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3.2 SEGUNDA FASE DA PESQUISA – TURISTAS SURDOS

4.1.2 Vinícius

No momento em que esta fase da pesquisa foi realizada, a filha mais moça de Hilza estava noiva de Vinícius, que é surdo e será apresentado mais detalhadamente nesta seção. Este não foi o motivo pelo qual ele foi selecionado para participar da pesquisa, mas é curioso perceber como as vidas destas pessoas estão tão entrelaçadas umas com as outras.

Vinícius ensurdeceu aos 9 anos de idade e tem um irmão que também é surdo. Seus pais são ouvintes. Ele tem um gosto especial por música – o que é bastante peculiar em uma pessoa que não tem acesso aos sons.

Em 2010, participou de um projeto na escola de surdos onde trabalha que tinha como objetivo a tradução de músicas da cultura popular brasileira para a Libras. Este projeto gerou um DVD que, além das traduções, feitas pelo próprio Vinícius, apresenta os conteúdos históricos e literários que as músicas selecionadas exploram. O projeto foi uma iniciativa da diretora da escola, que também atua como professora da instituição, e contou com a participação de intérpretes, professores e assistentes educacionais surdos.

Vinícius estudou no INES a partir do Ensino Médio, por interesse próprio: ele pensava que seria uma excelente oportunidade de estar em contato com outras pessoas surdas e com a Libras. Estudou Pedagogia, na mesma turma em que Hilza estudou. Também se encontra atualmente em fase de elaboração de monografia, já tendo cursado todas as disciplinas do curso. Paralelamente a esta formação, cursou licenciatura em Letras Libras, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), na modalidade à distância. A cerimônia de colação de grau aconteceu em 2012.

Vinícius trabalha desde 2006, como assistente educacional em Libras, em uma escola pública de surdos. Na segunda etapa da pesquisa, um dos entrevistados explicou esta profissão da seguinte maneira:

49 William: Assistente educacional é quando tem um professor ouvinte ou um professor que não saiba Libras, mesmos sendo surdo, num [sic.] sei... E esse professor está ensinando, e os alunos estão olhando pra ele. Então, se em algum momento eu percebo, pela expressão dos alunos, que eles não estão entendendo nada. Sabe aquela carinha dizendo “Entendi, entendi!”, mas na verdade não entendeu é nada?

Entrevistadora: (risos) Sei.

W: Quando eu percebo isso, eu vou lá na frente e explico pros alunos. A mesma matéria que o professor tá dando. Seja matemática, Física, sei lá... Antes da aula, o professor combina comigo, me explica a matéria que ele vai dar. Aí, nessa hora eu vou e explico em sinais, de uma forma que fique mais claro pros alunos surdos entenderem. (Trecho da entrevista com William)

Existem algumas pesquisas falando a respeito desta profissão. Bulhões (2006) salienta a importância não confundir suas funções com as de outros profissionais que também atuam na educação de surdos:

[...] esta profissão não é semelhante à do professor ou do intérprete; esses têm as funções diferentes: o professor leciona enquanto o intérprete traduz a fala do professor. Isso é completamente diferente da função do Assistente Educacional, que pode atuar em todas as séries do ensino infantil, médio e fundamental esclarecendo conceitos dos conteúdos dados pelo professor. Conteúdos estes já planejados, junto com o professor, na orientação pedagógica. Sendo assim, com o planejamento em mãos, o Assistente Educacional em LIBRAS irá preparar e elaborar o material didático e suas estratégias. E na observação do trabalho haverá um ganho profissional para todos (professores e Assistentes em LIBRAS). (p.7)

Depois de atuar 5 (cinco) anos nesta profissão, Vinícius passou a atuar como assessor da direção da mesma escola, que assumiu nova gestão naquele momento. Ele também ministra palestras sobre o uso do português como língua não-materna dos surdos.

Em sua entrevista, ele contou como tem sido a experiência como assessor da direção, e mais aprofundadamente como os alunos da escola vivenciam experiências externas a sala de aula. Estas visitas externas não chegam a caracterizar turismo, mas sim excursões, pois os alunos não permanecem mais de 24 horas longe de seu cotidiano habitual (BENI, 2006). A escola tem um ônibus próprio para viagens e deslocamentos maiores.

Esse [ônibus] é principalmente pra transportar alunos. Mas se tiver uma palestra pra dar, se formos avisados com antecedência de alguns meses, né? E se for aqui no Rio, tem a assessoria técnica aqui da escola, que é responsável por esse apoio nessas atividades. (Vinícius)

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Vinícius explicou que assessoria técnica são viagens que ele ou outros funcionários da instituição onde trabalha fazem para receber orientações ou participar de palestras. Mas o veículo da escola só pode fazer deslocamentos dentro do Estado do Rio de Janeiro.

Os alunos também fazem uso do ônibus para excursões e visitas. Ele explicou que agora as visitas que os alunos fazem têm uma programação mais organizada, e que isso tem gerado um impacto maior no aprendizado dos alunos surdos.

[...] antigamente era só um passeio ou outro a toa... Chato... Agora não. A gente já tem uma programação. Os professores já organizaram as visitas que eles precisam fazer. Então quando os alunos vão, eles sentem um impacto maior, coisa que antes eles não tinham! Era uma coisa mais fria, sabe? Os alunos iam e voltavam, mas a visita mesmo não fazia tanta diferença pra eles. Você sabe, né? Os surdos sempre dizem “SENTIR NÃO TER”18

! (risos) [...] Aí a gente percebeu que não tava sendo bom. Então fizemos uma programação para estimular de verdade os alunos! Tá pronto, em funcionamento. [...] Começou ano passado. O mês eu não lembro. Foi mais ou menos em maio e junho, por causa do projeto que estava sendo desenvolvido em ciências. [...] Aí surgiu o interesse, e o professor percebeu que precisava estimular mais a prática do turismo dentro da escola, que os alunos precisavam conhecer os lugares... Pra complementar o trabalho de sala de aula. (Vinícius)

O que o entrevistado chama de “turismo” no trecho acima são na verdade excursões, uma vez que os alunos não pernoitam no local visitado. Beni (2006) mencionou a diferença entre esses dois tipos de viagens. Há de se relevar a confusão de conceitos, primeiro porque o entrevistado não é um estudioso da área de turismo, e segundo porque em Libras, na linguagem cotidiana (informal), o sinal utilizado para “excursão” é o mesmo utilizado para “turismo”.

Buscando oferecer alguma ocupação para as crianças e adolescentes da escola, os professores de educação física fizeram um projeto chamado “Escola Aberta”, com programações esportivas e campeonatos aos sábados, como uma atividade opcional para os alunos e para a comunidade externa.

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Os sinais de “SENTIR NÃO-TER” são muito utilizados entre os falantes de Libras para dizer que algo não provocou tanto impacto ou não fez tanta diferença para o sujeito da frase. A expressão é tão comumente utilizada que os próprios surdos costumam chamar atenção para seu uso corrente, como faz o entrevistado neste momento.

51 [...] no mês de julho é sempre férias, né? Umas duas semanas de recesso. Então a gente pensou em programações para os sábados. [...] Estamos programando agora, pra 2012. O tema seria “Escola Aberta”. [...] As pessoas de fora podem vir. Vão ter competições. Alunos que queiram assistir, podem também. E ficam convidados a participar. Estamos programando pra agora, 2012. A gente nunca teve isso antes. (Vinícius)

Não foi verificado o andamento do projeto após a entrevista e nem os resultados obtidos a partir dessa iniciativa.