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Concepções teórico-epistemológicas de estudantes de graduação em física: marcas de imaginário e de discurso científico

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

EDUCAÇÃO SOCIEDADE E PRÁXIS PEDAGÓGICA

JOSÉ CARLOS OLIVEIRA DE JESUS

CONCEPÇÕES TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICAS DE ESTUDANTES DE

GRADUAÇÃO EM FÍSICA: MARCAS DE IMAGINÁRIO E DE DISCURSO

CIENTÍFICO

SALVADOR 2010

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JOSÉ CARLOS OLIVEIRA DE JESUS

CONCEPÇÕES TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICAS DE ESTUDANTES DE GRADUAÇÃO EM FÍSICA: MARCAS DE IMAGINÁRIO E DE DISCURSO CIENTÍFICO

ORIENTADORA: Profª. Drª. Teresinha Fróes Burnham (UFBA – Brasil) CO-ORIENTADOR: Prof. Dr. José Luís Michinel (UCV – Venezuela)

SALVADOR 2010

Tese apresentada ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia – linha de pesquisa: Currículo, Tecnologias de (In)Formação e Comunicação – como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Educação.

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JOSÉ CARLOS OLIVEIRA DE JESUS

CONCEPÇÕES TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICAS DE ESTUDANTES DE GRADUAÇÃO EM FÍSICA: MARCAS DE IMAGINÁRIO E DE DISCURSO CIENTÍFICO

Aprovada em 22 de setembro de 2010

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________ Profª. Drª. Teresinha Fróes Burnham (Orientadora) FACED – Universidade Federal da Bahia

____________________________________ Prof. Dr. José Luís Michinel (Co-orientador) Escuela de Física – Universidad Central de Venezuela _______________________________

Profª. Drª. Maria José P M de Almeida

Faculdade de Educação – Universidade Estadual de Campinas

__________________________ Prof. Dr. Roberto Leon Ponczek DFIS – Universidade Estadual de Feira de Santana _______________________

Prof. Dr. Jacques Depelchin

DCHF – Universidade Estadual de Feira de Santana

__________________________ Prof. Dr. Dante Augusto Galeffi FACED – Universidade Federal da Bahia __________________________

Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo FACED – Universidade Federal da Bahia

______________________________ Prof. Dr. Olival Freire Jr. (Suplente) IF – Universidade Federal da Bahia Tese apresentada ao Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Educação.

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AGRADECIMENTOS

A Maria Clara pelo carinho, companheirismo, inesgotável paciência e o indispensável apoio aos meus projetos.

Aos meus filhos e filhas: Catarina, Adrian, Marina, Samuel e Lívia por me perdoarem o tempo todo.

À Profª. Drª. Teresinha Fróes Burnham pela forma libertária de orientação, pelo acolhimento na REDPECT e pelo exercício diário de autonomização acadêmica.

Ao Dr. José Luís Michinel pelo acolhimento e por aceitar a co-orientação desta proposta de tese.

Aos membros da Banca Examinadora por aceitarem a tarefa de leitura, análise e avaliação desse trabalho.

Ao Prof. Dr. Décio Pacheco (in memoriam) pela generosidade em acolher minhas idéias ingênuas sobre a pesquisa em Ensino de Física e pela capacidade de ajudar-me a transformá-las em objetos de estudo.

Ao colega e amigo Álvaro Santos Alves (DFIS/UEFS) pela intensa parceria nos problemas que suscitaram as primeiras idéias desse trabalho de tese.

Ao Prof. Dr. Hernane Borges de Barros Pereira (Ciências Exatas – UEFS) e ao Prof. Dr. Marcelo Moret (Física – UEFS) pelas profícuas discussões inicias acerca do projeto de tese. Ao Dr. Jacques Gauthier pelas valiosas discussões e sugestões.

Às colegas e aos colegas da REDPECT/FACED/UFBA pelo excelente ambiente de trabalho, pela cooperação acadêmica e inestimável incentivo.

Às amigas Gabriela Rezende e Nícia Riccio pelo compartilhamento de sucessos e angústias, desde as primeiras aulas da pós-graduação.

À minha amiga e madrinha, Lídia Mattos, por mostrar-me as estradas, os caminhos, os atalhos e as passagens secretas da rede de conhecimento.

Ao corpo docente do Programa de Pesquisa e Pós-Graduação da FACED/UFBA pelas incontáveis experiências – presenciais e virtuais – de vida-formação.

Às colegas e aos colegas da turma de pós-graduandos 2006.1.

Ao corpo técnico-administrativo da FACED/UFBA pela forma sempre gentil de acolhimento e pelo profissionalismo e dedicação às atividades que tornam a FACED possível.

Às colegas Isabel Costa (DFIS/UEFS) e Vilânia (PPPG/UEFS) pelo profissionalismo e presteza em auxiliar os docentes afastados para cursos de pós-graduação.

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A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa... e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita.

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RESUMO

Neste trabalho são analisadas as concepções teórico-epistemológicas de estudantes de Graduação em Física, modalidades Licenciatura e Bacharelado, na perspectiva do discurso científico e das instituições imaginárias e sociais subjacentes. A análise do discurso de linha franco-brasileira é o referencial teórico-metodológico dessa investigação. O corpus da pesquisa é formado a partir dos enunciados extraídos dos Trabalhos Acadêmicos de Final de Curso (monografias) dos estudantes, exigidos curricularmente como requisito de Grau. O dispositivo analítico do trabalho de tese está referenciado em Thomas Kuhn, com as noções de paradigma, ciência normal, ciência revolucionária e comunidades científicas, e em Gaston Bachelard, com as noções de obstáculo, perfil e ato epistemológicos, bem como a noção seminal de ruptura, contribuindo em um denso diálogo sobre Formação. Metodologicamente, buscou-se explicitar como os pressupostos teóricos e epistemológicos dos estudantes contribuem para a definição, a caracterização e a resolução do problema de pesquisa implicado na Monografia. Os resultados obtidos foram analisados a partir das noções de autoria, texto, discurso, comunidades discursivas e condições de produção. Nos trabalhos analisados, encontrou-se uma predominância do racionalismo clássico no processo de racionalização/interpretação dos estudantes, fruto da emergência do pré-construído nas formações discursivas dominantes. Encontrou-se também o fenômeno de dispersão teórico-epistemológica dos sujeitos, marcados por entre-lugares de significação. A teorização por repetição e por citação são os processos determinantes e estão ligados à idéia de formação como treinamento.

Palavras-chave: Formação Inicial – Teoria – Epistemologia – Análise do Discurso – Monografia.

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ABSTRACT

In this work the theoretical and epistemological conceptions of undergraduate Physics students both in Initial Teacher Training and Bachelor degrees are analyzed, and arrangements in view of scientific discourse and the underlying social and imaginary institutions. The French-Brazilian Discourse Analysis is the theoretical and methodological framework of this research. The corpus of research is composed of extracts from the Academic Works for Final Paper (monographs) of students, as required Degree obligation. The analytical device of the thesis work is referenced in Thomas Kuhn, with the notions of paradigm, normal science, revolutionary science and scientific communities, and Gaston Bachelard, with notions of epistemological obstacle, profile and act, and the seminal concept of epistemological break, contributing to a dense dialogue on teachers’ initial training. Methodologically, we attempted to explain how the theoretical and epistemological students´ presuppositions contribute to the definition, characterization and resolution of the problem involved in the ir research reports. The findings were analyzed using the notions of authorship, text, discourse, discursive communities and production conditions. In the monographs reviewed, we found a predominance of classical rationalism in the process of rationalization and interpretation of the students that is attributed to the emergence of the preconstructed in the dominant discursive formations. The phenomenon of theoretical and epistemological dispersion of the agents, marked by “in-between places” of signification, has been observed. The repetition and citation are the determinant processes of theorization, which are closely related to the traditional idea of education as training.

Keywords: Initial Education – Theory – Epistemology – Discourse Analysis – Undergraduate Thesis

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 11

CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO 14

IT INERÂNCIAS E ERRÂNCIAS: UMA HISTÓRIA IMPLICADA DE VIDA–FORMAÇÃO. 14

O PROCESSO DE IMPLICAÇÃO: AFETAÇÕES PRIMEIRAS 16

MINHA EXPERIÊNCIA TÉCNICA E O T RABALHO PEDAGÓGICO 20

A DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE INVEST IGAÇÃO: ALGUNS ABALOS 27

PROBLEMATIZAÇÃO – MAIS UMA GUINADA 32

A QUESTÃO DE PESQUISA E A OPÇÃO PELA ANÁLISE DO DISCURSO 45

CAPÍTULO 2 PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO 48

INCURSÕES NA ANÁLISE DE DISCURSO FRANCO-BRASILEIRA 48

EFEITOS DE EVIDÊNCIA 51

O OLHAR DO ANALIST A 53

A NOÇÃO DE CORPUS 54

A PRÁTICA DE ANÁLISE DO DISCURSO 55

TEXT O E AUTORIA 66

A PRÁTICA DE ANÁLISE A PARTIR DO FUNCIONAMENTO DO DISCURSO 69

AS FACES DO NÃO-DITO 72

GÊNEROS DE DISCURSO: NOTAS PARA UMA TIPOLOGIA 74

COMUNIDADES DISCURSI VAS E SUAS PRÁTICAS: REFERENTES PARA UMA FORMAÇÃO DOCENTE. 79

CONSOLIDAÇÕES PARCIAIS 82

CAPÍTULO 3 KUHN E BACHELARD: UM DIÁLOGO SOBRE FORMAÇÃO 84

OBST ÁCULO EPIST EMOLÓGICO E PERFIL EPISTEMOLÓGICO. 91

O PERFIL EPIST EMOLÓGICO DE MASSA EM BACHELARD 98

RÉSUMÉ: A FILOSOFIA DAS RUPTURAS 101

THOMAS KUHN E AS PRÁTICAS CIENT ÍFICAS 106

ALGUMAS LINHAS SOBRE FORMAÇÃO E A NOÇÃO DE VIDA-FORMAÇÃO 116

FORMAÇÃO: ALGUNS ARREMATES. 119

CAPÍTULO 4 DECIFRA-ME OU TE DEVORO! 126

PIST AS PARA UMA CONST RUÇÃO/T RANSFIGURAÇÃO DO OBJETO 126

CAPÍTULO 5 TEXTO E AUTORIA EM MONOGRAFIAS DE GRADUAÇÃO 137

DISPOSITIVOS DE ANÁLISE 139

O PROBLEMA DE PESQUISA NAS MONOGRAFIAS DE GRADUAÇÃO EM FÍSICA. 139 DESCRIT ORES DE PROBLEMAS: DEFINIÇÃO, CARACTERIZAÇÃO E RESOLUÇÃO 143

DESCRIÇÃO DO ARQUIVO E ELABORAÇÃO DO CORPUS 144

CONTEXTO INSTITUCIONAL 144

(11)

MET ODOLOGIA: ELABORAÇÃO DO CORPUS E FUNCIONAMENT O DO DISCURSO 148 PRIMEIRO QUADRO DE ENUNCIADOS TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICOS 151

SÍNT ESE DO PRIMEIRO QUADRO 166

SEGUNDO QUADRO DE ENUNCIADOS TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICOS 169

SÍNT ESE DO SEGUNDO QUADRO 181

TERCEIRO QUADRO DE ENUNCIADOS T EÓRICO-EPISTEMOLÓGICOS 184

SÍNT ESE DO TERCEIRO QUADRO 192

QUARTO QUADRO DE ENUNCIADOS TEÓRICO-EPIST EMOLÓGICOS 194

SÍNT ESE DO QUARTO QUADRO 205

QUINT O QUADRO DE ENUNCIADOS T EÓRICO-EPISTEMOLÓGICOS 208

SÍNT ESE DO QUINTO QUADRO 220

CAPÍTULO 7 ORGANIZANDO OS ACHADOS 223

APREENDENDO A METODOLOGIA 223

MODELOS 227

MODELOS HÍBRIDOS E O PRÉ-CONST RUÍDO 228

O PRÉ-CONST RUÍDO E O ENSINO MÉDIO. 229

O PRÉ-CONST RUÍDO E A EST RUTURA DO CURSO. 234

FUNCIONAMENT O DISCURSI VO: REPETIÇÃO E CITAÇÃO 237

A ESCRIT A E A FUNÇÃO-AUTOR 240

RECOBRIMENTO E VIDA-FORMAÇÃO 241

CAPÍTULO 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS 247

UM ESPAÇO PARA TOTALIZAÇÕES PARCIAIS – LUGAR DA IMPERMANÊNCIA 247

REFERÊNCIAS 251

APÊNDICE A – LISTA DE MONOGRAFIAS ANALISADAS 263

ANEXO A – TAFC DE J P CAMPOS 265

ANEXO B – TAFC DE S C LIMA 268

ANEXO C – TAFC DE A M S MOREIRA 272

ANEXO D – TAFC DE E M NASCIMENTO 275

ANEXO E – TAFC DE M B TRINDADE 278

ANEXO F – REGULAMENTO E NORMAS DO TRABALHO ACADÊMICO DE FINAL DE

CURSO PARA GRADUANDOS EM FÍSICA. 281

ANEXO G – PROGRAMA DE DISCIPLINA: FIS712 – TRABALHO ACADÊMICO DE

FINAL DE CURSO. 288

ANEXO H – FLUXOGRAMAS DOS CURSOS DE FÍSICA 290

(12)

APRESENTAÇÃO

Esse trabalho de tese originou-se de uma relação estreita entre o trabalho docente e a reflexão sobre essa prática. Os primeiros passos, ainda no contexto técnico, apontavam para as dificuldades de organização do trabalho pedagógico em laboratório didático. Problemas de infra-estrutura, carência de materiais, ferramentas, instrumentos de medição e equipamentos marcavam o cotidiano dos primeiros anos de trabalho docente. Minoradas essas dificuldades, as inquietações se deslocaram para o processo ensino-aprendizagem. Começaram a aparecer as limitações docentes, principalmente nos aspectos de preparação e organização do trabalho pedagógico, bem como da avaliação, voltada essencialmente para o desempenho do estudante. Muitas tentativas de mudança desse estado mostraram-se insuficientes ou infrutíferas, porque faltava uma abordagem teórico-metodológica que lhe desse o necessário suporte. A busca por esses referenciais culminou nesse projeto. As itinerâncias e errâncias desse processo estão descritas detalhadamente no Capítulo 1. Lá também estão postos o problema de pesquisa e as propostas de abordagem epistemológica e teórico-metodológica.

O Capítulo 2 encerra o referencial teórico-metodológico da investigação. A Análise do Discurso (AD) franco-brasileira, que tem nos nomes de Michel Pêcheux, Dominique Maingueneau e Patrick Charadeau, pelo lado francês, e de Eni Orlandi, pelo lado brasileiro, seus construtores mais conhecidos, foi escolhida porque o corpus da pesquisa, constituído a partir de monografias de final de curso de estudantes de Física, e a questão de pesquisa, orientada para a explicitação do trabalho da teoria e da epistemologia implicado nessas monografias, assim o exigiam. Particularmente, os conceitos de texto, autoria, discurso, condições de produção, práticas e comunidades discursivas permitem acessar as formas de racionalização – o trabalho interpretativo-compreensivo – dos estudantes na definição, caracterização e resolução de seus problemas de pesquisa.

A metodologia da AD se desdobra em um dispositivo teórico, onde são elencadas as categorias do contexto discursivo, e um dispositivo analítico, lugar de observação do analista, construído a partir do campo de conhecimento onde está inserido o problema de pesquisa. Nesta tese, fez-se a opção por Gaston Bachelard e Thomas Kuhn, tendo em vista a estreita ligação desses pensadores com o processo de formação, ainda que implicitamente. Assim, pautando-se nas categorias Bachelardianas de obstáculo epistemológico, ruptura e perfil epistemológico, e nas noções Kuhnianas de paradigma, ciência normal, ciência revolucionária e comunidade científica, se estabelece um diálogo sobre formação inicial, tanto para a

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docência quanto para a pesquisa. O estabelecimento desse diálogo e de suas relações com a AD são objetos do Capítulo 3.

O Capítulo 4 encerra uma tentativa de teorização da relação sujeito-objeto, transcendendo a noção ordinária de objeto em função de uma idéia de objeto-outro. A categoria fundamental dessa discussão é a presença. Sua ligação com o corpo do trabalho de tese está dispersa nos Capítulos 2, 3 e 5. É ela que mostra (ou permite perceber) as marcas das Formações Sociais (FSs) e das Formações Discursivas (FDs) na constituição de sujeitos discursivos e de sentidos. É por sua inserção nessas FDs, mediada por Práticas Discursivas (PDs) em Comunidades Discursivas (CDs), que o sujeito discursivo torna-se sujeito cognoscente e também sujeito epistêmico.

No Capítulo 5 são explicitados os aspectos metodológicos da investigação, abordando inicialmente os dispositivos teórico e analítico. Depois são introduzidas conceituações operacionais de teoria e epistemologia para que se possa identificá-los na leitura das monografias. Passa-se então aos descritores do problema de pesquisa implicado nas monografias, a saber: definição, caracterização e resolução, que serão interrogados em seus aspectos teóricos e metodológicos. Em seguida faz-se a descrição institucional e discursiva do arquivo que compõe o corpus.

A elaboração do corpus a partir da desuperficialização dos textos das monografias é objeto do Capítulo 6. Nele os enunciados das monografias de estudantes de Licenciatura e de Bacharelado em Física são interrogados sobre os modos de significar e interpretar de seus autores, seja no trabalho da teoria, seja no trabalho da epistemologia. Aqui, pelo cotejo com as perspectivas de Thomas Kuhn e Gaston Bachelard, extrai-se o objeto discursivo. A discussão desse objeto é feita a partir dos processos discursivos identificados, pondo-os em relação aos referentes teórico-epistemológicos.

Os achados desse trabalho estão organizados e discutidos no Capítulo 7. Este capítulo compreende uma consolidação do contexto teórico-metodológico, acolhendo as noções de

implexité e entre-lugar, bem como o conceito de desdobramento. Uma atenção particular é

dada também à noção de modelos de racionalização que os estudantes empregam no processo de elaboração de suas monografias, particularmente aqueles que constroem modelos híbridos, teórica ou epistemologicamente. O funcionamento discursivo das monografias, da perspectiva da teorização por citação e por repetição, é posto em contraste com a noção kuhniana de treinamento na formação inicial, justificando a emergência do pré-construído nos processos de interpretação/compreensão dos resultados que alcançaram. Esse aspecto aparece em conexão com a noção de escrita e da função discursiva autor. Essas categorias da análise do

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discurso dão lugar à idéia de recobrimento, marca da dispersão dos sujeitos sobre várias formações discursivas, caracterizando a transição do sujeito por entre-lugares na rede de significações.

(15)

CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO

I

TINERÂNCIAS E ERRÂNCIAS

:

UMA HISTÓRIA IMPLICADA DE VIDA

FORMAÇÃO

.

Este capítulo esboça uma tentativa de retraçar o processo de elaboração do projeto de pesquisa que culminou nesse texto de proposta de tese de doutoramento em Educação. Evidentemente, é tarefa impossível localizar no tempo o instante da primeira inquietação que resultou nos rascunhos da investigação em pauta, mas sua origem está inapelavelmente ligada ao exercício da docência, ao longo dos últimos dez anos, junto ao Departamento de Física da Universidade Estadual de Feira de Santana. A prática docente, distribuída em atividades didático-pedagógicas, em atividades de pesquisa e em ações extensionistas, quase sempre sobrepostas, proporcionou momentos de espanto e insegurança, deflagrando reflexões e questionamentos que demandaram um aprofundamento teórico-metodológico e motivaram estudos em nível de pós-graduação. Esse capítulo consolida um relato possível de minhas itinerâncias e errâncias acadêmicas, de meus encontros e desencontros com o tema, o objeto e a questão de pesquisa, aqui delineados.

Ingressei no corpo docente da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) em 1997, junto à Área de Física do Departamento de Ciências Exatas (DEXA), inicialmente como professor visitante, em julho, e depois como professor assistente, e m outubro, pois havia prestado concurso público de provas e títulos em fevereiro do mesmo ano.

As primeiras atividades docentes compreendiam uma carga didática de 14 horas semanais (03 disciplinas). Além disso, nesse período a Área de Física reunia-se semanalmente para debater o projeto de criação do Departamento de Física (DFIS), uma proposta audaciosa que encontrou fortíssima resistência por parte de professores de outras áreas, pois temiam que a cisão resultasse em um enfraquecimento político-administrativo do Departamento de Ciências Exatas no contexto da Universidade. Essa resistência resultou inicialmente em um

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importante fator de coesão do grupo de professores da Área de Física naquele período, implicando também num reforço de identidade profissional, seguido de um entrincheiramento que levou ao recrudescimento de posições pró e contra a criação do DFIS. Esse processo, evidentemente, dá à formação da Comunidade Científica Local um caráter político claramente diferenciado, com reflexos nítidos ainda hoje. Paralelamente, discutia-se também a ampliação da oferta de Cursos de Graduação com a proposta de criação do Bacharelado em Física.

Naquela época, salvo algumas exceções, o corpo docente da Área de Física, em função da Formação Inicial no campo das ciências empírico-analíticas, realizava essas duas tarefas sem uma devida atenção aos novos horizontes delineados pelos estudos no campo do currículo. Todavia, realizou-se um trabalho muito intenso e imprescindível de acompanhamento da evolução dos curricula dos cursos de Física em várias Instituições de Ensino Superior do país, buscando estabelecer tanto uma comparação quanto uma adequação às mudanças inspiradas ou impostas pela promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96).

Hoje, porém, percebo que as discussões restringiam-se apenas à ilusória superficialidade das aprisionantes “grades” curriculares, com seus elencos de conteúdos e suas contabilidades de creditação e carga horária. Os trabalhos se orientavam prioritariamente para uma oferta de conteúdo que permitisse aos egressos uma equiparação1 com os colegas de instituições consolidadas, a exemplo da Universidade de São Paulo (USP). Assim, mesmo à margem da discussão teórico-epistemológica, a elaboração técnica sobre o currículo – esse complexo cultural tecido por relações ideologicamente organizadas e orientadas (MACEDO: 2007, p.26) – compreende também “o conhecimento e os valores orientados para uma determinada formação” e se “configura como um produto das relações e das dinâmicas interativas, vivendo e instituindo poderes” (op. cit. p.25). Aqui se alberga a idéia de

equiparação. Àquela época, essas considerações, apesar de importantes na elaboração de um

artefato ideológico como é o currículo (FRÓES BURNHAM: 1998, p.36; MOREIRA: 2001, p.39-52; MACEDO: 2007, p.15), não se pautavam (explicitamente2) em referenciais

1 Pode-se identificar aqui uma postura, até certo ponto ingênua, de qual é o papel da universidade. Pode -se

defender também u ma perspectiva limitada de que a universidade se basta (a si mes ma), quando tem por objetivo a preservação, sistematização e transmissão/difusão da herança cultural da humanidade. Mas de que cultura e de que humanidade se fala aqui? Os países africanos e asiáticos, com algu mas exceções, não são representados nessa humanidade forjada pela Europa central a partir de remin iscências de Ro ma e Grécia clássicas.

2 Essa orientação não é necessariamente negativa, pois deixa entrever u m detalhe que escapara -me

anteriormente: havia, sim, u m perfil de egresso, ainda que tacitamente assumido. É claro que isso se desdobrará mais adiante na discussão das monografias, pois revela o assujeitamento da Comunidade a u ma instituição

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filosóficos ou epistemológicos, nem mesmo em políticas públicas de desenvolvimento científico e tecnológico do Estado da Bahia ou da região do semi-árido em torno de Feira de Santana.

O

PROCESSO DE IMPLICAÇÃO

:

AFETAÇÕES PRIMEIRAS

A secção precedente apresentou em linhas gerais o contexto seminal das primeiras inquietações sobre o tema desta tese. A noção mais apropriada para o processo de investigação que se origina na prática docente, que se modifica pelas questões levantadas e promove reflexões sobre essa mesma prática é conhecido na literatura como implicação. Esse conceito foi introduzido por Renè Barbier (1977 apud DE LAVERGNE: 2007) para significar o resgate da importância do ator social que reflete sobre sua prática e a partir dela produz conhecimento. De uma forma mais densa, falar de implicação é explicitar “quem é o ser que percebe o percebido”. É um conceito colado às demandas biopsicossociais dos indivíduos e se desdobra em três níveis de abordagem: o psicoafetivo, o histórico-existencial e o estrutural profissional (SANTOS: 2008, p.57; MARRA: 2004, p.59). Ainda segundo Barbier (1977 apud SPEROTO: 2002, p.32),

A implicação, no campo das ciências humanas, pode ser então definida como o engajamento pessoal e coletivo do pesquisador em pôr sua práxis científica, em função de sua história familiar e libidinal, de suas posições passada e atual nas relações de produção e de classe, e de seu projeto sociopolítico em ato, de tal modo que o investimento que resulte inevitavelmente de tudo isso seja parte integrante e dinâmica de toda atividade de conhecimento.

Hoje, todavia, em função do reconhecimento da pluralidade de relações/interações dos sujeitos uns com os outros e de todos eles com as culturas e as instituições a que se filiam ou se subordinam, a idéia de implicação ganhou uma espessura semântica ainda maior, levando a uma necessidade de re-significá-lo. Atualmente, a noção que transcende esse conceito é conhecida como “implexité”, termo devido a Jean-Louis Le Grand (2000, apud De LAVERGNE: 2007, p.33) e construída a partir dos termos “implication  complexité”. A imaginária, que é o perfil de físico, pertencendo a uma FD. Como é que o físico se vê? É importante marcar isso porque, sabe-se, não existe sujeito sem u ma filiação político-ideológica. Mesmo que essa opção não tenha sido feita conscientemente – e quase sempre é assim –, há um assujeitamento na e pela linguagem que filia o sujeito-autor em certas formações discursivas. Na perspectiva da Análise do Discurso d e linha franco-brasileira, há aqui um não-dito que revela o perfil do egresso, pela sujeição ao discurso de qualidade e competência acadêmicas.

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implexité surgiu para dar conta da pesquisa realizada pelos práticos, isto é, por profissionais que realizam investigação sobre temas internos às suas atividades profissionais cotidianas. Cria-se um par caracterizado pela complementaridade, onde o profissional e o pesquisador (em o sujeito) interagem dialeticamente:

 o olhar do profissional, de dentro de seu campo, molda a forma de abordagem, pautado numa ética e numa estética comprometidas com o risco de transgressão, com a presença ostensiva da militância;

 o olhar do pesquisador, comprometido com uma consciência da inseparabilidade sujeito-objeto, deve evitar a sedução das idéias cristalizadas, do lugar comum, das impressões imediatas.

O pesquisador-prático não pode esquivar-se dessa condição, mas deve ter clareza de que seu olhar é a um só tempo viciado e privilegiado (desdobramento). Vê-se, portanto, que a perspectiva é de implicação, marcada pela pluralidade e opacidade de relações (e posições) do sujeito-pesquisador-prático com seu campo de investigação. É esse o tecido próprio da complexidade. Esses elementos permitem uma caracterização mais detalhada do conceito de

implexité, como pode-se encontrar em De Lavergne (2007):

L’implexité est la dimension complexe des implications, complexité largement opaque à une explication. L’implexité est relative à l’entrelacement de différents niveaux de réalités des implications qui sont pour la plupart implicites (pliées à l’intérieur). Le chercheur questionne son implication et le mode de production de ses connaissances3. (De Lavergne,

2007, p.33). (Negrito do original)

Por isso, faz-se necessário uma descrição de meu trajeto de implicação com as Universidades, os Departamentos, os Colegiados, os Currículos e as Práticas dessas instituições, e com meu campo de pesquisa, tentando traçar retrospectivamente a teia de relações que ocultam sua dimensão complexa.

Minha Formação Inicial compreende as modalidades Bacharelado e Licenciatura em Física, cursados no Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia, onde colei grau em 1988 e 1989, respectivamente. Todavia, a aceitação no Programa de Mestrado em Física da Matéria Condensada do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco,

3 Livre-tradução: A implexité é a dimensão complexa da imp licação, co mplexidade largamente opaca a uma

explicação. A implexité é relativa ao entrelaçamento de diferentes níveis de realidades das implicações que são na maior parte imp lícitas (rebatidas ao interior). O pesquisador questiona sua imp licação e o modo de produção de seu conhecimento.

(19)

Sub-área Magnetismo, concluído em 1992, resultou em um distanciamento das questões de Educação e de preocupações didático-pedagógicas.

Ingressei na UEFS em 1997, quando o curso de Licenciatura Plena em Física iniciava seu segundo semestre. Apesar disso, eu não tinha nenhum interesse especial pelas questões de Ensino de Física ou Ensino de Ciências. Particularmente, eu acreditava que o domínio do conteúdo era mais do que suficiente para autorizar-me à docência. Infelizmente, minha experiência acadêmica, tanto discente quanto docente, tem mostrado que grande parte da comunidade de físicos profissionais partilha dessa idéia ou mito. O tempo se encarregou de mostrar-me que isso é um lamentável engano.

Lamentavelmente, essa perspectiva de educação/instrução centrada no professor, no domínio do conteúdo e na transmissão de conhecimento aos estudantes, remete-nos à chamada Pedagogia Tradicional, fundada ‘cientificamente’ por Herbart, no Século XIX, segundo Ghiraldelli Jr. (1987, p. 20). Segundo esse autor, a Educação é um conjunto de práticas enquanto a Pedagogia dá suporte teórico a essas práticas. Todavia, essas práticas também são geradoras de teorias pedagógicas. Além disso, a Didática tem o papel de mediadora entre a Pedagogia e a Educação, entre a teoria e a prática educativa (op. cit., p.9). A despeito do desgaste que o termo Pedagogia Tradicional sofreu ao longo das três últimas décadas, Macedo (2007) faz questão de registrar que o termo tradicional deve ser substituído por formalista – concepção que também adoto aqui –, por entender “(...) que o conceito de tradição traz uma complexidade bem mais fecunda para compreendermos as construções socioculturais e históricas em sociedade” (MACEDO: 2007, p.37).

A assunção dessa perspectiva teórica formalista, considerada ultrapassada, é um registro do reconhecimento – somente possível hoje – de duas relações imaginárias com meu campo e com minha profissão:

i. que eu teria bastante domínio dos conteúdos de Física;

ii. que esse suposto domínio seria condição necessária e suficiente para o exercício da docência.

Essa crença persistiu por cerca de 3 anos. Ao fim desse período, as atividades didáticas, sobretudo nas aulas práticas de Física, começaram a produzir inquietações freqüentes. Eu passei a observar que ao final de cada semestre letivo os estudantes não apresentavam mudanças conceituais significativas. Infelizmente, visto pela perspectiva que

(20)

hoje me permite a pós-graduação, o trabalho que eu realizava era irrelevante. Sobre esse ponto posiciono-me hoje segundo as palavras de Paulo Freire (1996):

Não temo dizer que inexiste validade no ensino de que não resulta um aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou de refazer o ensinado, que o ensinado que não foi apreendido não pode ser realmente

aprendido pelo aprendiz. (FREIRE: 1996, p. 24) (Itálico nosso).

Uma compreensão do processo educativo como gerador ou potencializador da capacidade de recriar ou de refazer o conhecimento ensinado encontra eco junto a alguns físicos de renome, como se pode entrever neste diálogo entre Richard FeynmanA e Leonard MlodinowB (2005, p. 144-145):

FEYNMAN: - Você entendeu a teoria deles? – ele perguntou. MLODINOW: - Eu li o trabalho. Acompanhei a maior parte do raciocínio. FEYNMAN: - Acompanhou? Só porque acompanhou alguém não quer dizer que esteja indo pelo caminho certo. Quando você mesmo é capaz de deduzir

as coisas, então [você] as entendeu. (Itálico nosso).

É claro que naquela época eu não formulava a questão dessa forma. Inicialmente, passei a desconfiar dos instrumentos de avaliação, pois tanto as experiências quanto os relatórios de atividades práticas eram realizados em pequenos grupos, de 3 a 5 estudantes, dependendo da disponibilidade de materiais, equipamentos e instrumentos de medição. A partir de então comecei a aplicar exames escritos individuais, mas observei apenas alguns progressos pontuais de estudantes mais dedicados ou talentosos. Meus ‘pressupostos’ haviam se revelado incipientes. Nesse processo passei a me dar conta também que meus conhecimentos sobre avaliação eram insatisfatórios. Além disso, passei a culpar-me exclusivamente pelo fracasso do trabalho pedagógico, porque, repito, acreditava totalmente que sabia Física e poderia, portanto, ensiná-la. Essa relação imaginária com o conhecimento e com a idéia que eu nutria sobre o trabalho pedagógico não era minha exclusividade. Encontrei na literatura suporte para a necessidade de uma investigação acerca desses pressupostos, a exemplo do trabalho de Villani et al. (1997):

A ilusão inicial do estudante, de receber o conhecimento, tem como reverso da moeda a ilusão inicial do professor de poder transmitir conhecimentos. Viver com intensidade esta ilusão poderá permitir ao professor perceber que os conhecimentos por ele transmitidos rapidamente desaparecem, para deixar lugar aos conhecimentos construídos pelos próprios estudantes. (Villani et al: 1997, p.46). (Grifo nosso)

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A ilusão de poder transmitir conhecimentos é, antes, um reflexo da compreensão social do trabalho docente desde a perspectiva formalista. É também um indicador da relação imaginária do professor com o estudante e o conhecimento: o professor ‘sabe’ o conteúdo e o estudante ‘não sabe nada’. Essa perspectiva vai de encontro a concepções de educação que valorizam o conhecimento do estudante (cultura, senso comum, concepções prévias) e seu trânsito de vida-formação (vide Cap. 3), do saber freiriano de “experiência feito” (FREIRE, 1996, p.38), enfim, de suas vivências em diferentes espaços de aprendizagem (FRÓES BURNHAM: 2000; FAGUNDES e FRÓES BURNHAM: 2005, p.107). Essa temática perpassa também toda uma discussão sobre educação e escolarização, e, como bem nos adverte Nilma Gomes (2003, p.3),

(...) é sempre bom lembrar que a educação não se reduz à escolarização. Ela é um amplo processo, constituinte da nossa humanização, que se realiza em

diversos espaços sociais: na família, na comunidade, no trabalho, nas ações

coletivas, nos grupos culturais, nos movimentos sociais, na escola, entre outros. (GOMES: 2003, p.3). (Itálico nosso).

Ainda assim, pelo fato de ter feito alguns trabalhos em Física Experimental, concentrei minha atenção no Ensino de Laboratório, acreditando que ali eu poderia dar uma contribuição mais efetiva à Formação Inicial dos futuros físicos. A partir dessa conjectura, passei a me interessar pela literatura da Área de Ensino de Física, buscando os trabalhos relacionados às Atividades Experimentais Didáticas. Nessa tarefa, pude contar com o apoio e a colaboração de dois colegas do DFIS/UEFS, o Prof. M. Sc. Álvaro Santos Alves e o Prof. Dr. Marcelo Moret.

Os dois parágrafos precedentes sinalizam, ainda que superficialmente, as primeiras etapas de meu processo de implicação com o campo de pesquisa e um delineamento ainda tênue do objeto.

M

INHA EXPERIÊNCIA TÉCNICA E O TRABALHO PEDAGÓGICO

A experiência com a Física Experimental antes do ingresso na UEFS deu-me acesso a alguns métodos e técnicas experimentais, bem como de análise gráfica e estatística de dados numéricos. Esse aspecto foi muito importante, pois tornou-se o ponto de contato entre minha formação empírico-analítica, adquirida na graduação e no mestrado, e a nova perspectiva que ali se descortinava a partir de uma preocupação – ainda não-científica – com os resultados de meu trabalho docente no Laboratório Didático.

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Devo salientar que minhas atividades didáticas não estavam restritas ao Laboratório. As aulas teóricas de Física Geral sempre fizeram parte de minha carga horária semestral, mas foi nas aulas de Física Experimental que vi surgir as primeiras questões que me levaram a percorrer outros caminhos acadêmicos. A seguir faço um detalhamento de algumas das questões que me trouxeram ao campo da educação.

De início, notei que durante o semestre letivo não havia mudanças significativas na aprendizagem dos estudantes. Não havia mudanças em nível técnico, de simples operações de manuseio dos instrumentos de laboratório. As mudanças conceituais também não se concretizavam. Em alguns casos a infra-estrutura dos laboratórios didáticos era muito precária e dificultava a abordagem de alguns conceitos mais elaborados, somente passíveis de inferências e não de observação/medição direta ou indireta. Isso ainda é um problema concreto do Ensino de Ciências, principalmente quando se trata de teorias modernas e contemporâneas, a exemplo da Mecânica Quântica e da Teoria da Relatividade. Em função desses resultados negativos percebi que não tinha clareza quanto ao papel (formativo) das atividades experimentais didáticas, embora os roteiros padronizados de laboratório trouxessem quase sempre como subtítulo o Objetivo Geral e os Objetivos Específicos.

Quadro 1. Níveis de Conhecimento e os Objetivos do Laboratório Didático.

NÍVEL DE CONHECIMENTO HABILIDADES E COMPETÊNCIAS

Técnico Manuseio de ferramentas, equipamentos e instrumentos de medição.

Teórico Aquisição/elaboração de conceitos científicos de Física. Didático (Metodológico) Aprendizagem de métodos e técnicas de Ensino de Física.

Em verdade, numa mirada retrospectiva, vejo que não havia uma integração das Atividades Pedagógicas ao Currículo do Curso – apesar de todas as críticas a que está sujeito, porque formalista – nem um desdobramento dessas atividades na organização do Trabalho Pedagógico em Laboratório ou em Sala de Aula. Passei então a tentar estabelecer alguns objetivos para as atividades do Laboratório e cheguei então àqueles listados no Quadro 1. Contudo, esses níveis foram estabelecidos sem uma referência aos elementos imprescindíveis a uma produção científica de conhecimento, isto é, sem uma articulação necessária entre os

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elementos instrumentais e as posições epistemológicas que lhes dão suporte4 (GAMBOA: 2007, p.16)

De acordo com os objetivos delineados no Quadro 1, eu esperava, minimamente, que o estudante de Licenciatura Plena em Física adquirisse habilidades e competências para a identificação, utilização e uso de ferramentas, equipamentos e instrumentos de medição (mecânicos, eletromecânicos, eletrônicos) que lhe permitissem usar o laboratório tanto no desenvolvimento de tarefas cotidianas de medição quanto na aquisição/produção de conhecimento. O problema é que com a falência das duas primeiras etapas – o técnico e o teórico – a terceira nunca chegou a ser discutida.

Eu enfrentava, em síntese, o seguinte problema: se o licenciando não domina tecnicamente o laboratório, nem conceitualmente, como esperar que ele – estudante que será professor – seja um bom professor usando o laboratório?

A pergunta é sempre atual e recorrente. Institucionalmente, o Colegiado dos Cursos de Graduação em Física da UEFS respondeu com a criação de duas disciplinas para o Curso de Licenciatura Plena em Física, que se debruçam exclusivamente sobre a questão do Laboratório Didático, a saber: FIS501- Instrumentação para o Ensino da Física I e FIS502-Instrumentação para o Ensino da Física II.

Assim, tomando as orientações supra como ponto de partida e limitado, àquela época, pela falta de uma compreensão dos níveis de conhecimento, comecei a trabalhar com a Instrumentação para o Ensino de Física, dedicando-me à produção de experimentos didáticos, ainda em seu nível técnico, mais elementar. A idéia consistia em modificar experimentos clássicos, atualizando-os tecnologicamente, ou em criar outros experimentos, sempre visando à explicitação de conceitos de Física. Num primeiro momento, isso me pareceu uma contribuição necessária, porque naquela época eram poucas as opções de experimentos didáticos e em alguns casos o número de “kits” disponíveis não era suficiente para contemplar uma turma (20 a 25 estudantes, tipicamente). Trabalhando em um projeto de nossa autoria (em colaboração com o Professor Álvaro Alves) – Projeto Física no Campus – fizemos algumas incursões nessa direção, mas o problema persistia. Nós simplesmente produzíamos mais um experimento que nem sempre cumpria os três objetivos do Quadro 1.

4 Embora o Quadro 1 tenha sido elaborado sem uma referência exp lícita a bases teórico -epistemológicas, ele é resultado de uma ação implicada do trabalho docente, tendo, portanto, o caráter de uma práxis, compreendendo tacitamente, por conseguinte, uma episteme.

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Além disso, durante esse período o DFIS adquiriu uma grande quantidade de “kits ” didáticos comerciais. E passamos então a enfrentar outro problema: os experimentos comerciais são produzidos para uso em qualquer Instituição. Ora, sabemos que isso não é possível, porque geralmente os experimentos são produzidos dentro da Academia e depois são comercializados por empresas incubadas nas próprias Universidades. Com isso, o experimento didático idealizado para uma situação educacional particular, dentro de um contexto curricular – com todas as suas especificidades e implicações –, passa a ser “encaixado” dentro das disciplinas de um outro Curso, de um outro Currículo, submetendo uma outra Comunidade àquilo que se supõe ou se pretende universal. Aliás, essa pretensão de universalidade do conhecimento – e, portanto, de seus pressupostos métodos e tecnologias – é própria das ciências empírico-analíticas. E aqui desempenha um papel especial o livro didático. Nos dois primeiros anos da graduação, um dos livros mais usados no mundo é a coleção de Física Básica de Halliday, Resnick e Walker(2009), tradicionalmente apresentada em 4 volumes. A exposição telegráfica de conceitos e as centenas de exercícios de fixação e aprendizagem (que revelam uma tecnologia educacional fundamentada na idéia do perfectio per repetizzione, algo muito próprio de uma visão behaviorista pavloviana) fazem dessa coleção a preferida de muitos professores, que justificam a escolha dessa coleção simplesmente “porque cobre todo o assunto”. Essa escolha determina em grande parte as “grades” curriculares, a seleção e as seqüências de exposição de conteúdos, bem como a realização de experimentos didáticos. Atualmente, essa implicação está aparentemente invertida, porque o livro que determina a tecnologia de ensino parece agora ser determinado por ela: o livro didático ditou a organização do trabalho pedagógico, criando um paradigma instrucional; agora, baseando-se nesse paradigma, os professores justificam a escolha do livro didático.

Tive a experiência durante o mestrado de trabalhar como auxiliar de ensino e pesquisa e observei que o conteúdo a ser tratado e o planejamento semestral estavam completamente determinados pelo livro supra: 12 capítulos, um capítulo por semana, uma avaliação escrita a cada 4 capítulos, totalizando então 15 semanas. E assim estavam “fechados” o cronograma, o programa de estudos e a organização do trabalho pedagógico. Um desastre anunciado.

Evidentemente, julgo fora de propósito exigir do professor que elabore todo o material didático de que necessita para a organização e implementação do trabalho pedagógico, notadamente em uma época de intensa proliferação de tecnologias de informação e comunicação, de uma oferta crescente de fontes de consulta online e de laboratórios virtuais.

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Todavia, o livro didático traz em si o risco de determinar as práticas pedagógicas, como no exemplo supracitado. Assim, segundo Sacristán (1998, p.150)

(...) existem meios escritos, gráficos, audiovisuais, etc. que o professor pode aproveitar oportunamente numa determinada estratégia de ensino que ele

estrutura. Mas existem outros meios estruturadores da própria ação, que

oferecem a professores e alunos a estratégia de ensino em si, ainda que seja em forma de esquemas a serem adaptados, à parte da informação que se dirige aos alunos para cumprir com as exigências curriculares. (SACRISTÁN: 1998, p.150) (Grifo nosso)

De fato, há textos muito bons embora mais antigos, a exemplo do projeto Curso de Física de Berkeley, que também não podem ser simplesmente transplantados para uma realidade educacional diferente daquela em que foram criados (falando espaço-temporalmente) sem correr o risco de rejeição. Felizmente, os cientistas brasileiros passaram a se dedicar mais à formação e começaram a escrever artigos sobre ensino de ciências, promovendo debates e participando de fóruns decisórios da política científica e educacional brasileiras. Uma plêiade considerável pode ser encontrada no livro Educação Científica e Desenvolvimento: o que pensam os cientistas (WERTHEIN & CUNHA: 2005)

Há hoje algumas boas alternativas à coleção de Hallliday & Resnick, a exemplo do Curso de Física Básica de Moysés Nussenzveig (1996), que, embora perfeitamente encaixada no esquema da ciência positiva, foi produzida por um brasileiro, em uma universidade brasileira, e para estudantes brasileiros. Mas, obviamente, isso não garante ainda a saída dos problemas que identifiquei, já que nele a preocupação pela relação necessária entre os níveis de conhecimento técnico, teórico, epistemológico etc, não está necessariamente dada, explicitada, garantida enfim, nem na perspectiva da Física nem na perspectiva da Educação.

Apesar da multiplicidade de opções de pesquisa que os ingredientes citados até aqui oferecem, os três objetivos listados no Quadro 1 se tornaram meu horizonte de investigação e o Projeto Física no Campus transformou-se aos poucos em um ambiente de Pesquisa em Ensino de Física. Desde 2003 esse projeto tem alguns resultados significativos que foram apresentados à comunidade de físicos (pesquisadores ou educadores) em eventos regionais e nacionais (JESUS, PINTO, BICHARA FILHO : 2003; ALVES, JESUS: 2003; JESUS, PEREIRA: 2003; JESUS, ALVES, REIS: 2003; JESUS, SILVA: 2003; SANTANA, JESUS, ALVES: 2003; ROSA JUNIOR, MASTROÂNGELO, ALVES, LACERDA JUNIOR, JESUS: 2003; JESUS, SILVA, FRÓES BURNHAM: 2007).

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Todavia, o grupo carecia de uma discussão mais qualificada acerca da natureza do conhecimento. Um primeiro passo foi estabelecer um quadro comparativo dos níveis de conhecimento. Para tanto, inspirado em Silvio Gamboa (2002; 2007), busquei na literatura alguns aportes teóricos para preencher essa lacuna e construí a partir dos dicionários de filosofia de Abbagnano (1998) e de Ferrater-Mora (1975) o Quadro 2, abaixo, onde estão detalhados os níveis de conhecimento possíveis acerca de um tema.

Nesse Quadro, Gamboa (2002, p.70-71; 2007) traz a noção de Esquema Paradigmático de análise do conhecimento, que compreende os níveis de articulação e os pressupostos da construção de conhecimento. No primeiro grupo estão os níveis técnico, metodológico,

teórico e epistemológico da construção/produção e, portanto, da análise de conhecimento. No

segundo grupo encontram-se os níveis gnoseológico e ontológico de conhecimento.

Quadro 2. Níveis de conhecimento. Elaborado a partir de Gamboa (2002; 2007), Abbagnano (1998), Ferrater-Mora (1975).

NÍVEL DE CONHECIMENTO CARACTERÍSTICAS

Técnico Indica os procedimentos ordenados (isto é, organizados por regras) de qualquer atividade humana (Abbagnano, p .91)

Metodológico

Designa o conjunto de procedimentos técnicos de averiguação ou verificação à disposição de determinada disciplina ou grupo de disciplinas (Abbagnano)

Teórico

o que não é redutível à experiência e opõe-se ao empírico.(Abbagnano, p. 970). Também, segundo Kant, refere-se a “um conjunto de regras também práticas, quando são pensadas como princípios gerais, fazendo-se abstração de certa quantidade de condições que exerçam influência necessária sobre a sua aplicação”(Abbagnano, p. 961)

Epistemológico

que é a análise das condições e dos limites de validade dos procedimentos de investigação e dos instrumentos lingüísticos do saber científico (Ferrater-Mora, p.192)

Gnosiológico

Está ligado à validade do conhecimento em função do sujeito cognoscente, ou seja, daquele que conhece o objeto. (Ferrater-Mora (1975, p.)

Ontológico

Está ligado à determinação daquilo em que os entes consistem e ainda daquilo em que consiste o ser em si; é uma ciência das essências e não das existências; é (...) teoria dos objetos. Ferrater-Mora (1975, p.323)

Apenas para ilustrar a importância do esquema paradigmático (Quadro 2) na análise do conhecimento, vou trazer a descrição de um experimento simples de eletricidade – a determinação de características de componentes passivos (a exemplo de lâmpadas

(27)

incandescentes e resistores) – tal como é comumente apresentado aos estudantes de graduação.

No experimento de levantamento de curvas de caracterização de elementos passivos

de circuito os níveis de articulação do conhecimento são organizados da seguinte forma:

1. No nível técnico são necessários conhecimentos básicos de manuseio dos elementos passivos e dos instrumentos de medição, tais como:

a. Reconhecer um resistor de fio ou de carvão, uma lâmpada de filamento; b. Reconhecer uma fonte de alimentação, um voltímetro e um amperímetro; c. Saber como fazer as conexões entre esses elementos e os equipamentos e

instrumentos de medição;

d. Saber como ligar/desligar esses aparelhos, como operá-los em diferentes escalas;

e. Saber como fazer as leituras de diferença de potencial elétrico e de corrente elétrica, observando os limites de precisão e exatidão das escalas;

f. Saber elaborar tabelas e gráficos a partir das leituras realizadas;

2. No nível metodológico faz-se necessário estabelecer as regras que organizam os procedimentos realizados no nível técnico.

a. Nesse caso específico, pode-se lançar mão de uma teoria de circuitos elétricos (Leis de Kirchhoff: a lei das malhas e a lei dos nós, por exemplo)

b. Saber como relacionar a leitura de corrente elétrica que passa por um dado elemento com a leitura da diferença de potencial em seus terminais.

3. No nível teórico é preciso conhecer as equações de Maxwell.

a. Saber como aplicá-las a volumes e superfícies que estão sob algum tipo de influência elétrica (distribuições de carga elétrica, de correntes elétricas ou de diferença de potencial elétrico.

b. Saber relacionar as equações de Maxwell à teoria de circuitos elétricos

4. No nível epistemológico são consideradas questões acerca da existência, da estrutura, da causalidade e de uma lógica que relaciona esses três aspectos.

a. Internamente, a teoria de Maxwell admite a existência da substância que contém cargas elétricas;

b. Também se admite a influência mútua dessas cargas, que, respeitando os axiomas newtonianos, interagem para produzir tanto correntes elétricas quanto diferenças de potencial elétrico;

c. Admite a formulação do conceito de campo elétrico e se estabelece uma relação de causa e efeito entre este e as cargas;

d. Particularmente, essas cargas podem se mover de acordo com os axiomas newtonianos da mecânica.

(28)

Em geral, este é o contexto de formulação dos experimentos didáticos, muito embora apenas os níveis técnico e metodológico sejam geralmente explorados.

A

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO

:

ALGUNS ABALOS

Quando ingressei no Programa de Pesquisa e Pós-Graduação desta Faculdade, em 2006, o meu projeto de pesquisa ainda era um misto de diversas influências de minha Formação Inicial empírico-analítica e de leituras dissonantes. Isso ficou muito claro para mim quando cursei a disciplina Projeto de Tese I. As críticas direcionadas ao projeto exibiam muito claramente minha fragilidade teórica, somada a uma incontornável herança positivista, levando-me a duvidar da possibilidade de realização da pesquisa. Observei, porém, que havia entre os doutorandos uma forte militância pelos referenciais teórico-metodológicos que adotavam de seus orientadores. Minha capacidade de estar no Programa foi sub-repticiamente questionada por alguns professores e alguns doutorandos, havendo até mesmo algumas manifestações mais açodadas. Felizmente, não desisti, pois tive tempo de perceber que muitas das críticas levantadas eram meros reflexos dos bastidores (políticos) da Faculdade, motivadas por divergências ideológicas entre alguns Grupos de Pesquisa.

Na disciplina Projeto de Tese II as críticas foram basicamente de cunho metodológico, e ajudaram-me bastante a eliminar muitas arestas. Todavia, ainda restaram algumas incongruências.

Com o passar do tempo, participando das atividades regulares da REDPECT, tive a oportunidade de interagir com muitos pesquisadores e fui repensando diariamente meu objeto, minha problematização, meus referenciais. Nessa caminhada tive a sorte de interagir com o Dr. Jacques Gauthier5 e com o Dr. José Luís Michinel6. Ambos influenciaram bastante na elaboração do problema de pesquisa e nas opções teórico-metodológicas. A orientação da Profª. Drª. Teresinha Fróes, que acompanhou todo o processo de discussão, foi determinante na preparação da proposta que está sendo desenvolvida aqui.

Depois de muitas tentativas, passei a centrar meu projeto nas concepções epistemológicas de atividade experimental didática. Ainda guardo alguns títulos provisórios do projeto, indícios das errâncias próprias do processo de construção:

5 Pós-doutorado na REDPECT/FACED/UFBA

(29)

 Concepções epistemológicas de atividade experimental didática no processo de formação inicial docente: um estudo de caso.

 Posições epistemológicas de futuros professores de Física acerca da atividade experimental didática: um estudo de caso.

 Concepções epistemológicas de atividade experimental didática de futuros professores de Física: um retrato do curso de Licenciatura em Física da UEFS.

Esses títulos provisórios são muito parecidos e se estruturam em torno da seguinte questão de pesquisa: “Como os estudantes de Licenciatura em Física (da UEFS) entendem a atividade experimental didática?”. Como uma exigência – não muito clara – do Programa, tive que enunciar também uma hipótese de trabalho: “Os estudantes de Licenciatura em Física da UEFS têm uma concepção comprovacionista (tecnicista) das atividades experimentais didáticas”. Essa era a situação do projeto até o início de 2007.

A partir desse período a interação com o Dr. José Luís Michinel passou a ser mais intensa, com reuniões semanais, em função da disciplina EDC A39 Análise de Textos em

Educação, ministrada pela Profª Drª Dinéa Sobral Muniz e pelo Dr. José Luís Michinel no

primeiro semestre de 2007. Esse contato marcou ainda mais os rumos do projeto, alterando-o substancialmente. O título do projeto passou a ser o seguinte:

 Diferenciações nas concepções epistemológicas de atividade experimental didática de estudantes de graduação em física: um estudo de caso.

Aqui, percebe-se ainda uma tendência a trabalhar em torno do tema laboratório didático, mas com um refinamento expresso no sintagma ‘diferenciações’. A mudança imediata mais significativa é a ampliação do campo, juntando aos estudantes de Licenciatura os de Bacharelado. Isso é importante porque permite uma abordagem a partir da Análise do Discurso (AD) em busca de Formações Sociais e Formações Imaginárias dos estudantes, como será mostrado mais adiante.

Ainda sobre o título provisório, o primeiro conceito com que ele nos confronta é o de atividade experimental. E atividade experimental na perspectiva de ciência. Por isso, seria necessário, inicialmente, empreender um esforço de explicitação do que vem a ser um experimento científico e um experimento didático, se possível, contrastando-os a partir dos vários níveis de conhecimento. Na Física a atividade experimental está ligada à construção/elaboração de conceitos de uma dada teoria, ou dos modelos dela decorrentes, bem como aos mecanismos de justificação da atividade científica e/ou a corroboração/refutação de leis e teorias. Por outro lado, a atividade experimental didática se liga ao conteúdo a ser

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ensinado, mas também à Didática da Física, isto é, à metodologia como esse conteúdo é apresentado, agora dentro de uma perspectiva de Pedagogia e Educação e não mais da Física. Este é um problema concreto porque os formandos não fazem uma reflexão sobre um fenômeno institucional que pode ser resumido da seguinte forma: em Física, aprendo o conteúdo; em Educação, aprendo a ensiná-lo. Esse fenômeno é conhecido como

desdobramento disciplinar e foi estudado por Michinel (2001), Almeida, Silva e Michinel

(2001), Michinel (2006), Michinel e Fróes Burnham (2007a). Aqui, segundo Michinel (2001, p.168):

Esse desdobramento manifesta-se na representação que os alunos têm das funções dos componentes curriculares; os alunos parecem fracionar o propósito educativo, distinguindo em suas representações, as duas coisas – o

quê e o como, revelando que o que eles vêm buscar aqui, na Educação é o como dar aulas, porque os conteúdos, o quê dar nelas, o conteúdo da ciência

específica, procuram-no em outro lado, na Física. (MICHINEL: 2001, p.168) (Itálico do original).

A passagem do conhecimento científico para a sala de aula não é automática, tampouco trivial. Uma forma prática de abordagem desse problema é a chamada Transposição Didática (ALVES FILHO, PINHEIRO e PIETROCOLA: 2001). Outra possibilidade é considerar-se o processo de tradução do conhecimento científico em conhecimento escolar (FRÓES BURNHAM: 2002).

A Transposição Didática, segundo Alves Filho, Pinheiro e Pietrocola (2001, p.89), é um processo transformador entre três níveis de saberes: parte do saber sábio (produzido por cientistas), via saber a ensinar (trabalhado na Graduação), para o saber ensinado (que finalmente chega à Escola). As características gerais desses níveis de conhecimento estão mostradas no Quadro 3, abaixo.

Quadro 3. Características dos níveis de saberes envolvidos no processo de Transposição Didática.

SABERES CARACTERÍSTICAS

Saber sábio O conhecimento produzido pelos cientistas, em uma linguagem própria. Saber a ensinar O conhecimento traduzido para os meios universitários, nos cursos de graduação.

(31)

As observações contidas no Quadro 3 referem-se a apenas uma das possibilidades de difusão do conhecimento científico. Ela pressupõe um professor que tenha domínio de seu campo de estudo e que seja capaz de estabelecer a comunicação entre cientistas e estudantes, porque, de acordo com os autores supracitados,

A transposição didática do saber a ensinar para o saber ensinado é um processo transformador, de responsabilidade do professor e, para que ocorra com sucesso, é necessário conhecer com profundidade o conteúdo de sua área do saber. Caso contrário, caberá ao professor o mero papel de narrador do que está impresso no livro didático, transmitindo uma concepção de ciência calcada no factualismo empírico. (ALVES FILHO, PINHEIRO e PIETROCOLA, 2001, p.98)

Nesse ponto é preciso trazer à memória que as inquietações motivadoras dessa tese surgiram da prática docente em laboratório. Assim, a tarefa seguinte seria então relacionar esses saberes e processos próprios da Transposição Didática às atividades experimentais. As idéias mais gerais associadas à Transposição Didática estão mostradas no Quadro 4. Elas compreendem a modernização, a atualização, a articulação e a transformação de saberes para facilitar a compreensão de conceitos científicos.

Quadro 4. Funções da Transposição didática. Adaptado de Alves Filho, Pinheiro & Pietrocola (2001).

OBJETIVOS AÇÕES

Modernizar o saber escolar Inclusão de novos conhecimentos/formação de futuros profissionais

Atualizar o saber a ensinar Modernização conhecimentos superados do currículo/eliminação de

Articular saber novo com o antigo

Nos casos em que o velho dá suporte ao novo, que o transcende.

Transformar um saber em exercícios e problemas

Preferências aos conteúdos mais facilmente “operacionalizáveis”

Tornar um conceito mais compreensível

Otimização do trabalho pedagógico para a aprendizagem de conceitos

Na Transposição Didática, a idéia de modernização encerra conotações ideológicas muito fortes, traduzindo uma postura liberal que aceita o atraso de grupos (etnias, nações) em relação a outros, mais especificamente, colocando-os em patamares civilizatórios diferentes,

(32)

hierarquizados. Também no processo de transformação de um saber em exercícios e problemas é preciso estar sempre atento às armadilhas da matematização que tornaria os conteúdos mais operacionalizáveis, como se vê, por exemplo, em livros didáticos para o Ensino Médio, onde os autores colocam uma enorme de gama de exercícios que são variações algébricas de um mesmo problema.

É o caso do movimento uniformemente variado (MUV): dadas a aceleração (constante), a posição inicial e a velocidade inicial, então é possível obter a posição e a velocidade em qualquer instante de tempo, anterior ou posterior. Pode m-se combinar esses seis parâmetros, cinco a cinco, para obter seis exercícios diferentes. Mas o problema continua sendo o mesmo: o movimento de um corpo com aceleração linear constante.

Como alternativa ao processo de Transposição Didática, Fróes Burnham (2002) argumenta que o processo de tradução do conhecimento científico em conhecimento comum pressupõe um processo de socialização voltado para a autonomia, no qual o indivíduo

social, tendo acesso ao conhecimento traduzido e disponibilizado em domínio público,

aproprie-se dele e se constitua em sujeito do conhecimento. Aqui, para garantir esse processo, é necessário que a instituição educativa assuma e realize pelo menos três papéis principais: de mediador, de tradutor e de organizador. Fróes Burnham (2002, p.2) concebe os processos de mediação, tradução e organização da seguinte forma:

1. MEDIAÇÃO: entre um corpo de conhecimento formalmente estruturado, legitimado e autorizado por uma comunidade científica e um grupo de (...) [sujeitos aprendentes] para o qual aquele corpo de conhecimento está sendo

disponibilizado através de interações que objetivam a apropriação desse

conhecimento, via assimilação na estrutura cognitiva, por esses sujeitos. 2. TRADUÇÃO: de uma estrutura simbólica de conhecimento (...) [científico] - termos, conceitos, sistemas de proposições, signos e símbolos não-verbais, etc. - complexa e específica da comunidade (...) [científica], em

outro tipo de estrutura (conhecimento escolar), mais aproximada do

"conhecimento comum", através de termos, conceitos, signos e símbolos não-verbais, significativos para o grupo (...) [sujeito do conhecimento],

através de processos que permitissem àquele grupo estabelecer relações

com conhecimentos anteriormente assimilados, de modo a construir novos ou ampliar/aprofundar aqueles já existentes na sua estrutura cognitiva. 3. ORGANIZAÇÃO: dessa estrutura simbólica, por meio da articulação de processos e recursos pertinentes, objetivando a construção de lastros para a compreensão e apropriação daquele conhecimento pelo grupo de (...) [sujeitos do conhecimento]. (Grifo nosso).

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