, com o intuito de estabelecer um parâmetro
de início da relação entre artista e público, relatamos a chegada da
dança clássica no Brasil, seus primeiros passos em busca de uma
“identidade nacional” e as estratégias encontradas pelos coreógrafos,
diretores, artistas e também pela mídia para se comunicar com o
público, estrutura essa que reverbera até hoje. Discutimos também,
algumas questões relativas à dança contemporânea que parecem
inviabilizar em certos ambientes, seus processos de comunicação.
Capítulo 1
QUE DANÇAS VIERAM DANÇAR NO BRASIL...
“Em 1908, o ballet era uma
arte de idade veneranda e
de um passado nobre, mas
esquecido (...) Num país
novo e democrático como o
Brasil, não havia lugar para
essa flor encantadora, mas
já murcha de tempos idos”.
Murilo Almeida dos Reis
(1959:4)
Quando pensamos em dança e público, muitos fatores se
apresentam para explicar por que a comunicação entre ambos foi se
esgarçando ao longo do tempo. Alguns aspectos reincidentes são:
carência de políticas públicas, pouco acesso à informação sobre
dança por parte do grande público, espaço insuficiente
disponibilizado à dança pela mídia e, também, o modo como essa
relação vem sendo construída ao longo da história.
Neste primeiro capítulo, apontamos, então, algumas fissuras na
construção da relação dança/público, desde a chegada do balé ao
Brasil. É importante deixar claro que não vamos seguir a história
passo a passo, mas sim trazer exemplos que sintetizam o tema aqui
proposto, com ênfase no problema da comunicação.
O balé clássico chegou ao Brasil no início do século XX, vindo
de longe – da Rússia – com as companhias de Diaghilev e Ana
Pavlova. As turnês promovidas representaram o início da implantação
da técnica do balé no país, não só pela oportunidade de o público
assistir às apresentações, como também porque muitos de seus
bailarinos passaram a morar e trabalhar em terras brasileiras,
ministrando aulas e coreografando.
Assim, embora já em 1916, antes da chegada das companhias
russas e onze anos antes de ser formada a primeira escola oficial de
dança do Brasil, o Teatro Municipal do Rio de Janeiro já tivesse
recebido em seu palco nomes como Isadora Duncan, até então, a
referência majoritária de dança para o público brasileiro ainda vinha
do balé clássico importado da Europa, principalmente França, Itália e
Rússia.
Em 1927, Maria Olenewa, bailarina e coreógrafa que dançava
na companhia de Diaghelev, instalada primeiramente no Rio de
Janeiro e, mais tarde, em São Paulo, fundou então no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro a primeira Escola Oficial de Dança do
país. Começávamos a desenhar o que seria a idéia de formação de
um balé nacional.
Interessante observar que, por se tratar de uma experiência
nova, principalmente para o público que freqüentava o Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, sede da escola, Maria Olenewa, sempre
na primeira parte de seus espetáculos, apresentava o balé de forma
bastante didática, com o objetivo de trazer àquele público um pouco
mais de informação.
Esse procedimento, de fato, foi e ainda é bastante explorado
por diversos coreógrafos, com o intuito de despertar maior interesse
por parte do público. No entanto, apesar de parecer uma estratégia
providencial, tais explicações guardavam uma ambivalência e
poderiam inferir que a dança, por si só, não estava cumprindo sua
função de comunicar, por isso a necessidade de artefatos para
explicá-la.
Um exemplo interessante é o da bailarina e pesquisadora
americana de danças étnicas, La Meri (1899-?), que também esteve
no Brasil em 1939. Essa artista viajava o mundo fazendo
espetáculos-palestras
sobre o seu trabalho.
Trata-se, portanto, de uma estratégia de formação de público,
porém, cabe questionar: em que medida ela seria eficiente para que
esse público, que pouco conhecia de dança, passasse a reconhecê-la
como linguagem artística?
Afinal, apesar de, desde sua chegada, Maria Olenewa buscar a
formação de um balé nacional, a dança em seu corpo havia sido
construída de acordo com os parâmetros russos; logo, a
contaminação por esses parâmetros de construção da cena, da
técnica e do entendimento de corpo era fatal.
Sendo assim, no sentido de buscar uma relação entre dança e
público brasileiro, e vice-versa, outra estratégia utilizada nessa
ocasião pelos coreógrafos e diretores era a criação de espetáculos
que abordassem temas relevantes para a sociedade da época - temas
regionais, ou sobre negros, sertanejos e ainda sobre a figura dos
índios, já em um momento de transição.
Parece então que a dança não era o mais importante,
configurando-se, apenas, como um suporte para o engajamento em
outros assuntos pertinentes no momento. Fica a questão: buscava-se
a formação de público para a dança ou, a dança estava sendo usada,
para outros objetivos?
1.1.1
A mímica colonial, no Brasil nacional
De fato, em especial no período do Estado Novo (1937-1945) –
o governo nacionalista defendia o
slogan:
“O melhor do Brasil é o
brasileiro” - a dança era bastante utilizada como veículo de
propaganda do governo, através das temáticas de seus espetáculos,
como por exemplo, a importância do povo e dos ritmos nacionais.
Europa. E o público ainda precisava daquela “configuração técnica” estrangeira,
no corpo, para compreender o espetáculo como sendo de dança.
Na esteira da discussão sobre identidade
está uma das questões mais polêmicas e controversas
enfrentadas pela dança: o
sentido de nacionalidade.
Como de praxe, para todas as antigas colônias,
mobilizadas pelo ensejo de discutir e afirmar sua
identidade cultural, a idéia de uma dança nacional e a
busca de seus parâmetros diferenciadores comparecem
como preocupação coletiva, ao longo de todos os
momentos da história brasileira da dança, seja na
produção intelectual ou na prática profissional dos
artistas e professores de dança, sob diferentes
matizes
.(Britto, 2002:72, grito da autora)
Esse processo de se reconhecer a partir do outro pode ser
definido como mímise, o que significa o desejo de um outro
reformado, reconhecível pelo sujeito que imita, ou seja, segundo
Bhabha (2003:130), “como sujeito de uma diferença que é quase a
mesma, mas não exatamente”.
Ainda na perspectiva do autor, o discurso da mímica se
constroe em cima de uma ambivalência; para ser eficaz, a mímica
necessita produzir seu deslizamento, sua diferença e seu excesso.
De fato, Christine Greiner ressalta que o processo da imitação
carrega, devido a sua própria natureza, a impossibilidade da cópia
fiel. O risco é o esvaziamento do processo, a despolitização da ação.
Isso já aconteceu no Brasil inúmeras vezes, quando emprestamos
modelos culturais estrangeiros “como decalque e não como mapa”
(2007:16).
cultura e modos de ver o mundo. Como colonizados, passamos a
enxergar o mundo a partir dessa visão que veio importada do velho
mundo. Esse olhar através do outro nos fez perceber a nós mesmos
de outra maneira, a partir deste filtro colonizador.
É desse espaço entre a mímica e o arremedo,
onde a missão reformadora e civilizatória é ameaçada
pelo olhar deslocador de seu duplo disciplinar, que vêm
meus exemplos de imitação colonial. O que todos têm
em comum é um processo discursivo pelo qual o
excesso ou deslizamento produzido pela ambivalência
da mímica (quase o mesmo, mas não exatamente) não
apenas “rompe” o discurso, mas se transforma em uma
incerteza que fixa o sujeito colonial como uma presença
“parcial”. Por “parcial” entendo tanto “incompleto” como
“virtual”. É como se a própria emergência do “colonial”
dependesse para sua representação de alguma
limitação ou proibição estratégica
dentro
do próprio
discurso autorizado
(Bhabha, 2003:131).
Com a crescente onda nacionalista da Era Vargas (1930-1945),
o povo brasileiro é introduzido nesse contexto - não somos mais
reprodução européia ou americana (novo personagem na cena
política).
Marilena Chauí (apud Pereira, 2002) coloca que o mestiço
acabou virando um bode expiatório do atraso brasileiro, uma vez que
havia um descompasso grande entre negros, brancos e índios,
causando uma pobreza cultural, atraso mental e falta de unidade de
nossas tradições e artes.
núcleos aglutinavam conteúdos particulares de nacionalidade: o
nacional popular e o da mestiçagem, não tanto biológica e sim muito
mais cultural. Enfim, era a cor que passava a associar uma imagem
estética a uma apreciação moral e também cultural.
Essa atitude nacionalista também reverberou na dança, fazendo
crescer a busca por uma dança mais nacional, mais brasileira. Essa
dança encontra sua representante maior: uma antiga aluna de Maria
Olenewa, a bailarina Eros Volúsia.
1.1.2
Eros Volúsia: criadora do bailado nacional
Eros Volúsia nasceu em 1917 e fez balé clássico na Escola de
Bailados do Teatro Municipal do Rio de Janeiro por apenas quatro
anos, pois, apesar de acreditarem que seria uma grande bailarina
clássica, Eros queria mais. Para ela, a dança precisava ir além. O
academicismo que o balé carregava era um fator de repressão, ao
qual seu temperamento e a adoração pelos ritmos brasileiros e
danças expressivas não podiam se limitar.
Segundo a própria Eros Volúsia, “seria um absurdo cultivar uma
arte de expressão internacional, enquanto toda uma raça esperava de
meu corpo a realização de sua alma. Minha tendência pelos ritmos
brasileiros manifestou-se logo que iniciei meus primeiros passos de
dança” (Pereira, 2002: 144). A primeira apresentação de Eros Volúsia
foi em 1929, para o Presidente Washington Luis no Teatro Municipal
do Rio de Janeiro.
e danças nacionais. Assim como outras bailarinas e coreógrafas,
como Maria Olenewa, por exemplo, Eros Volúsia usava de um
didatismo para colocar o público mais a par do que seria aquela
dança, pois os ritmos que apresentava eram ainda bastante
desconhecidos.
Aqui se apresenta, mais uma vez, o procedimento de
“explicação didática” da dança. No caso de Eros Volúsia, com o
intuito de tornar sua dança mais acessível para a elite carioca, ela
transformava em erudito o que estava reservado apenas para o
popular; trazendo as danças dos terreiros, das rodas para o palco.
Estilizando o popular em erudito, Eros foi então pioneira em
tornar artísticas essas danças populares, como o maxixe, por
exemplo. Com isso, sua arte era consumida pelo público dos cassinos
e do Teatro Municipal, ou seja, pelas elites que se interessavam pelo
exótico.
Seu Corpo queria ser a tensão entre e salão e o
terreiro, queria ser o que se mostra e o que oculta, num
processo de interpenetração de culturas
(Wisnik apud
Pereira, 2002).
Eros Volúsia representava o popular que caracterizava toda
uma classe, uma massa urbana, que ganhava força em seu corpo, e
através dele cavava entrada no Teatro Municipal.
encaminham esta mudança? No caso de Eros, qual o
tipo de aceitação que tinha para estar ensinando as
técnicas que estava desenvolvendo? Que tipo de
público estava atingindo nos anos 30?(...)
(Lopes apud
Pereira, 2002:170)
1.2
COMO O CONTEXTO E O CORPO CO-EVOLUEM?
Na visão de Pereira (2002), temos até 1930 uma estrada
bifurcada: “de um lado o balé estilizado e impregnado de estigmas
europeus e do outro o teatro de revista
2que coloca em discussão o
popular e o erudito, que permite a mistura, a experimentação”.
De fato, é nos teatros de revista que as manifestações
artísticas (música, teatro e dança) encontram seu ambiente propício
para verdadeiras experimentações cênicas, musicais e coreográficas.
Vários coreógrafos buscavam nos teatros de revista inspiração
para seus trabalhos, que seriam executados no palco do Teatro
Municipal, para um público que não aceitaria ir a um teatro de revista
ver tais apresentações. Porém, como o contexto era outro, os
espetáculos passavam a ter outra conotação. A fronteira desse
processo de contaminação já estava transbordada, mas, para um
2
O teatro de revista tornou-se um gênero popular no Brasil a partir do final do século XIX,
podendo ser caracterizado como um veículo de difusão de modos e costumes, como um
retrato da sociedade da época.
público segmentado e preconceituoso, cada manifestação artística
deveria se restringir a seu devido lugar, e com sua escala de valor.
Esse mecanismo de tirar uma coreografia de seu local de
origem e colocar em outro - por exemplo, estilizar, transfigurar - se
assemelha ao processo de nivelamento estético, que consiste em
elevar uma manifestação inferior ao plano da “arte culta”, ou deslocar
algum aspecto da arte popular para a arte erudita. No caso especifico
de Eros Volúsia, como a bailarina tinha pouca técnica clássica, esse
nivelamento não era tão evidente, pois as fronteiras entre
nivelamento e desnivelamento ficavam mais borradas.
No exemplo acima, fica claro que o conceito de contexto é
entendido de forma estática, como se a simples mudança de
ambiente mudasse a informação que é transmitida; neste sentido, o
ambiente também é estático. Segundo Sebeok (apud Greiner,
2005:129), porém, o contexto em que tudo acontece é muito
importante e nunca é passivo. Logo, o ambiente no qual a mensagem
é emitida, transmitida, e sujeita a influências, nunca é estático, mas
uma espécie de contexto sensitivo.
Já há alguns anos o “onde” deixou de ser apenas
o lugar em que o artista se apresenta,
transformando-se em um parceiro ativo dos produtos cênicos. Ao invés
de lugar, o onde se tornou uma espécie de ambiente
contextual
(Greiner 2005:130).
A idéia de contexto
3pode variar muito. Na visão de Sebeok
(apud Greiner, 2005), contexto é o reconhecimento que um organismo
3 Um acontecimento nos Estados Unidos no ano de 2006 pode nos ajudar a refletir um pouco mais
faz das condições e maneiras de utilizar efetivamente as mensagens.
Portanto, contexto inclui sistemas cognitivos, a memória das
mensagens, mensagens paralelas e a antecipação de mensagens
futuras.
O corpo e o ambiente estabelecem relações que acontecem a
partir de processos co-evolutivos e, segundo Greiner (2005),
produzem uma rede de pré-disposições perceptuais, motoras, de
aprendizado e emocionais. Corpo e ambiente estão envolvidos em
fluxos constantes de informação, mas existe uma taxa de preservação
que garante a unidade e a sobrevivência dos organismos. Esse modo
de compreender corpo e ambiente determina o fim da idéia de que
existiria um objeto esperando um observador. De acordo com a teoria
do Corpomidia, de fato, não há espaço para o procedimento de um
corpo recipiente, que só recebe as informações do mundo, mas sim
de um corpo que troca com o ambiente.
A mídia a qual o corpomidia se refere diz
respeito ao processo evolutivo de selecionar
informações que vão constituindo o corpo. A
informação se transmite em processos de contaminação
(Greiner, 2005:131).
O contato com novas informações insemina o contexto de tal
maneira que modifica o ambiente, e este, já modificado, passa a
produzir corpos modificados para habitá-lo. Esses novos habitantes,
então, passam a produzir um contexto mais complexo, que por sua
vez vai modificar outros corpos, e assim por diante.
Trata-se de um processo que, infelizmente, ainda acontece
pouco nos ambientes em que a dança contemporânea está inserida
hoje. A ausência de continuidade da maioria dos programas para a
área faz com que esse mecanismo não aconteça; logo, parece fato a
inviabilização das ações da dança em certos ambientes, sendo este
um ponto determinante para sustentar a dificuldade que a dança
contemporânea encontra em se comunicar com seu público e em
certos ambientes.
Voltando então ao teatro de revista, no Brasil, havia um estágio
a ser percorrido entre essa manifestação artística, a ópera e o balé,
devido ao preconceito de classe. A relação entre as instâncias do
popular e do erudito, observável neste contexto do teatro de revista,
ganha particularidades bem interessantes quando o assunto é dança.
Se esse tipo de configuração cênica era o lugar onde se dava o livre
trânsito das questões sobre o corpo nacional, através de seus tipos
característicos, de suas músicas e suas danças, obviamente havia ali
mais do que uma convivência - havia uma interpenetração de
informações. E no corpo que dança, mais do que isso, havia
contaminações.
Mesmo o maxixe, e depois o samba deveriam se dissolver num
corpo treinado pelo balé, ou vice-versa. Se, a partir disso, a
estilização das danças nacionais acaba sendo, por um lado, um único
caminho possível, quando executada por um bailarino, por outro, foi
com o ensino do balé em terras brasileiras que se pôde arranjar
melhor cenicamente as revistas (Pereira, 2002:144).
1.3 A AÇÃO DA MÍDIA E DOS CRÍTICOS NA DANÇA
A crítica de dança começa a ser delineada principalmente no
Rio de Janeiro, início do século XX, à época da fundação da primeira
Escola de Bailados do Brasil (1927), seguida pela implantação da
Companhia Oficial de Bailados (1936). Para que essas ações
tivessem sucesso, o papel da crítica foi fundamental
,para se
entender como a linguagem cênica da dança poderia ser produzida
aqui em solo nacional e ganhar formas brasileiras.
Dentro desse contexto, de avanço da dança, cresceu o número
de críticos de jornais que cobriam os eventos de dança na cidade.
Estes iam se formando à medida que as companhias iam se
aperfeiçoando, e com isso iam cobrando delas uma produção mais
apurada e sofisticada.
Porém, havia muitos desconfortos por parte dos críticos, que
tinham dificuldade em falar de uma dança que não fosse o balé
clássico; ou seja, os críticos estavam tão condicionados quanto o
público. Eles conseguiam reconhecer uma dança brasileira, mas
tinham uma grande dificuldade de falar sobre, exclusivamente por
falta de compreensão e conhecimento. Assim, dificilmente esses
críticos aceitavam, por exemplo, que em um mesmo espetáculo uma
bailarina dançasse dois estilos completamente diferentes.
valor para os pesquisadores, pois retrata uma época, um contexto.
Os críticos de dança começaram a perceber então que, para se criar
um bailado brasileiro, diferentemente do balé clássico, eram
necessários tempo e pesquisa. (Pereira, 2004)
As abordagens teóricas sobre a dança costumam
valer-se de metáforas e analogias como recursos
explicativos. Busca-se, deste modo, suprir com
imagens de equivalência uma insuficiência de
repertório conceitual, originária da histórica
condenação da Dança ao reino da subjetividade – sob a
alegação de que qualquer intelectualização sobre o
modo operativo representa uma ameaça às suas mais
nobres propriedades: aquelas que garantem o
envolvimento emocional do público.
(Britto, 2002:80)
Dentro desse contexto, o crítico Jaques Corseuil (1913-2000),
um dos primeiros realmente especializados no assunto, deve ser
mencionado como peça fundamental nessa construção de uma
história da dança brasileira e de seu público.
Mas o grande desafio nessa época, não apenas para a dança
que precisava se formar em uma nova cultura, mas também para o
Brasil como país, era entender nossa própria cultura e nosso corpo
plural. Quando os dois problemas se tocam, o do corpo plural se
amplifica, justamente pelo que não está implementado, pelo lado da
dança, e pelo que ainda não está aceito e entendido, pelo lado da
cultura brasileira.
Brasil, 16/03/2004), é importante que ela continue a auxiliar na
quebra de pré-conceitos a cerca do que seja fazer uma dança
brasileira, um corpo brasileiro
4sem que continue impregnada dos
clichês do significado do adjetivo “brasileira” para dança, ao mesmo
tempo em que coloca em crise, em um processo contínuo e profícuo,
o que se produz e o que se pensa em dança no país.
1.4 A CRIAÇÃO DE UM CAMPO DE CONHECIMENTO PARA
DANÇA
Mesmo diante de várias adversidades, a dança cresceu
principalmente nos últimos 12 anos. Surgiram mais eventos como:
Feminino e Masculino na Dança (ambos este ano completam 17 anos
de existência); Semanas de Dança e Solos, Duos e Trios do
Centro
Cultural São Paulo
; Primavera na Dança
(desde 2005) do
Teatro
Fábrica
; Dentro e Fora do Eixo ou Fora do Eixo ou Deslocamentos
(desde 2005),
do
SESC Ipiranga
; Dança em Pauta (desde 2002)
Centro Cultural Banco do Brasil
; Panorama SESI de Dança
(desde
2000) do
SESI (Serviço Social das Industrias)
; Mostra Crisantempo
(desde 2006) da
Sala Crisantempo
;Temporada de Dança do Teatro
Alfa (desde 1998); Espaço Aberto da Cia 2 do
Balé da Cidade de
São Paulo
(desde 2006); Teorema (desde 2004), idealizado por
Adriana Grechi e com curadoria de Fabiana Britto (até 2007 no
Estúdio Move e a partir de 2008 no Estúdio Nave); A Casa do Outro
(desde 2005), do
Espaço Ângelo Madureira e Ana Catarina Vieira
;
e, ainda, o
Viga
Espaço Cênico
, que programa espetáculos de dança
4 Segundo Greiner (2007:14) pensar sobre o corpo brasileiro, especificamente é muito difícil, dada a
com uma certa regularidade, além do
Caleidos Arte e Ensino
, que
programa espetáculos e promove residências artísticas.
Há também mais festivais
5, como o Festival de Dança de
Araraquara (desde 2000); Bienal de Dança do SESC Santos (desde
1997); Festival Nacional Curta Dança – Sorocaba (desde 1996);
Pública Dança – Votorantim (desde 1994); Mostra de dança do
espaço Pés no Chão – Ilhabela.
Surgiram, ainda, alguns prêmios de instituições privadas, como
o Prêmio Cultura Inglesa da Associação Cultural Inglesa de São
Paulo (desde 1996); Rumos Dança do Itaú Cultura (desde 2000).
Mais cursos de graduação, como a Unicamp – Artes do Corpo;
PUC-SP – Comunicação das Artes do Corpo; Anhembi Morumbi –
Curso de Dança; Faculdade Paulista de Arte – Curso de Dança, além
do curso de Formação em Dança Contemporânea da Escola Livre de
Dança de Santo André. E também de pós-graduação: Mestrado e
Doutorado – Comunicação e Semiótica – PUC-SP, Mestrado e
Doutorado – UNICAMP e UNESP.
Mais coletivos (os coletivos exemplifico no âmbito nacional):
Couve-flor – Curitiba, o Coletivo T1 – São Paulo, o Quadra Pessoas e
Idéias – Votorantim, o Colaboratório - Ceará e o Núcleo de Criação
do Dirceu – Piauí. Mais grupos abriram seus próprios espaços: Lugar
– João Andreazzi, Estúdio Nova Dança – Cia 4, Cia Oito e Nada
Dança (o Estúdio, no início de 2007 encerrou suas atividades).
Outro ponto muito importante dentro deste panorama foi o
considerável crescimento no número de publicações, tanto de livros,
5
No caso
dos festivais, o crescimento ocorreu de forma significativa em âmbito nacional. A cidade de Sãoquanto de revistas, como: a série
Lições de Dança,
que esta em sua
quinta edição (a primeira é de 1999), organizada por Roberto Pereira
e Silvia Soter, a
Coleção Leituras do Corpo, do
Sexo e da Morte
(respectivamente 2003, 2006 e 2007) de Christine Greiner e Claudia
Amorim,
a Revista Húmus 1, 2 e 3
(2004 e 2007), organizada por
Sigrid Nora. Continuando este breve mapeamento seguimos com os
livros: de Helena Katz,
Um, Dois, Três a Dança é o Pensamento do
Corpo
(2005),
Danças Populares Brasileiras
(1998),
Grupo Corpo
Companhia de Dança
(1995),
O Brasil descobre a Dança, a Dança
descobre o Brasil
(1994),
A dança dos encéfalos acesos
(2003),
de Maíra Spanghero, os livros de Christine Greiner,
O Corpo, pistas
para estudos indiciplinares
(2005),
O teatro Nô e o Ocidente
(2000),
Butô, pensamento em evolução
(1998),
Cartografia da
Dança: Criadores-intérpretes brasileiros,
de Fabiana Dultra Britto
(2001),
Dançando na Escola
(2003),
Ensino de Dança no Brasil
(2001) de Isabel Marques,
Noverre: cartas sobre a dança
(1998) de
Marianna Monteiro.
Cassia Navas, publicou o catálogo
Balé da
Cidade de São Paulo,
o livro
Teatro do Movimento um Método para
o Interprete Criador,
junto com Lenora Lobo e o livro
Na Dança
(todos de 2003). Ciane Fernandes, por sua vez publicou o título:
Pina
Bausch e o Wuppertal Dança – Teatro: Repetição e
Transformação
(2000), sobre o mesmo tema, Fabio Cypriano
escreveu
Pina Bausch
(2006). Inês Bogêa em 2001 escreveu
Oito ou
Nove ensaios sobre o Grupo Corpo
e em 2002
O Livro sobre a
Dança.
Temos ainda
Corpo Aberto: Cunnigham, dança e novas
tecnologias
(2002) de Ivani Santana. Roberto Pereira publicou vários
livros como:
A Formação do Balé brasileiro: Nacionalismo e
Muitas dissertações e teses também se transformaram em livros
como, por exemplo: O
Dicionário Laban
, de Lenira Rengel (2003),
Corpo e ancestralidade: uma proposta pluricultura de
dança-arte-educação
, de Inaicyra Falcão (2002),
Profetas em movimento:
dansintersemiotização ou metáfora cênica dos Profetas do
Aleijadinho, utilizando o método Laban
, de Soraia Maria da Silva
(2001),
Nina Verchinina - Um pensamento em movimento
de
Beatriz Cerbino (2001) e de Ivani Santana,
A dança na Cultura
(2006).
Estes são apenas alguns exemplos da produção bibliográfica
que estamos vivendo na dança hoje. Surgiram muitos autores e
pesquisadores, que apresentam posicionamentos políticos em relação
à construção do conhecimento na área.
A partir do ano de 2006, surgiram na cidade de São Paulo as
primeiras temporadas de dança, uma ação efetiva que caminha para
continuidade, fator determinante para um trabalho de formação de
público concreto - Bazar das Utopias, do Coletivo T1, que citei acima,
no extinto Estúdio Move, o Masculino na Dança, do Centro Cultura
São Paulo, a unidade provisória do Sesc Avenida Paulista; e
iniciando-se neste ano de 2008, o Teatro da Dança, da Secretaria
Estadual de Cultura, abre espaço para temporada de dança.
Valério Césio, do
site
Dança, Arte & Ação; Fabiana Dultra Britto,
Christine Greiner, Marcos Bragato, são críticos também, mas não tem
atuação especifica um único veiculo de comunicação..
Na televisão, que é o grande veículo de comunicação de massa,
temos a Tv SESC /SENAC, que produz o STV na Dança, como uma
das únicas iniciativas; porém, não conta com profissionais
especializados para trabalhar o conteúdo específico da dança.
Na Internet, o número de sites e revistas
on line
vem
crescendo:
portal
do idança.net
(www.idanca.net
), que é um espaço
para publicação de artigos, agenda de espetáculos, cursos,
workshops, tanto nacionais como internacionais, e espaço para se
conhecer mais sobre dança contemporânea. O
site
do Conexão dança
(www.conexaodanca.art.br
), com artigos, banco de projetos,
agenda, notícias sobre dança (não apenas de dança contemporânea -
neste caso, o
site
é mais abrangente, pois destaca mais nichos da
dança que o idança) e arquivo fotográfico. O
site
da publicação do
movimento de dança de Recife
(www.dancarecife.net),
que traz
artigos, agenda, espaço para as leis e editais e informações sobre
dança, principalmente dança contemporânea. E também o Jornal
on
line
Dança, Arte & Ação
(www.dancecom.com.br),
que disponibiliza
um conteúdo específico para dança, como agenda de workshops,
espetáculos, cursos e artigos relacionados à área.
dança sofra com a falta de público para seus espetáculos e
trabalhos?
Neste capítulo, apresentamos, então, um breve panorama da
trajetória da importância do público para os artistas, e vice-versa.
Muitas questões permanecem, mas uma hipótese se desenha. Desde
o princípio, ou desde a chegada do balé no Brasil, quando
começamos a pensar a dança profissionalmente, o modelo didático de
abordagem do público, salvo algumas exceções, continua a ser
tratado de forma bastante semelhante, instituindo-se e se
desenvolvendo, principalmente, nos espaços de apresentações,
eventos e festivais.
Trata-se de um procedimento com pouca maleabilidade, que
talvez tenha funcionado em um primeiro momento, para apresentar
novas possibilidades a um público que nada conhecia de dança.
Porém, ao longo do tempo, mesmo sem mostrar eficiência, essa
estratégia foi mantida, criando não só uma relação de dependência,
como também dificultando que esse público se relacione e
compreenda a linguagem artística da dança, mantendo-o, de certa
forma, distante, dando poucas ferramentas para que passe a se
relacionar com a dança de forma mais ampla e livre.
Vale aqui citar a discussão que nos apresenta Giorgio Agamben
sobre o estado de exceção. Ele coloca que o estado de exceção não
é um direito especial, mas a suspensão da ordem jurídica. A lei
desaparece porque sua finalidade desaparece. O estado de exceção
é o estar-fora e pertencer ao mesmo tempo.
cerca de 50 anos atrás ainda continuam a se replicar, o que as torna
incompatível com o fazer artístico de hoje, principalmente a partir da
década de 80 quando se começa a repensar os modos de fazer, as
produções começam a ter novas temáticas e também os limites da
linguagem. Mas com a suspensão da ordem vigente, temos um novo
problema que é da inclusão de um espaço que não esta nem dentro
nem fora da ordem.(ver mais detalhes sobre o tema no segundo
capítulo)
S e g u n d o C a p í t u l o
Onde estão os equívocos?
Leis, políticas, ações...
A democracia cultural é baseada na idéia de
que culturas diversas deveriam ser tratadas de
forma essencialmente igual em nossas
sociedades multiculturais. Nesse contexto, o
desenvolvimento cultural torna-se um processo
de auxiliar as comunidades e as pessoas a
aprender, expressar-se e comunicar-se em
direções múltiplas, não meramente do topo – as
instituições da cultura da elite dominante – para
baixo.(
Adams e Goldbard, 2000: 55)
Neste segundo capítulo abordamos o funcionamento dos
mecanismos de incentivo à cultura, os editais e as leis de fomento
6
,
de forma a compreender como essas estratégias criadas pelo governo
influenciam, auxiliam ou não a produção de dança no Brasil.
2.1 BREVE HISTÓRICO DAS LEIS DE INCENTIVO À CULTURA
Voltemos às origens. Em 1808, após a transferência às
pressas da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, que fugia da
invasão napoleônica, Dom
João VI, avesso a qualquer incentivo à
6 Leis de incentivo, ou melhor, incentivos fiscais são estratégias criadas pelos governos
produção cultural brasileira ou estímulo à criação de uma identidade
nacional, importou da França, precisamente em 1816, uma missão
artística. O objetivo era propagar uma vida cultural europeizada, não
apenas na corte, mas, também, entre os habitantes da colônia.
Formada por artesões, artistas, cientistas e pesquisadores, e
com a chancela da coroa portuguesa, essa missão trouxe para o país
um padrão cultural de produção e consumo de arte espelhado no
modelo burguês europeu, desconsiderando a dinâmica cultural
brasileira, já, então, em pleno curso. Esse modelo persistiu até o final
do governo de Dom Pedro II.7 Em 1826 o Imperador, criou a
Academia Imperial de belas Artes, mas esta ainda se mantinha
refratária a toda e qualquer manifestação artística nacional.
Segundo Reis (2003), ao longo do século XX, muitos membros
da elite intelectual e econômica brasileira, principalmente paulistana,
transformaram o provincianismo que assolava o país em um solo fértil
de efervescência cultural em conexão com o que estava acontecendo
internacionalmente. Estes empreendedores culturais conseguiram
transformar São Paulo em uma capital cultural.
8Até boa parte do século XX não existia no Brasil uma estrutura
administrativa pública que se encarregava de fomentar
democraticamente a promoção cultural, logo nem se imaginava ainda
uma política cultural brasileira.
Até a década de 1930, não existiu uma política cultural pública
que se pautasse em mecanismos consistentes e eficazes. Nessa
época, foi a iniciativa privada que passou, então, a se envolver com a
7 Durante o governo de Dom Pedro II, foram concedidos prêmios Viagem para estudantes se
manterem no exterior por três anos. “Assim a cultura que se formava era a européia, acompanhada de uma perene rejeição européia”.Reis (2003:160)
8 Alguns dos mecenas brasileiros: José de Freitas Valle, Francisco Matarazzo, Franco Zampari e
arte brasileira. Até que surge a figura do mecenas
9
, já misturando
público e privado, pois muitos deles ocupavam cargos políticos.
A primeira experiência de lei de incentivo à cultura aconteceu
em 1986 com a Lei Sarney
10
, que, em seu primeiro molde, apenas
fazendo cadastramento de proponentes, durou até 1990. Essa
experiência foi precursora da lei de incentivo no Brasil. Segundo
Cesnik (2002:05), essa lei previa três níveis de abatimento: até 100%
para doadores, até 80% para patrocinadores e até 50% para
investidores.
Com o governo Collor, o Ministério da Cultura foi extinto, ou
melhor, submetido à Secretaria de Cultura, subordinada a própria
presidência. Uma das ações que ocorreu em São Paulo foi que, a
partir dessa medida, a classe artística se mobilizou para a criação de
uma lei de incentivo na cidade, a lei Mendonça
11
.
Já em 1991, o secretário da Cultura da presidência, Sérgio
Paulo Rouanet, criou o texto que dá, até hoje, toda a base à política
de incentivo a cultura praticada no Brasil. Neste início, por ter um
texto muito formal, com uma série de exigências e análises, a lei se
fez pouco permeável e acabou tendo pouquíssima adesão por parte
da empresas e nenhuma de pessoas físicas.
Em 1995, com o governo Fernando Henrique Cardoso, o então
Ministro da Cultura, Francisco Correa Weffort, passou a trabalhar
para regulamentar a lei Rouanet, por exemplo, criando no ministério
9 A origem da palavra mecenas vem da Roma Antiga, de Caius Cilnius Mecenas, ministro do
Imperador Romano Caio Julio Augusto. Mecenas foi responsável por uma política inédita de relacionamento entre governo e sociedade. Para ele as questões de poder e da cultura são indissociáveis e cabe ao governo a proteção às diversas manifestações de arte.
10 Lei nº 7.505/86 – permitia a dedução de 2% do Imposto de Renda de pessoa jurídica e 10% da
pessoa física, aplicada sobre a transferência de recursos para atividades culturais.
da Cultura a Secretaria de Apoio à Cultura
12
. Outro fator importante
foi a iniciativa do então ministro das Comunicações Sergio Motta com
de trazer as estatais de telecomunicação para incentivar a cultura
através dos mecanismos da lei Rouanet.
Segundo Cesnik (2002:19), dentre as políticas de incentivo à
cultura, o mecanismo federal foi um dos que mais evoluíram. Essa
organização é composta pelas leis Rouanet,
do Audiovisual, e
legislações conexas. Vamos tratar aqui mais especificamente da lei
Rouanet, que engloba as áreas que estão co-relacionadas ao nosso
tema.
2.1.1 A LEI ROUANET E SEUS DESDOBRAMENTOS
A Lei Rouanet
13
criou o Pronac (Programa Nacional de Apoio à
Cultura), cujo objetivo é fomentar e promover a produção cultural
brasileira em suas mais diferentes áreas. Tem como princípio
priorizar o produto originário no país, o que não significa excluir
atividades do exterior, por exemplo, espetáculos estrangeiros que
venham se apresentar no Brasil, como também incentiva produções
nacionais que queiram se apresentar em outros países.
A lei exige que os incentivos advenham eles
de receita orçamentária da União, Fundo Nacional de
Cultura (FNC), ou da aprovação de projetos pelo
mecenato, somente poderão ser concedidos para os
12 Ler mais sobre a trajetória das leis de incentivo em Cesnik, Fábio de Sá. Guia de Incentivo à
Cultura. Manole, 2002.
13
Ver o texto na integra em anexo da Lei Rouanet Lei nº8.313 de 23 de dezembro de
projetos que visem à exibição, utilização e circulação
pública dos bens culturais deles resultantes, vedada a
concessão de incentivo a obras, produtos, eventos ou
outros decorrentes, destinados ou circunscritos a
circuito privado ou a coleções particulares
(artigo 2º,
parágrafo único da lei).
A lei se divide em três mecanismos distintos de apoio à cultura;
são eles: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), o Fundo de
Investimento Cultural e Artístico (Ficart – que não entrou em
funcionamento até o presente momento) e o incentivo a projetos
culturais (Mecenato)
14
.
O FNC é o mecanismo de financiamento que possibilita ao
Ministério da Cultura investir diretamente nos projetos culturais,
mediante a promoção de convênios e outros
instrumentos similares,
tais como concessão de bolsas de estudo e o Programa de
Intercâmbio cultural. O FNC possibilita o financiamento de até 80%
do projeto, sendo os 20% restantes de contrapartida do proponente.
O Mecenato é um programa de apoio à cultura, por meio de
incentivo fiscal a projetos culturais, que possibilita que pessoas
físicas e jurídicas apóiem a cultura, através da aplicação de uma
parcela do imposto de renda, como doação ou patrocínio. O Limite de
abatimento do Imposto de Renda é 4% para pessoa jurídica e 6%
para pessoa física.
Esses mecanismos de incentivo transformaram
consideravelmente o cenário cultural brasileiro nos últimos dez anos.
Os textos se aprimoraram, fazendo com que as leis fossem se
adequando melhor ao mercado; mas, de fato, ainda não são
14
Mais informações sobre as leis no site Marketing Cultural –
suficientes, pois o índice de aprovação de projetos não é alto
15
. Mais
importante: o índice de projetos incentivados
16
é ainda menor (40%),
o que nos revela, por um lado, como é difícil obter patrocínio e, por
outro, a necessidade de se encontrar formas alternativas de
financiamento à cultura (Reis, 2003:175).
Outro aspecto importante é que, de meados da década de
oitenta até este início dos anos 2000, os incentivos fiscais vêm se
configurando não como parte de um projeto de política cultural, como
foi idealizado, mas passaram a ocupar o lugar da própria política
cultural. É muito importante distinguir entre uma política pública, de
natureza, que abriga todo o setor ao qual se destina, e uma ação de
caráter mercadológico, portanto, setorizada.
Ações do governo Sarney para o setor, em 1986, visavam
estimular empresários não familiarizados com investimentos em
cultura. A primeira ação foi a de oferecer vantagens fiscais como
estímulo educacional. A lei de incentivo tinha esse caráter inicial:
educaria o empresário, transformando-o lentamente em um investidor.
Infelizmente não foi o que aconteceu: o que deveria se configurar
como um projeto global foi reduzido a mecanismos de financiamento,
por meio de leis de incentivo à cultura; e seu caráter educativo foi um
projeto que não saiu do papel.
Diante desse panorama de leis de incentivo e posicionamento
do governo, percebemos que, na realidade, não temos uma política
cultural pública
17
, clara e coerente. Política cultural segundo Reis,
15 Este número se aproxima de 75%, o que não é muito dado que o ministério não seleciona projetos, apenas os analisa em termos documentais: conferência do material, comprovação da capacidade do proponente de gerir o projeto e aspectos de viabilidade financeira)
16 No Minc os projetos são divididos em três partes: os apresentados, aprovados eincentivados, conforme terminologia do Minc.
17 Para alguns autores, política cultural não é exclusivamente pública e deveria incluir também
(2003:139) é um conjunto de valores, princípios, instrumentos e
atitudes que guiam a ação do governo na condução das questões
culturais. Em vários países, a função da política cultural é defender e
preservar a identidade de um povo, democratizar o acesso à cultura e
promover a diversidade cultural.
A importância de se ter uma política cultural definida e bem
desenhada é reconhecida quando a cultura é considerada como um
dos pilares do desenvolvimento de uma sociedade. A necessidade
dessa política repousa no fato de que a produção cultural, em suas
diferentes manifestações, não irá se desenvolver se deixada à mercê
do mercado, pois terá sua diversidade e continuidade prejudicadas
pelas necessidades imediatas, e, muito importante, sua distribuição e
consumo não serão socialmente desejáveis e, conseqüentemente,
não serão democráticas.
2.2 – O CASO ESPECÍFICO DA DANÇA
No campo da dança, a ausência de pensamento público e,
conseqüentemente, de ações diretas e continuadas faz dessa arte um
exemplo claro de
refém do mercado, ou seja, tem sua diversidade e
continuidade prejudicada, com distribuição e consumo não
democrático.
Observamos que, nos últimos anos, surgiu um mecanismo de
distribuição de verba na dança que está longe de fazer parte de um
conjunto de ações que componham um pensamento acerca de uma
política pública específica, ou que nos auxiliem a criar um mercado
de trabalho concreto.
Estamos nos referindo aqui aos prêmios e editais existentes
para área da dança, que normalmente têm sua periodicidade atrelada
a acontecimentos políticos
18
, e são distribuídos dentro das áreas de
circulação de espetáculo, criação de obras coreográficas, pesquisas
teóricas e teórico-práticas (em anexo, os textos dos editais).
Com essa quantidade de editais que surgiram, muitos artistas,
companhias e pesquisadores foram contemplados para
desenvolverem novas criações, circularem com seus espetáculos e
aprofundarem suas pesquisas. Ainda como reverberação destes
editais, os espaços de apresentação receberam um número grande de
espetáculos contemplados, passando de uma hora para outra a ter
uma vasta programação.
Porém, o curioso de todo esse movimento é que o fato de se ter
mais recursos para os artistas da dança trabalharem não significou
que ganhamos em qualidade. Na verdade, o gráfico dessa relação
seria inversamente proporcional, ou seja, mais verba, menos
qualidade, mostrando que simplesmente empregar recursos sem um
18 Pesquisando sobre a periodicidade dos editais e prêmios, constatamos que nos anos de 2004 à
pensamento que permeie essas ações não funciona como uma ação
política, nem de valorização e estruturação do trabalho do artista,
não promovendo a continuidade das pesquisas artísticas tão pouco
um trabalho de formação de público.
Segundo Katz (2006),
O pior desta situação, contudo, é a ausência
total de qualquer discussão pública sobre o que
representa e quais as conseqüências desta súbita
distribuição de recursos via prêmios e editais (...) estes
não configuram sozinhos nenhuma espécie de política
cultural.
Nesse mesmo artigo, Katz conclui ainda que “a simples
multiplicação da oferta de espetáculos, não cria platéia, já que a
baixa qualidade de muitos dos espetáculos tende, ao contrário,
espantar o público”.
Temos, então, como define o teórico italiano Agamben
(2004:26), uma forma extrema da relação que inclui algo unicamente
através de sua exclusão. Para se manter um estado de exclusão, por
vezes, é preciso retirar dele alguns indivíduos ou idéias, mas apenas
temporariamente, para que este sistema não fique saturado e
“exploda”. No caso específico da dança, essa inclusão parece
satisfazer os artistas que se isentam de críticas e reflexões sobre a
atuação política de nossos governantes.
sentido. Na sua forma arquetípica, o estado de exceção
é, portanto, o princípio de toda localização jurídica,
posto que somente ele abre o espaço em que a fixação
de um certo ordenamento e de um determinado
território se torna pela primeira vez possível
(Agamben, 2004:27).
Segundo Katz (2006), os artistas que são por um curto espaço
de tempo retirados do que podemos chamar de campo de extermínio,
se sentem incluídos, mas não estão. Os outros que lá permanecem
não se colocam, nem se revoltam na esperança de serem os próximos
a mudarem de lado. Mas os incluídos são devolvidos à zona de
extermínio, e assim recomeça o ciclo vicioso da procura por um lugar
mais seguro que alivie o artista da busca eterna da sobrevivência.
Além dos editais e prêmios, que são mecanismos utilizados com
periodicidades diversas, existe hoje na cidade de São Paulo a Lei de
Fomento
19
para a dança, que já está em sua quarta edição. A lei é
uma conquista da classe, através do movimento Mobilização Dança
20
,
que tem um repasse direto do orçamento da Prefeitura de dois
milhões de reais, sendo seus editais abertos a cada semestre.
Trata-se de uma possibilidade concreta para começarmos a construir uma
futura política pública para dança.
19A Lei de Fomento é um programa da Secretaria Municipal de Cultura que seleciona, por meio de
uma comissão julgadora qualificada, até 15 projetos a cada edital de dança contemporânea, seja de criação coreográfica, circulação ou manutenção. O objetivo é estimular a continuidade dos trabalhos na área e auxiliar na difusão da produção artística paulista.
(http://www.centrocultural.sp.gov.br/fomento2/fomento_faq.htm)
20 O movimento Mobilização Dança surgiu em 2002 na cidade de São Paulo, devido a articulação
Assumir-se como um programa implica
identificar com muita acuidade o que se entende por
formato, o que deve ser fomentado, como isso deve
acontecer, por quanto tempo e com quais formas de
avaliação (...) o edital surge depois, pois não passa do
instrumento legal que permitirá a execução da(s)
plataformas(s) proposta(s) pelo programa
(Katz, 2006)
CONCLUSÃO
QUANDO A TRADUÇÃO É COMUNICAÇÃO
“A Tradução é simultaneamente, um
trabalho intelectual e um trabalho político. E
é também um trabalho emocional porque
pressupões o inconformismo perante uma
carência decorrente do caráter incompleto
ou deficiente de um dado conhecimento ou
de uma dada prática
”.(Santos, 2006: 129)
Colocamos como uma das hipóteses deste trabalho à
problemática da tradução. Encontramos nesta relação entre artista,
público e espaço, fricções que levam a uma comunicação repleta de
ruídos, vindos de diversos lados, conforme demonstramos ao longo
deste trabalho.
Segundo Campo (s/d: 21), o lugar da tradução seria a
discrepância entre o dito e o dito. A tradução nasce da deficiência da
sentença, de uma incapacidade de existir por si mesmo.
As possibilidades de desenvolvimento da
dança, como informação estética e forma de
conhecimento, estão relacionadas com o alcance
explicativo da teoria produzida sobre ela, pois disso
dependem suas condições de interlocução com as
outras matérias culturais, considerando a
predominância da forma escrita como o modelo padrão
de transmissão informativa na atualidade. E a
historiografia é um eficiente mecanismo de
continuidade da participação da dança nos debates
científicos sobre arte. Contudo o discurso da dança no
seio da tradição teórica de estudos da cultura é algo
ainda fortemente dificultado, até mesmo pelo efeito
reverso de discursos esclarecidos, bem intencionados
(Britto, 2002:15
)
21Aqui, tratamos tradução como recriação - significa que, ao
traduzir, estamos recriando o que vemos. E é justamente esse
sentido de tradução que nos parece falho na relação entre artista e
público. Ao assistir a um espetáculo de dança, o público estaria
recriando seus sentidos, pois a tradução desses significados está
acoplada à história particular de cada indivíduo. Cada corpo constrói
um conjunto de conhecimentos disponibilizados em cada
circunstância histórica e aos padrões associativos que o corpo
desenvolve para estabelecer as suas correlações com o mundo –
outros corpos, outras danças, outros conhecimentos. (Britto, 2002:14)
A tradução é o procedimento que permite criar
inteligibilidade recíproca entre as experiências do
mundo, tanto as disponíveis como as possíveis (...). O
trabalho de tradução incide tanto nos saberes como
sobre as práticas e seus agentes
(Santos, 2006:123;
124).
21 Para mais informações sobre o assunto ver a tese de doutorado “Mecanismos de Comunicação