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Barreiras enfrentadas pelos surdos durante as viagens

3.2 SEGUNDA FASE DA PESQUISA – TURISTAS SURDOS

4.2.7. Análise dos resultados da segunda fase da pesquisa – turistas surdos

4.2.7.7 Barreiras enfrentadas pelos surdos durante as viagens

Algumas dificuldades encontradas pelas pessoas surdas não diferem das encontradas por pessoas ouvintes, tais como: desconhecer a língua oral estrangeira e desconhecer os procedimentos relacionados a um serviço comprado. Uma das entrevistadas relatou que desconhecia o que deveria fazer para trocar de aeronave em um vôo com conexão. Muitas pessoas ouvintes podem ter a mesma dificuldade ao viajar, com a diferença de que estes últimos não terão complicações para se informar no local.

Rute: E eu não fazia a menor ideia do que era isso! Eu desci do avião e... Pra onde que eu tinha que ir? O que que tinha que fazer? Eu fiquei bem confusa, e não consegui me comunicar com as pessoas direito. (risos) Quando eu não entendia, eu avisava “olha, sou surda”, e escrevia e tal. Entrevistadora: Você ficava se comunicado escrevendo num [sic.] papel? R: É. Escrevendo e fazendo gestos de mímica assim pra pessoa entender... Quando a pessoa fala em português, às vezes eu consigo ler os lábios e entender, mas depende da pessoa. Só quando tem uma certa empatia, sabe? Porque eu até sei oralizar em português, mas eu sei que a minha voz sai diferente da voz de um ouvinte. Tem pessoas que relevam isso e conseguem entender o que eu to dizendo. Mas tem gente que não entende. Aí tem que escrever ou inventar um outro jeito de comunicação. (Trecho da entrevista com Rute)

Mas as barreiras principais que os surdos enfrentam são as barreiras comunicacionais. Por isso a Lei 10.098, de 19 de dezembro de 2000 (BRASIL, 2000), que fala sobre o direito a acessibilidade, aponta as barreiras de

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comunicação como as que precisam ser eliminadas para pessoas com perda auditiva.

Uma das estratégias que os entrevistados utilizam para se fazer entender é o uso de papel e caneta, para a comunicação escrita. Isso exige um pouco de paciência e compreensão por parte do interlocutor, o que nem sempre acontece. Há pessoas que leem o que o surdo escreve no papel, mas insistem em responder oralmente.

Ele disse que entendeu o que eu escrevi, mas em vez de escrever também, ele voltava a falar lá um monte de coisa... Pô, ele queria que eu escrevesse mas ele mesmo não tava querendo se comunicar desse jeito! Foi brabo... (Rafael)

Às vezes eu tento falar, vejo se a pessoa entende o que eu falei. Aí a pessoa me responde falando, eu não entendo nada. Então, eu peço pra pessoa escrever no papelzinho. Ela escreve e me dá, e eu entendo. (Carolina)

Outra estratégia utilizada, geralmente quando escrever não funciona, são gestos e mímica. Na primeira fase desta pesquisa, o relato de Hilza já havia revelado a enorme habilidade de comunicação desenvolvida pelos surdos desde cedo, pois todos os dias é preciso vencer a dificuldade de se comunicar com pessoas que só conhecem a língua oral.

A dificuldade torna-se um pouco maior quando os entrevistados viajam para o exterior, pois além de terem de se adaptar a uma língua oral diferente da de seu país, a língua de sinais também não será a mesma.

Rafael: Numa viagem dentro do Brasil é fácil. Com gestos e expressão facial. Porque eu aprendo com os erros. Se eu vejo que uma tentativa de dizer uma coisa não deu certo, eu tento de outro jeito. E aí vou aprendendo. A comunicação nunca é perfeita. Mas quando é em um país estrangeiro... Aí, como fazer né? Porque a língua é diferente... Eu já consegui me comunicar. Eu fazia gestos pra dizer que eu era surdo, tentava com papel... Entrevistadora: Com gestos?

R: Gestos e tentando falar a língua espanhola. Aí eu tentava falar e ler os lábios...e fui conseguindo entender.

E: Você sabe espanhol?

R: Sei um pouco. Mais ou menos. Mas no contexto eu conseguia entender. (Trecho da entrevista com Rafael)

Em São Paulo, no começo foi engraçado... Porque a gente quis conhecer a comunidade japonesa que tem lá. E aí foi horrível para a gente se comunicar com aqueles japoneses! A língua é muito diferente! Eu apontava assim, dizendo que eu era surdo. Aí tentava com expressão facial. Aí eu

77 fazia gestos assim e a pessoa entendia. [...] Se eu usasse sinais, eles não entendiam. Se eu tentasse oralizar em português, muito menos! (William)

De qualquer modo, isso não representa um impedimento significativo para nenhum dos entrevistados, mesmo porque, como Sacks (1998) já havia explicado, as línguas de sinais tem inteligibilidade mútua, isto é, os falantes de línguas de sinais diferentes podem compreender uns aos outros de forma relativamente fácil, o que não acontece com falantes de quaisquer línguas orais.

Entrevistadora: Você teve contato com a língua de sinais de outros países lá na África do Sul. Você conseguiu entender o que eles sinalizavam?

Carolina: Dá pra entender sim. Mas o primeiro dia é que foi mais difícil. Até que depois acostuma! Aí dá. É fácil de se comunicar porque dá pra perceber mais ou menos o que é que a pessoa tá dizendo. A pessoa sinaliza assim na minha frente. Aí eu entendo e vou sinalizando do meu jeito, na minha língua de sinais. Aí, se a pessoa não entende, a gente recorre aos gestos, até ir se acostumando com a outra língua de sinais. (Trecho da entrevista com Carolina)

Em todos os casos, a pessoa com a qual os surdos tentam se comunicar precisa demonstrar boa vontade e interesse em entender. Caso contrário, a comunicação poderá ser um fracasso e uma experiência bastante frustrante.

Depende. Se eu chego e consigo olhar nos olhos da pessoa... pra pedir, sei lá... pra tirar foto. Tudo bem! O principal é olhar nos olhos. E aí, depois, com educação, eu vou estabelecendo um contato maior. Se a pessoa não me olha nos olhos, eu também não olho. Deixo pra lá. Porque aí eu não vou conseguir me comunicar, não dá! Mas se a pessoa me olha, é educada, eu vejo que ela demonstra algum interesse em conversar, aí eu posso me comunicar escrevendo, tentando leitura labial ou por gestos. (Rafael)

As dificuldades de comunicação com prestadores de serviços turísticos já trouxe alguns prejuízos para os entrevistados. Rute contou que sempre passa por algum embaraço quando precisa comprar a passagem, e sua mãe contou a ansiedade que ela sentiu quando mudaram os portões de embarque e ela não pôde ouvir o aviso sonoro.

Falei: “Olha, eu sou surda”. Aí ela entendeu, falou: “Ah tá. Então vira ali.”. E eu: “Tá, viro ali e depois entro aonde, em qual das portas? Porque eu não sei. To confusa!”. A sorte é que a agência, sei lá, da companhia tava lá, e quando eu disse que era surda, fui me comunicando com papel. Porque antes disso, da primeira tentativa de me comunicar, foi bem confuso. Aí ela falava pra eu entrar numa porta ali, e eu querendo saber como fazer... Eu não tava entendendo nada! (Rute)

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O caso de William foi durante as paradas em viagens rodoviárias. O tempo de cada parada costuma ser avisado apenas oralmente. Ou então, se ele cochila, pode não perceber o momento em que houve uma parada, já que não está ouvindo.

Também quando o ônibus para na estrada pra lanche, essas coisas... Também tem problemas de comunicação aí. As paradas geralmente são de 20 a 30 minutos. Aí o que que acontece? Quando tá todo mundo descendo do ônibus, o motorista grita “Ó, 20 minutos, hein, gente!”, ou então “30 minutos!”. E os surdos não estão escutando nada! [...] Porque eu queria saber quando ia parar pra comer. Se eu pegasse no sono mesmo, podia ser que eu nem percebesse quando o motor desligasse, quando houvesse parada. E aí ia passar o resto da viagem com fome. (William)