• Nenhum resultado encontrado

Motivações e experiências de viagens de turistas surdos cariocas: um estudo exploratório

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Motivações e experiências de viagens de turistas surdos cariocas: um estudo exploratório"

Copied!
105
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS CONTÁBEIS E TURISMO DEPARTAMENTO DE TURISMO

Dafny Saldanha Hespanhol

MOTIVAÇÕES E EXPERIÊNCIAS DE VIAGENS DE TURISTAS SURDOS CARIOCAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO E QUALITATIVO

Niterói 2013

(2)

Dafny Saldanha Hespanhol

MOTIVAÇÕES E EXPERIÊNCIAS DE VIAGENS DE TURISTAS SURDOS CARIOCAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO E QUALITATIVO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de graduação em Turismo da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Turismo.

Orientadora: Verônica Feder Mayer

(3)

Niterói 2013

(4)

MOTIVAÇÕES E EXPERIÊNCIAS DE VIAGENS DE TURISTAS SURDOS CARIOCAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO E QUALITATIVO

Por

Dafny Saldanha Hespanhol

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de graduação em Turismo da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Turismo.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________ Profª. Verônica Feder Mayer – Orientadora – UFF

______________________________________________________________ Prof. Dr. Marcello de Barros Tomé Machado – Departamento de Turismo – UFF

______________________________________________________________ Profª. M. Sc. Heloise Gripp Diniz – Convidado – UFRJ

Niterói 2013

(5)

Dedico a todos surdos brasileiros que fazem parte de comunidades surdas, por trazerem à tona um mundo totalmente novo, visual, vivo, cheio de cores e significados! Este trabalho não faria o menor sentido sem vocês. Mas, em especial, àqueles surdos que são felizes e bem resolvidos sendo como são, porque são vocês que fazem com que o que eu tenho vivido, lutado e acreditado, em mais da metade dos meus anos até hoje, valha a pena!

(6)

AGRADECIMENTOS

“Cuide de resgatar e guardar consigo um profundo senso de gratidão pela experiência e pelas oportunidades que a vida lhe dá. De tudo, isso talvez seja a única coisa que realmente importa.” (MAGALHÃES 20072

)

Registro aqui o meu “muito obrigada”:

A Deus – a razão de tudo! Porque mesmo em meio a tantos motivos para eu desistir, não me deixou ficar pelo caminho. Deu-me forças para prosseguir,

conquistar! E continuar sonhando...

Aos meus pais – sem dúvida, os melhores do mundo inteirinho!

A minha super orientadora Verônica Feder Mayer, por aceitar o desafio de orientar um tema tão novo e desconhecido pra ela – a surdez – e por dividir comigo a imensidão dos seus conhecimentos de pesquisa. Por se dispor a me atender mesmo no dia do seu aniversário! E por em meio a tantos e tantos compromissos, estar sempre disposta a me orientar com seu jeito calmo e tranquilo... Você é muito mais que uma orientadora! Você é “super”! Obrigada por tudo!

A professora Erly pela dedicação e competência destinados ao meu trabalho.

A Thaianne Zuchelli, por aceitar se aventurar comigo pelo mundo da surdez, e ter me ajudado a “pôr a mão na massa” durante um semestre inteiro.

Aos que toparam serem entrevistados e me cederem seu curto tempo a longos diálogos.

Aos intérpretes de Libras, Rodrigo de Souza e Mauro Oliveira, e aos professores Marcello Tomé e Heloise Gripp (e Verônica Mayer, de novo!) pelo excelente trabalho na banca examinadora. A nota 10 é de vocês!

Aos meus colegas de classe, todos que já estudaram comigo em alguma disciplina deste curso, e também aos professores do Departamento de Turismo da UFF, por me aturarem falando sobre surdez, repetidas e incansáveis vezes.

Aos meus amigos e familiares, por compreenderem minhas ausências, apoiarem meus projetos e aplaudirem os meus sucessos.

2 MAGALHÃES JR., Ewandro. Sua majestade, o intérprete: o fascinante mundo da tradução simultânea. São Paulo: Parábola editorial, 2007. 2. ed

(7)
(8)

“Tolerar a existência do outro é permitir que ele seja diferente, ainda é muito pouco. Quando se tolera, apena se concede e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro.”

(José Saramago)

“Há também o fatídico ‘exemplo de superação’. Eu não superei a surdez porque ela não é ‘superável’”. – Crônicas da surdez

“Minha surdez não tem nada a ver com minhas capacidades e incapacidades” – Marcos Barbosa (surdo)

(9)

RESUMO

O presente trabalho procura identificar as motivações turísticas de surdos adultos, moradores do Rio de Janeiro, e quais são as experiências de viagem que relatam. Buscou-se preencher algumas lacunas existentes na área, uma vez que as pesquisas encontradas em turismo que abordam a surdez analisam a questão sob a perspectiva da acessibilidade e das deficiências em geral. Esta pesquisa aproxima a discussão sobre a surdez do viés socioantropológico. A metodologia utilizada é de natureza qualitativa e exploratória, em que foram feitas entrevistas semi-estruturadas em duas fases: na primeira foram entrevistadas pessoas conhecedoras da comunidade surda, e na segunda, pessoas surdas adultas que se encaixavam dentro do perfil definido para os entrevistados. O trabalho traz contribuições gerenciais, metodológicas e teóricas, isto é, contribuições para o pensamento da área da surdez dentro do turismo.

PALAVRAS-CHAVE: Motivação turística. Turismo de responsabilidade social.

(10)

ABSTRACT

This work seeks to identify the motivations of tourist deaf adults, residents of Rio de Janeiro, and what are the travel experiences that report. We sought to fill some gaps in the area, since the research found that discuss tourism deafness analyze the issue from the perspective of accessibility and disability in general. This

research approaches the discussion about deafness socioanthropological bias. The methodology was qualitative and exploratory, they are made semi-structured

interviews in two phases: the first people interviewed were knowledgeable of the deaf community, and second, deaf adults who fit within the profile for the

respondents. The work brings managerial contributions, methodological and theoretical, that is, contributions to thinking in the area of deafness within tourism.

KEYWORDS: Touristic motivation. Tourism of social responsibility. Deaf.

(11)

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: Categorias motivacionais turísticas ... 14

FIGURA 2: Perfis psicológicos dos turistas, segundo modelo de Plog (1974) ... 15

FIGURA 3: A classificação dos turistas, segundo Cohen (1972, 1974, 1984) ... 16

FIGURA 4: O processo de oferta e consumo de experiências em serviços ... 18

FIGURA 5: Definição de língua e linguagem ... 35

FIGURA 6: Etapas da primeira fase da pesquisa ... 40

FIGURA 7: Informações sobre os entrevistados na primeira fase da pesquisa ... 41

FIGURA 8: Etapas da segunda fase da pesquisa ... 42

FIGURA 9: Informações sobre os entrevistados na segunda fase da pesquisa ... 43

FIGURA 10: Motivações turísticas segundo McIntosh, Goeldner e Ritchie (1995 apud COOPER et al., 2007. p. 82) aplicadas aos entrevistados ... 79

FIGURA 11: Barreiras enfrentadas pelos surdos participantes da pesquisa na prática do turismo ... 85

(12)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 REFERENCIAL TEÓRICO ... 13

2.1 MOTIVAÇÕES DOS TURISTAS PARA VIAJAR ... 14

2.2 A EXPERIÊNCIA DE VIAJAR ... 16

2.3 O TURISMO INCLUSIVO OU DE RESPONSABILIDADE SOCIAL E A SURDEZ ... 19

2.4 BREVE HISTÓRICO DA DEFICIÊNCIA NO BRASIL ... 22

2.5 DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL ... 23

2.6 EDUCAÇÃO DE SURDOS E MOVIMENTOS SURDOS NO BRASIL ... 24

2.7 A SURDEZ: VISÃO CLÍNICA X VISÃO SOCIOANTROPOLÓGICA ... 29

2.8 AS LÍNGUAS DE SINAIS NO BRASIL E NO MUNDO ... 34

3 METODOLOGIA ... 38

3.1 PRIMEIRA FASE DA PESQUISA – CONHECEDORES DA COMUNIDADE SURDA ... 39

3.2 SEGUNDA FASE DA PESQUISA – TURISTAS SURDOS ... 42

4 RESULTADOS ... 44

4.1 PRIMEIRA FASE DA PESQUISA – CONHECEDORES DA COMUNIDADE SURDA ... 44

4.1.1 Hilza ... 44

4.1.2 Vinícius ... 47

4.1.3 Helena ... 50

4.1.4 Análise dos resultados da primeira fase de pesquisa – conhecedores da comunidade surda ... 51

4.1.4.1 Motivações das viagens ... 51

4.1.4.2 Lugares que apresentam restrições para receber surdos ... 52

4.1.4.3 Problemas gerados pela necessidade de agendar o serviço de interpretação para a Libras ... 54

4.1.4.4 Despreparo da pessoa que oferece o serviço de interpretação para a Libras ... 55

(13)

4.2.1 William ... 57 4.2.2. Rafael ... 59 4.2.3 Rute ... 61 4.2.4 Maurício ... 62 4.2.5 Carolina ... 63 4.2.6 Bianca ... 64

4.2.7. Análise dos resultados da segunda fase da pesquisa – turistas surdos . 65 4.2.7.1 Motivação ... 66

4.2.7.2 A experiência da viagem ... 67

4.2.7.3 Decisão de compra ... 69

4.2.7.4 Meio de transporte usado nas viagens... 70

4.2.7.5 Gratuidade nas passagens para pessoas com deficiência ... 71

4.2.7.6 Meios de hospedagem ... 72

4.2.7.7 Barreiras enfrentadas pelos surdos durante as viagens ... 73

4.2.7.8 Necessidade de um intérprete de Libras ... 76

5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ... 79

5.1 MOTIVAÇÕES TURÍSTICAS DOS SURDOS ... 79

5.2 A EXPERIÊNCIA DA VIAGEM PARA OS SURDOS ... 80

5.3 A DECISÃO DE COMPRA DA VIAGEM ... 82

5.4 MEIOS DE HOSPEDAGEM ... 82

5.5 MEIO DE TRANSPORTE E DIREITO À GRATUIDADE ... 83

5.6 NECESSIDADE DE UM INTÉRPRETE DE LIBRAS ... 83

5.7 BARREIRAS ENFRENTADAS POR SURDOS NO TURISMO ... 84

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 87

REFERÊNCIAS ... 91

APÊNDICE A: ROTEIRO DA ENTREVISTA FEITA COM HILZA – PRIMEIRA FASE DA PESQUISA ... 96

APÊNDICE B: ROTEIRO DA ENTREVISTA FEITA COM VINÍCIUS – PRIMEIRA FASE DA PESQUISA ... 97

APÊNDICE C: ROTEIRO DA ENTREVISTA FEITA COM HELENA – PRIMEIRA FASE DA PESQUISA ... 98

APÊNDICE D: ROTEIRO DAS ENTREVISTAS DA SEGUNDA FASE DA PESQUISA ... 99

(14)

11 1. INTRODUÇÃO

“As pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza e o direito de ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza.” (Boaventura de Souza Santos, 1997, p. 122 – sociólogo português)

No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE3, existem 9,8 milhões de brasileiros com algum problema auditivo, representando 5,2% da população do país. Além disso, o Censo 2010 constatou que 2,6 milhões de brasileiros são surdos, isto é, a audição dessas pessoas não é funcional na vida comum. Já a Organização Mundial da Saúde4 diz que o percentual de pessoas com alguma deficiência auditiva no Brasil é de 14% da população. Ambos os percentuais representam um número expressivo de pessoas. Há discordâncias quanto a estes números.

Há hipóteses que podem explicar a discrepância desses números. O termo deficiente auditivo não contempla as diferentes relações que cada indivíduo tem com a língua de sinais, a identidade surda e a comunidade surda. Por este motivo, há surdos que não se consideram “deficientes auditivos” e se recusam a ser chamados dessa forma, preferindo a denominação “surdos”. Para estas pessoas, a resposta a pergunta “Você é deficiente auditivo?” será sempre “Não!”. Sendo assim, estes resultados não conseguem mapear quantas pessoas tem relação com a comunidade surda e utilizam a língua de sinais, e quantas delas têm problemas auditivos, mas continuam pertencendo ao mundo ouvinte.

Na área de turismo, há pesquisas relacionadas às motivações dos turistas, isto é, o que leva as pessoas a viajarem; e pesquisas a respeito da experiência de viajar, como relatam os autores Martins (2006), Cooper et al. (2007) e Barbosa (2006). Porém, poucas foram as pesquisas encontradas sobre as motivações turísticas das pessoas surdas. Ainda mais raras são as pesquisas acadêmicas na área do turismo voltadas para os surdos, levando em conta suas particularidades, como pessoas que utilizam uma língua de modalidade viso-espacial – a Língua

3

Fonte: IBGE. Disponível em:

http://www.winaudio.com.br/produtos-e-servicos/noticias-em-audiologia/3704-deficiencia-auditiva-atinge-98-milhoes-de-brasileiros.html Acesso em: 23 de abril de 2012. 4

(15)

12

Brasileira de Sinais (Libras) – e significam o mundo de forma totalmente visual, diferente dos padrões ouvintes.

As pesquisas encontradas ligadas à surdez estão relacionadas principalmente a área da educação ou a questões linguísticas a respeito da Língua de Sinais. Na área de turismo, quando o tema é surdez, as pesquisas acabam falando sobre acessibilidade e englobam deficiências em geral. São pouquíssimos os trabalhos envolvendo surdos e turismo, principalmente os que abordam surdez como diferença cultural, em vez de deficiência.

Tentando preencher algumas das lacunas existentes nesta área, esta pesquisa procura identificar as motivações turísticas de surdos adultos, moradores do Rio de Janeiro, e quais são as experiências de viagem que relatam.

No referencial teórico são resgatados autores que discutem sobre as motivações turísticas, experiências de viagens e turismo inclusivo ou turismo de responsabilidade social voltado para pessoas surdas. São explicadas ainda questões específicas das pessoas com deficiência e as particularidades das pessoas surdas e da língua de sinais, bem como os mitos a respeito da língua de sinais e dos surdos, e as visões a respeito da surdez – a visão clínica e a socioantropológica.

A presente pesquisa é exploratória, de natureza qualitativa, em que foram feitas entrevistas semi-estruturadas. A pesquisa foi dividida em duas fases: na primeira foram entrevistadas pessoas conhecedoras da comunidade surda, e na segunda, pessoas surdas adultas que se encaixavam dentro de um perfil pré-definido para os entrevistados. São apresentados os perfis dos entrevistados e os resultados obtidos nas entrevistas, encerrando com uma discussão sobre os resultados obtidos e considerações finais.

(16)

13 2. REFERENCIAL TEÓRICO

“Muitos têm se ocupado em escrever o surdo tendo como ponto de partida a deficiência, propondo a correção da fala, a oralização. Questões como esta não remetem a temática da diferença, do sujeito e do poder. Fujo delas, elas, por si, revelam o poder ouvinte sobre o surdo.” – Gladis Perlin, 1998. (p. 52)

Ao longo dos anos, diversos estudiosos conceituaram turismo. Alguns sob a ótica econômica, outros sob a ótica técnica e outros sob a holística. A causa desta variedade de conceitos, segundo Beni (2006), é o fato de o turismo ter relação com quase todos os setores da atividade social humana, o que faz com que todos os conceitos sejam válidos enquanto se circunscrevem aos campos em que são estudados.

Beni (2006) diferenciou turistas de excursionistas. Os primeiros seriam aqueles que permanecem no local visitado por 24 (vinte e quatro) horas ou mais, com finalidades de lazer, negócios, família, missões e conferências. Os excursionistas podem ter as mesmas finalidades em suas viagens, mas permanecem no local visitado menos de 24 (vinte e quatro horas). Os viajantes de cruzeiros marítimos são incluídos na definição de excursionistas.

O turismo é descrito por Beni (2006) em uma visão sistêmica, onde todos os seus componentes (a oferta, a demanda, a infraestrutura e a superestrutura) se inter-relacionam de forma interdependente.

Serão apresentadas a seguir discussões a respeito das motivações turísticas e da experiência de viajar, pois a presente pesquisa está focada nas motivações e experiências dos surdos em viagens. Seguem-se a isso discussões sobre turismo inclusivo ou turismo de responsabilidade social, além de um histórico da deficiência no Brasil e os direitos garantidos por lei às pessoas com deficiência.

A trajetória da educação de surdos e dos movimentos surdos é também apresentada, mostrando peculiaridades das pessoas surdas em relação às pessoas com deficiência. São ainda discutidos os termos mais apropriados para denominar as pessoas com surdez e as visões clínica e socioantropológica a respeito dos surdos, finalizando com autores que explicam a respeito das línguas de sinais.

(17)

14

2.1 MOTIVAÇÕES DOS TURISTAS PARA VIAJAR

Para o turista decidir sobre suas viagens, leva em consideração as alternativas existentes, selecionando a opção que melhor atenda a sua necessidade naquele momento. (MARTINS, 2006)

As viagens são formas de suprir necessidades das pessoas. Mathieson e Wall (1996, apud Martins 2006), discorrendo sobre características comportamentais dos turistas, afirmam que:

A necessidade de um indivíduo por mudança, nova experiência, aventura e apreciação estética pode ser satisfeita com uma viagem e atividade turística. Após retornarem da viagem os turistas recordam e avaliam suas totais experiências. Essas experiências proporcionam as bases para subsequentes decisões de viagem, se para a mesma destinação ou outra. (p. 61)

Vários autores buscaram descrever o que leva as pessoas a praticarem o turismo. Segundo Cooper et al.(2007) o conceito de motivação foi investigado por diferentes estudos na área. Por exemplo, MacIntosh, Goeldner e Ritchie (1995

apud COOPER et al., 2007) apresentam quatro categorias motivacionais,

detalhadas na figura 1.

Categoria Motivacional Motivações

Motivações físicas Relaxamento do corpo e da mente; saúde; esportes; prazer (divertimento, excitação, romance, entretenimento, fazer compras). Atividades capazes de reduzir a tensão.

Motivações culturais Interesses em artes, música, arquitetura, folclore; interesse em locais históricos (ruínas, monumentos, igrejas); eventos nacionais ou internacionais, como Copa do Mundo, Jogos Olímpicos de Verão e de Inverno, diferentes Campeonatos Mundiais, Carnaval, Oktoberfests, dentre outros.

Motivações interpessoais Visitas a parentes e amigos; ver pessoas novas e fazer novos relacionamentos; busca de novas e diferentes experiências em diferente meio ambiente; escape do permanente social meio ambiente (desejo de mudança); excitamento pessoal por viajar; visitação de lugares e pessoas por razões espirituais (peregrinações).

Motivações de prestígio e status Atividades de hobbies; educação e aprendizagem continuada; procura por contacto de negócios e objetivos profissionais; conferencias e encontros; elevação de ego e indulgência sensual; moda.

Figura 1: Categorias motivacionais turísticas

(18)

15

A teoria de Plog (1974 apud COOPER et al., 2007) classificou os turistas segundo categorias psicográficas. Segundo ele, os turistas do tipo psicocêntricos concentram suas preocupações nos pequenos problemas da vida, e estão interessados em viagens cuja experiência se assemelhe com a sua vida cotidiana, sem maiores surpresas. Geralmente retornam sempre ao mesmo destino. Já os turistas alocêntricos seriam os indivíduos aventureiros, interessados em descobrir novos destinos, pouco explorados pelo mercado. Raramente retornam ao mesmo local. Os turistas que se encontram entre esses dois extremos seriam os mesocêntricos, e seriam representados pela maioria da população americana. A figura 2 demonstra como a população estudada por Plog, no caso a população norte-americana, se comporta em relação a essas categorias.

Figura 2: Perfis psicológicos dos turistas, segundo modelo de Plog (1974) Fonte: Google, 2013.

Há questionamentos quanto ao modelo proposto por Plog. O primeiro deles é o modelo considerar somente características de personalidade e preferências por certos destinos turísticos, sem levar em conta a renda dos viajantes e o preço das viagens. Viagens que satisfazem o estilo alocêntrico exigem um nível mais alto de renda e tempo de duração de viagem mais longo que as do tipo psicocêntricas. Sendo assim, pessoas que tenham motivações alocêntricas podem acabar não optando por este tipo de viagem, devido à limitação de sua renda e de tempo livre.

(19)

16

Outro questionamento é o fato de que os turistas não se comportam dentro dos mesmos perfis o tempo todo. Uma pessoa pode ter motivações diferentes em ocasiões diferentes. É possível que um indivíduo saia de férias em um destino turístico distante do tipo alocêntrico, e programe, em outro momento, passar um fim de semana prolongado em um destino próximo, do tipo psicocêntrico. (COOPER et

al., 2007)

Refletindo as ideias do modelo de Plog, Cohen (1972, 1974, 1984 apud COOPER, 2007) desenvolveu uma classificação dos turistas. Seu objetivo não era entender a demanda, mas os impactos das formas institucionalizadas de turismo. A classificação de Cohen separava os turistas em quatro categorias, pertencentes a duas grandes classificações – turismo institucionalizado e turismo não institucionalizado – conforme a figura 3.

Turismo Institucionalizado Turista organizado de massas: pouco aventureiro, anseia por manter a familiaridade. Compra um pacote montado, tendo pouco contato com a cultura e o povo do local visitado

Turista individual de massas: ainda anseia por familiaridade, porém incorpora maior flexibilidade às escolhas pessoais. Não há experiência real com o destino turístico.

Turismo não institucionalizado Explorador: A viagem é organizada de forma independente e busca escapar do comum. Porém, busca conforto na hospedagem e transporte.

Andarilho: Dispensa qualquer ligação com empresas turísticas; busca afastar-se o máximo possível da familiaridade. Não tem um itinerário fixo. Imersão na cultura do destino visitado.

Figura 3: A classificação dos turistas, segundo Cohen (1972, 1974, 1984) Fonte: adaptado de Cooper et al. (2007)

A classificação de Cohen também não pode ser aplicada a todos os turistas o tempo inteiro, mas contribui com uma melhor compreensão da atividade turística.

2.2 A EXPERIÊNCIA DE VIAJAR Familiaridade

(20)

17

No ensaio proposto por Barbosa (2006) é discutido o conceito de experiência e experiência extraordinária, na área de consumo e marketing. Alguns autores são citados dando definições para o termo “experiência”.

Abrahams (1986 apud BARBOSA, 2006, p. 3) define experiência como qualquer coisa singular que aconteça com um indivíduo. Existem outras definições menos vagas, que acrescentam a importância da emoção para a produção da experiência e que ela é capaz de gerar transformações nas pessoas que as vivenciam.

Uma experiência não envolve somente um sentimento pessoal intenso que faz ultrapassar o quotidiano, é também uma operação elaborada, por meio da qual o transcorrer das atividades é traduzido em uma história que pode ser relatada (BRUNER, 1986 apud BARBOSA, 2006, p. 3).

A recordação da experiência vivida também faz parte do processo. As memórias nostálgicas revelam experiências significativas para as pessoas, diferente das lembranças comuns.

A experiência extraordinária, no entanto, caracteriza-se por um certo tipo de sensação, por “conter um alto nível de intensidade emocional, sendo identificada como um evento fora do comum” (ARNOULD e PRICE, 1993 apud BARBOSA, 2006, p. 1).

O conceito de experiência extraordinária é questionado por alguns autores, dos quais Bruckner (2000 apud Barbosa, 2006) é um dos principais. Bruckner critica a ideologia do prazer, essa obrigação de ser feliz em todo o tempo nas sociedades pós-modernas da atualidade, e alega que dias vazios são necessários à existência humana, ao menos para que haja valorização das mudanças.

De fato, as motivações para o consumo não são mais somente utilitárias. E nem todos os prestadores de serviço, incluindo o mercado turístico, estão preparados para atender este novo perfil da demanda (BARBOSA, 2006).

[...] o consumidor compra os produtos ou os serviços menos pelos seus atributos funcionais e mais pelas experiências emocionais que o ato proporciona. Cada experiência vivida individual ou coletivamente, se constitui em um meio para o indivíduo construir e consolidar sua identidade. (BARBOSA, 2006, p. 6)

(21)

18

Percebe-se então a importância das práticas não institucionalizadas de turismo como alternativa para satisfação das necessidades dos turistas desejosos de vivenciar experiências extraordinárias. As formas institucionalizadas de turismo, que produzem pacotes fechados e prontos, representam o desejo dos prestadores de serviços de “pré-planejar cada experiência extraordinária para o consumidor, ao invés de deixá-lo construir a sua própria experiência ou com outras pessoas” (BARBOSA, 2006, p. 5)

Conforme explicou Abrahams (1986 apud BARBOSA, 2006), a experiência pode ser planejada ou não, mas só será interessante se requiser participação do consumidor, que no caso do turismo, será o turista.

Existem características peculiares à prestação de serviços. A simultaneidade é uma delas, isto é, o consumidor está presente e faz parte da prestação do serviço. Sendo assim, não é possível prever o comportamento em um contexto extraordinário. O desempenho das pessoas, o comportamento do acompanhante do turista, e ainda, os outros clientes são todos importantes para a composição da atmosfera de uma experiência memorável. (BAKER, 1986 apud BARBOSA, 2006, p. 9).

De acordo com Arnould et al. (2002 apud BARBOSA, 2006) a experiência de consumo pode ser dividida em quatro estágios, como ilustrado na figura 4.

Experiência

pré-consumo Planejamento, sonho. Previsão ou imaginação da experiência que deseja vivenciar Experiência da compra Escolha e pagamento do serviço a ser prestado

Experiência de consumo

Momento em que o serviço é prestado, de fato. O consumidor pode vivenciar sensações de saciedade, satisfação (ou insatisfação), irritação ou transformação

Pós-consumo

A experiência nostálgica leva a olhar fotos para reativar na memória a experiência vivida, que é baseada nas histórias descritas e nos argumentos divididos com os

amigos Figura 4: O processo de oferta e consumo de experiências em serviços Fonte: Adaptado de Arnould et al. (2002) apud Barbosa (2006), p. 10.

(22)

19

No presente estudo, será considerada experiência de viagem apenas o terceiro estágio, preconizado por Arnould et al.5, sendo o último estágio considerado o relato da experiência vivida (figura 4).

Verifica-se o êxito de uma experiência, isto é, quando uma experiência é considerada extraordinária, caso ela se torne memorável para o turista. A nostalgia é um indício de que a satisfação do cliente foi atingida, e que a viagem superou as suas expectativas.

Experiências exitosas são aquelas que um consumidor acha ser única, memorável e sustentável ao longo do tempo, que gostaria de repetir e construir e promover entusiasticamente via “boca a boca” (PINE e GILMORE, 1999 apud BARBOSA, 2006, p.9)

2.3 O TURISMO INCLUSIVO OU DE RESPONSABILIDADE SOCIAL E A SURDEZ

O Código Mundial de Ética do Turismo, em seu art. 2º afirma que

As atividades turísticas devem respeitar a igualdade entre homem e mulheres, devem tender a promover os direitos humanos e especialmente os direitos particulares de grupos especificamente crianças, idosos, deficientes, minorias étnicas e os povos autóctones (Código Mundial de Ética do Turismo, art. 2º, {s. p.})

Ao falar em turismo inclusivo, não busca-se uma nova segmentação de mercado, mas um novo paradigma, um novo olhar para a atividade turística, que não esteja pautado somente no caráter socioeconômico, isto é, na geração de bens e serviços para satisfação de necessidades humanas bem como geração de empregos e renda, mas no respeito às diferenças e necessidades de cada sujeito, aliando harmonia e respeito às comunidades e locais visitados (LAGES; MARTINS, 2006).

Segundo Almeida (2006, p. 8), “as bases de um turismo com responsabilidade social devem ser plantadas através de uma necessária compreensão da atividade como um fenômeno não apenas econômico, mas também social, cultural, comunicacional e subjetivo.”

5

(23)

20

Porém, quando se fala em inclusão das pessoas com deficiência o foco são adaptações físicas e arquitetônicas, que atendem pessoas com deficiências físicas.

No entanto, pouco se tem feito quando falamos de turismo inclusivo para deficientes. Apesar de a legislação obrigar hotéis e flats a terem dois por cento de suas unidades habitacionais adaptadas aos portadores de deficiências físicas, poucos fizeram tal adaptação. Elas vêm acontecendo aos poucos, e de forma lenta. [...] A maior parte das cidades turísticas no país apresenta muitas barreiras de acessibilidade, como meios de transporte inadequados, ausência de quartos adaptados para pessoas com deficiência física ou sensorial nos hotéis até o grande número de restaurantes que não estão adaptados para receber as pessoas portadoras de deficiência (LAGES; MARTINS, 2006, p. 9)

A citação acima relata a necessidade de adaptações, com vistas a reduzir as barreiras de acessibilidade. No entanto, percebe-se que, ao entender a necessidade de adaptações para todas as pessoas com deficiência, a questão torna-se tão genérica que necessidades mais específicas e dificilmente percebidas à primeira vista – como a surdez e o uso da Libras (Língua Brasileira de Sinais) – passam desapercebidas.

A surdez, uma vez que não é facilmente perceptível comparada com outros tipos de deficiências, não desperta na sociedade a devida atenção, levando muitas vezes o surdo a situações que o marginalizam, deixando-o deprimido e fazendo com que ele se sinta incapaz diante da sociedade, afetando diretamente o seu processo de comunicação. (SASSAKI, 2002 apud LAGES; MARTINS, 2006, p.3)

Lages e Martins (2006) fizeram um estudo exploratório sobre o turismo inclusivo na cidade de Juiz de Fora (MG), com foco no atendimento a pessoas com surdez. As autoras admitem ter tido dificuldade com a revisão bibliográfica do trabalho, por se tratar de um tema bastante recente nas pesquisas acadêmicas. Percebe-se, ao longo do trabalho, indefinição quanto ao termo utilizado para denominar as pessoas com surdez. Embora na revisão de literatura as autoras mencionem a diferença conceitual entre deficientes auditivos e surdos, as duas nomenclaturas são utilizadas como sinônimos ao longo do trabalho.

A pesquisa de Lages e Martins (2006) era de natureza exploratória, combinando métodos qualitativos e quantitativos. As conclusões dessa pesquisa estão focadas na necessidade de preparo dos recursos humanos para atender ao público usuário de Libras.

(24)

21

O artigo de Almeida (2006) discute o turismo de responsabilidade social voltado para pessoas Surdas. É possível concluir que o conceito adotado pelo autor para turismo de responsabilidade social se assemelha a ideia de turismo sustentável, uma vez que se baseia nos três pilares básicos da sustentabilidade: as dimensões social, o ambiental e econômica.

Conceber um Turismo com Responsabilidade Social seria alinhar o sujeito, a economia, a igualdade social e a preservação do homem e do ambiente, numa perspectiva igualitária de valores, para que as camadas sociais de igual modo sejam participantes de uma atividade que não apenas gere lucro, mas que propicie prazer e satisfaça suas necessidades humanas. (ALMEIDA, 2006, p. 11)

Almeida6 desloca a discussão sobre surdez dos estudos sobre deficiência para discuti-los em meio aos Estudos Culturais, caracterizando os grupos de Surdos como minorias, isto é, grupos associados à ausência de poder. Sendo assim, a Surdez assume uma dimensão política, afirmando sua diferença linguística e cultural em relação à maioria ouvinte – diz-se maioria como o grupo que exerce poder de dominação em relação às minorias. Por este motivo, ao mencionar Surdos, o autor o faz sempre com letra maiúscula, quando se refere à pessoas com identidade cultural própria – a identidade Surda; e usa letra minúscula para se referir a pessoas com surdez, isto é, pessoas com perda auditiva apenas.

O trabalho de Almeida traz questionamentos mais profundos, não apenas quanto à necessidade de acesso à comunicação para surdos, mas em como o turismo têm respeitado e valorizado a diferença linguística e cultural das pessoas Surdas.

[...] como estaria a responsabilidade social do turismo mediante a identidade dos Surdos, à sua cultura e suas representações, já que possuem uma realidade social distinta, porém as mesmas necessidades sociais que qualquer um cidadão? (ALMEIDA, 2006, p. 10)

Segundo esse autor, as necessidades dos turistas Surdos não estão apenas no acesso à informação e a possibilidade de comunicação com ouvintes, mas também, e principalmente, em serem entendidos como minoria linguística e cultural, com uma identidade própria, que precisa e deve ser respeitada.

(25)

22 As comunidades de pessoas com Surdez muitas vezes se encontram alheias às realidades da atividade turística, por não serem atendidos de acordo com suas necessidades especiais e não terem efetivados seus direitos à informação, a inclusão social, e consequentemente, à prática do turismo. (ALMEIDA, 2006, p. 10-11)

O turismo inclusivo ou de responsabilidade social não é o único responsável pela promoção de uma sociedade plenamente inclusiva, mas é uma importante ferramenta para a diminuição das desigualdades sociais, considerando-se que o turismo é um direito social legitimado e garantido a toda a população. (ALMEIDA, 2006)

2.4 BREVE HISTÓRICO DA DEFICIÊNCIA NO BRASIL

[...] as questões que envolvem as pessoas com deficiência no Brasil – por exemplo, mecanismos de exclusão, políticas de assistencialismo, caridade, inferioridade, oportunismo, dentre outras – foram construídas culturalmente (Figueira 2008, p.17 apud GARCIA, 2011)

O trabalho de Figueira (2008 apud GARCIA, 2011) traz um panorama resumido de como as pessoas com deficiência foram vistas pela sociedade brasileira ao longo dos anos.

As questões de acessibilidade para pessoas com deficiência visibilidade a partir do Século XX. O aumento da quantidade de pessoas deficientes e mutiladas como saldo das guerras que o mundo enfrentava fez o mundo se debruçar mais sobre a questão. Vários encontros e congressos, com ênfase em serviços de reabilitação aconteceram neste período. Em 1976, a Organização das Nações Unidas - ONU declarou através da Resolução 31/123, o Ano Internacional da Pessoa Deficiente sendo o ano de 1981. O objetivo era chamar a atenção da sociedade e das autoridades para a deficiência e a necessidade de políticas de acessibilidade, reabilitação, participação plena e mudança de valores sociais em relação ao tema.

É claro que anteriormente tivemos inúmeros casos de êxito individual de pessoas com deficiência, mas 1981 marca um reconhecimento mútuo e coletivo da situação em que se encontravam muitos portadores de deficiência. Um mundo “obscuro” ou “ignorado”, nas palavras de publicações da época, não poderia mais ser escondido da sociedade e do

(26)

23 poder público, continuando somente como “um peso ou fardo individual e/ou familiar.” (GARCIA, 2011, [s.p.]).

Depois de um longo período de exclusão, as pessoas com deficiência passam por um momento de integração parcial, através do atendimento especializado. Neste momento surgem os hospitais-escolas, como reflexo dos avanços da medicina na década de 1940, e as escolas especiais. (GARCIA, 2011)

Mas integrar essas pessoas a sociedade não era suficiente. Integrar significa “Fazer entrar num conjunto, num grupo [sic.] 7”, isto é, fazê-los entrar na sociedade.

E não bastava fazer com que os deficientes estivessem preparados para fazer parte da sociedade. Mais um passo é dado, buscando agora incluir, isto é, envolver8 essas pessoas em toda a sociedade. A perspectiva muda, pois agora não é o deficiente que deve se preparar para fazer parte da sociedade; mas é a sociedade como um todo que deve fornecer subsídios para que estas pessoas exerçam seu papel como cidadãos plenos, como descrevem Silva e Boia (2006).

[...] Consideram-se integradas socialmente as pessoas que tenham um nível de competência compatível com os padrões da sociedade. Isso significa que o mérito para inserção leva em consideração que as pessoas com necessidades especiais estejam de, alguma forma, capacitadas a superar as barreiras físicas, programáticas e atitudinais existentes. [...] A inclusão, em todos os setores da sociedade, significa que essa deve, além de garantir espaços adequados para todos, aceitar e valorizar a diversidade humana. (p. 12-13)

O paradigma da inclusão se consolida com a Declaração de Salamanca, que foi um documento gerado na Conferência Mundial de Educação Especial, ocorrida na Espanha, em Salamanca, no ano de 1994, com representantes de 88 governos e 25 organizações internacionais. Este documento traz a ideia de escolas inclusivas, isto é, as pessoas com deficiência deveriam estudar nas escolas regulares junto com todas as outras pessoas, contribuindo assim para a construção de uma sociedade plenamente inclusiva. Surge o termo “pessoas com necessidades educacionais especiais”, que engloba não apenas deficiências, mas as necessidades de atendimento diferenciado.

7 Fonte: DICIONÁRIO on line de português. Disponível em: http://www.dicio.com.br/ Acesso em: 20 de dezembro de 2012.

8

Fonte: DICIONÁRIO on line de português. Disponível em: http://www.dicio.com.br/ Acesso em: 20 de

(27)

24

As formas de denominar as pessoas com deficiência foram modificando-se conforme os paradigmas sobre a questão na sociedade iam sendo discutidos e reconstruídos. Sassaki (2005) faz um resumo das denominações utilizadas ao longo da história e os significados por trás de cada nomenclatura. Ele explica que o termo mais bem aceito atualmente é “pessoas com deficiência”, inclusive pelos próprios sujeitos nessas condições.

2.5 DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL

No presente momento, acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer é um direito das pessoas com deficiência, garantido pela Lei 10.098, de 19 de dezembro de 2000 (BRASIL, 2000).

Neste trabalho, cabe ressaltar os direitos assegurados pela legislação brasileira para as pessoas com deficiência auditiva. Os art. 18 e 19 da mesma lei falam a respeito da necessidade do intérprete de língua de sinais para possibilitar o acesso dos deficientes auditivos à comunicação. No documento “Língua Brasileira de Sinais: uma conquista histórica” (SENADO FEDERAL, 2006), o então senador Eduardo Azevedo afirma que os intérpretes de Libras devem, não apenas estar presentes em locais públicos, como também estarem inseridos nas políticas de turismo, saúde, educação e outras.

É preciso mencionar ainda que o art. 12 da Lei 10.098 (BRASIL, 2000) prevê ainda lugares específicos para deficientes auditivos e outros, incluindo seus acompanhantes, em locais de espetáculos, conferências, aulas e outros de natureza similar.

O Decreto 5626, de 22 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005), regulamenta o artigo 18 da lei supracitada e também a Lei 10.436, de 24 de abril de 2002 – que é a Lei que reconhece a Libras como língua e meio legal de comunicação e expressão das comunidades surdas brasileiras (BRASIL, 2002).

O direito à gratuidade das pessoas com deficiência no transporte público municipal é garantido, desde 1990, pela lei orgânica do município do Rio de Janeiro (RIO DE JANEIRO, 1990), no Art. 401, que é regulamentado pela Lei nº 2910, de

(28)

25

29 de outubro de 1999 (BRASIL, 1999). É assegurado, inclusive, o direito a gratuidade para o acompanhante.

Há a possibilidade de gratuidade para pessoas com deficiência em transporte coletivo interestadual, o que é bastante interessante para a prática do turismo, que pressupõe distância do local de residência habitual do viajante (BENI, 2006). A Lei Federal nº 8.899, de 29 de junho de 1994 (BRASIL, 1994), que no seu art. 1, prevê o direito a gratuidade nas passagens interestaduais para pessoas com deficiência, contanto que sejam, comprovadamente, pessoas carentes.

2.6 EDUCAÇÃO DE SURDOS E MOVIMENTOS SURDOS NO BRASIL

No Brasil, a história dos surdos pode ser narrada a partir da perspectiva da educação. Rocha (2008) faz um minucioso relato da história do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), que já teve outros nomes antes desse. O Instituto recebia alunos surdos de vários estados do país, e funcionava em regime de internato. Foi fundado em 1857, por ordem do imperador D. Pedro II, à pedido do professor surdo francês E. Huet.

Este professor começou a lecionar para surdos brasileiros utilizando a língua de sinais francesa (LSF). Está língua se misturou com gestos e sinais caseiros dos alunos surdos, e constituiu-se, ao longo dos anos, na língua de sinais brasileira, denominada atualmente Libras. Existia, anteriormente, uma comunicação espontânea por sinais entre os surdos brasileiros que perdeu-se na história, já que não havia possibilidade de registro dos sinais naquele momento. (ROCHA, 2008)

Todas as línguas sofrem mudanças e variações ao longo dos anos. Um estudo mais aprofundado sobre as mudanças fonológicas da Libras aos longo das gerações pode ser encontrado em Diniz (2011)9.

O INES é atualmente um ícone para a comunidade surda, pois além de representar muito da sua história, é atualmente um centro de referência na educação de surdos no Brasil. (ROCHA, 2008)

9

DINIZ, Heloise Gripp. A História da língua de sinais dos surdos brasileiros: um estudo descritivo de mudança fonológicas e lexicais da Libras. Arara Azul: 2011.

(29)

26

Segundo Baalbaki e Caldas (2011), foi realizado em 1880, em Milão, na Itália, um Congresso com representantes de escolas de surdos da Europa e das Américas para discussões acerca da educação de surdos. Ao final do congresso, os educadores presentes, cuja maioria era ouvinte e adepta do método oralista, decidiram que o melhor método a ser utilizado na educação de surdos era o método oral, também conhecido como oralismo ou oralização – isto é, as escolas deveriam ensinar os surdos a falarem a língua oral majoritária de seu país, uma vez que não existem problemas fisiológicos no aparelho fonador dos surdos que os impeçam de falar.

[...] era óbvio para os participantes do Congresso de Milão que os surdos deveriam aprender a usar a língua oral. [...] e isso em si, já é sinal do violento efeito ideológico a que estavam submetidos os atores de momentos tão infelizes para a educação dos surdos durante quase um século. (BAALBAKI; CALDAS, 2001, p. 1895)

Durante cerca de 100 (cem) anos seguintes ao Congresso, o método oral foi adotado em escolas de surdos no mundo todo, e o uso da língua de sinais nesses espaços foi proibido.

A oralização deixou marcas profundas na vida da maioria dos surdos. Pode-se dizer que a busca dePode-senfreada pela recuperação da audição e promoção do desenvolvimento da fala vocalizada pelo surdo são objetos que se traduzem em vários sentimentos: desejo, dor, privação, aprovação, opressão, discriminação e frustração. Essa história dos surdos é narrada em muitos capítulos, e todos os surdos têm um fato muito triste para relatar. Ela traz resquícios muito vivos dos traumas que alguns surdos viveram em tempos em que a língua de sinais foi violentamente banida e proibida. (GESSER, 2009a, p. 50)

Skliar (1998) salienta que as decisões do Congresso de Milão eram apenas um reflexo da ideologia ouvintista dominante.

A questão do ouvintismo e do oralismo, enquanto ideologia dominante, excede largamente o espaço da instituição escolar. Então, seria uma ingenuidade pensar que sua origem decorre de um decreto escrito em um momento preciso da história. Ainda que seja uma tradição mencionar seu caráter decisivo, o Congresso de Milão, 1880 – onde os diretores da escolas para surdos mais renomadas da Europa propuseram acabar com o gestualismo e dar espaço a palavra pura e viva, à palavra falada – não foi a primeira oportunidade em que se decidiram políticase práticas similares. Essa decisão já era aceita em grande parte do mundo inteiro. Apesar de algumas oposições, individuais e isoladas, o referido congresso constituiu não o começo do ouvintismo e do oralismo, mas sua legitimação oficial. (p. 16)

(30)

27

Gestualismo é o ensino utilizando a língua de sinais. Skliar define ouvintismo como um conjunto de representações dos ouvintes onde o surdo se vê obrigado a narrar-se como se fosse ouvinte. A partir destas ideologias surgem as percepções do ser deficiente, do não ser ouvinte, percepções que revelam assimetria de poder (SKLIAR, 1998).

Academicamente, esta palavra – ouvintismo – designa o estudo do surdo do ponto de vista da deficiência, da clinicalização e da necessidade de normalização. A construção ouvintista nunca está longe daquilo que a ideia de ouvinte significa: uma noção que identifica a “nós ouvintes” em contraste com “aqueles surdos”. (Perlin, 1998, p. 59)

No Brasil, durante esse período em que em que o uso da Libras foi proibido nas escolas de surdos, as associações de surdos ganharam força, pois nas associações o uso da língua de sinais não era proibido e os surdos podiam interagir uns com os outros livremente usando a Libras. As associações promoviam festas periódicas, campeonatos de esportes e viagens turísticas; eram frequentadas assiduamente por surdos. Skliar (1998) cita os encontros nas associações como uma das formas de resistência dos surdos à ideologia opressora dominante:

O surgimento das associações de surdos enquanto territórios livres de controle ouvinte sobre a deficiência, os matrimônios endogâmicos, a comunicação em língua de sinais nos banheiros das instituições, o humor surdo, etc., constituem apenas alguns dos muitos exemplos que denotam uma outra interpretação sobre a ideologia dominante. (p.17)

Como formas de resistência a opressão que os surdos vivenciavam nas escolas, sugiram então os Movimentos Surdos, que são formas de organização da comunidade surda para luta e resistência à ideologia dominante ouvintista. (PERLIN, 1998).

Não só surdos fazem parte dos Movimentos Surdos, mas também ouvintes engajados na causa. O objetivo dos Movimentos Surdos é

questionar a natureza ideológica de suas experiências [dos surdos], ajudar os surdos a descobrirem as interconexões entre a comunidade cultural e o contexto social em geral; em suma, engajar-se na dialética do sujeito surdo. [...] com o movimento surdo, a comunidade surda transforma sua identidade

(31)

28 de grupo estigmatizado para grupo valorizado contra a injustiça presente. (PERLIN, 1998, p. 70)

A principal instituição responsável pelo Movimento Surdo é a World Federation of the Deaf (WFD)10, que é uma instituição internacional com sede na Finlândia. A WFD tem vários departamentos, como o de Jovens Surdos, que promove periodicamente encontros internacionais de surdos. Há várias organizações filiadas a esta Federação a volta do mundo. No Rio de Janeiro, a Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS) e as associações de surdos do município – a Associação de Surdos do Rio de Janeiro (ASURJ)11 e a Associação Alvorada Congregadora de Surdos12 – são filiadas a WFD. Perlin (1998) explicou que os objetivos da World Federation of Deaf são a favor de uma política de identidade surda, pedindo as diversas nações o respeito ao direito de ser surdo e propondo a adoção desses direitos em todas as esferas de atividades sociais.

Como resultado das reivindicações do Movimento Surdo, a língua de sinais deixou de ser proibida nas escolas. A Libras foi reconhecida no Brasil pela Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, já mencionada anteriormente, como língua de comunicação da comunidade surda brasileira. Esta lei também prevê o ensino obrigatório de Libras nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, além de torná-la parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). O Decreto 5626 de 22 de dezembro de 2005 regulamenta esta lei e garante o acesso das pessoas surdas à informação na sua própria língua.

Em 2011, foi iniciado o movimento “Escola Bilíngue para Surdos”, liderado pela FENEIS, com o apoio de outras entidades de surdos. Embora as lutas das pessoas com deficiência tenha avançado para a construção de uma sociedade inclusiva, garantindo o direito dessas pessoas de acesso ao ensino em escolas regulares, a escola inclusiva representa para a comunidade surda um retrocesso

10

Em português, Federação Mundial dos Surdos (FMS)

11 A ASURJ fica na Rua Cacequi, 352 – Brás de Pina. Rio de Janeiro. Não foi encontrado endereço eletrônico onde se pudesse obter mais informações sobre a instituição.

12

Esta associação localiza-se na Rua Paranapiacaba, 127 – Piedade. Rio de Janeiro. Para mais informações sobre a instituição, acesse: http://associacaoalvoradacsurdos.blogspot.com.br/ (Acesso em 10/03/2013).

(32)

29

nas lutas pela valorização da língua de sinais. Este tema tem gerado polêmica e muitas controvérsias na área da educação.

A Política Nacional de Inclusão previa o fechamento das escolas especiais, já que o sistema regular de ensino deveria dar conta das pessoas com deficiência.13 O termo “educação especial” é visto como inadequado por Skliar (1997c apud SKLIAR, 1998)

A educação especial para surdos parece não ser o marco adequado para uma discussão significativa sobre a educação de surdos. Mas, ela é o espaço habitual onde se produzem e se reproduzem táticas e estratégias de naturalização dos surdos em ouvintes, e o local onde a surdez é disfarçada. (p. 11)

Porém, como se pode pensar que os surdos estarão incluídos de fato em uma sala de aula chamada inclusiva, onde todos os alunos e professores se comunicam oralmente? A inclusão que os surdos têm vivenciado até hoje nas escolas não tem favorecido seu aprendizado, sua autoestima e, muito menos, sua inclusão na sociedade.

[...] surdos e ouvintes, embora frequentando uma mesma turma, não estão integrados linguisticamente. Outro fator a mencionar reside no baixo nível de exigência dos professores das classes regulares em relação a seus alunos surdos (MACHADO, 2008, p. 71)

São vários os fatores de exclusão dos surdos, mesmo em uma escola dita inclusiva. Machado (2008) menciona a dificuldade de comunicação na sala de aula, que afeta o aprendizado dos conteúdos, além do despreparo dos professores das escolas regulares para trabalhar com crianças surdas. Soma-se a isso, a existência de turmas numerosas demais, que acabam ocasionando a pouca atenção dos educadores aos alunos surdos; e finalmente, “a marginalização da língua de sinais em função da preferência à língua oral” (p. 72), mesmo depois de tantos anos lutando para que a Libras seja finalmente reconhecida como língua.

Por este motivo, o movimento “Escola Bilíngue para Surdos” luta pelo direito das pessoas surdas de estudarem em classes separadas dos ouvintes, para que possam aprender os conteúdos escolares em sua própria língua. Há muita

13 Fonte: ESCOLAS e classes bilíngues para surdos já: movimento surdo em favor da educação e cultura surda. Disponível em: http://bilinguesparasurdosja.com/about/ Acesso em: 11 de janeiro de 2013.

(33)

30

polêmica em torno desse tema, pois ainda não está totalmente consolidado qual seria o modelo de escola bilíngue mais adequado. Skliar (1998) já apontava perigos em formas de ensino ditas “bilíngues” que, na verdade, usam a primeira língua do aluno – no caso, a Libras – para “acabar” com ela rapidamente e poder “alcançar” a língua oficial majoritária.

Ainda há muito a ser discutido dentro desta questão, mas já é notória a diferença linguística das pessoas surdas em relação às ouvintes. Diferença essa que não está presente em nenhum outro grupo de pessoas com deficiência.

Além disso, em contraposição a visão da surdez como deficiência, os Movimentos Surdos veem a surdez como diferença cultural, como marca de uma identidade própria, como também aponta o trabalho de Almeida (2006). Essas duas visões a respeito da surdez serão discutidas na seção a seguir.

2.7 A SURDEZ: VISÃO CLÍNICA X VISÃO SOCIOANTROPOLÓGICA

Segundo o Decreto 5.296, de 2 de dezembro de 2004, deficiente auditivo é aquele que tem “perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz” (art. 70). Já a pessoa surda é aquela

que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras (BRASIL, 2004. Art. 70)

Pode-se perceber que a legislação já apresenta diferentes definições para cada termo. Enquanto a deficiência auditiva é definida a partir da perda auditiva, a surdez é definida pelo uso de uma língua visual – a Libras – e por formas visuais de interagir com o mundo.

Gesser (2009b) fez um estudo detalhado sobre os termos corretos para denominar as pessoas surdas e os preconceitos que cada nomenclatura exprime. Preconceitos esses que são inconscientes para as pessoas que os utilizam, mas que uma vez esclarecidos podem trazer reflexões que servirão para a construção de novos paradigmas.

(34)

31 [...] surdos são aqueles que usam a língua de sinais para se comunicar e deficientes auditivos aqueles que com uma prótese podem reconhecer pelo som as palavras. Os surdos são aquelas pessoas que utilizam a comunicação espaço-visual como principal meio de conhecer o mundo em substituição à audição e à fala. A maioria das pessoas surdas no contato com outros surdos desenvolve a Língua de Sinais (LIBRAS). Já outros, por viverem isolados ou em locais onde não existe uma comunidade surda, apenas se comunicam por gestos (SASSAKI, 2002 apud LAGES; MARTINS, 2006, p. 3).

O termo “surdo-mudo” é apresentado no trabalho de Lages e Martins (2006) como inadequado, pois a perda auditiva e a deficiência na fala não tem nenhuma relação uma com a outra.

Nos principais meios de comunicação é comum o uso do termo surdo-mudo quando se refere ao surdo, o que está incorreto, uma vez que o fato de uma pessoa ser surda não significa que ela seja muda. A mudez é uma outra deficiência, totalmente desagregada à surdez. Existe a possibilidade de um surdo falar, através de exercícios fonoaudiológicos, são os chamados surdos oralizados, ou por falta de exercícios, um surdo nunca ter falado. Por isso, o surdo só será também mudo se, e somente se, for constatada clinicamente deficiência na sua oralidade, impedindo-o de emitir sons. Fora isto, é um erro chamá-los de surdo-mudo (SASSAKI, 2002 apud LAGES; MARTINS, 2006, p. 3-4)

Com treinamento feito junto a profissionais de fonoaudiologia, é possível que as pessoas surdas falem uma língua oral, se assim desejarem. Porém, os tratamentos fonoaudiológicos são, muitas vezes, motivo de polêmica dentro da comunidade surda, devido à filosofia oralista que imperou nas escolas a partir do Congresso de Milão, que forçava os alunos a aprenderem a falar a língua oral.

O termo “deficiente auditivo” à princípio pode parecer ser o mais adequado, mas os próprios surdos preferem não utilizá-lo, pois a ideologia que o termo imprime é a de surdez como patologia, a surdez vista sob o viés da deficiência, do déficit, da falta (GESSER, 2009b).

Já o termo “surdo” desloca a questão das discussões sobre deficiência, trazendo à baila outro discurso: o da diferença linguística e cultural. Como afirmam Padden e Humphries (1988, apud GESSER, 2009b), quando os próprios surdos discutem sobre a surdez, eles não falam sobre a perda auditiva em si, mas sim sobre sua língua, sua comunidade, seu passado em comum.

Sendo assim, pessoas com surdez que se identificam com a comunidade surda e a língua de sinais são chamados de surdos. Pessoas com perda auditiva

(35)

32

baixa, que ainda conseguem recuperar a audição com aparelhos auditivos e que, principalmente, se identificam com a comunidade ouvinte são denominadas deficientes auditivos.

É importante salientar que a forma como cada pessoa surda se relaciona com a língua de sinais e com o mundo é diferente. A comunidade surda não é homogênea. E cada surdo tem uma história de vida diferente, uma identidade distinta, dependendo de suas experiências e sua relação com o mundo. Perlin (1998), em seu trabalho sobre as “Identidades surdas”, mapeou cinco diferentes identidades das pessoas surdas – identidades surdas, identidades surdas híbridas, de transição, flutuantes e identidades surdas incompletas – referindo-se as diferenças entre pessoas surdas que convivem com surdos e com língua de sinais desde pequenos, surdos que aprendem a língua de sinais depois de adultos, surdos que preferem a oralização, entre outros. A autora mencionou ainda que são possíveis outras formas de categorização das diferenças idiossincráticas dos surdos: surdos que nascem surdos, surdos que ficaram surdos, surdos filhos de pais ouvintes, surdos filhos de pais surdos, entre outros.

Sacks (1998) descreveu nas notas de rodapé de seu livro (p. 38) a dificuldade das pessoas surdas com a língua oral, sobretudo nas pessoas que nasceram surdas ou ensurdeceram antes de aprenderem a falar, isto é, os que têm surdez pré-linguística:

O velho termo “surdo-mudo” implica uma suposta inadequabilidade dos que nascem surdos para falar. Obviamente, os natissurdos14 são perfeitamente capazes de falar – possuem aparelho fonador idêntico ao de todos os demais; o que lhes falta é a capacidade de ouvir a própria fala e, portanto, de monitorar com o ouvido o som de sua voz. Assim, sua fala pode ser anormal na amplitude e no tom, com omissão de muitas consoantes e outros sons da fala, às vezes ao ponto de ser ininteligível. Como os surdos não conseguem monitorar sua fala usando o ouvido, têm de aprender a monitora-la usando outros sentidos – visão, tato, senso de vibração e cinestesia. Ademais, as pessoas com surdez pré-linguística não dispõem de imagem auditiva, não têm ideia alguma de como é realmente o som da fala, não têm noção de correspondência entre som e significado. O que é essencialmente um fenômeno auditivo tem de ser entendido e controlado por meios não auditivos. É isso que traz imensas dificuldades e que para ser obtido pode requerer milhares de horas de ensino individual.

Essa é a razão porque as vozes das pessoas surdas com surdez pré-linguística e das com surdez pós-pré-linguística são em geral muito diferentes e distinguíveis de imediato: as com surdez pós-linguística lembram-se de

(36)

33 como falar, apesar de já não poderem monitorar prontamente sua fala; as com surdez pré-linguística tem de ser ensinadas a falar, sem noção ou lembrança alguma do som da fala.

Para este autor, surdez pré-linguística denomina pessoas que nasceram surdas ou que ensurdeceram muito pequenas, antes de aprender a falar uma língua oral. Surdez pós-linguística se refere às pessoas que ensurdeceram depois de já terem desenvolvido a fala. Como o autor relata em seu texto (citação acima), o fato de uma pessoa ensurdecer antes ou depois de aprender a falar revela diferentes formas de o sujeito interagir com o mundo e lidar com a própria surdez.

O trabalho de Gesuelli (2006) menciona a necessidade do ser humano de ter uma língua, seja qual for, para a construção de sua própria identidade como sujeito, e o sentimento de pertencer a uma cultura. O que leva a reflexão sobre as pessoas surdas que crescem e passam anos, talvez a vida inteira, sem contato com língua alguma – nem uma língua de sinais nem uma língua oral.

Skliar (1998) mencionou duas formas de encarar a surdez: a visão clínica ou terapêutica e a visão socioantropológica.

Segundo a primeira visão, o sujeito surdo precisa se adaptar à cultura ouvinte, pois só assim poderá viver “normalmente” (STROBEL, 2008). A surdez é então narrada como privação sensorial, como um mundo e uma vida marcados por uma ausência. (SKLIAR, 1998). Seguindo essa visão, se fazem tratamentos de oralização, uso de aparelhos auditivos e, atualmente, cirurgias de implante coclear, buscando formas de corrigir a deficiência e a perda auditiva. Em outras palavras, a visão clínica busca a naturalização dos surdos em ouvintes, busca deixá-los parecidos com os que ouvem e, portanto, aceitáveis na sociedade (SKLIAR, 1998).

Surgem diversas formas de preconceito circunscritas, consciente ou inconscientemente, nessa visão. O uso da língua de sinais, por exemplo, passa a ser considerado um fator de exclusão da sociedade majoritária (SKLIAR, 1998). As tentativas de correção da perda auditiva acabam catalogando os surdos junto a outras deficiências – isso traz implicações na construção da identidade dos surdos.

A intenção de que as crianças surdas sejam, em um hipotético futuro, adultos ouvintes, originou um doloroso jogo de ficção nas identificações e nas identidades surdas. Nesse jogo os surdos acabam, finalmente, sendo catalogados não apenas como não ouvintes, mas como autistas, psicóticos, deficientes mentais, afásicos e esquizofrênicos. Estes estereótipos sobre os surdos não podem ser considerados inocentes e, seguindo a concepção de

(37)

34 Stam e Shohat (1995), contêm formas opressivas, que permitem um controle social eficaz e determinam, exatamente, uma devastação psíquica sistemática nos surdos. (SKLIAR, 1998, p. 21)

Em oposição a esta ideologia, surge a visão socioantropológica da surdez. Esta visão aproxima as discussões sobre a surdez dos Estudos Culturais, antropologias de grupos minoritários, estudos feministas e outros semelhantes; chamando a atenção para a surdez como diferença e as assimetrias de poder e de saber desses grupos em relação à sociedade majoritária. Segundo a visão socioantropológica, “a surdez constitui uma diferença a ser politicamente reconhecida, a surdez é uma experiência visual; a surdez é uma identidade múltipla e multifacetada” (SKLIAR, 1998, p. 11)

De acordo com a concepção socioantropológica, a surdez é compreendida como experiência visual, desestabilizando ideias preconcebidas sobre a chamada normalidade. Tal experiência visual [...] não é restrita a uma capacidade de produção e compreensão especificamente linguística ou a uma modalidade singular de processamento cognitivo, mas que se traduz em todos os tipos de significações, representações e/ou produções do surdo, seja no campo intelectual, linguístico, ético, estético, artístico, cognitivo, cultural etc. (GESUELLI, 2006, p. 3)

Essa visão traz a discussão da surdez para um contexto discursivo que, segundo Skliar (1998), é mais apropriado à situação linguística, social, comunitária, cultural e de identidades dos sujeitos surdos.

Strobel (2008) explica que os surdos usuários de Libras e que desenvolvem uma identidade surda formam uma comunidade surda, da qual os ouvintes que partilham dos mesmos interesses comuns – familiares de surdos, intérpretes de Libras, professores e amigos de surdos, entre outros – também fazem parte.

Uma comunidade surda é um grupo de pessoas que vivem num determinado local, partilham os objetivos comuns dos seus membros, e que por diversos meios trabalham no sentido de alcançarem estes objetivos. Uma comunidade surda pode incluir pessoas que não são elas próprias Surdas, mas que apoiam ativamente os objetivos da comunidade e trabalham em conjunto com as pessoas Surdas para os alcançar. (PADDEN; HUMPHRIES, 2000 apud STROBEL, 2008, p. 30)

Bat-Chava (2000 apud KELMAN, 2010) realizou um estudo realizado com surdos adultos americanos, revelando que pessoas com identidade cultural surda

(38)

35

apresentavam autoestima maior do que os surdos que se identificavam culturalmente com os ouvintes.

Tendo sido apresentadas as diferentes visões sobre a surdez, e diferentes construções de identidades dos sujeitos surdos, questiona-se o quanto a atividade turística envolvendo pessoas surdas se distancia da visão clínica; e em que medida o turismo tem realmente se aproximado de uma olhar socioantropológico e cultural da surdez.

2.8 AS LÍNGUAS DE SINAIS NO BRASIL E NO MUNDO

A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é uma língua viso-espacial, isto é, uma língua produzida no espaço e percebida através do sentido da visão, ao contrário das línguas orais-auditivas (como o português, o alemão, o francês, o mandarim, e outras), que são produzidas oralmente e percebidas pelo sentido da audição (GESSER, 2009a).

É um equívoco dizer que a língua de sinais é uma linguagem. Linguagem é mais abrangente que a língua. Inclui qualquer forma de comunicação, verbal ou não, podendo ser gestos, símbolos, desenhos, sinais de trânsito ou até mesmo a língua. Língua, porém, é um recorte menor da linguagem; é um conjunto de signos verbais organizados entre si através de uma gramática (DIAS, 2011).

Figura 5: Definição de língua e linguagem Fonte: adaptado de Dias (2011)

Audrei Gesser (2009a) explica que as línguas de sinais receberam o reconhecimento linguístico tardiamente na década de 1960, a partir das pesquisas

Referências

Documentos relacionados