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Saber sábio O conhecimento produzido pelos cientistas, em uma linguagem própria. Saber a ensinar O conhecimento traduzido para os meios universitários, nos cursos de graduação.

As observações contidas no Quadro 3 referem-se a apenas uma das possibilidades de difusão do conhecimento científico. Ela pressupõe um professor que tenha domínio de seu campo de estudo e que seja capaz de estabelecer a comunicação entre cientistas e estudantes, porque, de acordo com os autores supracitados,

A transposição didática do saber a ensinar para o saber ensinado é um processo transformador, de responsabilidade do professor e, para que ocorra com sucesso, é necessário conhecer com profundidade o conteúdo de sua área do saber. Caso contrário, caberá ao professor o mero papel de narrador do que está impresso no livro didático, transmitindo uma concepção de ciência calcada no factualismo empírico. (ALVES FILHO, PINHEIRO e PIETROCOLA, 2001, p.98)

Nesse ponto é preciso trazer à memória que as inquietações motivadoras dessa tese surgiram da prática docente em laboratório. Assim, a tarefa seguinte seria então relacionar esses saberes e processos próprios da Transposição Didática às atividades experimentais. As idéias mais gerais associadas à Transposição Didática estão mostradas no Quadro 4. Elas compreendem a modernização, a atualização, a articulação e a transformação de saberes para facilitar a compreensão de conceitos científicos.

Quadro 4. Funções da Transposição didática. Adaptado de Alves Filho, Pinheiro & Pietrocola (2001).

OBJETIVOS AÇÕES

Modernizar o saber escolar Inclusão de novos conhecimentos/formação de futuros profissionais

Atualizar o saber a ensinar Modernização conhecimentos superados do currículo/eliminação de

Articular saber novo com o antigo

Nos casos em que o velho dá suporte ao novo, que o transcende.

Transformar um saber em exercícios e problemas

Preferências aos conteúdos mais facilmente “operacionalizáveis”

Tornar um conceito mais compreensível

Otimização do trabalho pedagógico para a aprendizagem de conceitos

Na Transposição Didática, a idéia de modernização encerra conotações ideológicas muito fortes, traduzindo uma postura liberal que aceita o atraso de grupos (etnias, nações) em relação a outros, mais especificamente, colocando-os em patamares civilizatórios diferentes,

hierarquizados. Também no processo de transformação de um saber em exercícios e problemas é preciso estar sempre atento às armadilhas da matematização que tornaria os conteúdos mais operacionalizáveis, como se vê, por exemplo, em livros didáticos para o Ensino Médio, onde os autores colocam uma enorme de gama de exercícios que são variações algébricas de um mesmo problema.

É o caso do movimento uniformemente variado (MUV): dadas a aceleração (constante), a posição inicial e a velocidade inicial, então é possível obter a posição e a velocidade em qualquer instante de tempo, anterior ou posterior. Pode m-se combinar esses seis parâmetros, cinco a cinco, para obter seis exercícios diferentes. Mas o problema continua sendo o mesmo: o movimento de um corpo com aceleração linear constante.

Como alternativa ao processo de Transposição Didática, Fróes Burnham (2002) argumenta que o processo de tradução do conhecimento científico em conhecimento comum pressupõe um processo de socialização voltado para a autonomia, no qual o indivíduo

social, tendo acesso ao conhecimento traduzido e disponibilizado em domínio público,

aproprie-se dele e se constitua em sujeito do conhecimento. Aqui, para garantir esse processo, é necessário que a instituição educativa assuma e realize pelo menos três papéis principais: de mediador, de tradutor e de organizador. Fróes Burnham (2002, p.2) concebe os processos de mediação, tradução e organização da seguinte forma:

1. MEDIAÇÃO: entre um corpo de conhecimento formalmente estruturado, legitimado e autorizado por uma comunidade científica e um grupo de (...) [sujeitos aprendentes] para o qual aquele corpo de conhecimento está sendo

disponibilizado através de interações que objetivam a apropriação desse

conhecimento, via assimilação na estrutura cognitiva, por esses sujeitos. 2. TRADUÇÃO: de uma estrutura simbólica de conhecimento (...) [científico] - termos, conceitos, sistemas de proposições, signos e símbolos não-verbais, etc. - complexa e específica da comunidade (...) [científica], em

outro tipo de estrutura (conhecimento escolar), mais aproximada do

"conhecimento comum", através de termos, conceitos, signos e símbolos não-verbais, significativos para o grupo (...) [sujeito do conhecimento],

através de processos que permitissem àquele grupo estabelecer relações

com conhecimentos anteriormente assimilados, de modo a construir novos ou ampliar/aprofundar aqueles já existentes na sua estrutura cognitiva. 3. ORGANIZAÇÃO: dessa estrutura simbólica, por meio da articulação de processos e recursos pertinentes, objetivando a construção de lastros para a compreensão e apropriação daquele conhecimento pelo grupo de (...) [sujeitos do conhecimento]. (Grifo nosso).

Os processos de Transposição Didática e de Tradução do Conhecimento se diferenciam tanto epistemológica quanto metodologicamente, porque naquele ainda permanecem vestígios de uma perspectiva formalista de transmissão de conhecimento, ao passo que neste a perspectiva é de construção mediada de autoconhecimento.

Do ponto de vista epistemológico a Transposição Didática parece estar mais situada no racionalismo clássico, porque mantém como organizadores a existência (de saberes restritos a determinados grupos), a ordem (que hierarquiza esses saberes, atribuindo-os a cada grupo), a causalidade e a lógica formal matemática estabelecendo ligações entre os três pr imeiros (se científico, logo mais difícil; se cientista, logo mais capaz). Por outro lado, a perspectiva de Tradução do Conhecimento se pauta nos processos de mediação, tradução e organização do conhecimento, assumindo a complexidade das relações presentes na construção de autoconhecimento pelos sujeitos, construção entendida como processo de apropriação ou ampliação de conhecimento visando a autonomia desses sujeitos.