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Educação, corpo e natureza na obra "O Emílio" de Jean-Jacques Rousseau

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

RACHEL RAMOS DE SOUZA

EDUCAÇÃO, CORPO E NATUREZA

NA OBRA O EMILIO DE

JEAN-JACQUES ROUSSEAU

CAMPINAS

2016

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RACHEL RAMOS DE SOUZA

EDUCAÇÃO, CORPO E NATUREZA –

O EMILIO DE JEAN-JACQUES

ROUSSEAU

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, na área de concentração de Educação.

Supervisor/Orientador: Carmen Lucia Soares ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA RACHEL RAMOS DE SOUZA, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. CARMEN LUCIA SOARES

CAMPINAS 2016

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Souza, Rachel Ramos de,

So89e SouEducação, corpo e natureza na obra "O Emílio" de Jean-Jacques Rousseau / Rachel Ramos de Souza. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

SouOrientador: Carmen Lúcia Soares.

SouDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade

de Educação.

Sou1. Rousseau, Jean-Jacques, 1712-1778 - Emilio - Critica e interpretação. 2.

Corpo. 3. Educação. 4. Natureza. I. Soares, Carmen Lúcia,1956-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Education, body and nature in Jean-Jacques Rousseau's Emile Palavras-chave em inglês:

Rousseau, Jean-Jacques, 1712-1778 - Emilio - Criticism and interpretation Body

Education Nature

Área de concentração: Educação Titulação: Mestra em Educação Banca examinadora:

Carmen Lúcia Soares [Orientador] Edivaldo Góis Júnior

Águeda Bernadete Bittencourt

Data de defesa: 08-04-2016

Programa de Pós-Graduação: Educação

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

EDUCAÇÃO, CORPO E NATUREZA NA OBRA

O EMILIO DE JEAN-JACQUES ROUSSEAU

Autor: Rachel Ramos de Souza

COMISSÃO JULGADORA:

Orientadora: Profa. Dra. Carmen Lucia Soares

Prof. Dr. Edivaldo Góis Júnior

Profa. Dra.Águeda Bernardete Bittencourt

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno. 2016

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Dedicatória

Dedico este trabalho à minha família e a

todos meus mestres ao longo do caminho...

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Agradecimentos

A todos que se fizeram presente na minha formação desde a infância até os dias de hoje.

A professora Carminha que me aceitou e me desafiou a construir e trilhar um caminho pela natureza que me encanta hoje e sempre.

A todo o grupo de pesquisa que me auxiliou na construção deste trabalho e me ensinou grandes lições.

A CAPES e à Faculdade de Educação da UNICAMP que concederam a bolsa de financiamento para realização desta pesquisa.

A minha família, especialmente minha mãe, meu pai e meu irmão que mesmo distantes sempre me apoiaram em todos os meus passos. Obrigada por tudo Geralda, Petronio e Rodrigo.

A minha querida família que vem me apoiando, tendo paciência e ajudando ao longo deste caminho, hoje e sempre. Obrigada Christian e Marcelo.

A todos meus familiares, de sangue e de coração que sempre torcem pelo meu sucesso; obrigada Gerson, Maria Inês, Maria Luiza, Katharina, Rodrigo e muitos outros....

Aos meus irmãos de espírito que muito me ouviram e ajudaram a ter paciência e calma para trilhar cada passo.

Aos amigos da UNICAMP, em quem pude me apoiar e pedir auxílio quando necessário.

As minhas amigas desde Minas até Campinas, passando pelo mundo. A todas as pessoas que passaram pela minha vida e deixaram lições no meu coração.

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Resumo

O livro Emílio, ou da Educação é uma obra clássica sobre educação na qual Jean-Jacques Rousseau expõe um modelo de como educar o ser humano desde seu nascimento até a maioridade. Nesta obra a educação é observada sob o viés da natureza, que é apresentada como a primeira educadora do ser humano e, ao mesmo tempo, o objetivo para o qual o processo pedagógico deve-se guiar em última instância. Educar a partir da natureza é a premissa que Rousseau utiliza para apresentar uma novidade de sua teoria, a saber, a educação do corpo e do espírito. O corpo assume assim, um lugar de destaque ao longo dessa formação e seria através da interação com a natureza e seus elementos que o ser humano iniciaria sua formação. Rousseau apresenta Emílio, seu discípulo imaginário, para expor as diretrizes que iriam aparecer em seu projeto pedagógico de formação. Os dois primeiros livros estão centrados na educação pela natureza de maneira mais direta, mas a partir do terceiro percebe-se nitidamente a importância do corpo e da natureza para a formação intelectual e moral de Emílio. Esta pesquisa tem como objetivos analisar e discutir como a educação do ser humano configura-se nesta obra de Rousseau desde a perspectiva da natureza. Objetiva, ainda, compreender como a formação intelectual pode manter-se alinhada à natureza a partir de uma educação do corpo, na segunda metade do século XVIII.

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Abstract

The book Emile, or on Education is a classic work on education in which Jean-Jacques Rousseau sets out a model of how to educate man from birth to adulthood. In this work Education is observed under scope of nature, which is presented as the first educator of man and at the same time, the purpose for which the teaching process should be, ultimately, guided. Education from nature is the premise that Rousseau uses to display a novelty of his theory, namely, the education of the body and spirit. The body assumes, thus, a prominent place in the natural education and would be through interaction with the environment that man would begin his learning. Rousseau presents Emile, his imaginary pupil, to expose the guidelines that would appear on his pedagogical program. The first two books are focused on education by nature more directly, but from the third one we can see clearly the importance of the body and of nature to the intellectual and moral formation of Emile. This research aims to analyze and discuss how man's education is presented in this work of Rousseau from the perspective of nature. Also aims to understand how the intellectual development of man can remain aligned with nature through a bodily education in the second half of the eighteenth century.

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Lista de Figuras

Todas as figuras são ilustrações contidas na edição francesa do Emílio.

Fonte: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emile ou de l’education. Paris: Garnier, 1964.

Figura 1: Frontispício do Emílio – por Cochin na edição 4º de Genebra, 1780-1781 ... 15 Figura 2: “... a natureza ostenta aos nossos olhos toda sua magnificência...” – Ilustração de Moreau le Jeune gravado por J. B. Simonet (Londres, 1774 - 1784)31 Figura 3: O corvo e a raposa de La Fontaine - Ilustração de Oudry para fábula de La Fontaine ... 46 Figura 4: Ilustração da residência de Jean-Jacques Rousseau - Vista de L’Ermitage; Desenho de Gautier, gravado por Désire ... 50 Figura 5: “Eis a regra da natureza. Porque contraria-la?”- Ilustração de Moreau le Jeune gravado por J. B. Simonet (Londres 1774-1784) ... 56 Figura 6: “Tétis, para tornar seu filho invulnerável, o mergulha, diz a fábula, nas águas do Estige” - Desenho de Eisen gravado por Longueil na edição La Haye, J. Néaulme 1761 ... 61 Figura 7: “...corramos rápido: a astronomia é boa para qualquer coisa” – Ilustração de Moreau le Jeune gravado por N. Le Mire (1774 - 1784) ... 73 Figura 8: Robinson Crusoé em sua ilha – Frontispício da edição Cailleau, Paris, 1761 ... 76 Figura 9: Centauro – Desenho de Eisen gravado por Louis le Grand na edição La Haye, J. Néaulme, 1762 ... 80

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Sumário

1 INTRODUÇÃO ... ...11

1.1 TRAJETOS DA MEMÓRIA E UM OBJETO DE PESQUISA ... 11

1.2 EMÍLIO, OU DA EDUCAÇÃO ... 16

1.3 ROUSSEAU E EMÍLIO, A NATUREZA E EDUCAÇÃO COMO

OBJETOS DE ESTUDO ... 32

Educação ... 32

Educação Física ... 37

Filosofia ... 39

Geografia ... 40

Psicologia ... 42

2 NATUREZA: ALÉM DE UMA IDEIA, UM PRINCÍPIO PARA A

EDUCAÇÃO ... 47

3 EDUCAR O CORPO NA NATUREZA ... 59

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 81

4.1 O HOMEM DA NATUREZA BUSCA EDUCAR OS SENTIDOS E

AS FORÇAS ... 81

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1 INTRODUÇÃO

1.1 TRAJETOS DA MEMÓRIA E UM OBJETO DE PESQUISA

Os percursos e questionamentos que guiaram minha pesquisa de mestrado, tiveram suas raízes na graduação com o trabalho de conclusão de curso orientado pela prof. Dra. Carmen Lucia Soares. Contudo, o meu interesse pelas humanidades data até mesmo antes do ingresso na Faculdade de Educação Física. Em 2003, ingressei na UNICAMP visando saciar uma sede por conhecimento que, desde então, só tem se aprofundado e intensificado. Iniciei a graduação em Filosofia e, ao longo de cinco anos, debrucei-me em conhecer o homem, a Política, a Ciência, as Artes e inclusive a Natureza. Mas foi somente em 2008, ao iniciar a segunda graduação em Educação Física, que pude aos poucos, delimitar com maior clareza meus interesses de estudo e pesquisa. Percebi ao longo das discussões e aulas do eixo de humanidades uma linha de pesquisa guiada pela confluência de três eixos, a saber, o homem, a educação do corpo e a natureza. Estes temas foram-me apresentados pela a disciplina de História, e posteriormente com as demais disciplinas ganharam conteúdo e também instigaram vários questionamentos. Na Educação Física tive outra compreensão acerca do ser humano, de suas relações com a natureza e das múltiplas contribuições para a educação dos corpos. Ainda que eu não tenha realizado nenhuma pesquisa específica sobre este assunto, sempre me interessava e questionava acerca das teorias e pesquisas voltadas para às humanidades. A formação anterior em Filosofia me guiava na Educação Física para a História, a Sociologia e a Educação. Ao cursar a disciplina de Pesquisa I (EF614), ministrada pela prof. Dra. Carmen Lucia Soares percebi que grande parte das minhas indagações e dos anseios acadêmicos poderiam ser resolvidos através de uma investigação que fosse capaz de alinhar meus interesses da Filosofia aos conhecimentos adquiridos no curso de Educação Física.

Nesta disciplina houve o florescer de um estudo guiado pela História em que pude expressar meus interesses pela História propriamente dita. Ao escolher um tema para a elaboração de um projeto de pesquisa, expressei meu desejo em estudar um tema que

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pudesse aproveitar meus conhecimentos adquiridos ao longo da graduação em Filosofia nos estudos relacionados à Educação Física. Neste momento, a professora Carmen sugeriu que eu voltasse minha atenção para uma obra filosófica, que era muito conhecida e analisada na Educação, mas que havia sido poucoexplorada pela Educação Física.

E destarte, deparei-me com um livro pedagógico e filosófico que também servira de inspiração para as teorias de educação voltadas para o corpo. O Emílio, ou da Educação é uma obra que apresenta uma proposta pedagógica direcionada à educação do corpo do discípulo tanto como da mente. E ao reler esta obra pude me encantar novamente com várias questões colocadas sobre a educação e, mais especificamente, a educação do corpo. Interessei-me em investigar não só este processo de formação para o ser humano, como também o papel que a natureza desempenha ao longo da educação. Vi-me ansiosa para investigar o que este autor havia dito sobre o tema da educação voltada para o corpo em conjunção com uma relação do ser humano com a natureza e compreender como tal obra serviria de inspiração para tantos teóricos não somente da Educação como da Educação Física.

Apesar da grande amplitude de interesses com relação à análise desta obra, na elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso, intitulada “Uma Educação pela Natureza: Esboço de uma compreensão da obra Emílio, livro I e II de Jean-Jacques Rousseau”, me atentei apenas em explorar os dois livros iniciais da obra que cotejavam o período da infância, momento este em que a relação com os elementos da natureza fazia-se mais direto. E ao final do trabalho percebi a riqueza de elementos que ainda careciam de ser explorados no Emílio.

Assim tomou forma meu desejo de dar continuidade à investigação dos cinco livros da obra, tendo como fio condutor a natureza e a educação do corpo com o intuito de compreender a teoria de educação apresentada por Rousseau e a relação do ser humano com a natureza e seus elementos para a constituição humana. Iniciei minha pesquisa de mestrado guiada então pelos seguintes questionamentos: Como o corpo é educado pela Natureza após o domínio da linguagem? Quais os ensinamentos que a Natureza traz para a formação intelectual e moral de Emílio? Como uma visão pedagógica centrada na Natureza articula-se com uma sociedade que está em crescente urbanização e cujo objetivo principal é exatamente sair do campo e do convívio com a Natureza? Percebi que analisar Emílio sob o viés da Natureza é interessante para mostrar uma educação que vai além da mente, mas

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que trabalha simultaneamente com o corpo ao longo de todo o processo de formação do homem. Esta obra já muito explorada na área de educação ainda mantinha algumas possibilidades de pesquisa, dentre elas optei pela natureza e pela educação do corpo e, assim, compreender algumas premissas que entraram em voga a partir do século XVIII e que contribuiriam para uma compreensão do seria, mais tarde, a Educação Física.

A escolha das disciplinas a serem cursadas1 ao longo do mestrado permitiu-me esclarecer vários questionamentos a respeito da constituição desta dissertação e também enriqueceram minha formação na área de História possibilitando a percepção de outras linhas metodológicas de análise. Em grau elevado de importância, destaco, ainda, a possibilidade que tive de apresentar resultados parciais desta pesquisa em diferentes eventos de natureza cientifica, nacionais e internacionais, os quais, muito contribuíram para as reflexões presentes nesta pesquisa bem como a participação de como monitora em disciplinas da graduação2. Destaco, também, o lugar de importância que tiveram as reuniões

1 As disciplinas cursadas foram as seguintes: No segundo semestre de 2013 antes de ingressar no curso de mestrado, cursei a disciplina de História do Corpo e da Educação Física (FF153), ministrada pelo professor Dr. Edivaldo Góis Junior em que tive contato com a teoria da História e com os autores que se apoiam na História para analisar a Educação Física. Após o ingresso no programa de Mestrado na Faculdade de Educação cursei, no primeiro semestre de 2014, as disciplinas: Imagens, Corpo e Educação (ED709), ministrada pela professora Dra. Carmen Lucia Soares em que pude tomar conhecimento das pesquisas ligadas ao Corpo e a Educação e conhecer o campo de pesquisa que a História no qual estes temas ganham destaque; em acréscimo assisti a disciplina Memória, História e Educação: Referenciais Teórico-Metodológicos (ED732), ministrada pela profa. Dra. Maria do Carmo Martins em conjunto com as professoras Dra. Heloísa Helena Pimenta Rocha e Dra. Ernesta Zamboni em que pude me familiarizar com a História de Educação a partir das pesquisas ligadas à História Cultural tal como os estudos ligados à análise da Memória; seguindo um direcionamento para a Filosofia da Educação cursei a disciplina Seminário I (FE190), ministrado pelo professor Dr. Silvio Donizetti de Oliveira Gallo na qual tive contato com os trabalhos de Foucault, um filósofo que até então ainda não tinha tido a oportunidade de conhecer analiticamente. No segundo semestre de 2014 cursei as disciplinas: História e Historiografia da Educação Brasileira (ED315), ministrado pelo professor Dr. André Luiz Paulilo onde tive contato com a Historiografia brasileira da educação; e também participei da disciplina Tópicos Especiais em História II (HH355), ministrada pela professora Dra. Luiza Margareth Rago com a participação do prof. Dr. Durval Muniz de Albuquerque Junior e nesta disciplina pude tomar conhecimento a respeito de Foucault não mais por uma ótica da Filosofia, mas pela História.

2 Refiro-me ao V Congresso de Ciência do Desporto e IV Simpósio Internacional de Ciência do Desporto realizado pela Universidade Estadual de Campinas no qual tive a oportunidade de apresentar uma comunicação oral intitulada “Natureza e educação do corpo, Rousseau na Revista Educação Physica”; XIII Congresso Brasileiro de Esporte, Lazer e Educação Física, realizado na Universidade Estadual de Londrina, no qual apresentei a comunicação oral intitulada “Educar o corpo na natureza - Considerações sobre o Emílio de Rousseau”; X Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, em Curitiba, no qual tive a oportunidade de apresentar uma comunicação oral em coautoria com Evelise Amgarten Quitzau, aluna de doutorado do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, intitulada "Educação do corpo e natureza em manuais do século XVIII: diálogos entre Rousseau e Guts Muths"; International Society for the History of Physical Education and Sport (ISHPES), que aconteceu em agosto na Croácia no qual apresentei uma comunicação oral intitulada “Rousseau's Emile: Body, Nature and Education”; XIX CONBRACE e VI CONICE realizado em Vitória no qual pude apresentar a comunicação oral intitulada “Educar as forças e o sentidos na natureza, considerações sobre o Emílio de Rousseau”. Outro momento de enriquecimento para a construção desta pesquisa deu-se no 1º semestre de 2015 em que tive a oportunidade, por meio do Programa de Estágio Docente

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mensais do Grupo FOCUS, na Faculdade de Educação, espaço no qual pude conhecer outras pesquisas feitas na área de humanidades e também aprimorar a elaboração da dissertação. Em 2014 as reuniões e discussões organizadas pelo grupo constou como Atividades Programadas de Pesquisa de Mestrado I (ED790) e foi coordenada pela prof. Dra. Águeda Bernardete Bittencourt. Já no primeiro semestre de 2015 as reuniões e discussões do FOCUS compuseram as Atividades Programadas de Pesquisa de Mestrado II (ED791) e foram coordenadas pela prof. Dra. Ana Maria Fonseca de Almeida. Na mesma dimensão, sublinho a importância das reuniões do grupo de orientandos da Profa. Dra. Carmen Lucia Soares, nas quais pude discutir meu percurso de pesquisa, fazer questionamentos e aprimorar o trabalho que vinha sendo desenvolvido.

Todos estes espaços de discussão e aprendizado enriqueceram minha pesquisa e também auxiliaram na busca por respostas aos meus questionamentos iniciais de pesquisa. A princípio fiz um levantamento das pesquisas que trabalham com as temáticas da educação, natureza e Rousseau e pude perceber que mesmo sendo um autor conhecido e uma obra já explorada a temática da natureza, como também a educação do corpo era objetos de estudo pertinentes de uma investigação. Esta dissertação é fruto de uma caminhada trilhada junto com Emílio, pela natureza e pela educação do corpo afim de compreender como uma obra pedagógica tão conhecida guia-nos por diversos caminhos para a formação do ser humano3 que estão alinhados à natureza tão quista pelo autor genebrino.

da Unicamp, de acompanhar a disciplina “EF112 – História da Educação Física”, ministrada pelo professor Edivaldo Góis Junior.

3 Ao longo do trabalho optou-se por determinar ser humano ao invés de simplesmente homem pois concebe-se que a educação pela natureza pode ser entendida tanto para ambos os sexos. Contudo Rousseau ao escrever Emilio, ou da Educação apresenta a criança e posteriormente apenas o gênero masculino, a saber, seu discípulo Emílio. Em acréscimo uma outra obra, A Nova Heloísa, discorre, nos moldes de um romance, os detalhes voltados para a educação de uma mulher.

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1.2 EMÍLIO, OU DA EDUCAÇÃO

Tudo está bem quando sai das mãos do autor das coisas, tudo degenera entre as mãos do homem. Ele força uma terra a alimentar as produções de outra, uma árvore a carregar os frutos de outra. Mistura e confunde os climas, os elementos, as estações. Mutila seu cão, seu cavalo, seu escravo. Perturba tudo, desfigura tudo, ama a deformidade e os monstros. Não quer nada da maneira como a natureza o fez, nem mesmo o homem; é preciso que seja domado por ele, como um cavalo adestrado; é preciso apará-lo à sua maneira, como uma árvore de seu jardim. (ROUSSEAU, 2014, p.7)

Com uma metáfora sobre a natureza, Rousseau inicia sua obra e explana a importância da educação do ser humano. Esse trecho apresenta a perfectibilidade da natureza que é degenerada pelos homens em seus feitos e para retomar a pureza conferida à humanidade deve-se regressar a ela. Assim, Emílio ou da Educação4, obra filosófica de

Jean Jacques Rousseau (1712-1778) publicada em 1762, foi escrita como uma “coletânea de reflexões e de observações, sem ordem e quase sem sequência” (ROUSSEAU, 2014, p.3) que conquistou um lugar de destaque em meio a outras obras como um tratado de educação no qual estariam descritas as concepções pedagógicas defendidas pelo filósofo genebrino.

Emílio foi analisado como uma referência tanto para o desenvolvimento de estudos

filosóficos e pedagógicos em virtude da riqueza de elementos e da complexidade do sistema de educação elaborado por Rousseau.

4 Neste estudo foram consultadas diversas edições e traduções da obra em questão, contudo as referências textuais dizem respeito a duas edições em especial, uma francesa que é ilustrada e foi publicada por Garnier Frères em 1964 e outra brasileira que é a quarta edição da tradução feita pela Martins Fontes em 2014. Além disso, é importante ressaltar que em momentos que necessitaram uma conferência do texto mais aprofundada, também foi consultada a edição da obra inserida nas Oeuvres Complètes publicada pela Pleiade em 1969. As menções à obra Emílio, ou da Educação serão feitas doravante apenas como Emílio e a referência dirá respeito ao ano da edição da qual foi retirada a informação e quando for escrito apenas Emílio sem negrito diz respeito ao aluno fictício criado por Rousseau nesta obra.

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Esse livro, escrito na segunda metade do século XVIII e imerso no contexto do Iluminismo5 expõe uma concepção crítica em relação ao ideário filosófico-pedagógico propagado na Europa. Boto (2011), ao contextualizar Rousseau, explica que nesse período foram construídas diversas concepções acerca do mundo, uma vertente positiva que conceberia os progressos das ciências e das técnicas como um resultado do progresso da própria razão e que defenderia a percepção do futuro como uma consequência de um aperfeiçoamento do presente. Em contrapartida, mesmo que em menor quantidade, houve pensadores que se desviaram dessa visão teleológica do mundo e teriam apresentado uma visão, posta como pessimista, em que a razão não seria suficiente para melhorar o mundo, mas outros elementos como o sentimento e a perfectibilidade do homem influenciariam na sua melhora. O filósofo genebrino teria sido “o caso mais emblemático” (BOTO, 2011, p. 155) desse segundo grupo de pensadores que em vários países surgem como

críticos à razão – Rousseau, na França, Hume, na Inglaterra, Kant, na Alemanha –, críticas essas informadas pelas exigências de novos ideais, de maior amplidão. O tema da razão dá lugar ao tema de uma nova acepção de natureza[...]. Essa reação manifesta-se fortemente com Rousseau, o grande precursor do Romantismo e em cuja obra o tema da natureza ocupa um lugar central. (BORNHEIM, 2011, p.80)

Rousseau consagra-se como um dos precursores do Romantismo6 ao eleger na natureza o tema norteador de suas obras. Segundo esse autor, a formação e o desenvolvimento do homem estariam pautados na interação com os elementos naturais e o desenvolvimento da razão aconteceria posteriormente aos aprendizados advindos da experiência no meio natural. Em virtude disso, as prescrições pedagógicas presentes no

5 O Iluminismo foi um movimento filosófico caracterizado pelo uso crítico da razão em todos os campos de conhecimento a fim de melhorar a vida social e privada da experiência humana. Os homens das Luzes, como foram classificados os pensadores que corroboraram com este movimento, defendiam que só através da utilização indiscriminada da razão o homem poderia aperfeiçoar-se e buscar, constantemente, pelo progresso do homem. (ABBAGNANO, 2003) Com o Iluminismo é construída uma percepção racionalista de mundo em que seria, posteriormente, criticada por outro movimento, a saber o Romantismo.

6 O Romantismo foi um movimento artístico, literário e filosófico que teve seu início nos últimos anos do séc. XVIII floresceu nos primeiros anos do séc. XIX, constituindo como uma marca deste século. Neste movimento percebe-se uma ascensão da natureza e das sensações como temas. De acordo com Abbagnano ao definir Romantismo tem-se que “O significado comum do termo ‘romântico’, que significa ‘sensível’, deriva de um dos aspectos mais evidentes desse movimento, que é a valorização do sentimento, [...] cuja força o séc. XVIII iluminista reconhecera, e que no Romantismo adquiriu valor preponderante”. (ABBAGNANO,2003, p. 860):

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Emílio concretizar-se-iam pela interação do homem com a natureza física e seus elementos,

como ar, água, terra, árvores. Cassirer (1999, p.102), ao analisar a obra de Rousseau, explica que

Quando o espírito lógico matemático dos séculos XVII e XVIII transformou a natureza num mero mecanismo, Rousseau redescobre a alma da natureza. Ao formalismo e ao esquematismo abstrato do sistema da natureza, tal como nos chega no Système de la Nature de Holbach7, Rousseau contrapõe o seu amplo sentimento de natureza. Através dele, encontra o caminho de volta à realidade da natureza, à sua abundância de vida e de formas.

Rousseau enuncia, através da busca pelo sentimento e pelas sensações, uma crítica ao uso da razão e mostra, com a existência de uma natureza física, um caminho pelo qual seria capaz de se educar plenamente o homem. Esta concepção configura um novo olhar sobre a ideia de natureza que podemos compreender com mais clareza a partir do estudo de Lenoble (2002, p.301): “numa palavra, a Natureza volta a ser, mais uma vez, a Mãe fecunda dos homens, que recomeçam a pedir-lhe uma regra dos costumes. Durante esse tempo, a ciência continua, por vias sempre mais seguras, a sua exploração metódica da Natureza”.

A visão de uma natureza fecunda e passível de exploração permite a Rousseau elaborar um projeto de educação sustentado pela vivência e exploração do mundo natural. No Emílio é descrito a trajetória de educação para uma criança fictícia, Emílio, que seria guiado desde seu nascimento até sua maioridade, predominantemente pelas lições da natureza. Ao longo da obra, é apresentada uma acepção física desse tema que se sustenta a partir dos elementos como sol, terra, água, vento, árvores. Estes constituiriam as bases para a interação do homem com o mundo natural. Rousseau determina que sua teoria comporia

7 Système de la nature, ou Des loix du monde physique et du monde moral, obra escrita por Paul-Henri Thiry, o Barão d'Holbach (1723-1789), descreve o mundo a partir dos preceitos do materialismo psicofísico e sustenta que “todas as faculdades humanas são modos de ser e de agir que resultam do organismo físico do homem, que, por sua vez, é determinado pela máquina do universo”. (ABBAGNANO, 2003, p. 650). Esta obra expressa a noção do homem-máquina que se apresenta nos séculos XVIII e XIX.

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uma educação natural8 e que seria capaz de suprir as falhas dos métodos educativos vigentes na sociedade francesa.9

Jean-Jacques Rousseau decide elaborar um manifesto que expusesse suas concepções pedagógicas, baseadas em suas vivências como tutor na corte francesa. Emílio é, então, concebido como um manual de educação que expõe um modelo pedagógico desde o nascimento até a maioridade, e também é um conjunto das reflexões e considerações do próprio autor sobre tudo o que concerne à Educação. Nessa obra, o filósofo busca discorrer acerca de todos os detalhes que poderiam interferir na formação de uma criança. O livro em questão aporta uma concepção ampla de educação abarcando as diversas influências que tangem um projeto pleno para educar o homem, e problematiza não apenas os aspectos pedagógicos vigentes na sociedade, como também as questões ligadas aos costumes, às artes, à religião e à política. Rousseau dialoga com outras abordagens pedagógicas, com teorias médicas e científicas a fim de sustentar suas concepções que compreendem os novos conhecimentos que surgem no período, como a adoção de exercícios corporais com fins educativos para o fortalecimento do corpo e os próprios estudos sobre a constituição do corpo.

O Emílio é uma obra que está dividida em cinco livros que abarcam distintos períodos da vida de seu personagem que necessitam de abordagens diferenciadas na educação. Contudo, em acréscimo a essa divisão estrutural da obra, Rousseau estabelece uma segunda divisão10 na qual se organizam os eixos centrais que deveriam direcionar a educação em cada período do desenvolvimento. Nessa segmentação são determinadas quatro fases, ou idades, de acordo com os preceitos que movem cada momento da educação. Temos

8 Tal denominação é apresentada por Rousseau no Emílio e será analisada posteriormente neste trabalho com maior profundidade.

9 Ao longo da obra supracitada Rousseau expõe exemplos de condutas educativas da sociedade francesa que apontam para a não eficácia dos métodos para o desenvolvimento de pessoas inaptas para uma vida civil. Este autor, a partir da exposição dos exemplos, direciona seu leitor para uma compreensão da proposta desenvolvida no Emílio como superior às demais, justamente por não possibilitar um desenvolvimento falho do homem. 10 Além da edição final do Emílio tem-se acesso a edições de manuscritos e excertos da obra que compilam as principais concepções de educação e que seriam posteriormente inseridas na obra final. Dent expõe que Rousseau dividiu, num primeiro manuscrito incompleto do Emílio (Ms Favre), os estágios de desenvolvimento humano em “a idade da natureza (até os 12 anos) (2); a idade da razão (inteligência) (12-15) (3); a idade da energia, força vital (15-20) (4); a idade da sabedoria (20-25) (5). Embora não aderisse a um tão esquemático padrão na obra final, ele serve, no entanto, como útil quadro de referência”. (DENT, 1996, p. 117). E dentre as alterações que são apresentadas na edição final percebemos também que é feito um maior detalhamento da Idade da Natureza que corresponderia assim aos Livro I e Livro II na edição publicada em 1762.

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a Idade da Natureza; a Idade da Força; a Idade das Paixões e a Idade da Sabedoria e Casamento. Cada uma apresenta uma especificidade a ser pensada ao longo do processo de educação.

Os dois livros iniciais estão apresentados como a Idade da Natureza, período no qual a natureza educa diretamente a criança. A escolha desse tema diz respeito ao eixo que iria guiar o processo de educação neste momento. A princípio, a formação do ser humano está profundamente ligada aos ensinamentos corporais advindos da natureza e à própria percepção do corpo e do ambiente em que está inserido. Rousseau propõe que essa formação inicial se mantenha alinhada diretamente com os preceitos provenientes da natureza, uma vez que só através dela que a criança poderia desenvolver-se plenamente e superar os obstáculos que a vida impõe nos primeiros anos de vida.

O Livro I refere-se somente a fase de recém-nascido, compreendida entre o nascimento e os dois anos iniciais. Rousseau discorre a respeito dos aspectos relevantes para embasar as discussões de educação. Inicialmente são apresentadas noções amplas desse processo, detalhes sobre a seleção da ama de leite e o personagem Emilio são introduzidos e caracterizados pelo autor. Ele expõe também a existência de uma educação já nesse momento e explica que a influência exercida pelo preceptor e pela ama oferecem constantemente ensinamentos à criança. Ele enfatiza que “a educação do homem começa com o nascimento; antes de falar, antes de ouvir, ele já se instrui”. (ROUSSEAU, 2014 p.48) O discípulo aprenderia a partir das interações com o mundo que o rodeia. Para isso, tudo a respeito do ambiente, das pessoas e até mesmo do discípulo necessitariam estar adequados à teoria apresentada por Rousseau. Emílio é mostrado como uma criança fictícia, órfã e saudável que serviria de modelo para a exposição do modelo pedagógico. Somente após todas as especificações acerca do discípulo, do ambiente e das pessoas que iriam conviver com a criança, no caso apenas a ama de leite e o preceptor, o filósofo enuncia os procedimentos educacionais a serem seguidos nesta fase, a saber, a interação da criança com os elementos naturais que afetam diretamente seu corpo, e as impressões apreendidas pelo ar, pela água, pela terra e pelas plantas. As diretrizes de educação que são expostas nesse primeiro livro acontecem de maneira passiva pelo aluno, que experimentaria os elementos da natureza para fortalecer-se e desenvolver as faculdades orgânicas que posteriormente lhe seriam requeridas. Emílio seria acostumado a sentir o ar, a água e a terra; teria contato com

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plantas e objetos que o rodeiam. Em suma, vivenciaria o ambiente natural e aprenderia, ainda passivamente, a sentir e perceber o mundo.

Já o Livro II explora a fase da infância que aconteceria entre os dois e doze anos. Neste momento, a educação de Emílio expande-se além da saciedade de necessidades fisiológicas, pois ele está descobrindo a si mesmo e o mundo que o rodeia. O alvo central da educação neste momento é o refinamento das sensações, a exploração da natureza e acima de tudo a aprendizagem sem vícios ou hábitos sociais. Rousseau a fim de explicar a importância de educar os sentidos já sustenta que:

Como tudo que entra no entendimento humano vem pelos sentidos, a primeira razão do homem é uma razão sensitiva, é ela que serve de base à razão intelectual: nossos primeiros mestres de filosofia são nossos pés, nossas mãos, nossos olhos. (ROUSSEAU, 2014, p.148)

O exercício dos sentidos e a interação com a natureza seriam os elementos nos quais a educação intelectual posteriormente se apoiaria. Emílio aprenderia através de seu corpo e descobriria o mundo a sua volta antes de buscar por estudos mais abstratos. Em consequência disso, percebemos que a formação corporal em meio ao ambiente natural é mais importante, neste momento, que o conhecimento intelectual e precederia qualquer aprendizagem da razão especulativa. O discípulo, neste período, desenvolve sua comunicação através do corpo, ele interage e relaciona-se com o mundo através de seus sentidos. Rousseau expõe o processo de aprendizagem da linguagem corporal e ressalta o papel da infância para a formação do ser humano, mostrando como aconteceria o processo pedagógico de Emílio puramente na dependência da natureza e das coisas.

O Livro III é apontado como a Idade da Força e compreenderia a idade de 12 a 15 anos. Nesta fase o tema elencado por Rousseau corresponde ao principal objeto da educação de Emílio, a saber, o desenvolvimento das forças que iriam governar o aluno e o princípio de uma formação intelectual. Dando continuidade ao que já foi aprendido pela natureza, as ciências são introduzidas na educação a partir da relação do homem com os elementos naturais e a abstração pauta-se na curiosidade do discípulo sobre o mundo. Nesse período são iniciadas as leituras que apresentam relação com as questões vivenciadas no ambiente natural. O desenvolvimento das forças refere-se a uma educação manual e social

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do jovem que culminaria na escolha do ofício. Ainda que o centro desta fase não seja a natureza diretamente, toda a formação está embasada nas aprendizagens advindas da exploração do mundo e integrariam o processo de educação. A formação de Emílio, neste momento, seria através de sua interação e experiência com a natureza; o autor explica o movimento que aconteceria a partir da utilização das forças e o desenvolvimento do juízo de seu discípulo:

Ao começarmos este segundo período11, aproveitamos a superabundância de nossas forças comparativamente a nossas necessidades para lançarmo-nos para fora de nós mesmos; lançamo-lançarmo-nos aos céus, medimos a terra, colhemos as leis da natureza; numa palavra percorremos toda a ilha12. (ROUSSEAU, 2014, p.257)

Rousseau apresenta nessa fase um jovem que detém as forças necessárias para adentrar-se ao mundo, mas que necessita geri-las de acordo com a utilidade do que lhe seria imposto pela natureza. Emílio aprenderia, através dos diversos trabalhos manuais e da curiosidade, a ver o mundo e compreendê-lo tanto pelo corpo como também pela razão.

O Livro IV é determinado como a Idade das Paixões e teria como tema central a formação moral e religiosa de Emílio. Neste período, compreendido entre a idade de 15 e 20 anos, seriam abordadas as relações do homem consigo e com a sociedade através da piedade, sociabilidade e também da educação religiosa. Rousseau apresenta no Emílio um ser passional que necessita aprender a controlar suas paixões e sentimentos para que os ensinamentos da natureza e da razão não sejam deturpados pelo descontrole das paixões. (Batista, 2002). Também, nesse momento, Emílio conheceria as diversas religiões, iniciando pelo que o autor denomina como a religião natural. A educação se voltaria para uma formação moral do discípulo que, após conhecer a religião natural e as religiões da

11 Esta denominação faz referência às idades que movem a educação do Emílio. O primeiro seria a aprendizagem da natureza que se apresentaria por necessidade já que ensinamentos se alinham ao desenvolvimento das faculdades orgânicas e no investimento da educação corporal. O segundo período seria a transição e utilização das forças adquiridas para uma percepção racional e para a formação das ideias de juízo, partindo da experimentação da natureza. Emílio é capaz, neste momento, de explorar a natureza de modo mais abstrato justamente porque suas forças foram trabalhadas e seu corpo foi desenvolvido.

12 Tal como Robinson Crusoé, Emílio seria estimulado a desvendar o espaço em que se insere. Neste trecho Rousseau faz uma apologia aos ensinamentos que seu discípulo teria a partir da obra de Daniel Defoe.

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sociedade, é introduzido novamente à sociedade. Rousseau afirma que “Emílio não é um selvagem a ser relegado aos desertos: é um selvagem feito para morar nas cidades” (ROUSSEAU, 2014, p.278). Toda a formação até o presente estágio almeja fornecer ao jovem Emílio as ferramentas para ingressar na sociedade sem se deixar corromper pelos outros. Dotado dos conhecimentos da natureza, o discípulo é capaz de discernir e formar juízos a respeito do que o convívio social iria proporcionar.

O Livro V é enunciado como a Idade da Sabedoria e do Casamento, e compreenderia as idades entre 20 e 25 anos. Neste momento final da educação, Emílio teria alcançado a maioridade, mas ainda deveria inserir-se plenamente na sociedade. Rousseau introduz assim uma nova personagem, a mulher que seria a companheira de Emílio. Sofia, tal como Emílio, é caracterizada de acordo com os preceitos estabelecidos pelo autor. Faz-se necessário que a futura esposa aceite Emílio Faz-sem influenciar na educação que foi construída ao longo da vida. Sofia é apresentada como a companheira ideal para este homem criado pela natureza. Rousseau descreve suas características, seu encontro com Emílio e posteriormente o casamento.

Contudo, antes do casamento o discípulo de Rousseau precisaria aprender a controlar suas paixões em relação a sua futura esposa, sendo assim ele é instruído a distanciar-se dela temporariamente e iniciar uma série de viagens pelo mundo e, através do encontro com outros povos, Emílio poderia adquirir conhecimentos relativos a política, cultura e sociedade. Neste momento da educação, o tema Sabedoria e Casamento se complementam. Para o autor, a educação seria finalizada com o retorno de Emílio e com a concretização de seu casamento com Sofia. Os preceitos da natureza que foram apresentados na infância deveriam ser mantidos e aperfeiçoados ao longo da formação do discípulo de Rousseau. O casamento seria a forma de consolidar tais conhecimentos e também propagá-los, uma vez que o aluno da natureza seria o exemplo de cidadão na sociedade.

A natureza é um tema que perpassa todo o projeto de educação do Emílio, e seu lugar aparece na fase inicial da vida como a principal orientação à sobrevivência e ao crescimento da criança; e, no decorrer da formação, assume um papel de sustentação. Os preceitos e as vivências naturais do discípulo de Rousseau deveriam ser mantidos e aprimoradas no decorrer de seu desenvolvimento. Esse tema estaria sempre presente nas discussões apresentadas pelo autor e nortearia assim o processo de educação.

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Na monografia de conclusão de curso de minha formação inicial na Graduação em Educação Física13, atentei-me em expor, brevemente, os aspectos da natureza que apareciam nos dois primeiros livros do Emílio, concentrando os estudos apenas no período da infância e nas relações mais diretas com os elementos naturais e com a educação do corpo. Esse trabalho permitiu-me perceber a obra em questão sob um novo prisma que nortearia toda a formação do ser humano. Pude compreender a relevância do corpo na educação durante a fase denominada Idade da Natureza. Neste momento, a criança se utilizaria unicamente das sensações para interagir com o mundo, suas percepções iriam guiar a exploração do ambiente e proporcionar aprendizados que garantiriam a sobrevivência do discípulo. Quando a infância fosse superada, o corpo estaria apto a receber os outros conhecimentos que seriam relevantes na educação. Rousseau propõe uma teoria de educação que, segundo o autor, educaria tanto o corpo como a mente. Para ele “o grande segredo da educação é fazer com que os exercícios do corpo e os do espírito sirvam sempre de descanso uns para os outros”. (ROUSSEAU, 2014, p.274). A partir disso, é perceptível que educar o ser humano para o filósofo requer um trabalho corporal e intelectual nas medidas que são possíveis.

A obra em questão insere a educação em uma discussão mais ampla que concebe a formação do ser humano para além dos preceitos puramente didáticos. Rousseau, ao escrever o Emílio, discute outras questões que seriam relevantes para uma compreensão plena de sua teoria de educação para o ser humano. Dentre os aspectos levantados ao longo da obra tem-se:

 a pluralidade das práticas educativas em voga no período: Rousseau elenca alguns paralelos apontando também para as contribuições e falhas que cada teoria possui em relação ao projeto apresentado no Emílio;

 a concepção de uma formação integral do homem que abarcaria uma educação intelectual e também uma educação voltada para o corpo

13 Monografia de Conclusão de Curso intitulada Uma Educação pela Natureza: Esboço de uma compreensão da obra Emílio, livro I e II de Jean-Jacques Rousseau, defendida na Faculdade de Educação Física da UNICAMP, sob orientação da Profª Drª Carmen Lúcia Soares.

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 a discussão do processo de urbanização vivido pela sociedade europeia e suas implicações para o homem;

 a explanação sobre o sentimento em relação ao ambiente campestre que se torna mais marcado pela ideia de fugir ao campo em busca de fortalecer e educar melhor o ser humano exaltando, assim, um retorno à natureza como princípio da prática pedagógica;

 a discussão acerca do corpo e dos diversos controles externos aplicados ao ser humano que transitam pelas vestimentas, pelas intervenções médicas, pelos cuidados higiênicos e também pelos direcionamentos pedagógicos dos gestos;

 a influência exercida pela natureza na religião e também pela sociedade na formação moral do ser humano.

Em virtude da pluralidade de temas cotejados no processo pedagógico dessa obra, percebemos que o Emílio possibilita um estudo voltado para a compreensão do desenvolvimento da educação a partir da influência da natureza e do direcionamento para uma educação do corpo. Sendo assim, optamos por elencar neste momento as categorias e noções que irão conduzir os eixos desta pesquisa.

A natureza física será o eixo central para análise do Emílio, mas antes de adentrarmos nas discussões entre natureza e educação precisamos compreender a noção de natureza que Rousseau advoga em sua obra e quais são os modos pelos quais os homens interagem e apreendem os elementos da natureza. Para esta discussão apoiamo-nos nas discussões levantadas por Robert Lenoble (2002) sobre as noções que permeiam a ideia de natureza ao longo da história; nos trabalhos de Jean Ehrhard (1970) e Daniel Mornet (1907) que discutem as sensibilidades com relação à natureza no século XVIII; e nos estudos de Keith Thomas (2010) e Raymond Williams (2011) que articulam mudanças do homem com relação ao meio natural e as concepções históricas do campo e da cidade através da literatura. Estes teóricos serão centrais para compreender a noção de natureza evocada na concepção de educação de Rousseau. Em acréscimo, tomamos de Jacó Guinsburg (2011) a compreensão do pensamento romântico europeu que busca em Rousseau inspiração para

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uma nova relação com a natureza e com o próprio sentimento. E, para embasar a discussão histórica sobre natureza, corpo e educação a partir do Emílio, também iremos nos apoiar em pensadores ligados à História das Sensibilidades como Alain Corbin (1987, 2001) para explicar as sensibilidades corporais envolvidas nos usos e apreensões do mundo natural.

O corpo, em especial suas pedagogias, também deve ser entendido como uma das categorias de análise neste estudo. Mais especificamente as bases que constituirão, posteriormente, a educação do corpo e também uma formação a partir de práticas corporais, ambos, temas específicos do que viria a ser a Educação Física. Para adentrarmos neste tema apoiamo-nos, sobretudo, nos trabalhos de Georges Vigarello (1978, 1993, 2004, 2008) que discutem os aspectos históricos ligados ao corpo e as mudanças que conduziram as diversas percepções e apropriações desse assunto. Vigarello enuncia uma pluralidade de elementos que influenciaram a compreensão deste tema ao longo da história e, considerando as exposições desse autor, iremos explorar nesta pesquisa o entendimento a respeito do corpo no período em que Emílio está inscrito, a saber, o século XVIII e o período das Luzes. Já a noção de educação do corpo aqui levantada é aprendida a partir dos estudos de Carmen Lúcia Soares (2008, 2009, 2014) que nos leva a investigar as relações entre corpo e educação. Soares explica que:

Compreendida como uma noção, a educação do corpo remete-nos à necessidade de precisar os elos entre corpo e educação para além da escola e implica em seguir traços, apreender vestígios, esboçar contornos nem sempre nítidos, nem sempre visíveis e, mesmo, compreendidos como

educativos. Trata-se, portanto, de decodificar nossa singularidade corporal

e analisar como ela vem sendo investida, desde a infância e ao longo de toda a nossa vida, pelas marcas da cultura (SOARES, 2014, p.219. Grifos da autora)

A teoria pedagógica de Rousseau apresenta um trabalho voltado para uma educação corporal e, neste sentido, concebe não só a educação, como também o corpo a partir das marcas culturais da sociedade. As prescrições presentes no Emílio concebem uma formação que aconteceria através das práticas e vivências corporais, das vestes, da interação com o ambiente e com os elementos da natureza. A educação, ora conduzida pela natureza, se apropriaria de modo singular desse corpo em desenvolvimento. É importante examinar que a pedagogia apresentada a partir de Emílio configurou-se como uma das manifestações

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de educação do corpo que se constituíram no século XVIII, uma vez que explora um conjunto de práticas e saberes que foram, posteriormente, ressignificados por teorias e manuais voltados especificamente para uma pedagogia corporal. Apoiamo-nos em Soares (2014) para compreender a noção acima mencionada e explorar as contribuições que essa obra traz para uma melhor compreensão do corpo e de suas pedagogias, posto que é relevante “pensar que uma educação do corpo resulta da lenta elaboração de pedagogias que comportam técnicas e políticas especializadas” (Soares, 2014, p. 221). E, neste sentido, percebemos que Emílio insere-se num discurso pedagógico do corpo ao explorar uma educação a partir das prescrições de práticas e vivências corporais como elementos de instrução. Em outra medida, também iremos trabalhar com a noção de práticas corporais elencadas previamente. Para isso, apoiamo-nos nas pesquisas de Ana Márcia Silva (2005, 2013, 2014) que problematizam os conceitos de corpo e práticas corporais a partir de alguns entroncamentos históricos relevantes, como o da cultura helênica14 e suas inter-relações com os usos feitos na modernidade desses termos. Silva discute a difusa compreensão e conceituação do termo práticas corporais e apresenta a seguinte proposta:

O termo práticas corporais é o símbolo linguístico para um conceito que reúne os enunciados acerca dos fenômenos sociais. Em termos teóricos, o termo abarca características ou atributos dos fenômenos chamados de significantes, os quais são concretos e compõem a realidade social. [...] Buscando definir o conceito geral práticas corporais e considerando as formulações conceituais já existentes, sobre ele podemos observar as seguintes características:

 Explicitam-se principalmente no corpo e pelo corpo;

 Constituídas por conjuntos de técnicas disponíveis naquele tempo histórico e organizadas a partir de uma lógica específica;

 Foram/são construídas a partir de interações sociais determinadas que lhe conferem um significado coletivo;

 São desenvolvidas com determinadas finalidades e significados subjetivos, os quais dialogam com a tradição que as organiza;  Pressupõem determinados objetos para sua realização, sejam eles

equipamentos e/ou espaços;

 Foram desenvolvidas a partir do tempo livre ou do não trabalho;  Apresentam um componente lúdico e por vezes ritualístico;

14 Silva (2014) estrutura uma análise epistemológica dos conceitos de corpo e práticas corporais a partir da cultura helênica, período no qual a autora elenca elementos que contribuíram para a compreensão destes conceitos correlatos e influenciaram na construção de outras definições para ambos os conceitos que “em especial na modernidade, vão se tornando cada vez restritas em sua abrangência, especializando-se e reduzindo as suas características definidoras”. (SILVA, 2014, p. 6)

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 Em geral, implicam num grau de dinamicidade, elevando a tensão e movimentação corporal acima do cotidiano e com atributos como agilidade e energia. (SILVA, 2014, P.13-14)

Para estruturar uma discussão sobre o Emílio e também sobre Rousseau, nos apoiaremos em dois comentadores do filósofo: Jean Starobinski (2011) e Ernst Cassirer (1999), que analisam de maneira pormenorizada o discurso de Rousseau em suas obras e apontam os elementos mais explorados por Rousseau. Em acréscimo, buscaremos em outras obras de Rousseau como, por exemplo, Discurso sobre as Ciências e as Artes, Confissões e o verbete Economia política da Enciclopédia, alguns paralelos e relações perante o discurso acerca da natureza. A utilização de outras obras do filósofo sustenta-se na premissa de que existe uma unidade e relação temática em toda a obra de Rousseau. Starobinski, por exemplo, explica que tal síntese ocorre justamente a partir da educação. Segundo o autor:

Kant e mais recentemente Cassirer também consideram o pensamento teórico de Rousseau como um todo coerente. Nele encontram a mesma dialética, o mesmo ritmo ternário do pensamento. No entanto, para chegar à reconciliação dos termos opostos, eles não passam pela ideia de revolução, mas atribuem uma importância decisiva à educação. O momento final é o mesmo: a reconciliação da natureza e da cultura em uma sociedade que redescobre a natureza e supera as injustiças da civilização. [...] Kant e Cassirer escolhem intercalar Emílio e as teorias pedagógicas de Rousseau, para estabelecer o elo necessário entre as análises do segundo

Discurso e a construção positiva do Contrato. (STAROBINSKI, 2011, p.

48. Grifos do autor)

No caso do Emílio tem-se ainda um paralelo nítido com o Contrato Social. Ambas, publicadas em 1762, discorrem criticamente sobre os ideais iluministas, sendo que a primeira obra se direciona para a educação e a segunda discorre sobre o governo. Rousseau difunde um ideário de busca pelo conhecimento guiado pela natureza e apresenta teorias para a melhoria da educação e do Estado. Além disso, as discussões políticas apresentadas no livro V do Emílio, ao longo das viagens realizadas pelo discípulo de Rousseau, configuram-se como uma referência ao que configuram-seria explorado de modo mais detalhado no Contrato Social. Outros aspectos comuns entre essas obras dizem respeito a elaboração, o tratamento e a recepção delas pela sociedade. E, apesar dos obstáculos e dificuldades enfrentados por

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Rousseau para publicar, o autor não conseguiu prever as repercussões negativas que essas duas obras aportariam à sociedade.

O Emílio foi parcialmente composto no Petit Chateau. O Contrato Social construiu-se juntamente com o Emílio. Ambos deveriam aparecer quase ao mesmo tempo, na primavera de 1762, provocando mais uma tempestade que iria lançar o autor em novas desgraças. (ARBOUSE-BASTIDE, 1958, p. XCVII. Grifos do autor)

O desenrolar da publicação do Emílio contou com vários impedimentos como atrasos de livreiros e censuras. Contudo, o trabalho, apesar de lento, concluiu-se graças ao auxílio recebido pelo Sr. Malesherbes e pela Sra. de Luxemburgo, amigos de Rousseau que se encarregaram do processo de impressão15. Tendo concluído a publicação, o autor presenciou uma forte recepção negativa de sua obra que culminaria, inclusive, na sua perseguição16. As discussões propostas sobre religião, costumes e educação foram vistas como revolucionárias e até mesmo heréticas.

Os sarcasmos que Rousseau lançava contra os reis, os grandes e os ricos, porque sabia antecipadamente que eles eram hostis à liberdade dos homens e, portanto, à das crianças, tiveram sua justa paga. Em 9 de julho de 1762, uma sentença do Parlamento de Paris condenava o Emílio a ser rasgado e queimado, e ordenava: “o chamado J.-J. Rousseau....será detido e levado às prisões da Portaria do Palácio”. Rousseau tem então esperança de se refugiar em sua cidade natal, mas em 19 de julho o Pequeno Concelho de Genebra também condena o Contrato Social e o Emílio a “a serem rasgados e queimados pelo executor da alta justiça diante da porta da Municipalidade, como temerários, escandalosos , ímpios, propensos a destruir a religião cristã e todos os governos”; quanto ao autor, “caso venha à cidade ou às terras da Senhoria deverá ser detido e preso, para em seguida ser julgado” (LAUNAY, 2014, p. XXIII-XXIV. Grifos do autor)

15 A impressão do Emílio foi confiada a estas duas pessoas que eram protetores de Rousseau e já tinham conhecimento de suas obras. O autor insiste em não publicar o livro em Paris, pois não queria submeter-se as censuras e assim confia a Sra. de Luxemburgo o manuscrito que deveria ser impresso na Holanda, pelo livreiro Néaulme, e só futuramente distribuído aos livreiros de Paris. Contudo o processo de impressão não progredia e “Rousseau soube, por fim, que o negócio se concluíra em Paris com o livreiro Duchesne, que entrara em contato com o livreiro Néaulme, de Amesterdão”. (ARBOUSE-BASTIDE, 1958, p. C). Ainda sob a supervisão Sra. de Luxemburgo Emílio é impresso somente em 1762, sendo que o primeiro manuscrito lhe fora entregue em 1759. Os maiores obstáculos vieram do livreiro Duchesne que parecia querer retardar propositadamente a impressão e também do partido jansenista que mesmo sem conhecer a obra já a condenara antes da impressão. 16 Após a condenação de suas obras, a detenção de Rousseau é ordenada tanto em Paris, local de publicação das obras, como em Genebra. Em vista disso, Rousseau passa a viver em exílio até o fim de sua vida.

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Se inicialmente a obra o Emílio foi condenado por comportar teorias subversivas a seu tempo, nos séculos que se seguiram ele não só continuou a circular, mas foi inspiração para diversos pensadores. Teóricos17 como Pestalozzi, Freinet, Basedow, Dewey, Guts Muths leram e absorveram em suas teorias as discussões que Rousseau apresenta no Emílio. Esta obra configurou-se como uma peça fundamental para se pensar a educação, a natureza, o homem e, mais especificamente, o corpo.

No intuito de compreender melhor a densidade dessa obra, elencaremos a partir deste momento alguns estudos que cotejam o tema da natureza e da educação e que colocam Rousseau e também o livro em questão como um objeto de estudo e análise.

17 Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827); Celestin Freinet (1896-1966); Johann Bernhard Basedow (1724-1790); John Dewey (1859-1952); Johann Christoph Friedrich Guts Muths (1759-1839) foram alguns dos pedagogos modernos que tiveram acesso ao Emílio e foram fortemente influenciados por esta leitura. As teorias e manuais desenvolvidos por estes autores denotam um conhecimento e apreciação da obra de Rousseau e buscaram, em certa medida, aplicar de maneira prática as discussões e prescrições descritas pelo filósofo.

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1.3 ROUSSEAU E EMÍLIO, A NATUREZA E EDUCAÇÃO COMO

OBJETOS DE ESTUDO

Jean-Jacques Rousseau foi filósofo genebrino do século XVIII que criticou o ideário Iluminista de educação e que também influenciou o movimento romântico. Suas contribuições para a compreensão da educação do homem são largamente discutidas sob distintas vertentes. O Emílio, em especial, possui uma complexidade e riqueza de elementos que inspiraram a elaboração de diversos manuais e modelos educacionais e, além disso, tem sido uma referência nos estudos de várias áreas do conhecimento.

A presente pesquisa concentra-se em compreender as relações entre a natureza e educação voltadas para o corpo e apresentadas por Rousseau. Para tanto, optou-se por, inicialmente, elencar algumas pesquisas que já foram realizadas, cujos eixos de análises centraram-se nas teorias de Rousseau, e em particular, nas discussões apresentadas no

Emílio sobre natureza e educação, além de buscar as interlocuções destes temas a partir de

áreas de conhecimento distintas. Esse levantamento tem o intuito de auxiliar na compreensão do discurso científico em torno do tema e os direcionamentos de pesquisa já explorados. Os trabalhos que estão apresentados a seguir foram alocados de acordo com o campo de conhecimento em que estão inseridos. Inicialmente abordaremos os trabalhos da área de Educação e Educação Física para, em seguida, mostrar alguns estudos da Filosofia, Geografia e Psicologia. Buscamos, como norteadores temáticos: natureza; educação e Rousseau para construir este breve levantamento bibliográfico.

Educação

No campo da Educação foram encontrados muitos estudos que exploram, não somente a partir da obra Emílio, as discussões de Rousseau sobre educação e natureza. Em acréscimo são discutidas as influências da teoria rousseauniana no pensamento pedagógico e os contrapontos com a sociedade francesa. Por exemplo, a temática da infância é explorada com mais profundidade no trabalho de conclusão de curso de Barbosa (1998) que discorre a

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respeito das relações construídas por Rousseau entre infância, sociedade e educação. Nessa pesquisa, Barbosa apoia-se no primeiro livro do Emílio para mostrar as discussões que Rousseau levanta sobre a educação das crianças na sociedade francesa. Outra pesquisa que coteja essa mesma temática é desenvolvida por Grumiché (2012). Na dissertação de Grumiché, o conceito de infância é apresentado como um período no qual aconteceria um “sono da razão”18 e são discutidas as ideias de Rousseau para a compreensão da ênfase que o filósofo confere à criança e a infância, concebendo-as como elementos relevantes para o trabalho pedagógico. Ao desenvolver este trabalho são trazidos à tona os aspectos relevantes ao desenvolvimento de uma educação voltada para a infância, que buscaria, através dos conhecimentos ligados ao corpo e aos sentidos, uma instrução separada do uso da razão.

Outra vertente de pesquisas pode ser vista com a dissertação de Calça (2010) que investiga, através dos projetos de escola pública, a teoria de dois teóricos da segunda metade do século XVIII, a saber, Rousseau e Condorcet19. Neste sentido, Calça analisa as formulações de instituição escolar proposta por cada um dos filósofos para compreender como são estabelecidas as relações do homem com o conhecimento e virtude a partir, principalmente, das noções de Estado e de público. Este trabalho analisa, a partir destes dois teóricos, as distintas visões acerca de educação que se apresentaram ao fim do século XVIII.

Em outro escopo de análise, Rodrigues (2007), em sua dissertação, argumenta, a partir de uma abordagem interpretativa, como é desenvolvida a construção do homem e da mulher ideal proposto por Rousseau com as personagens Emílio e Sofia. Nessa pesquisa, Rodrigues busca estabelecer uma visão unitária da obra Emílio que abarca as implicações morais, políticas e pedagógicas do pensamento rousseauniano a respeito da formação do homem e da mulher pautada na noção de natureza que é apresentado por Rousseau.

18 Rousseau discute, no Emílio, a relevância de não apressar o aprendizado intelectual das crianças e permitir que vivenciem tudo o que a natureza tem a instruir, o autor explica que aproveitar a vida consiste em mais coisas do que os aprendizados e que “a infância é o sono da razão” (ROUSSEAU, 2014, p,119), e por isso deve ser preservada dentro de sua especificidade.

19 Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, Marquês de Condorcet (1743-1794), normalmente referido como Nicolas de Condorcet foi um filósofo e matemático francês que elaborou um projeto de educação para educação pública intitulado: Cinco Memórias sobre a Instrução Pública (1791) que se destinou à educação francesa. Rousseau em contrapartida elaborou um projeto de educação pública em sua obra Considerações sobre o Governo da Polônia (1771). Ambos autores discutem a construção de projetos de escolas para uma formação pública.

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Ainda inseridos no campo da Educação, temos alguns trabalhos da Filosofia da Educação que se direcionam para uma análise mais pormenorizada da noção de educação no Iluminismo e do conceito de educação natural20 como elemento de sustentação para a formação do homem e do cidadão. Além disso, identificamos estudos que discorrem sobre as propostas pedagógicas desenvolvidas no Emílio e suas influências na compreensão da Educação Infantil e do processo de alfabetização. Rousseau é apresentado como um divisor de águas do pensamento pedagógico e uma inspiração para outros teóricos que, a partir do século XIX, iriam debruçar-se na elaboração de manuais e métodos de educação ligados à natureza e também à educação corporal.

Boto (2011), em sua tese de livre-docência, delimita como objetivo de sua pesquisa identificar alguns aspectos que teriam constituído a dimensão pedagógica do movimento iluminista. Neste movimento, as obras pedagógicas de Rousseau são exploradas para auxiliar na compreensão da noção de infância e das relações com a interpretação histórica e social do filósofo. Boto discorre sobre a nova acepção de criança que se consolida com a teoria rousseauniana e apresenta as inovações pedagógicas de Rousseau como determinante das representações e mentalidades coletivas a partir do século XVIII. Esta pesquisa analisa a teoria que é apresentada no Emílio, mas também se apoia em outras obras do filósofo genebrino para explicar de modo mais amplo a educação e o conceito de infância enunciados.

Outra vertente de pesquisa pode ser vista a partir dos artigos elaborados por Dalbosco (2009, 2012) que aprofunda em seus estudos a educação natural e a formação do homem a partir do que foi exposto no Emílio. Os trabalhos desenvolvidos abordam a constituição moral do discípulo de Rousseau, e as implicações da natureza nesta formação. Além disso, Dalbosco explora os papéis desenvolvidos pelo preceptor ao longo da educação, e principalmente na fase inicial em que a educação natural é o cerne da educação e sob a

20 O conceito de educação natural é apresentado por Rousseau na obra Emílio como referência à educação que advém da natureza e seria mais perceptível durante a primeira e segunda infância da criança. A educação pela natureza consiste na interação direta com os elementos da natureza e a partir deles desenvolver as capacidades biológicas. Para Rousseau (2014, p.97) “a primeira educação deve ser puramente negativa. Consiste não em ensinar a virtude ou a verdade, mas em proteger o coração contra o vício e o espírito contra o erro" e para alcançar isso é importante que aconteça uma educação guiada puramente pela natureza, uma vez que só ela é capaz de prover ao aluno todos os conhecimentos necessários para sua sobrevivência.

Referências

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