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A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é uma língua viso-espacial, isto é, uma língua produzida no espaço e percebida através do sentido da visão, ao contrário das línguas orais-auditivas (como o português, o alemão, o francês, o mandarim, e outras), que são produzidas oralmente e percebidas pelo sentido da audição (GESSER, 2009a).

É um equívoco dizer que a língua de sinais é uma linguagem. Linguagem é mais abrangente que a língua. Inclui qualquer forma de comunicação, verbal ou não, podendo ser gestos, símbolos, desenhos, sinais de trânsito ou até mesmo a língua. Língua, porém, é um recorte menor da linguagem; é um conjunto de signos verbais organizados entre si através de uma gramática (DIAS, 2011).

Figura 5: Definição de língua e linguagem Fonte: adaptado de Dias (2011)

Audrei Gesser (2009a) explica que as línguas de sinais receberam o reconhecimento linguístico tardiamente na década de 1960, a partir das pesquisas

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do linguista americano William Stokoe15. Esta pesquisa salientava que todas as características presentes nas línguas naturais são encontradas também nas línguas de sinais, o que justifica elas receberem o status de língua. Sendo assim, temos línguas de modalidade oral-auditiva e línguas de modalidade viso-espacial.

Ao contrário do que as pessoas costumam pensar, a língua de sinais não são simples gestos ou mímica. (GESSER, 2009a)

Oliver Sacks (1998, p. 34) afirma a legitimidade da língua de sinais em relação às línguas orais, em seu livro “Vendo Vozes”, em que relata:

Deve-se entender que, pelo contrário, a língua de sinais equipara-se à língua falada, prestando-se igualmente ao rigoroso e ao poético – à análise filosófica e ao namoro e, na verdade, com uma facilidade que às vezes é maior do que a da língua falada. (De fato, se aprendida como primeira língua, a língua de sinais pode ser usada e mantida pelos ouvintes como uma alternativa permanente e por vezes preferida à língua falada.)

Gesser (2009a) discute várias questões a respeito da Libras, desmistificando as ideias preconcebidas a respeito das línguas de sinais e das pessoas surdas.

A língua de sinais não é universal. Assim como nas comunidades de línguas orais, cada país terá sua(s) própria(s) língua(s). (GESSER, 2009a) O uso de uma língua de sinais dentro de um país não está atrelado à língua oral majoritária daquele território. Como exemplo, podemos citar Brasil e Portugal, que apesar de terem a mesma língua oral – embora com diferenças dialetais – têm línguas de sinais completamente diferentes, a Libras e a Língua Gestual Portuguesa (LGP), respectivamente. Cada língua de sinais é um reflexo da cultura e da história de seus usuários.

Sacks (1998) relata, em nota de rodapé (p.126 e 127), que os surdos em geral conseguem se comunicar com surdos estrangeiros com uma facilidade muito maior que pessoas ouvintes têm para se comunicar com outro ouvinte estrangeiro:

Não existe uma língua de sinais universal. No entanto, podem existir universais nas línguas de sinais, que ajudam a possibilitar seus usuários entender uns aos outros muitos mais rapidamente do que os usuários de línguas faladas não afins conseguiriam se entender. [...] Os usuários de língua de sinais (especialmente quem a aprendeu como primeira língua) são hábeis em aprender, ou pelo menos entender, outras línguas de sinais de um modo que nunca encontraríamos nos falantes (exceto, talvez, nos mais talentosos). Alguma compreensão geralmente se estabelece em minutos,

37 obtida sobretudo por gestos e mímica (nos quais os usuários da língua de sinais são peritos). Ao fim de um dia, uma língua franca16 sem gramática estaria estabelecida. E, em três semanas, talvez a pessoa possuísse um conhecimento bastante razoável da outra língua de sinais, suficiente para permitir uma discussão pormenorizada sobre questões muito complexas. Segundo Costa (2009), a World Federation of the Deaf (WFD) criou um sistema de sinais internacionais (SI), que era chamado, na época, de gestuno, com alguns sinais de várias línguas de sinais que melhor se entendiam entre si, usando principalmente a Língua de Sinais Americana (ASL) e sinais icônicos. Este sistema se assemelha com o esquecido Esperanto, uma tentativa de unificação das línguas orais, que caiu em desuso. A criação do SI tinha o objetivo de baratear os custos altos para contratação de intérpretes para cada uma das línguas de sinais presentes em eventos internacionais promovidos pela Federação já mencionada. Em 1973, uma comissão foi nomeada e publicou um livro com 1500 sinais, sem uma gramática concreta. Estudiosos da área de Letras afirmam que esta não é uma língua natural, uma vez que foi inventada e não um produto das interações naturais entre seres humanos de um mesmo povo. Há estudiosos, porém, que a consideram uma língua pidgin, ou uma língua emergencial para estabelecer comunicação entre pessoas surdas de diferentes países.

A ideia de criar uma língua de sinais unificada não foi tão prolífica como esperava a Comissão, o mesmo passou com o esperanto. Não houve muitas pessoas capazes de aprender esta nova língua. E com os dispositivos de tradução tão desenvolvidos que existem hoje em dia e o profissionalismo dos tradutores internacionais, quem iria querer estudar uma língua inventada? (COSTA, 2009, {s. p.})

Ainda assim, em situações de contato temporário entre surdos de nacionalidades diferentes, como em eventos internacionais onde há surdos oriundos de diversos países, o sistema de sinais internacionais (SI) ainda é utilizado. Alguns conhecedores do sistema têm preferido ultimamente a nomenclatura “sinais internacionais” em vez de “gestuno”.

Não foram encontradas muitas pesquisas ou publicações a respeito deste sistema e a repercussão do seu uso.

16 Língua franca é uma “língua de contato ou língua de relação resultante do contato e comunicação entre grupos ou membros de grupos linguisticamente distintos para o comércio internacional e outras interações mais extensas”. Fonte: ENTENDA o que é língua franca. (2010) Disponível em:

39 3. METODOLOGIA

“Línguas dependem do cérebro humano, não do ouvido humano” – William Stokoe

A presente pesquisa de natureza qualitativa, como tal, está em busca de percepções, relações e comportamentos que não são possíveis de serem identificados com técnicas quantitativas. (SHIMADA, [s.d.]) Diferentemente de uma pesquisa quantitativa, o que se busca aqui não é quantificar os dados encontrados, nem mesmo trazer possíveis generalizações para a população surda brasileira a partir de dados obtidos com uma amostra dessa população.

A pesquisa qualitativa busca examinar os detalhes e pormenores do fenômeno estudado, evidenciando toda a sua complexidade, permitindo que o conhecimento a respeito do objeto estudado seja ampliado.

Esta pesquisa tem caráter exploratório, por se tratar de um tema pouco explorado na área de turismo. Poucas pesquisas foram encontradas relacionadas às motivações turísticas das pessoas surdas, e também poucos trabalhos na área de turismo que abordassem a surdez segundo a visão socioantropológica (SKLIAR, 1998; PERLIN, 1998; GESUELLI, 2006; STROBEL, 2008; GESSER, 2009b), conforme foi apresentado na seção 2 sobre o referencial teórico da pesquisa.

Sendo assim, julga-se inadequado ao objeto deste estudo o uso de métodos quantitativos, pois, antes de ir a campo com questionários e formulários prontos, é necessário conhecer mais a fundo a realidade desse grupo de pessoas, suas experiências e necessidades. Este conhecimento mais aprofundado constitui-se o objetivo deste trabalho. As técnicas quantitativas devem ser utilizadas quando já existir uma base de conhecimento para sua construção (SHIMADA, [s. d.]; OLIVEIRA; MARTINS; VASCONCELOS, 2012). E uma vez que por meio da pesquisa bibliográfica, não foi possível localizar estudos acadêmicos sobre o comportamento dos turistas surdos a partir da visão socioantropológica, não parece que o uso se de técnicas quantitativas seja o mais indicado.

A presente pesquisa utilizou entrevistas em profundidade, que são definidas por Oliveira, Martins e Vasconcelos (2012, p.1) como

40 aquelas que apresentam uma maior flexibilidade, permitindo ao entrevistado construir suas respostas sem ficar preso a um nível mais rigoroso de diretividade e mediação por parte do entrevistador, como acontece no caso do uso de questionário ou de uma entrevista totalmente estruturada.

Em uma entrevista em profundidade o objetivo é detalhar o conhecimento e a experiência dos entrevistados sobre determinado assunto.

O uso desta ferramenta é considerado pertinente em pesquisas acadêmicas pelo fato de permitir a “exploração dos pontos de vistas dos atores sociais inseridos nos contextos de investigação, elementos essenciais ao conhecimento e à compreensão da realidade social.” (OLIVEIRA; MARTINS; VASCONCELOS, 2012, p. 2). E neste estudo, os atores sociais são os turistas surdos e pessoas que têm relação com a comunidade surda. Uwe (2009) aponta que as entrevistas totalmente estruturadas podem acabar se tornando tendenciosas, pois os entrevistados podem ser influenciados pelo ponto de vista do entrevistador. O uso de entrevistas com planejamento aberto permite contornar e evitar essas possíveis interferências. Por este motivo, foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas.

A presente pesquisa aconteceu em duas fases, que serão detalhadas a seguir.

3.1 PRIMEIRA FASE DA PESQUISA – CONHECEDORES DA COMUNIDADE