• Nenhum resultado encontrado

Tutela de Urgência e Tutela da Evidência - Edição 2017 PRIMEIRAS PÁGINAS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Tutela de Urgência e Tutela da Evidência - Edição 2017 PRIMEIRAS PÁGINAS"

Copied!
274
0
0

Texto

(1)
(2)

2017 - 11 - 15

Tutela de Urgência e Tutela da Evidência - Edição 2017

PRIMEIRAS PÁGINAS

(3)
(4)
(5)
(6)

2017 - 11 - 15

© desta edição [2017]

Tutela de Urgência e Tutela da Evidência - Edição 2017

SOBRE O AUTOR

LUIZ GUILHERME MARINONI

Professor Titular de Direito Processual Civil – com defesa de tese – na UFPR. Pós-Doutorado na Universidade Estatal de Milão e na Columbia University. Tem 17 livros publicados na América Latina e na Europa e mais de 30 livros publicados no Brasil. Diretor das Revistas Iberamerica de Derecho Procesal e de Processo Comparado – ambas publicadas pela Ed. Revista dos Tribunais. Diretor do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal. Membro do Conselho da International Assotiation of Procedural Law. Recebeu o Prêmio Jabuti em 2010 e foi indicado ao mesmo prêmio em diversas outras ocasiões. Ex-Procurador da República. Ex-Presidente da OAB-Curitiba. Advogado e parecerista, com intensa atuação nos Tribunais e nas Cortes Supremas.

(7)

2017 - 11 - 15

Tutela de Urgência e Tutela da Evidência - Edição 2017

PARTE I - TÉCNICA PROCESSUAL E TUTELA DOS DIREITOS

PARTE I - TÉCNICA PROCESSUAL E TUTELA DOS DIREITOS

1. Do processo neutro ao processo adequado à tutela dos direitos

A necessidade de isolamento do direito processual em face do direito material, levou a doutrina a afastar das suas preocupações a principal finalidade da jurisdição: a tutela dos direitos.

A escola processual italiana do início do século XX teve o grande mérito de reconstruir o processo a partir de bases publicistas, mas iniciou a história que permitiu ao processo se afastar perigosamente dos seus compromissos com o direito material. A ação abstrata, preocupada – de maneira excessiva – em se despir de toda e qualquer mancha de direito material, não se ligou a qualquer forma processual que pudesse indicar uma relação do processo com as necessidades do direito material. A escola italiana clássica não só negou à ação qualquer vínculo com um procedimento que pudesse apontar para as necessidades do direito material, como também organizou as formas processuais que necessariamente deveriam estar ao redor da ação a partir de critérios unicamente processuais.

Seguindo a lógica da “neutralidade” em relação ao direito material, que já caracterizava a ação – posta no centro do sistema processual –, os processualistas imaginaram que deveriam criar um universo de sentenças igualmente abstrato. Tal lógica supunha que a resposta jurisdicional ao direito de ação também deveria ser isenta em relação ao plano do direito material. Por essa razão, as sentenças obviamente não foram vistas como tutela aos direitos, ou como instrumentos capazes de propiciar a tutela dos

direitos, mas apenas como provimentos de fecho do processo.

Pensou-se que o processo poderia existir sem qualquer compromisso com o direito material e com a realidade social. Porém, como não é difícil constatar, houve uma

lamentável confusão entre autonomia científica, instrumentalidade do processo e neutralidade do processo em relação ao direito material. Se o direito processual é

cientificamente autônomo e o processo possui natureza instrumental, isto está muito longe de significar que ele possa ser neutro em relação ao direito material e à realidade da vida. Aliás, justamente por ser instrumento é que o processo deve estar atento às necessidades dos direitos.1

O mais grave é que a pretendida indiferença do processo em relação ao direito material faz com que o sistema jurídico, que obviamente depende do processo para que as normas sejam atuadas e os direitos sejam efetivados, não tenha a possibilidade de atender às necessidades reveladas pelo direito material. Ora, os institutos do processo dependem da

estrutura não apenas das normas que instituem direitos, mas também das formas de proteção ou de tutela que o próprio direito substancial lhes confere.

No Estado constitucional, pretender que o processo seja neutro em relação ao direito material é o mesmo que lhe negar qualquer valor. Isso porque ser indiferente ao que

(8)

ocorre no plano do direito material é ser incapaz de atender às necessidades de proteção ou

de tutela reveladas pelos novos direitos e, especialmente, pelos direitos fundamentais.

Portanto, outorgar à jurisdição o escopo de tutela dos direitos é imprescindível para dar efetividade aos direitos fundamentais, inclusive ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Como é óbvio, esta forma de conceber a função jurisdicional faz com que a ação neutra (única) perca sustentação, já que essa ação é completamente incapaz de

atentar para o papel que o direito hegemônico desenvolve diante da sociedade e do Estado.

2. O escopo de tutela dos direitos

É preciso advertir que, além da tutela jurisdicional, os direitos encontram outras formas de tutela ou proteção por parte do Estado. Lembre-se que os direitos fundamentais, quando enquadrados em uma dimensão multifuncional, exigem prestações de proteção. Isso quer dizer, em poucas palavras, que os direitos fundamentais fazem surgir ao Estado o dever de protegê-los. Ora, essa proteção ou tutela devida pelo Estado certamente não se resume à tutela jurisdicional.

O Estado, antes de tudo, tem o dever de proteger os direitos fundamentais mediante normas de direito. É o que ocorre, por exemplo, quando se pensa na legislação de proteção ao meio ambiente. A norma que proíbe a construção em determinado local e a norma que proíbe o despejo de lixo tóxico em certo lugar constituem normas de proteção ou de tutela do direito fundamental ao meio ambiente sadio.

Embora o Estado tenha o dever de proteger os direitos fundamentais, o art. 5.º, XXXII, da CF não se limitou a dizer que o direito do consumidor é um direito fundamental. Ele disse que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, deixando expresso que o Estado tem o dever de proteger, mediante normas, o consumidor. Trata-se de um dever de proteção ou de tutela que chamamos de dever de “tutela normativa dos direitos”.

Porém, como a edição da norma não basta, o Estado também tem o dever de fiscalizar o seu cumprimento, impor a sua observância, remover os efeitos concretos derivados da sua inobservância, além de sancionar o particular que a descumpriu. Recorde-se das atividades dos fiscais da saúde pública e dos direitos do consumidor e da figura do guarda florestal. Temos, nesse caso, evidente proteção fática ou tutela administrativa.

Quando o administrador, em processo administrativo, decide que houve infração a uma norma de proteção, o seu dever passa a ser – quando não lhe restar apenas o mero sancionamento do particular pela conduta reprovada – o de fazer valer o desejo da norma, seja no caso de ato comissivo ou de ato omissivo. Assim, por exemplo, nas hipóteses em que o administrador determina a paralisação da construção de obra, a instalação de determinado equipamento antipoluente ou a retirada de remédio ou produto nocivo do mercado. Nessas situações, a proteção dada pela norma é mais uma vez afirmada pelo administrador. Também não se pode negar que, mesmo quando o administrador impõe multa ao particular, ele presta tutela ou proteção ao direito fundamental.

No caso em que o legislador se omite diante do seu dever de proteção normativa, o juiz deve supri-la, admitindo a incidência direta do direito fundamental sobre o caso conflitivo.2 A questão da incidência direta do direito fundamental sobre os particulares é

uma das mais tormentosas da atualidade.3 Porém, não é preciso pensar em incidência

direta do direito fundamental sobre os particulares quando se dá ao juiz o poder de suprir a omissão do dever de proteção do legislador, uma vez que, nesse caso, o direito fundamental estará incidindo sobre o sujeito privado mediante a participação da

(9)

jurisdição, e assim a sua incidência estará sendo mediatizada pelo Estado. Nessa situação, a tutela normativa estará sendo substituída pela tutela jurisdicional.

Não se quer dizer que a jurisdição, na tutela dos direitos fundamentais, apenas apareça no caso de omissão de tutela do legislador. O que realmente aqui importa é que a compreensão de tutela jurisdicional dos direitos exige esforço e concentração no plano do significado das normas. As normas de proteção de direitos fundamentais, como os do consumidor e ao meio ambiente sadio, não são atributivas de direitos, mas impositivas ou proibitivas de condutas, partindo da consideração de que determinadas condutas devem ser impostas ou proibidas para que os direitos fundamentais sejam tutelados. Portanto, tais normas, quando violadas, não exigem as formas de tutela que costumam ser dadas ao

cidadão diante do ilícito danoso. Como é evidente, a simples exposição à venda de produto

nocivo à saúde não dá a consumidor algum o direito de pedir tutela jurisdicional

ressarcitória. A única forma de tutela jurisdicional que se pode ter na hipótese de violação

de norma de proteção é exatamente aquela que, de forma similar ao que acontece no plano administrativo, impõe a observância da norma ou remove os efeitos concretos derivados da sua violação. Ora, qual seria a forma de tutela jurisdicional diante da violação de norma de proteção a direito fundamental senão aquela capaz de fazer valer o próprio desejo da norma descumprida? Nesse caso, a forma de tutela decorre da própria natureza da norma violada. A violação exige a atuação da norma, e não um remédio capaz de garantir proteção ao sujeito que sofreu dano, isto é, a tutela ressarcitória.

Isso não significa que a violação de norma de proteção não possa acabar acarretando danos aos cidadãos ou mesmo a direitos transindividuais, como o direito ambiental. Nesse caso há duas formas de tutela ressarcitória: pelo equivalente e na forma específica. Quando não há alternativa senão a consideração do valor do dano em dinheiro ou quando o cidadão prefere o ressarcimento em pecúnia ainda que seja possível a tutela específica, impõe-se a tutela jurisdicional ressarcitória pelo equivalente.4 No caso de direito

transindividual, sendo faticamente viável a reparação in natura, a tutela ressarcitória deve ser prestada na forma específica.5

Como se vê, o Estado tem o dever de tutelar ou proteger os direitos fundamentais através de normas, da atividade administrativa e da jurisdição. Por isso, há tutela

normativa, tutela administrativa e tutela jurisdicional dos direitos.

A jurisdição tem o dever de proteger ou tutelar todos os direitos, sejam fundamentais ou não. Porém, dizer que a jurisdição deve atender ao direito material pode significar, simplesmente, que o processo deve acudir aos direitos atribuídos aos cidadãos pelas normas materiais, o que não expressa algo muito relevante, a não ser um clichê que vem sendo utilizado pelos processualistas para dizer algo que é correto, porém óbvio e destituído de importância, especialmente quando se almeja uma dogmática capaz de

permitir a efetiva retomada dos laços entre o processo civil e o direito material.

Esse clichê pode ser identificado no ditado de Chiovenda, hoje celebrizado pela doutrina processual, segundo o qual “o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem o direito de obter”. Além de Chiovenda não ter

construído essa frase com a mesma boa vontade e intenção dos processualistas que a repetem,6ela é insuficiente para identificar uma dogmática adequada aos nossos dias.

A preocupação com a tutela dos direitos não diz respeito apenas à idoneidade do processo para atender aos direitos, pois é uma questão que se coloca, já em um primeiro momento, no âmbito do direito material. E, no plano do direito material, implica a adoção

de uma postura dogmática que retira o foco das normas ditas atributivas de direitos para jogar luz sobre a esfera das tutelas, local em que se encontram as formas de tutela ou de

(10)

proteção que os direitos reclamam quando são violados ou expostos a violação.7

As formas de tutela são garantidas pelo direito material, mas não equivalem aos direitos ou às suas necessidades. É possível dizer, considerando-se um desenvolvimento linear lógico, que as formas de tutela estão em um local mais avançado: é preciso partir dos direitos, passar pelas suas necessidades, para então encontrar as formas capazes de atendê-las.

Assim, por exemplo: a Constituição Federal afirma que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo

dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 5.º, X), e que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (art. 5.º, V). Nesse caso, a Constituição garante de maneira expressa várias formas de proteção ou de tutela aos direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à

imagem das pessoas.8

Ou seja, tais normas não se limitam a atribuir ou a proclamar direitos, mas consideram as suas necessidades e afirmam as formas imprescindíveis à sua proteção. Quando a Constituição diz que tais direitos são invioláveis, afirma que eles exigem uma forma de proteção jurisdicional capaz de impedir a sua violação. Mas, além disso, confere a tais direitos, no caso de violação, indenização, deixando claro que eles devem ser protegidos ou tutelados mediante ressarcimento nos casos de dano material e moral.

Perceba-se, porém, que a primeira parte do inciso V do art. 5.º, ao dizer que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo”, garante uma forma de proteção ao direito que não se confunde com a inibitória ou com a ressarcitória pelo equivalente. Trata-se da tutela ressarcitória na forma específica, já que destinada a reparar o dano de modo específico, e não mediante o pagamento do equivalente em dinheiro ao seu valor.9

Como se vê, a postura dogmática preocupada com as tutelas é atenta para as formas de

proteção ou de tutela dos direitos. Ela não está preocupada em saber se os cidadãos têm

este ou aquele direito, ou mesmo com a identificação de direitos difusos e coletivos. É que, na perspectiva das “formas de tutela dos direitos”, a atribuição de titularidade de um direito fica na dependência de que lhe seja garantida a disponibilidade de uma forma de

tutela que seja adequada à necessidade da sua proteção. Ou melhor, o sujeito só é titular

de um direito, ou de uma posição juridicamente protegida, quando esse direito dispor de uma forma de tutela adequada à necessidade de proteção que esta posição exija.10 Como

está claro, há aí um proposital desvio de rota dirigido a permitir a diferenciação entre a

atribuição – ou, como dizem alguns, a proclamação – de direitos e a existência de “posições jurídicas protegidas”.

Note-se que ter direito à imagem é algo muito diferente do que ter uma forma de tutela

adequada à sua proteção, como a tutela inibitória. Ter direito ao meio ambiente sadio não

quer dizer ter direito à tutela ressarcitória na forma específica. O direito do consumidor deve ter ao seu dispor a tutela capaz de remover os efeitos concretos derivados do ato que violou a norma de proteção, e assim por diante.

Ademais, a questão das formas de tutela, por dizer respeito ao plano do direito material, não deve se confundir com o problema de se saber se o processo civil é capaz de dar efetividade aos direitos, ou melhor, às formas de tutela prometidas pelo direito material. Pergunta-se sobre as formas de tutela na esfera do direito material, portanto, antes de se analisar a efetividade do processo. Aliás, caso a questão das “formas de tutela” pudesse ser confundida com a da “efetividade do processo”, estaria negada a obviedade de

(11)

ultrapassado para se chegar à problematização da efetividade do processo.

3. Técnica processual e tutela dos direitos

O processo deve se estruturar de maneira tecnicamente capaz de permitir a prestação das formas de tutela prometidas pelo direito material. De modo que entre as tutelas dos

direitos e as técnicas processuais deve haver uma relação de adequação. No entanto essa

relação de adequação não pergunta mais sobre as formas de tutela, mas a respeito das

técnicas processuais.

Quando se indaga sobre a efetividade do processo já se identificou a forma de tutela prometida pelo direito material, restando verificar se as técnicas processuais são capazes de propiciar a sua efetiva prestação. Não é por outro motivo que não se pode misturar tutela inibitória com sentença mandamental ou tutela ressarcitória pelo equivalente com sentença condenatória. Também por essa razão não há como deixar de constatar que a tutela antecipada não é uma técnica processual, mas a antecipação da forma de tutela capaz de atender ao direito material. Na realidade, como agora é fácil perceber, há uma

técnica para a antecipação da tutela. Assim como a sentença e os meios executivos servem

para viabilizar a tutela final, a decisão antecipatória e os meios executivos a ela adequados têm o objetivo de permitir a antecipação da tutela.

Ao se propor o binômio técnica processual-tutela dos direitos não se quer simplesmente reafirmar a velha história da necessidade de adequação do processo ao direito material. Deseja-se, isto sim, a partir de uma postura dogmática preocupada com as posições jurídicas protegidas e com as formas de tutela necessárias para lhes dar proteção – e não mais apenas com as normas atributivas de direitos –, chegar a uma verdadeira análise crítica da ação e do processo, mediante a verificação da idoneidade das técnicas

processuais para prestar as formas de tutela prometidas pelo direito material.

Deixa-se claro que o significado de “técnica”, aqui empregado, está muito longe daquele que se costuma atribuir à “técnica” despreocupada com a realidade da vida. Ao se falar em técnica processual, não se pretende – nos termos das teorias ditas tecnicistas – elaborar um sistema imune ou neutro, como se o processo civil não fosse destinado a atender aos conflitos dos homens de carne e osso. Ao inverso, a única razão para relacionar a técnica processual e as tutelas dos direitos é demonstrar que o processo não pode ser pensado de forma isolada ou neutra, pois só possui sentido quando puder atender às tutelas prometidas pelo direito material, para o que é imprescindível compreender a técnica processual (ou o processo) a partir dos direitos fundamentais e da realidade do caso concreto. De modo que, ao contrário das doutrinas e dos sistemas desprovidos de paixão pelo homem e pela vida, e que procuram encontrar sustentação em conceitos abstratos que tanto são melhores quanto mais “limpos e transparentes” – isto é, neutros –, a presente teoria não tem outra preocupação a não ser evidenciar a falácia da teoria processual clássica, que ignorava a própria razão de ser do processo civil.

4. A técnica da cognição e a construção de procedimentos diferenciados

A técnica da cognição permite a construção de procedimentos ajustados às reais necessidades de tutela.11 A cognição pode ser analisada em duas direções: no sentido

horizontal, quando a cognição pode ser plena ou parcial; e no sentido vertical, em que a cognição pode ser exauriente, sumária e superficial.

(12)

O legislador, através da técnica da cognição parcial, pode desenhar procedimentos reservando determinadas exceções, que pertencem à situação litigiosa, para outros procedimentos; nos procedimentos de cognição parcial, o juiz fica impedido de conhecer as questões reservadas, ou seja, as questões excluídas pelo legislador para dar conteúdo a outra demanda. É o caso das ações possessórias e das ações cambiárias.12

A técnica da cognição parcial pode operar de dois modos: fixando o objeto litigioso ou estabelecendo os lindes da defesa (quando podemos lembrar a busca e apreensão do Decreto-lei 911/69).13

Tal técnica não pode ser compreendida a não ser a partir do plano do direito material; através desta perspectiva, aliás, é possível a investigação do conteúdo ideológico dos procedimentos. Para que se possa compreender a relação entre a cognição parcial e a ideologia dos procedimentos, cabe observar que o procedimento de cognição parcial privilegia os valores certeza e celeridade, ao permitir o surgimento de uma sentença com força de coisa julgada material em um tempo inferior àquele que seria necessário ao exame de toda a extensão da situação litigiosa,mas deixa de lado o valor “justiça material”.14 O que se deve verificar, portanto, em cada hipótese específica, é a quem

interessa a limitação da cognição no sentido horizontal, ou, em outros termos, a tutela jurisdicional célere e imunizada pela coisa julgada material em detrimento da cognição das exceções reservadas.15

Veja-se, por exemplo, o caso da busca e apreensão do lei 911/69. Esse Decreto-lei – que “estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária”–, antes de sua recente alteração pela Lei 10.931/2004, afirmava que o réu, na contestação, só poderia “alegar o pagamento do débito vencido ou o cumprimento das obrigações contratuais” (art. 3.º, § 2.º). Essa norma, ao limitar a defesa para imprimir maior celeridade ao procedimento, outorgava um benefício ao autor proibindo o réu de discutir as cláusulas do contrato ou eliminando o seu direito de convencer o juiz de que não era inadimplente. Tratava-se de restrição à defesa que não tinha qualquer justificativa, uma vez que, para conferir uma justiça mais rápida ao credor, admitia que o devedor fosse privado do seu bem sem sequer ter a possibilidade de discutir as cláusulas contratuais.

Todos os parágrafos do art. 3.º, inclusive o mencionado § 2.º, foram suprimidos pela Lei 10.931/2004, que acrescentou, entre outros, o seguinte parágrafo ao art. 3.º: “O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de 15 (quinze) dias da execução da liminar”. Esse parágrafo não faz qualquer restrição ao direito de defesa. Assim, a ilegítima restrição que antes era feita ao direito do devedor discutir as cláusulas contratuais não mais existe.

Não obstante, permanece a ideia conservada no caput do art. 3.º do Decreto-lei 911/69 (não alterado pela Lei 10.931/2004) de que basta a comprovação da mora ou do inadimplemento do devedor para a concessão liminar da busca e apreensão. O Decreto-lei 911/69, além de permanecer admitindo que a mora ou o inadimplemento são suficientes para a tomada forçada do bem do devedor, agora tem o seguinte requinte introduzido pela Lei 10.931/2004 no § 1.º do art. 3.º: “Cinco dias após executada a liminar mencionada no

caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio

do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária”.

Permitir, em razão de simples mora ou inadimplemento, a retirada forçada do bem do devedor e a consolidação da propriedade e da “posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário” é viabilizar, ainda que mediante a força estatal, uma agressão ilegítima à esfera jurídica do devedor. Isso porque o mero inadimplemento não

(13)

pode servir de justificativa para tudo isso, pois o não pagamento, como é óbvio, pode ter

fundamento. Aliás, a busca e apreensão liminar, mesmo que compreendida apenas como

pronta retirada do bem da posse do devedor, requer, como qualquer outra tutela antecipada, a probabilidade do direito, sob pena de se legitimar a imediata apreensão do bem e a postecipação do direito de defesa de todo e qualquer devedor que deixar de adimplir sua prestação, pouco importando a sua razão.

Alguém poderá dizer que, nesses casos, não há violação ao direito de defesa, uma vez que o réu, após a alienação ou a apreensão do bem, poderá discutir a questão que foi afastada, bastando para tanto propor ação contra o credor (no caso do leilão) ou prosseguir se defendendo (na hipótese da liminar de busca e apreensão).

Porém, nesses dois exemplos não importa saber se o réu terá a possibilidade de discutir a questão suprimida ou postecipada. O que interessa perguntar é se é justificável dar tempestividade à tutela (privada, no caso do Decreto-lei 70/66) do credor à custa da protelação da defesa do devedor. Ou ainda mais especificamente: se há racionalidade em retirar o bem do devedor, dando-lhe somente após o direito de apresentar as suas alegações. Não é difícil perceber que se trata de inversão que não encontra justificativa, pois a postergação da defesa não é imprescindível para a efetividade da tutela do direito, não havendo qualquer legitimidade em subordinar o direito do devedor apresentar defesa à entrega do bem objeto do contrato.

Note-se que o estudo da legitimidade da restrição das alegações de defesa, mediante as regras instituidoras do procedimento, não se resolve à luz de uma concepção ligada exclusivamente à possibilidade de o réu contradizer as alegações do autor, exigindo uma visualização compreensiva da racionalidade da inversão da oportunidade da alegação.

De outra parte, o Decreto-lei 3.365, de 21.6.41, afirma que a contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; e que qualquer outra questão somente poderá ser ventilada em ação própria (art. 20). Consoante corretamente decidiu o extinto TFR, a lei não impede “a discussão judicial em torno do fundamento da desapropriação, no caso de eventual abuso por parte do Poder Público; também não impede que qualquer alegação seja examinada pelo Poder Judiciário. Só que tais discussões deverão ocorrer em ação própria”.16 A restrição da cognição, nesta hipótese, se

dá em atenção ao interesse público, ou seja, para propiciar a efetividade do direito de desapropriar do Poder Público, motivo pelo qual não há como pensar em violação ao direito de defesa.

Frise-se, no entanto, que a técnica da cognição parcial permite apenas a visualização da ideologia dos procedimentos; não o controle da legitimidade constitucional dos procedimentos, tarefa que pode ser realizada por meio do controle da constitucionalidade a partir dos direitos fundamentais.

4.2. A técnica da cognição sumária

A restrição da cognição no plano vertical conduz ao chamado juízo de probabilidade ou às decisões derivadas de uma convicção de probabilidade. É correto dizer, resumidamente, que as tutelas de cognição sumarizadas no sentido vertical objetivam: (a) assegurar a tutela jurisdicional do direito ou uma situação concreta que dela depende (tutela cautelar; art. 300 do CPC); (b) realizar, em vista de uma situação de perigo, antecipadamente um direito (tutela antecipada; art. 300 do CPC); (c) realizar, quando o direito do autor surge como evidente e a defesa é exercida de modo inconsistente, antecipadamente um direito (tutela da evidência; art. 311 do CPC); ou (d) realizar, em razão das peculiaridades de um determinado direito e em vista da demora do procedimento comum, antecipadamente um direito (liminares de determinados

(14)

procedimentos especiais).

A tutela de cognição exauriente garante a realização plena do princípio do contraditório, ou seja, não permite a postecipação da busca da “verdade e da certeza”. Por isso mesmo, a tutela de cognição exauriente, ao contrário da tutela sumária, é caracterizada por produzir coisa julgada material.17 O juiz, quando concede a tutela

sumária, nada declara, limitando-se a afirmar a probabilidade da existência do direito, de modo que, aprofundada a cognição, nada impede que assevere que o direito que supôs existir na verdade não existe.

A tutela de cognição sumária pode ser prestada mediante diferentes técnicas processuais. A tutela cautelar pode ser prestada no curso do processo de conhecimento, mas também por meio de ação cautelar antecedente – liminarmente ou ao final do procedimento cautelar (art. 305, CPC). A tutela antecipada também pode ser prestada incidentalmente ao processo de conhecimento e, ainda, mediante a ação que diz respeito à tutela antecipada antecedente (art. 303, CPC). A tutela da evidência, por sua vez, apenas pode ser prestada no curso do processo de conhecimento e, ao contrário das tutelas cautelar e antecipada, não pode ser prestada antes da ouvida do réu – a despeito da inconstitucional previsão do parágrafo único do art. 311 do Código de Processo Civil.

A sumarização da cognição pode ter graus diferenciados, não dependendo da cronologia do provimento jurisdicional no iter do procedimento, mas sim da relação entre a afirmação fática e as provas produzidas. Perceba-se, por exemplo, que a liminar do procedimento do mandado de segurançae a liminar concedida no procedimento da tutela cautelar antecedente diferem nitidamente quanto ao grau de cognição. No mandado de segurança a liminar é deferida com base no juízo de probabilidade de que a afirmação provada não será demonstrada em contrário pelo réu, enquanto a liminar cautelar é concedida com base no juízo de probabilidade de que a afirmação será demonstrada, ainda que sumariamente, através das provas admitidas no procedimento sumário.

Note-se, ainda, que a tutela antecipada pode ser concedida antes de produzidas todas as provas tendentes à demonstração dos fatos constitutivos do direito, o que não acontece quando se pensa na liminar do mandado de segurança. A tutela antecipada é fundada na probabilidade de que o direito afirmado, mas ainda não provado, será demonstrado e declarado, enquanto que a liminar do mandado de segurança e a tutela da evidência são baseadas em prova dos fatos constitutivos.

Lembre-se que, quando o direito do autor está evidenciado (prova dos fatos constitutivos) e há uma defesa provavelmente infundada, admite-se a tutela da evidência e, portanto, aplica-se a técnica da cognição sumária.

4.3. A técnica da cognição exauriente secundum eventum probationis

O mandado de segurança, como é sabido, exige o chamado “direito líquido e certo”, isto é, prova documental anexa à petição inicial e suficiente para demonstrar a afirmação da existência do direito.

Quando o direito afirmado no mandado de segurança exige outra prova além da documental, fica ao juiz impossível o exame do mérito. No caso oposto, ou seja, quando apresentada prova documental da alegação, o juiz julgará o mérito e a sentença produzirá coisa julgada material. Como está claro, o mandado de segurança é processo que tem o exame do mérito condicionado à existência de prova capaz de fazer surgir cognição exauriente.

(15)

como a de que fato certo é aquele capaz de ser comprovado de plano. Trata-se de equívoco, pois o que se prova são as afirmações de fato. O fato não pode ser qualificado de “certo”, “induvidoso” ou “verdadeiro”; o fato apenas existe ou não existe. Como o direito existe independentemente do processo, esse serve apenas para declarar que o direito

afirmado existe. Prova-se a afirmação de fato para que se declare que o direito afirmado

existe. Acentue-se que a sentença de cognição exauriente limita-se a declarar a verdade de

um enunciado, isto é, que a afirmação de que o direito existe é verdadeira de acordo com

as provas produzidas e o juízo de compreensão do juiz. Em outras palavras, o direito que o processo afirma existir pode, no plano substancial, não existir e vice-versa. Não se prova

que o direito existe, mas sim que a afirmação de que o direito existe é verdadeira, declarando-se a existência do direito (coisa julgada material).

No mandado de segurança, a afirmação de existência do direito deve ser provada desde logo, ou melhor, mediante prova documental anexa à petição inicial. Dessa forma, não se pode aceitar a conclusão de Buzaid18 no sentido de que o direito líquido e certo

pertence à categoria do direito material. Trata-se, isto sim, de conceito nitidamente processual,19 que serve, inclusive, para a melhor compreensão do processo modelado

através da técnica da cognição exauriente secundum eventum probationis.

A prática apresenta o caso em que o impetrante do mandado de segurança procura demonstrar a existência do “direito líquido e certo” através de prova testemunhal ou pericial realizada antecipadamente. Entretanto, o direito líquido e certo não pode ser demonstrado através dessas provas, não apenas porque tais provas não constituem prova documental (porém apenas prova documentada), mas especialmente porque se a prova testemunhal for admitida como suficiente para a demonstração de “direito líquido e certo” ocorrerá lesão ao direito de defesa, à medida que o réu não tem oportunidade de produzir prova para contrapor à prova antecipadamente realizada pelo autor, pois só pode se valer de prova documental. Note-se que garantir participação na formação da prova (pericial ou testemunhal) nada tem a ver com o direito de produzir prova. Assim, são completamente destoantes dos princípios as decisões que admitem mandado de segurança com base em “produção antecipada de prova”. Talvez o equívoco na admissão de prova antecipada em mandado de segurança seja derivado da falta de definição dos conceitos de “prova documentada” e “prova documental”, o que é reflexo do esquecimento da lição de Bobbio, no sentido de que dar a cada coisa o seu nome não é mera preocupação formalista, porém necessidade para a construção de uma ciência.20

Por outro lado, afirma-se que “não se pode admitir que o impetrante ingresse em juízo para fazer, no curso sumaríssimo do mandado de segurança, em que não há dilação, a prova das suas alegações; esta deve ser, aqui, sempre, prova pré-constituída e documental. A prova há de ser documental e os documentos comprobatórios do fato não podem padecer de dúvida. Se fossem impugnados de falsos, não seria possível a instauração do incidente de falsidade. Nesse caso não se poderia falar mais em direito líquido e certo”.21

Na realidade, no caso de o documento ser apontado como falso, é possível pensar: (a) na impossibilidade de o juiz apreciar o mérito, por ausência de direito líquido e certo; (b) na possibilidade de o juiz desconsiderar a alegação da autoridade coatora e julgar o mérito; e (c) na admissão da produção de prova tendente à demonstração da existência da falsidade.22

A primeira alternativa não merece maiores considerações. Ora, se bastasse a autoridade coatora afirmar a falsidade do documento para o juiz estar impedido de julgar o mérito, estaria aberto o caminho para a inefetividade do mandado de segurança. Seria lícito, no entanto, admitir a possibilidade de uma eventual “injustiça” para a preservação da efetividade da via do mandado de segurança, já que a sentença fundada em prova falsa

(16)

pode ser objeto de ação rescisória? Alguém poderia supor, de fato, que o caso seria de reserva de exceção, ou seja, que a arguição da falsidade somente poderia ser feita em ação inversa subsequente, precisamente a ação rescisória. Perceba-se, contudo, que impedir a produção da prova sobre o documento apontado como falso significa restrição à cognição no sentido vertical (ou ao aprofundamento da cognição), quando estaria sendo admitida uma sentença de cognição sumária com força de coisa julgada material.23

De modo que a opção correta é admitir a investigação da falsidade. A objeção seria de que o procedimento estaria sendo desnaturado e alargado. Porém, o procedimento não estará sendo desnaturado, já que a prova, por óbvio, não terá por objeto o fato que o documento pretende representar, mas a própria idoneidade do documento. Vale dizer: o procedimento continuará com a sua natureza documental intocada. Por outro lado, a questão do prejuízo com o alargamento do procedimento implica a consideração da eterna problemática posta pelo binômio “celeridade-segurança”. Neste caso, seria dada prioridade ao valor segurança em detrimento do valor celeridade apenas em razão da viabilidade da concessão de liminar no procedimento do mandado de segurança. Demais, as provas requeridas por abuso poderiam ter resposta na imposição de pena por litigância de má-fé.

Observe-se, ainda, que a técnica da cognição exauriente secundum eventum probationis, além de permitir a construção de um processo célere e ao mesmo tempo de cognição exauriente, não elimina a possibilidade de o jurisdicionado, que lançou mão do mandado de segurança mas necessitava de outras provas além da documental, recorrer ao procedimento comum. De acordo com a Súmula 304 do STF, a “decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria”.24 Este enunciado quer dizer que fica aberta a via ordinária àquele que

teve denegado o mandado de segurança por ausência de direito líquido e certo. Isso porque a sentença que afirma a ausência de direito líquido e certo não declara que o direito subjetivo material não existe.

4.4. A técnica da cognição exauriente enquanto não definitiva

Há casos em que, porque presente fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, é possível a antecipação da tutela após o encerramento da fase instrutória. Há também casos em que poderá ser necessária a antecipação da tutela após a sentença, antes ou depois da subida dos autos ao tribunal.

Nestes casos há sempre cognição exauriente mas não definitiva. Aliás, como demonstrou Domenico Borghesi em ensaio publicado na Rivista Trimestrale diDiritto e

Procedura Civile, esta também é a técnica que funda a execução “provisória” da sentença.25 4.5. A técnica da cognição exauriente por ficção legal conjugada com a técnica da cognição exauriente secundum eventum defensionis

A ação monitória pode ser proposta por aquele que afirmar, com base em “prova escrita” sem eficácia de título executivo, ter direito de receber do devedor capaz i) pagamento de soma em dinheiro, ii) entrega de coisa fungível ou infungível ou de bem móvel ou imóvel ou iii) o adimplemento de obrigação de fazer ou de não fazer (art. 700, CPC). Estando a petição inicial devidamente instruída e sendo “evidente o direito do autor”, o juiz deve deferir a expedição do mandado sem a ouvida do réu, que se converterá em título executivo judicial quando o devedor, além de não adimplir, não apresentar embargos, bem como, quando apresentados os embargos, esses forem julgados improcedentes (arts. 701 e 702, CPC).

(17)

exauriente por ficção legal com a técnica da cognição exauriente secundum eventum

defensionis. Objetiva a formação do título executivo sem as delongas do procedimento de

cognição plena e exauriente, deixando ao devedor ou ao obrigado o juízo de oportunidade sobre a instauração de embargos. A não apresentação de embargos faz surgir o título executivo, ficando o juiz impedido de determinar a produção de prova tendente à averiguação da existência do direito afirmado, que, na verdade, é considerado existente por ficção legal. Trata-se da adoção de um critério racional, que responde à exigência de se evitar um desnecessário procedimento de cognição plena e exauriente quando a prova escrita demonstra, em alto grau de probabilidade, a existência do direito.

4.6. A técnica dos títulos executivos extrajudiciais

A técnica dos títulos executivos extrajudiciais também é uma técnica de sumarização, à medida que elimina a necessidade de o juiz averiguar a existência do direito, que o próprio título faz presumir presente.

A limitação ao direito de defesa igualmente decorre de um critério racional, justificado pelo alto grau de probabilidade conferido pelo título. Como o título indica apenas um alto grau de probabilidade, assume-se o risco de eventual erro em virtude daquilo que comumente ocorre. O risco de erro é deliberadamente aceito em razão de uma maior efetividade da tutela dos direitos.26

Os títulos executivos extrajudiciais, segundo denúncia de Proto Pisani,27 sempre

privilegiaram determinados sujeitos e seus respectivos direitos, razão pela qual deve se propor o alargamento da técnica dos títulos extrajudiciais a todas as hipóteses em que um documento idôneo seja capaz de fornecer um grau de probabilidade considerado suficiente, independente do peso político dos sujeitos que dele poderão usufruir.28

5. Técnica antecipatória, tutela cautelar, tutela antecipada e tutela da evidência

A tutela cautelar é conhecida desde os primórdios do direito. A teoria da tutela cautelar, por sua vez, tem importantes raízes no direito processual civil que se desenvolveu ao final do século XIX e início do século XX na Itália. Porém, ainda que se tenha falado em tutela cautelar em favor do processo ou da jurisdição, hoje é indiscutível que a tutela cautelar protege o direito daquele que pode ser prejudicado pela demora do processo. Não fosse assim, estar-se-ia diante de inexplicável e irracional prevalência da função pública do processo em detrimento da função de tutela dos direitos, típica ao Estado constitucional.

Tutela é a proteção que o Estado deve dar aos direitos, seja mediante normas (tutela normativa), atividades fático-administrativas (tutela administrativa) ou mediante decisões judiciais (tutela jurisdicional). A tutela jurisdicional do direito certamente não pode se confundir com a técnica processual utilizada para viabilizá-la. Assim, por exemplo, não há como confundir sentença mandamental com tutela inibitória. Tutela inibitória é uma das formas de tutela do direito material, enquanto que sentença mandamental é técnica utilizada para permitir a tutela do direito. Tanto é assim que a sentença mandamental pode servir para a prestação não só da tutela inibitória, mas também da tutela ressarcitória na forma específica e da tutela do adimplemento da obrigação contratual.

Tutela cautelar é tutela de segurança do direito; é tutela e não técnica processual. A tutela cautelar pode se valer de decisão que ordena sob pena de multa ou de outros meios executivos idôneos à implementação imediata e efetiva da tutela de segurança. Como é óbvio, a decisão que ordena sob pena de multa e os meios executivos nada mais são do que técnicas processuais.

(18)

A tutela antecipada também é tutela do direito material. Substancialmente, a tutela antecipada é a própria tutela de direito ambicionada pela parte mediante o exercício da ação. É a tutela de direito que o autor pretende obter ao final do processo, mas que é concedida antecipadamente em virtude de perigo de dano. Em outras palavras, tutela antecipada é a tutela do direito que, em vista de uma situação de urgência, é prestada com base em probabilidade ou mediante cognição sumária.

A tutela antecipada também não se confunde com as técnicas processuais idôneas à sua prestação, como a decisão baseada em cognição sumária, a ordem sob pena de multa e os demais meios de execução.29 Note-se que confundir tutela antecipada com técnica

antecipatória significa negar valor aos pressupostos das tutelas de direito que podem ser

antecipadas. A análise da tutela antecipada sempre deve tomar em conta os pressupostos da tutela de direito que se deseja antecipar. A tutela antecipada inibitória exige probabilidade da prática de ato contrário ao direito e a tutela antecipada de remoção de ilícito, a probabilidade de que tenha sido praticado um ilícito. A tutela antecipada de adimplemento requer probabilidade de inadimplemento, mais o perigo de que, em vista do descumprimento, o autor possa sofrer dano. A tutela antecipada ressarcitória exige a probabilidade do dano – já ocorrido – e da responsabilidade, bem como o perigo de que, em razão do dano já praticado, outro dano possa ser provocado ao autor.

Como está claro, tutela antecipada não é técnica de antecipação da tutela ou técnica antecipatória.30 A tutela antecipada exige a consideração dos pressupostos de direito

material da tutela de direito que se quer antecipar, enquanto que a técnica de antecipação nada mais é do que previsão técnico processual que autoriza a antecipação da tutela do direito. A técnica antecipatória é a ferramenta processual que abre oportunidade à tutela do direito material com base em probabilidade (procedimento comum) e à própria tutela cautelar mediante liminar (procedimento da tutela cautelar antecedente). Perceba-se que o juiz, diante do procedimento da tutela cautelar antecedente, pode antecipar a tutela cautelar. Mas aí, como é evidente, a técnica antecipatória continuará a não se confundir com a tutela cautelar antecipada, uma vez que a tutela cautelar, quando prestada antecipadamente, obviamente não dispensa a consideração dos pressupostos da tutela de segurança.

É claro que se fala em tutela antecipada tomando-se em consideração o procedimento comum, ou melhor, a tutela de direito pretendida mediante o exercício da ação. Ninguém coloca no mesmo patamar a tutela antecipada e a tutela cautelar antecipada simplesmente por ambas serem antecipadas em relação à tutela final. A tutela cautelar antecipada sempre existiu e sempre foi admitida em razão da urgência que marca esta forma de tutela. Um procedimento cautelar que não aceitasse liminar cautelar seria uma contradição em termos ou, mais propriamente, verdadeira aberração.

Reserva-se a qualificação “antecipada” à tutela do direito prestada mediante cognição sumária em virtude da particularidade da admissão da tutela do direito antes da declaração do direito, ou seja, antes da sentença, o que, nos termos do princípio da nulla

executio sine titulo, não seria permitido fora dos procedimentos especiais, como o

procedimento cautelar e os procedimentos possessórios. Como a liminar cautelar é parte inseparável de todo e qualquer procedimento cautelar, não há motivo para falar em tutela antecipada cautelar nem muito menos para pensar em equipará-la à verdadeira tutela antecipada – na medida em isso seria metodologicamente inadequado e pernicioso para o desenvolvimento da teoria do processo civil.

De lado a tutela cautelar, a técnica antecipatória permite que se dê tratamento diferenciado aos direitos que correm risco de lesão e aos direitos evidentes no procedimento comum. O perigo de dano é um dos fundamentos da tutela antecipada.

(19)

Porém, o legislador chamou outra forma de tutela antecipada de “tutela da evidência” (art. 311, CPC). Ou seja, qualificou a tutela antecipada fundada em “direito evidente” de “tutela da evidência”. O processo linguístico suprimiu a palavra “antecipada”, que indica que se trata de tutela do direito prestada mediante cognição sumária, para usar o qualificativo “da evidência”, que indica apenas um dos fundamentos para se ter tutela antecipada.

Em substância, a tutela “da evidência” também é a tutela pretendida mediante o exercício da ação; é a tutela final prestada mediante probabilidade ou na forma antecipada. A diferença é a de que, tratando-se de tutela da evidência, a tutela final antecipada é concedida com base na prova dos fatos constitutivos e na inconsistência da defesa que reclama produção de prova. A tutela da evidência, assim, permite a distribuição do ônus do tempo do processo de acordo com a evidência do direito do autor e com a fragilidade da defesa do réu, afastando-se da tutela antecipada baseada em perigo de dano em razão do seu diferente fundamento e diversa finalidade. Enquanto a tutela antecipada propriamente dita tem como fundamento a urgência e como objetivo a imediata tutela do direito para evitar dano, a tutela da evidência tem como fundamento a evidência do direito e a inconsistência da defesa e como fim a inversão do ônus do tempo do processo.

NOTAS DE RODAPÉ

1

O BGH alemão já afirmou expressamente que o processo civil possui o escopo de realizar o direito material, esclarecendo que as normas processuais não têm um fim em si mesmo, uma vez que são dirigidas a um fim (BGHZ 10, 359).

2

Ver Claus-Wilhelm Canaris, Direitos fundamentais e direito privado, esp. p. 101 e ss.

3

A respeito da eficácia dos direitos fundamentais sobre os particulares, ver José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais..., p. 290 e ss. e Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre particulares, Constituição, direitos fundamentais e direito privado; José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1.270 e ss. e Dogmática de direitos fundamentais e direito privado, Constituição, direitos fundamentais edireito privado; Claus-Wilhelm Canaris, Direitos fundamentais e direito privado e A influência dos direitos fundamentais...; Jörg Neuner, O Código Civil da Alemanha (BGB) e a Lei Fundamental,

Constituição, direitos fundamentais e direito privado; Juan María Bilbao Ubillos, En qué medida…

4

O art. 927, caput, do Código Civil de 2002, afirma textualmente que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Quase no mesmo sentido, dizia

(20)

o art. 159 do Código Civil de 1916: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.

5

Segundo Pontes de Miranda, na ação que objetiva reparar o ato ilícito, “o pedido pode dirigir-se à

restauração em natura, e somente quando haja dificuldade extrema ou impossibilidade de se restaurar em natura é que, em lugar disso, se há de exigir a indenização em dinheiro” (Pontes de

Miranda, Tratado de direito privado, v. 26, p. 28).

6

E não vai aqui nenhuma crítica à doutrina que se vale do ditado chiovendiano. Chegamos a usá-lo expressamente em um dos itens do livro Tutela inibitória, ainda que assim advertindo: “Cabe lembrar, porém, que Chiovenda, apesar de ter dito que o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem o direito de obter, afirmou, nas suas Instituições, o seguinte: ‘Se, por sua natureza ou por falta de meios de sub-rogação, não se pode conseguir um bem senão com a execução por via coativa, e os meios de coação não estão autorizados na lei,

aquele bem não é conseguível no processo, salvo a atuação (se possível, por sua vez) da vontade concreta de lei que deriva da lesão ou inadimplemento do direito a uma prestação; salvo, por exemplo, o direito ao ressarcimento do dano’ (Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 290)” (Tutela inibitória, p. 364).

7

Adolfo di Majo, Forme e tecniche di tutela, Processo e tecniche di attuazione dei diritti, v. 1, p. 11 e ss.

8

Ver Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória da vida privada.

9

Muito embora a reparação do dano não seja plena, seja porque a publicação ou a transmissão podem não atingir todos aqueles que tiveram ciência do fato danoso, seja porque tal ciência não elimina a dor moral gerada pela imputação ofensiva, o certo é que a tutela colabora para a reparação do dano, que ficaria sem tutela adequada caso somente pudesse ser sancionado em pecúnia. Lembre-se, para exemplificar, que, de acordo com o art. 120 do CPC italiano, nos casos em que a publicação da sentença puder contribuir para reparar o dano, o juiz, a requerimento da parte, poderá ordená-la aos cuidados e às expensas do sucumbente, mediante a inserção por extrato em um ou mais jornais por ele designados. A doutrina italiana entende que a publicação da sentença, prevista no referido art. 120, assim como a publicação da retificação relativa a notícias veiculadas por meio de periódicos, colaboram para reparar o dano. Como percebeu

(21)

Grazia Ceccherini (Risarcimento del danno e riparazione in forma specifica, p. 72), o recurso a formas de tutela lato sensu específicas é, sem dúvida, mais adequado e, portanto, preferível em

relação a uma sentença que se limite a condenar o autor do dano ao direito da personalidade ao ressarcimento em dinheiro (Luiz Guilherme Marinoni, Técnica processual e tutela dos direitos, 4a. ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013, p. 434 e ss).

10

 Adolfo di Majo, La tutela..., p. 43 e ss.

11

Cf., a respeito, Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil; Ovídio Baptista da Silva,

Procedimentos especiais (exegese do Código de Processo Civil), p. 37-54; Andrea Proto Pisani, Sulla

tutela giurisdizionale differenziata, Rivista di Diritto Processuale, 1979, p. 575 e ss. e Appunti sulla tutela sommaria, I processi speciali Studi offerti a Virgilio Andrioli dai suoi allievi, p. 309-360.

12

Ver Ovídio Baptista da Silva, Procedimentos especiais (exegese do Código de Processo Civil), p. 46.

13

De acordo com Watanabe, “em termos estritamente processuais, só se pode falar em limitação à cognição quando instituída em função de um objeto litigioso já estabelecido, de sorte que nos embargos do executado não haveria, verdadeiramente, uma cognição parcial. Mas, examinada a partir do plano do direito material, é inegável que a perquirição do juiz não atinge toda a realidade fática” (Da cognição no processo civil, p. 87).

14

Ver Ovídio Baptista da Silva, Procedimentos especiais (exegese do Código de Processo Civil), p. 51.

15

“Cabe deixar anotado, aqui, que as limitações ao direito do contraditório e, por via de consequência, da cognição do juiz, sejam estabelecidas em lei processual ou em lei material, se impossibilitam a efetiva tutela jurisdicional do direito contra qualquer forma de denegação da justiça, ferem o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e por isso são inconstitucionais” (Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 88).

16

(22)

17

Ver Proto Pisani, Appunti sulla tutela sommaria, I processi speciali – Studi offerti a Virgilio

Andrioli dai suoi allievi, p. 312-313.

18

Alfredo Buzaid, Do mandado de segurança, p. 86-87.

19

“O conceito de direito líquido e certo é tipicamente processual, pois atende ao modo de ser de um direito subjetivo no processo: a circunstância de um determinado direito subjetivo realmente existir não lhe dá a caracterização de liquidez e certeza; esta só lhe é atribuída se os fatos em que se funda puderem ser provados de forma incontestável, certa, no processo. E isso normalmente se dá quando a prova for documental, pois esta é adequada a uma demonstração imediata e segura dos fatos” (Celso Agrícola Barbi, Do mandado de segurança, p. 55).

20

Norberto Bobbio, Teoria della scienza giuridica, p. 217.

21

Carlos Mário Velloso, Direito líquido e certo. Decadência, Mandado de segurança, p. 57.

22

O TJSP, ao apreciar essa questão, já concluiu: “Não pode ser deferido incidente de falsidade em mandado de segurança, onde o direito deve vir comprovável de plano. Em se tratando de

mandamus, impossível a produção de prova que não venha com a inicial”

(JurisprudênciaBrasileira, v. 103, p. 90).

23

Demais, como ensina o professor Egas Moniz de Aragão, é irrecusável que a prova “tende a proporcionar ao juiz a formação de seu convencimento, razão pela qual tem ele, como destinatário dela, o poder-dever de eliminar de entre as provas a serem consideradas o documento que lhe deformaria o julgamento. Podem ser recordadas a esse respeito palavras de Carnelutti a propósito do assunto, ao dizer que ‘a luta contra a falsidade é uma espécie de desinfecção social’, dado que ‘uma das condições para que a justiça seja bem administrada é que a fé do juiz não seja traída’ (causa certa surpresa, por isso, a afirmação de Rosenberg, de o assunto não ter importância prática)” (Exegese do Código de Processo Civil, v. 4, t. 1/297).

(23)

24

Como diz Watanabe, “no processo de mandado de segurança, é entendimento assente, inclusive cristalizado em Súmula do STF, que ‘decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso de ação própria’ (Súmula 304) (art. 15 da Lei 1.533/51) [art. 19, Lei 12.016/2009]. O exame exauriente do mérito da causa é dependente da existência de elementos probatórios necessários para tanto. Informa Theotonio Negrão, com citação de inúmeros precedentes, que ‘a jurisprudência do STF, dando entendimento a esta Súmula, vem afirmando que a decisão que denega a segurança, se aprecia o mérito do pedido e entende que o impetrante não tem direito algum (e não que apenas lhe falta direito líquido e certo), faz coisa julgada material, impedindo a reapreciação da controvérsia em ação ordinária” (Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 89).

25

“Un ultimo telegrafico accenno vorrei dedicare alla provvisoria esecutorietà della sentenza di primo grado che rappresenta un caso in cui ‘l’esecutività consegue a una cognizione non definitiva’ che si differenzia in modo netto da quelli precedentemente esaminati perche la cognizione, pur non essendo definitiva, nel senso che la sentenza può essere riformata nei successivi gradi di giudizio, è tuttavia piena ed esauriente” (Domenico Borghesi, L’anticipazione dell’esecuzione forzata nella riforrna del processo civile, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura

Civile, 1991, p. 197).

26

Como diz Dinamarco, “ao instituir títulos além da sentença condenatória civil ordinária, age o legislador por critério de probabilidade, sabendo que sempre algum risco haverá, mas entendendo também que vale a pena corrê-lo; vale a pena porque as vantagens obtidas na grande maioria dos casos têm muito mais significado social que eventuais males sofridos em casos proporcionalmente reduzidos quanto aos quais, de resto, fica aberta a via defensiva consistente nos embargos à execução. Tem-se, então, na técnica consistente em tipificar os títulos executivos, o culto ao escopo social de pacificação mediante eliminação dos conflitos. O legislador acha preferível enfrentar o risco de permitir a instauração de algum processo executivo sem o correspondente direito subjetivo material, concedendo ao exequente a realização de medidas constritivas (especialmente, penhora) e talvez causando algum dano ao executado” (Cândido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade do processo, p. 256).

27

“Di fatto, storicamente il ricorso a questa tecnica è stato (ne, a mio avviso, poteva essere diversamente) influenzato anche dalla opportunità di privilegiare i soggeti reali portatori del titolo ed i relativi diritti (è sintomatico, a tale riguardo, che la stragrande maggioranza dei titoli esecutivi di formazione stragiudiziale è a disposizione di imprenditori commerciali e di Pubbliche Amministrazioni)” (Andrea Proto Pisani, Appunti sulla tutela sommaria, I processi

(24)

© desta edição [2017]

speciali. Studi offerti a Virgilio Andrioli dai suoi allievi, p. 318).

28

“Mesmo assim, e apesar de tal atitude doutrinária, de duvidosa legitimidade, os mesmos escritores que condenavam os ‘processos sumários’, ou, como diz Segni, os ‘juízos especiais’, nunca repudiaram, por exemplo, a longa e laboriosa teoria dos títulos de crédito, por meio dos quais os ‘empresários’ podiam livrar-se do tão elogiado procedimento ordinário, servindo-se do mais puro e bem feito processo sumário que a doutrina moderna jamais concebeu!” (Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, v. 1, p. 105).

29

A distinção entre tutela do direito e técnica processual permite investigar se a legislação possui instrumentos processuais (técnica processual) efetivamente capazes de propiciar a tutela dos direitos. Para tanto, é necessário analisar, como antecedente lógico, o que é vital à proteção dos direitos, para depois ver se os instrumentos processuais estão adequadamente preordenados para permitir a tutela que lhes é inerente. Tal distinção traz ao direito processual um novo valor, calcado na necessidade de verificar se o processo está realmente preparado para assumir plenamente a função de tutela dos direitos ou se é algo incapaz de fazer o Estado cumprir com o dever que assumiu no momento em que proibiu a autotutela. Se não é possível negar, diante da consideração do direito material, o direito à tutela inibitória (por exemplo), fica o legislador infraconstitucional obrigado a estabelecer os instrumentos adequados para garanti-la, sob pena de descumprir o preceito constitucional consagrador do direito fundamental de ação. Isto quer dizer que a tutela jurisdicional inibitória, que é resposta do processo ao direito à tutela inibitória, deve constituir tutela jurisdicional que possa efetivamente inibir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito. É por isso que a tutela jurisdicional inibitória deve poder ser prestada antecipadamente (técnica antecipatória) e por meio das sentenças e meios de execução adequados.

30

Ver o importante livro de Daniel Mitidiero, Antecipação da tutela, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2014.

(25)

2017 - 11 - 15

Tutela de Urgência e Tutela da Evidência - Edição 2017

PARTE II - TUTELA DE URGÊNCIA: CAUTELAR E ANTECIPADA

PARTE II - TUTELA DE URGÊNCIA: CAUTELAR E

ANTECIPADA

1. A evolução da tutela de urgência: da tutela de segurança à compreensão e ao delineamento das tutelas cautelar e antecipada

1.1. A tutela cautelar na origem do direito processual civil

O processo civil, à época do Estado de Direito de matriz liberal, não tinha preocupação em dar tutela preventiva aos direitos. O direito, nesta época, era voltado a proteger as liberdades e as conquistas da classe burguesa contra a ameaça de arbítrio do Estado. O Estado, para garantir a liberdade, era obrigado a tratar todos da mesma forma, independentemente das suas diferenças concretas. Tomava-se em conta o conceito de igualdade formal perante a lei, sendo que qualquer tratamento desigual – ainda que a posições desiguais – era visto como “privilégio”.

Este Estado, porquanto não podia tratar as posições jurídicas e sociais de forma diferenciada, obviamente não podia desenhar políticas públicas voltadas a dar proteção específica ou mais incisiva a determinadas classes de pessoas ou espécies de direitos. Ademais, os direitos desta época eram vistos como coisas dotadas de valor de troca, de modo que, diante da prática de ato ilícito, entendia-se ser suficiente a prestação da tutela ressarcitória pelo equivalente ao valor do dano ou da prestação inadimplida.

De modo que a tutela contra o ilícito era apenas a tutela contra o dano. Lembre-se que a indistinção entre ilícito e dano é o reflexo de um árduo processo de evolução histórica que acabou por fazer concluir, a partir da suposição de que o bem juridicamente tutelado é uma coisa dotada de valor de troca, que a tutela jurisdicional do bem é o ressarcimento pelo equivalente ao valor econômico da lesão.1

Além disto, na economia liberal clássica o Estado estava preocupado apenas em manter em funcionamento os mecanismos de mercado. Ora, a tutela pelo equivalente ao valor da prestação mantinha íntegros os mecanismos do mercado, sem alterar a sua lógica.2Portanto, há aí um nexo entre a tutela pelo equivalente e os princípios da

abstração das pessoas e dos bens ou, ainda, uma visível correlação entre o contrato, a igualdade formal dos contratantes e a sanção pelo equivalente como forma expressiva da realidade da economia de mercado.3 Se os bens são equivalentes e, assim, não merecem

tratamento diversificado, a transformação do bem devido em dinheiro está de acordo com a lógica do sistema, cujo objetivo é apenas sancionar o faltoso, repristinando os mecanismos de mercado.

O art. 1.142 do Código Napoleão, ao dizer que toda obrigação de fazer e não fazer resolve-se em perdas e danos mais juros em caso de inadimplemento, não só expressou as preocupações da economia liberal, como ainda refletiu os princípios de liberdade e de defesa da personalidade, próprios ao jusnaturalismo e ao racionalismo iluminista. Ou seja,

Referências

Documentos relacionados

a) 50% das células epiteliais estão obscurecidas por sangue. c) verifica-se infiltrado leucocitário obscurecendo a avaliação em mais de 75% das células epiteliais. d)

Inclui o poder de não perceber analogias, de não conseguir observar erros de lógica, de não compreender os argumentos mais simples e hostis ao Ingsoc, e de se aborrecer ou enojar

Este terceiro segmento está vinculado à primeira parte (ou, mais precisamente, aos dois primeiros segmentos) pela continuidade do perfil melódico, mas já antevê

A hipótese fundamental que permite usar tal comparação como uma medida do im- pacto do programa BF na escolha do tipo de ocupação no principal trabalho dos chefes de

Dessa forma, resta claro a comprovação de vínculo contratual entre as partes, sendo a conduta da requerida legal, não incindindo assim, indenização por danos morais,

Ön kolun fleksor (ön) yüzünde en derinde yer alan kastır. Önkolun esas pronator kasıdır ve bu hareket sırasında daima aktiftir. Pronasyon hareketinde ilk olarak çalışan

Evitando a imensa discussão técnica que poderia caber diante da expressão tutela jurisdicional de urgência, quero registrar que passo a utilizá-la, neste trabalho,

Atualmente, a estratégia nacional associada à gestão dos biorresíduos assenta maioritariamente na recolha indiferenciada (o que inclui a fração orgânica dos RU),