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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO. Maria Carolina Nogueira Nomura Santiago. POST MORTEM: a questão sucessória de embriões criopreservados

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Maria Carolina Nogueira Nomura Santiago

POST MORTEM: a questão sucessória de embriões criopreservados

MESTRADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO

São Paulo

2020

(2)

Maria Carolina Nogueira Nomura Santiago

POST MORTEM: a questão sucessória de embriões criopreservados

Dissertação de mestrado como requisito a

obtenção do grau de mestre em Direito Civil

Comparado pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, sob orientação da

Professora Doutora Maria Helena Marques

Braceiro Daneluzzi

São Paulo

2020

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POST MORTEM: a questão sucessória de embriões criopreservados

Dissertação de mestrado como requisito a

obtenção do grau de mestre em Direito Civil

Comparado pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, sob orientação da

Professora Doutora Maria Helena Marques

Braceiro Daneluzzi.

Aprovada em:______/______/__________

BANCA

EXAMINADORA

___________________________________

___________________________________

___________________________________

(5)

Dedico este trabalho a meus pais. Adalgisa, minha estrela na Terra. Marco Antonio, minha estrela no Céu.

E à Mar. Minha sobrinha, personificação do milagre de Deus.

(6)

À minha orientadora Profa. Dra. Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi, pela acolhida no Mestrado, pelo direcionamento dos estudos, pelas longas conversas de temas ligados à família, à sucessão e à vida propriamente dita;

À Profa. Dra. Débora Gozzo - que tanto me incentivou a ingressar no mundo acadêmico- pelo empréstimo dos livros, pelo compartilhamento de horas de estudo e pela preciosa amizade;

Aos grandes mestres que tive a honra de conviver: Profa. Dra. Maria Helena Diniz, Profa. Dra. Deborah Regina Lambach Ferreira da Costa, Prof. Dr. Claudio de Cicco; Prof. Dr. Álvaro Gonzaga; Prof. Dr. Márcio Pugliesi; Prof. Dr. Octaviano Padovese; e ao caríssimo Prof. Dr. Willis Santiago Guerra, cuja disciplina Direito & Psicologia me proporcionou momentos de profunda reflexão, angústia e queridos amigos;

Ao Dr. Diogo Nomura Neto, meu irmão, e Dr. Yoon Huan Yoo, fundadores do escritório Nomura, Yoo & Tatsumi Sociedade de Advogados, pela confiança e o patrocínio da presente pesquisa;

À Profa. Dra. Regina Beatriz Tavares da Silva pelo incentivo profissional e tantas lições sobre o Direito de Família e das Sucessões;

Aos colegas da Comissão de Direito de Família e das Sucessões do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), na pessoa do Prof. Dr. Mário Luiz Delgado, pelos debates e palestras proporcionados;

À Priscila Paixão, que tanto auxiliou minha família em seu momento mais difícil e dolorido;

A meus pais, maiores incentivadores de todos os projetos de minha vida. À minha família (de sangue e de escolha), em especial, minhas irmãs, meus irmãos, meus tios, e sobrinhos a quem eu amo incondicionalmente.

(7)
(8)

“(…) uma vez que a fita da vida de nossa

espécie sem dúvida continuará a seguir seu

caminho imprevisível, independente do que

qualquer um de nós possa pensar de suas

escolhas, e que nossa própria evolução não

será interrompida, a não ser por alguma

catástrofe, em algum estádio arbitrário, por

que deveríamos nos preocupar acerca de

quem ou o que nos sucederá, melhoras ou

mesmo milhões de anos no futuro?”

(9)

O presente trabalho busca responder se os embriões criopreservados têm

diretos sucessórios à luz do Direito Brasileiro e, em caso positivo, quais

seriam as ferramentas garantidoras desses direitos. Analisaram-se as

normas deontológicas do Brasil, bem como os Enunciados do Conselho de

Justiça Federal. Perquiriu-se sobre o o status do embrião criopreservado,

bem como seu cabimento no Direito Sucessório enquanto herdeiro

necessário e suas implicações em relação à reprodução assistida post

mortem. Foram estudadas as legislações de outros países a fim de se traçar

um quadro comparativo em relação à sucessão dos embriões in vitro. O

método empregado foi o dedutivo e bibliográfico.

Palavras-chave: Embriões in vitro; reprodução post mortem; Direito

Sucessório; reprodução humana assistida; Bioética.

(10)

The present work seeks to answer if the cryopreserved embryos have

succession rights under Brazilian law and, if so, what are the tools that

guarantee those rights. The deontological norms of Brazil were analyzed,

as well as the Statements of the Federal Justice Council. The status of the

cryopreserved embryo was investigated, as well as its place in Succession

Law as a legitimate heir and its viability towards post mortem assisted

reproduction. The Law of other countries were studied in order to draw a

comparative picture in relation to the succession of in vitro embryos. The

research’s method was deductive and bibliographic.

Key-words: In vitro embryos; post mortem reproduction; Succession

Law; assisted human reproduction; Bioethics.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 1

PARTE I - PANORAMA ATUAL DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA NO BRASIL ... 3

1. Aspectos gerais e lacuna legal ... 5

2. Direito ao planejamento familiar como direito fundamental ... 13

2.1. Direito à reprodução ou direitos reprodutivos ... 15

2.1.1. Direito à filiação ... 18

2.1.2. Os savior sibling ou bebê-medicamento e o dever de nascer ... 21

2.2. A questão do anonimato dos doadores na reprodução heteróloga ... 25

2.3. Da maternidade de substituição ou cessão temporária de útero ... 27

2.2. A questão do anonimato dos doadores na reprodução heteróloga ... 25

3. Reprodução humana como questão existencial a partir da angústia de Kierkegaard ... 35

4. Do embrião e embrião criopreservado, do pré-embrião, do nascituro: início da vida e da tutela jurídica ... 42

4.1. Status jurídico do embrião congelado ... 42

4.1.1. Do pré-embrião ... 45

4.1.2. Do nascituro ... 48

4.1.3. Do início da vida e da tutela jurídica ... 50

4.2. Teorias da personalidade ... 52

4.2.1. Teoria Natalista ... 54

4.2.2. Teoria da Personalidade Condicional ... 56

4.2.3. Teoria Concepcionaista ... 57

(12)

4.2.3.1. Teoria da Forma Humana e da Viabilidade ... 63

4.3. Da problemática dos embriões excedentários ... 64

4.3.1. Da adoção embrionária ... 70

5. Consentimento informado e esclarecido e as clínicas de reprodução humana assistida ... 74

5.1. Consentimento informado e esclarecido em relação a terceiros ... 81

5.2. Da revogação do consentimento livre e esclarecido na reprodução assistida . 83 6. Questões polêmicas da reprodução humana assistida post mortem ... 88

6.1. A morte do cônjuge como fim do projeto parental ... 92

6.2. A reprodução assistida post mortem e a igualdade dos filhos na sucessão ... 95

PARTE II - A SUCESSÃO DO EMBRIÃO CRIOPRESERVADO ... 102

7. Linhas gerais sobre o Direito das Sucessões ... 102

7.1. Do direito fundamental à herança e a legítima ... 105

7.2. A problemática do embrião congelado ... 108

7.2.1. Do direito fundamental à herança e os embriões criopreservados... 111

7.2.2. A preservação dos direitos sucessórios do embrião por testamento ... 117

7.2.2.1. Do fideicomisso e a reprodução humana assistida ... 118

7.3. Da petiçã de herança ... 120

7.4. Afinal, o embrião criopreservado é herdeiro necessário?... 122

PARTE III - DA SUCESSÃO DOS EMBRIÕES CRIOPRESERVADOS À LUZ DO DIREITO COMPARADO ... 126

(13)

8.3. Reino Unido ... 134

8.4. Austrália ... 137

8.5. Estados Unidos ... 139

8.6. Portugal ... 144

9. Lições do Direito Comparado ao Direito Brasileiro ... 151

CONCLUSÕES ... 154

(14)

Introdução

Quando o homem conseguiu, pela primeira vez, congelar um embrião humano1, ele logrou muito mais do que sedimentar as técnicas de reprodução assistida. Ele passou a dominar o momento em que sua prole viria ao mundo, dando azo a um efetivo planejamento familiar. A partir daquele instante, o desenvolvimento daquele ser em fase embrionária poderia ser suspenso por meses, anos, décadas, até que fosse decidida sua implantação em algum útero e ele pudesse se transformar em feto e, em nascendo com vida, ser sujeito de direitos e deveres.

Contudo, o tão almejado controle sobre o tempo para reprodução trouxe consigo questões jurídicas que, necessariamente, estão inseridas na Bioética e no Direito de Família e das Sucessões. O embrião é o fruto da junção de gametas masculino e feminino, tendo assim um pai e uma mãe biológicos - ainda que não sejam esses os pais que criarão o porvir. Nesse sentido, este embrião já está inserido em um contexto familiar2, e sua simples existência implica reflexos no Direito de Família - como, por exemplo, é o caso da custódia de embriões em caso de divórcio, ou a implantação deste embrião com o objetivo de trazer ao mundo um “irmão salvador” -, e implicações no Direito das Sucessões, que é o objeto deste trabalho.

Ainda que não se possa prever todas as possibilidades de eventos futuros e, assim, dar às situações que envolvem o embrião congelado um invólucro jurídico, fato é que este é um dos seres mais vulneráveis da atualidade. Não há uma legislação específica no Brasil que regulamente a reprodução humana assistida e, logo, sobre o excessivo número de embriões congelados - 88.776, implantados - 70.908, e descartados - 80.767, segundo o último relatório do SisEmbrio (junho de 2019)3. Desta forma, a falta de amparo legal dos embriões humanos podem ensejar a interpretação de que sua produção não passa de commodity.

1 O primeiro bebê desenvolvido a partir de um embrião congelado nasceu em 1984, na Austrália. O embrião

ficou congelado por dois meses antes de ser implantado no útero materno e deu origem a uma menina, chamada Zoe. Disponível em: http://www.nytimes.com/1984/04/11/us/first-baby-born-of-frozen-embryo.html. Acesso em 31.jan.2018. E também: https://edition.cnn.com/2017/12/19/health/snowbaby-oldest-embryo-bn/index.html. Acesso em 31.jan.2018.

2 O contexto familiar abordado na presente pesquisa refere-se a todos os tipos de família, sejam elas

monoparentais, de casais homossexuais e heterossexuais.

3 O 12o Relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões, publicado em 17.jun.2019, aponta a existência

de 88.776 embriões criopreservados no Brasil, sendo que deste total, 32% estavam em São Paulo, 14% em Minas Gerais, 10% no Paraná e 8% no Rio de Janeiro e em Santa Catarina. Assim, 65% da produção desses embriões concentram-se no Sudeste brasileiro. Os embriões que tiveram problemas em desenvolvimento, que foram classificados como inviáveis e que atenderam ao disposto na nova Resolução CFM entram na contagem de embriões descartados. Embriões descartados a pedido dos pacientes também entram nessa contagem. Conforme a Resolução CFM nº 2.168/2017, capítulo V, item 4 “os embriões criopreservados com três anos ou mais poderão ser descartados se esta for a vontade expressa dos pacientes”. Disponível em:

(15)

O objetivo da presente pesquisa é destacar as principais teses jurídicas sobre a natureza jurídica do embrião e, portanto, se é apto (ou não) a ter direitos sucessórios. Os meios para atingir os objetivos serão a pesquisa bibliográfica nacional, internacional e jurisprudencial.

A dissertação foi dividida em três partes, para melhor compreensão e aprofundamento do tema. A primeira, trata do panorama da reprodução assistida no Brasil e as principais lacunas hoje existentes. Tratará ainda sobre a questão do planejamento familiar como direito fundamental, passando pela questão existencial da angústia que permeia os projetos parentais. Ainda na primeira parte, será abordada a diferença entre o nascituro e o embrião, e seu status jurídico. Por fim, serão abordadas algumas questões polêmicas da reprodução humana assistida post mortem e sobre os embriões excedentários.

À segunda parte foi destinada ao Direito Sucessório Brasileiro e responder se há, no diploma atual, mecanismos de proteção ao embrião in vitro, como, por exemplo, a reserva de legítima ou a petição de herança.

Na última parte, foi abordada a legislação da reprodução humana assistida à luz do Direito Comparado, com olhar especial à sucessão e implantação post mortem e o que essa experiência pode servir ao Direito Brasileiro. Os países estudados foram França, Alemanha, Austrália, Reino Unido, Estados Unidos e Portugal.

fhttp://portal.anvisa.gov.br/documents/4048533/4994015/12%C2%BA+Relat%C3%B3rio+do+Sistema+Nacion

(16)

Parte I - Panorama atual da reprodução humana assistida no Brasil

1. Aspectos gerais e lacuna legal

O primeiro bebê de proveta brasileiro, Anna Paula Caldeira, nasceu em 1984, apenas seis anos após o primeiro no mundo, Louise Brown, em 1979, no Reino Unido. De lá para cá, não só as técnicas de reprodução humana assistida foram aprimoradas4, como também o refinamento do debate jurídico sobre as consequências desses procedimentos nas relações familiares e sucessórias.

As técnicas de reprodução assistida consistem em unir, artificialmente, os gametas masculino e feminino, que pode ocorrer por meio dos métodos ZIFT (Zibot Intra Fallopian Transfer) - retirada de óvulo da mulher para depois introduzir o embrião no seu útero ou de outrem - ou GIFT (Gametha Intra Fallopian Transfer) - fecundação propriamente dita, na qual o sêmen é inoculado na mulher, sem qualquer manipulação externa5. As técnicas de RA são: inseminação artificial, fecundação artificial, transferência intratubária e peritoneal de gameta e transferência intratubária de embriões. De algumas delas pode resultar a cessão temporária de útero ou útero de substituição. Será homóloga quando o sêmen for do marido ou companheiro da mulher, e heteróloga, quando for de outro homem, doador do material genético, que pode, em termos extremos, abalar a presunção de paternidade, como será visto mais detalhadamente adiante.

A fecundação, propriamente dita, é a união de um espermatozóide e um ovócito, que ocorre normalmente na ampola da tuba uterina, formando o zigoto6. Após a formação do

4 De acordo com a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, a década de 1980 foi marcada por diversos

avanços que culminaram que grandes saltos da ciência reprodutiva como, por exemplo, a primeira gestação após injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI), na qual um único espermatozoide é injetado diretamente no óvulo, aumentando as taxas de fertilização em relação à FIV. Outro marco foi a descoberta da técnica de congelamento (vitrificação) que teve início no Brasil e 2005. Em 2014, na Suécia, ocorreu o primeiro nascimento após transplante de útero, e em 2017, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo logrou o primeiro nascimento do mundo com o útero de um cadáver. Informações disponíveis em:

http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=27422:2018-02-05-12-19-59&catid=46. Acesso em 21.jun.2020.

5 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 9a ed. rev., aum. e atual de acordo com o Código de Ética

Médica. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 679.

6 A própria fecundação passa por algumas fases como: 1. Passagem do espermatozóide através da corona radiata

do ovócito (reação acrossômica), auxiliado pela ação da enzima hialuronidase, liberada do acrossoma do espermatozóide, e também, pelo movimento da cauda do espermatozóide; 2. Penetração na zona pelúcida: formação de um caminho na zona pelúcida através da ação de enzimas. Logo que o espermatozóide penetra a zona pelúcida desencadeia o fim da segunda meiose e uma reação zonal, mudanças das propriedades físicas da zona pelúcida que a torna impermeável a outros espermatozóides; 3. Fusão das membranas plasmáticas do ovócito e do espermatozóide: a cabeça e a cauda do espermatozóide entram no citoplasma do ovócito na área de fusão; 4. Término da segunda divisão meiótica do ovócito: Formação do ovócito maduro (pronúcleo feminino) e o segundo corpo polar; 5. Formação do pronúcleo masculino: Dentro do citoplasma do ovócito, o núcleo do

(17)

zigoto, ocorre a clivagem, que são sucessivas divisões repetidas do zigoto, o que resulta no aumento do número de células, que são chamadas de blastômeros e se tornam menores a cada divisão. Quando existem de 12 a 32 blastômeros, o concepto recebe o nome de mórula7.

Quando a mórula alcança o útero, cerca de quatro dias após a fecundação, os blastômeros são separados em duas partes: o Trofoblasto, camada celular externa que formará a parte embrionária da placenta; e o Embrioblasto, grupo de blastômeros localizados centralmente que dará origem ao embrião. Nesse estágio, o concepto recebe o nome de blastocisto8 e após seis dias da fecundação adere ao útero. Em casos de fertilização in vitro, é

nesta mesma fase (entre mórula e blastocisto) que o concepto é implantado no útero e seus excedentes, criopreservados9. O período chamado de embrionário, segundo a escala Carnegie, acontece até 56 dias ou 8 semanas, ou seja, é o fim da organogênese (nascimento dos órgãos). Da nona semana ao nascimento, acontece o período fetal10, recebendo, o concepto, o nome de feto. O processo é assim resumido por Mayana Zats:

Voltemos agora à nossa primeira célula resultante da fusão do óvulo e do espermatozóide. Logo após a fecundação, ela começa a se dividir: uma célula em duas, duas em quatro, quatro em oito e assim por diante. Pelo menos até a fase de oito células, cada uma delas é capaz de se desenvolver em um ser humano completo. São chamadas de totipotentes. Na fase de oito a dezesseis células, as células do embrião se diferenciam em dois grupos: um

espermatozóide aumenta para formar o pronúcleo masculino, enquanto que a cauda do espermatozóide se degenera. Durante o crescimento, os pronúcleos replicam seu DNA; e 6. Lise da membrana do pronúcleo: Ocorre a agregação dos cromossomos (23 cromossomos de cada núcleo resulta em um zigoto) para a divisão

celular mitótica e primeira clivagem do zigoto. Disponível em:

http://www.famema.br/ensino/embriologia/sistemaneurologico.php. Acesso em: 23.Set.2020.

7 “A mórula alcança o útero cerca de quatro dias após a fecundação e o fluido da cavidade uterina passa através

da zona pelúcida para formar – a cavidade blastocística. À medida que o fluido aumenta na cavidade, os blastômeros são separados em duas partes: Trofoblasto: Camada celular externa que formará a parte embrionária da placenta. Embrioblasto: Grupo de blastômeros localizados centralmente que dará origem ao embrião". As informações sobre a embriologia foram retiradas de um site elaborado pela Faculdade de Medicina de Marília. Disponível em: http://www.famema.br/ensino/embriologia/primeirassemanas1.php. e também:

https://embryology.med.unsw.edu.au/embryology/index.php/Embryonic_Development. Acesso em 23.Set.2020.

8 "No final da primeira semana o blastocisto está superficialmente implantado na camada endometrial na parte

póstero-superior do útero. O sinciciotrofoblasto é altamente invasivo e se adere a partir do pólo embrionário, liberando enzimas que possibilita a implantação do blastocisto no endométrio do útero. Esse é responsável pela produção do hormônio hCG que mantém a atividade hormonal no corpo lúteo durante a gravidez e forma a base para os testes de gravidez. Disponível em: http://www.famema.br/ensino/embriologia/primeirassemanas1.php. Acesso em 23.Set.2020.

9 GOZZO, Débora. Nova ordem da vocação hereditária. In: Principais controvérsias no novo Código Civil:

textos apresentados no II Simpósio Nacional de Direito Civil. Débora Gozzo, José Carlos Moreira Alves e Miguel Reale, coordenadores. São Paulo, Saraiva, 2006, p. 86. Da mesma autora: Embriões excedentários, seu descarte e os avanços da biotecnologia: quo vadit? In: Família e Pessoa: uma questão de princípios. Regina Beatriz Tavares da Silva e Ursula Cristina Basset, coordenadoras. São Paulo: YK, 2018. pp. 303-325.

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grupo de células externas que vão originar a placenta e os anexos embrionários, e uma massa de células internas que vai originar o embrião propriamente dito. Após 72 horas, este embrião, agora com cerca de cem células, é chamado de blastocisto. É nesta fase que ocorre a implantação do embrião na cavidade uterina. As células internas do blastocisto vão originar as centenas de tecidos que compõem o corpo humano. São chamadas de células tronco embrionárias pluripotentes. A partir de um determinado momento, estas células somáticas - que ainda são todas iguais - começam a diferenciar-se nos vários tecidos que vão compor o organismo: sangue, fígado, músculos, cérebro, ossos etc. Os genes que controlam esta diferenciação e o processo pelo qual isto ocorre ainda são um mistério. O que sabemos é que uma vez diferenciadas, as células somáticas perdem a capacidade de originar qualquer tecido. As células descendentes de uma célula diferenciada vão manter as mesmas características daquela que as originou, isto é, células de fígado vão originar células de fígado, células musculares vão originar células musculares e assim por diante. Apesar de o número de genes e de o DNA ser igual em todas as células do nosso corpo, os genes nas células somáticas diferenciadas se expressam de maneiras diferentes em cada tecido, isto é, a expressão gênica é específica para cada tecido. Com exceção dos genes responsáveis pela manutenção do metabolismo celular (housekeeping genes) que se mantêm ativos em todas as células do organismo, só irão funcionar em cada tecido ou órgão os genes importantes para a manutenção deste. Os outros se mantêm "silenciados" ou inativos11.

Uma das grandes polêmicas da fertilização in vitro está na questão dos embriões criopreservados, sobre os quais jazem questões ético-jurídicas profundas que vão desde a inseminação artificial e/ou implantação do embrião post mortem, descarte de embriões excedentários, adoção desses embriões, limites para o diagnóstico (e tratamento) do embrião pré-implantatório, pesquisa com embriões humanos, a utilização de um embrião para salvar a vida de seus irmãos, até indagações de ordem sucessória dos embriões criopreservados, que é o tema deste trabalho.

Pode-se afirmar, com segurança, que grande parte desta tormenta advém não só de conflitos éticos, mas também da inexistência de legislação específica que regulamente a

11 ZATZ, Mayana. Clonagem e células-tronco. Estud. av., São Paulo , v. 18, n. 51, p. 247-256, Aug. 2004 .

Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000200016&lng= en&nrm=iso>. Acesso em: 20.Out.2020.

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reprodução humana assistida no Brasil, propriamente dita. Nas palavras de Maria Helena Diniz, faz-se necessária (e urgente) uma “biologização" ou “medicalização” da lei, pois não há mais como desvincular a ciência do direito, o qual possui a difícil tarefa de separar o joio do trigo, na colheita dos frutos plantados pela engenharia genética, pela embriologia e pela biologia molecular, e de determinar, com prudência objetiva, até onde as ‘ciências da vida’ poderão avançar sem que haja agressões à dignidade da pessoa humana12.

De fato, o legislador do Código Civil de 2002 previu a reprodução assistida nos incisos II, IV e V do artigo 1.597. Aparentemente, assevera Débora Gozzo, a matéria estaria restrita ao direito de família, porque nele dispõe-se sobre a presunção de paternidade ao marido, isto é, princípio pater is est. Contudo, o dispositivo serve também ao direito sucessório uma vez que os filhos são herdeiros na classe dos descendentes, e, portanto, deveriam ser analisados no tocante ao incido I do artigo 1.829 do mesmo diploma13.

Quem se ocupa do preenchimento da lacuna legal sobre a reprodução humana assistida, inclusive dando pareceres, por meio de normas deontológicas, é o Conselho Federal de Medicina que, desde 1992, traz diretrizes e recomendações sobre o tema, o que vem sendo acatado pelo Poder Judiciário como parâmetro decisório. A Resolução 1.258/92 trouxe recomendações e normas éticas para a utilização das técnicas de RHA. A última Resolução, número 2.168 de 201714, pontua, entre outros assuntos, a idade limite para a utilização das técnicas de reprodução humana assistida (50 anos); o número de embriões a serem implantados nas mulheres de acordo com sua idade; a necessidade de haver consentimento livre e esclarecido das técnicas e seus efeitos; a permissão de gestação compartilhada em união homoafetiva15; o anonimato dos doadores de embriões e material genético; a necessidade dos pacientes em manifestar sua vontade, por escrito, quanto ao destino dos embriões no caso de divórcio, dissolução de união estável ou falecimento de um ou ambos os donos do material genético e se há a vontade de doá-los.

12 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 9a ed. rev., aum. e atual de acordo com o Código de Ética

Médica. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 33.

13 GOZZO, Débora. Nova ordem da vocação hereditária. In: Principais controvérsias no novo Código Civil:

textos apresentados no II Simpósio Nacional de Direito Civil. Débora Gozzo, José Carlos Moreira Alves e Miguel Reale, coordenadores. São Paulo, Saraiva, 2006, pp. 85-86.

14 Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2017/2168. Acesso em

21.jun.2020.

15 Importante destacar que o CFM, no preâmbulo de sua Resolução, cita expressamente o julgamento do

Supremo Tribunal Federal de 5 de maio de 2011 que reconheceu e qualificou como entidade familiar a união estável homoafetiva.

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A Resolução do CFM determina ainda que três anos é o tempo padrão para que os embriões passem a ser candidatos a descarte, quando os mesmos forem abandonados16 ou for a vontade expressa dos pacientes. A diretriz ainda cuida de temas como diagnóstico pré-implantatório de embriões, gestação por substituição e reprodução assistida post mortem.

Há que se destacar, entretanto, que, enquanto não há legislação específica, os Provimentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Enunciados do Conselho da Justiça Federal (CJF) também são parâmetros, ao menos, doutrinários. É o caso do Enunciado 10617

do CJF que dispõe sobre a reprodução assistida post mortem: “Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatória, ainda, a autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte.”18 Na mesma linha, o Enunciado 633 da VIII Jornada dispõe: “É possível ao viúvo ou ao companheiro sobrevivente, o acesso à técnica de reprodução assistida póstuma - por meio da maternidade de substituição, desde que haja expresso consentimento manifestado em vida pela sua esposa ou companheira”19

O Enunciado 104 admitiu a autorização implícita para o uso da técnica de reprodução assistida heteróloga: “No âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da

16 Por “abandonados" entende-se o caso de embriões congelados em clínicas nas quais seus responsáveis

deixaram de pagar a taxa de manutenção e/ou simplesmente desapareceram. Sobre embriões abandonados, leia:

Pais deixam embriões órfãos em clínicas. Disponível em:

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff09059915.htm. Acesso em 27.jun.2020.

17 Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/737. E também em:

https://ibdfam.jusbrasil.com.br/noticias/100452480/stj-divulga-enunciados-aprovados-na-vi-jornada-de-direito-civil. Acesso em 23.jun.2020.

18 O tema é demasiado controverso e será tratado adiante, de modo mais profundo. Sobre a reprodução assistida

post mortem, verificar textos de Eduardo de Oliveira Leita: Inseminação post mortem e a Resolução n. 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina: do equívoco ao comprometimento jurídico. In: Bioética e direitos fundamentais. Débora Gozzo e Wilson Ricardo (organizadores). São Paulo: Saraiva, 2012. pp. 187-207.

19 Em artigo publicado no Conjur, Mário Luiz Delgado assevera que em todos os Enunciados aprovados nas

Jornadas de Direito Civil, “a 'prévia autorização' a que se refere o inciso V do artigo 1.597 do Código Civil, para fins de se estabelecer a presunção de paternidade do marido ou do companheiro, independe de forma especial. Pode ser exteriorizada por palavras escritas (sem forma especial, como, por exemplo bilhetes, dedicatórias em livros, cartões de natal ou de aniversário); palavras verbais (como em conversas com médicos, funcionários da clínica de reprodução ou outras testemunhas); gestos ou mímicas (como, por exemplo, abaixar a cabeça em sinal de consentimento); comportamentos ou condutas (como, por exemplo, continuar pagando o tratamento de RA ou a criopreservação de material genético ou, ainda, deixar em testamento um legado com essa finalidade). No caso de autorização verbal ou implícita, a prova se fará, essencialmente, por meio de testemunhas. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-set-15/processo-familiar-previa-autorizacao-reproducao-assistida-heterologa-post-mortem. Acesso em 24.jun.2020.

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mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) da vontade no curso do casamento”. No mesmo sentido, o Enunciado 258, da III Jornada de Direito Civil: “Não cabe a ação revista no art. 1.601 do Código Civil se a filiação tiver origem em procriação assistida heteróloga, autorizada pelo marido nos termos do inc. V do art. 1.597, cuja paternidade configura presunção absoluta.” A equiparação do status de companheiro em relação ao casado, versando sobre o mesmo tema, foi abarcada no Enunciado 570.

O Provimento nº 63 de 14/11/201720, que sofreu modificações pelo Provimento nº 83,

do Conselho Nacional de Justiça, instituiu modelos únicos de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, a serem adotadas pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais, e dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A” e sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida. O Provimento traz importantes diretrizes, a se destacar o seu artigo 16 que explicita a reprodução assistida; o registro de criança fruto de casal homossexual, no qual o "assento de nascimento deverá ser adequado para que constem os nomes dos ascendentes, sem referência a distinção quanto à ascendência paterna ou materna".

O artigo 17 do mesmo Provimento inova também ao requerer, para fins de registro, a apresentação de declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga, assim como o nome dos beneficiários; e que na hipótese de gestação por substituição, “não constará do registro o nome da parturiente, informado na declaração de nascido vivo, devendo ser apresentado termo de compromisso firmado pela doadora temporária do útero, esclarecendo a questão da filiação”. O parágrafo 2º indica que nas "hipóteses de reprodução assistida post mortem, além dos documentos elencados nos incisos do caput deste artigo (17), conforme o caso, deverá ser apresentado termo de autorização prévia específica do falecido ou falecida para uso do material biológico preservado, lavrado por instrumento público ou particular com firma reconhecida”.

Chama a atenção o § 3º do mesmo artigo 17 do Provimento, no qual explicita que o “conhecimento da ascendência biológica não importará no reconhecimento do vínculo de

20 Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos-normativos?documento=2525. Acesso em

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parentesco e dos respectivos efeitos jurídicos entre o doador ou a doadora e o filho gerado por meio da reprodução assistida.”

Contudo, as Resoluções, os Enunciados e os Provimentos supracitados não são leis propriamente ditas, apesar de desempenharem um relevante papel como órgãos consultores. Suas orientações não têm em seu nascedouro o Poder Legislativo, que é quem detém a competência para tal. Nota-se, inclusive, que a ausência de previsão legislativa sobre o tema da reprodução artificial remonta aos anos de 1957, pouco antes de nascer o primeiro bebê de proveta. Segundo Ana Claudia Scalquette, triste é constatar que a despeito do projeto e desenvolvimento que alcançaram as pesquisas médico-científicas, o direito pátrio ainda não se ocupou efetivamente do tema21.

E como não há como esperar o legislador se manifestar, posto os fatos da reprodução humana assistida já são - há muito - realidade, os próprios interessados passam a se autorregular, naquilo que poderia ser um paralelo do que Adam Smith previu como a “mão invisível” na economia22. Entretanto, diferentemente da atividade econômica e mercantil, a

atividade médica lida essencialmente com o que há de mais intrínseco ao homem: sua vida. Por esta razão, é imperioso que o Estado preencha a lacuna jurídica da questão da reprodução humana assistida sob pena de perder o seu poder/dever fundador que é o de resguardar a dignidade humana e os direitos fundamentais de seus cidadãos.

Tramitam no Congresso Nacional, diversos Projetos de Lei sobre Reprodução Humana Assistida. Desde 1997, os projetos de lei foram sendo apensados uns aos outros. O que, atualmente, institui o Estatuto de Reprodução Assistida tem o número 115/201523. Outros Projetos de Lei relacionados ao tema também são apresentados, mas buscam alterações pontuais no Código Civil ou na lei que regulamente os planos de saúde.

O Projeto Original nº 90/99, como destacam Maria de Fátima Freire de Sá e Ana Carolina Brochado Teixeira, representou um avanço em termos de regulamentação da reprodução humana assistida, tendo como pilares o fato de tal técnica poder ser empregada apenas em casos de infertilidade que não decorresse da passagem da idade reprodutiva e na

21 SCALQUETTE, Ana Claudia. Estatuto da Reprodução Assistida. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 315.

22 Adam Smith era um filósofo inglês que viveu no século XVIII. Considerado um dos pais do liberalismo,

autora do clássico A riqueza das nações, acreditava que o mercado se autorregulava sem a necessidade da interferência do Estado. Baseado na ideia do “laissez faire, laissez passer”, Smith criou o conceito da “mão invisível do mercado” que, por sua vez, baseou a teoria da oferta e da procura.

23 O PL foi apensado ao PL nº 4.892/2012, por sua vez, apensado ao PL nº 1.184/2003, apensado ao PL

2.855/1997. Disponível em:

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=945504. e http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD14MAR1997.pdf#page=73. Acesso em 28.jun.2020.

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prevenção ou tratamento de doenças genéticas ou hereditárias, além de ter disposto sobre a proteção e bem-estar da criança nascida em virtude do emprego da reprodução assistida; a submissão da técnica ao mecanismo do consentimento informado; admissão de gametas e embriões - e preservação dos excedentes - ; a autorização da gestação por substituição, sem remuneração e desde que houvesse parentesco até segundo grau entre as mulheres envolvidas24.

Houve um Projeto substitutivo que fez algumas modificações como, por exemplo, a possibilidade de casais em união estável poderem recorrer às técnicas de reprodução assistida, mas impossibilitou, de outra ponta, que mulheres solteiras pudessem inseminar-se. O Projeto de Lei nº 1.184/03 reiterou aspectos do projeto original e substitutivo, autorizando às mulheres ou aos casais que tenham solicitado o empregado da Reprodução Assistida e determinando a avaliação física e psicológica da mulher para saber se a mesma encontra-se em condições de ser mãe. O Projeto de 2003 apresenta um retrocesso, na avaliação de Maria de Fátima de Sá e Ana Carolina Brochado, ao proibir a gestação de substituição. “Vale salientar que a Resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, aventa a possibilidade de doação temporária de útero.”25

Em 1995, a Lei nº 8.974/95 dispôs sobre a limitação do uso de técnicas de engenharia genética, restringindo algumas atividades relacionadas aos organismos geneticamente modificados como, por exemplo, a manipulação genética de células germinais humanas; intervenção em material genético humano in vitro, exceto para tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos, tais como autonomia e beneficência. Entretanto, a Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105 de 2005), que estabelece, em seu artigo 1º normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tem como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à

24 SÁ, Maria de Fátima Freire de., TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Filiação e biotecnologia. Belo

Horizonte: Mandamentos, 2005, p. 88.

25 SÁ, Maria de Fátima Freire de., TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Filiação e biotecnologia. Belo

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saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente26.

Em seu artigo 5º, entretanto, não deixa dúvidas quanto à possibilidade de pesquisa em células-tronco embrionárias, como pontua Maria de Fátima de Sá e Ana Carolina Brochado Teixeira:

É curioso o descompasso legislativo! Ora, se a Lei de Biossegurança permite a pesquisa em embriões humanos congelados, a conclusão óbvia é que ela trabalha com a possibilidade de produção de embriões excedentes ou sobrantes. Contudo, o Projeto de Lei 1.184/03 que versa sobre Reprodução Humana Assistida não permite que sejam feitos embriões em número superior a dois27.

A Lei de Biossegurança foi inspirada no Warnock Report28, publicado pelo Human Fertilization and Embryology Authority (HFEA), do Reino Unido. O relatório buscou abranger uma análise das implicações éticas e legais da evolução da biotecnologia de até então, bem como o potencial dos direitos humanos no campo da reprodução assistida29.

Outros Projetos de Lei no Brasil como o n° 4.892/2012 e n° 115/2015 apensado, mais conhecido por “Estatuto da Reprodução Humana”, que foi elaborado pela Comissão de Biotecnologia da OAB/SP; pretende regular as relações familiares, sucessórias, administrativas e penais. Tem por principais fundamentos as regulamentações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária acerca do funcionamento de Bancos de Células e Tecidos Germinativos (BCTG) e que criou o Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio); e o Projeto n° 1184 de 2003, substitutivo do Projeto n° 90 de 1999, aguardam sua devida tramitação.

Em 2017, o Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), por meio da Comissão de Direitos Fundamentais, presidida por Débora Gozzo, apresentou um Anteprojeto de Lei sobre Reprodução Humana Assistida, que ainda não foi apreciado pela Casa Legislativa.

No âmbito específico da saúde suplementar, a regulação ocorre por meio das Leis n°. 8.078 de 1990 (Código de defesa do consumidor), n°. 9.656 de 1998 (Lei dos Planos de

26 Lei 11.105 de 24 de março de 2005. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm#:~:text=1%C2%BA%20Esta%20Lei%20estabelece%20normas,o%20descarte%20d e%20organismos%20geneticamente. Acesso em 20.jun.2020.

27 SÁ, Maria de Fátima Freire de., TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Filiação e biotecnologia. Belo

Horizonte: Mandamentos, 2005, p. 95.

28 Disponível em: https://embryo.asu.edu/pages/report-committee-inquiry-human-fertilisation-and-embryology-1984-mary-warnock-and-committee. Acesso em 24.Ago.2020.

29 MONTEIRO, Juliano Ralo. Savior Sibling: limites ao poder familiar? pp. 180-202. In: GOZZO, Débora

(coord). Informação e direitos fundamentais: a eficácia horizontal das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 182.

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Saúde) e a que estabeleceu competências para a agência reguladora, de n°. 9.961 de 2000. E, ainda que a lei n°. 11.935 de 2009, tenha alterado a lei de planos de saúde para incluir ações e serviços relativos ao planejamento familiar, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por sua Resolução 211, não previu, em seu rol de procedimentos, a assistência à procriação humana. O mesmo se deu com as Resoluções n°. 338, n°. 387, n°. 428 que a sucederam, suscitando debates junto ao Poder judiciário nacional (ANS, 2010, 2013, 2015, 2017)30.

Contudo, em decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em agosto de 2020, em acórdão relatado pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino no Recurso Especial n° 1.815.796, foi reconhecida a obrigatoriedade dos planos de saúde em custear a criopreservação de gametas de mulher acometida de câncer de mama. A justificativa do Ministro Sanseverino foi o princípio da não-maleficência ou do primum non nocere, através do qual os médicos se comprometem, ao prescreverem determinado tratamento, a evitar danos e a não prejudicar o paciente, reduzindo ao máximo a ocorrência de efeitos adversos ou indesejáveis. Explica Caio Morau que no caso sob exame, o corpo médico, ao indicar a uma paciente jovem tratamento quimioterápico, ciente de que poderia lhe ocasionar uma falência ovariana prematura com a consequente superveniência de esterilidade, tem, em primeiríssimo lugar, o dever de lhe informar do potencial dano a ser experimentado e do meio de que se dispõe para evitá-lo, qual seja, o congelamento dos óvulos. “Nessa linha, se o plano de saúde, por força contratual e infralegal – esta última através das disposições da Agência Nacional de Saúde Suplementar – deve custear a quimioterapia, é também obrigado a arcar com os custos de tratamento para evitar danos que podem vir a ser configurados”31.

Apesar de existirem algumas tentativas de legislar sobre a questão da Reprodução Humana Assistida no Brasil, e já terem havido algumas audiências públicas a respeito de temas correlatos, fato é que esse vácuo jurídico causa grande insegurança jurídica para as pessoas que se submetem às técnicas de reprodução assistida, principalmente, quando o projeto parental sofre algum revés.

30 SANTOS, Alethele Oliveira; DIAS PEREIRA, André Gonçalo; DELDUQUE, Maria Célia. Reprodução

Humana Assistida: Regulamentação no Brasil e em Portugal. REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.16, 2019: 18 - 45. Disponível em: file:///Users/mariacarolinanomura/Downloads/397-340340618-1-PB.pdf. Acesso em 10.Out.2020.

31 MORAU, Caio. Primum Non Nocere: A Responsabilidade Do Plano De Saúde No Congelamento De Óvulos

De Pacientes Com Câncer. Disponível em: http://adfas.org.br/2020/09/01/primum-non-nocere-a-responsabilidade-do-plano-de-saude-no-congelamento-de-ovulos-de-pacientes-com-cancer/. Acesso em 12.Out.2020.

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2. Direito ao planejamento familiar como direito fundamental

O Direito ao planejamento familiar encontra guarida expressa na Constituição Federal, em seu artigo 226, § 7º, que foi replicado no artigo 1.565, § 2º do Código Civil: "O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas”.

É considerado um direito fundamental32, pois além de estar imbuído daquilo que é

intrínseco à dignidade humana 33 , está positivado na Carta Magna que reconhece

explicitamente quais são os direitos fundamentais34 que devem ser resguardados ao homem.

Assim, o direito ao planejamento familiar encontra-se na primeira geração dos direitos fundamentais, uma vez que se trata da liberdade de formar sua própria família.

A Lei 9.263/96 reconhece o planejamento familiar como direito de todo cidadão, determinando que se garantam, em termos de regulação da fecundidade, direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole35.

32 Segundo Willis Santiago Guerra Filho, a multidimensionalidade dos direitos fundamentais está presente no

que se concerne ao planejamento familiar, uma vez que a liberdade (do planejamento familiar) está condicionada por outras dimensões (anonimato do doador de material genético, por exemplo). GUERRA FILHO, Willis Santiago. A dimensão processual dos direitos fundamentais e da Constituição. Revista de informação

legislativa, v. 35, n. 137, p. 13-21, jan./mar. 1998. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/327/r137-02.pdf?sequence=4. Acesso em 04.jun.2020.

33 Sobre dignidade humana, explica Antonio Junqueira de Azevedo que: "Há hoje duas concepções diversas da

pessoa humana que procuram dar suporte à idéia de sua dignidade; de um lado, há a concepção insular, ainda dominante, fundada no homem como razão e vontade, segundo uns, como autoconsciência, segundo outros – é a concepção para cujo fim queremos colaborar porque se tornou insuficiente – e, de outro, a concepção própria de uma nova ética, fundada no homem como ser integrado à natureza, participante especial do fluxo vital que a perpassa há bilhões de anos, e cuja nota específica não está na razão e na vontade, que também os animais superiores possuem, ou na autoconsciência, que pelo menos os chimpanzés também têm, e sim, em rumo inverso, na capacidade do homem de sair de si, reconhecer no outro um igual, usar a linguagem, dialogar e, ainda, principalmente, na sua vocação para o amor, como entrega espiritual a outrem. A primeira concepção leva ao entendimento da dignidade humana como autonomia individual, ou autodeterminação; a segunda, como qualidade do ser vivo, capaz de dialogar e chamado à transcendência”. AZEVEDO, Antonio Junqueira. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. REVISTA USP, São Paulo, n.53, p. 90-101, março/maio 2002.

34 O princípio mais importante que tem valor fundamental é o da dignidade da pessoa humana que é,

historicamente, um dos mais importantes e vem expressamente previsto na Declaração da UNESCO, nos artigos 1o a 4o e na Constituição Federal Brasileira, artigo 1o, inciso III. “A dignidade da pessoa humana precede ao Direito e, logicamente, não deve ser apenas reconhecida quando determinada ordem jurídica a prevê expressamente. Daí a conclusão segundo a qual, mesmo que não exista previsão expressa na normativa jurídica a respeito do atributo intrínseco à pessoa humana, sempre deverá ser assegurada a dignidade, especialmente a partir da tutela de vários bens jurídicos que se vinculam à dignidade como a vida, a integridade física, a rigidez moral e psíquica, a intimidade em diferentes graus.” GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. A Nova Filiação: O Biodireito e as Relações Parentais: O Estabelecimento da Parentalidade-Filiação e os Efeitos Jurídicos da Reprodução Assistida Heteróloga. São Paulo: Renovar, 2003. pp. 119 e 137.

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Conforme assevera Guilherme Calmon Nogueira da Gama, o planejamento familiar exige, por óbvio, educação e informação às pessoas acerca das opções e mecanismos de controle de fecundidade. “Há nítida conexão entre os aspectos políticos, econômicos, sociais e familiares no que tange ao planejamento familiar. Com base na informação, no aconselhamento, no acompanhamento da postura reprodutiva, é perfeitamente possível que as pessoas passem a assimilar a concepção de que cabe a elas, na sua privacidade, a possibilidade de livre decisão quanto ao número de filhos, espaçamento entre eles.”36 O

mesmo autor explica que essa postura de liberdade reprodutiva está inserida em democracias e não em ditaduras, como o que ocorrera na China, quando entre 1979 e 2015, existia a política do filho único37. Atualmente, países na Europa e na China sofrem com a queda da taxa de natalidade e o grave problema de previdência que os governos enfrentam por terem uma população muito velha. Assim, políticas de incentivo à maternidade e à paternidade como, por exemplo, extensão da licença maternidade ou prêmios econômicos propriamente ditos são algumas medidas adotadas para estimular o nascimento de bebês nos países em que a população é notadamente idosa.

Em nível internacional, conforme leciona Maria Helena Diniz, a liberdade dos direitos ao planejamento familiar percorreu um longo caminho. Em 1968, na Conferência de Direitos Humanos das Nações Unidas ocorrida em Teerã, admitiu-se o direito humano básico de controlar a gravidez, regalando aos pais o direito de decidir o número de filhos que pretendiam, além do direito à adequada educação e informação a este respeito. Em 1974, em Bucareste, na Conferência Mundial de População, reconheceu-se que todo ser humano tem direito de receber do Poder Público informações sobre como realizar o planejamento familiar e obter gratuitamente os meios para a efetivação de sua tomada de decisão38. A Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento ocorrida em 1994, proporcionou a formação de princípios éticos relacionados à esfera dos direitos reprodutivos como, por exemplo, o

36 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. A Nova Filiação: O Biodireito e as Relações Parentais: O

Estabelecimento da Parentalidade-Filiação e os Efeitos Jurídicos da Reprodução Assistida Heteróloga. São Paulo: Renovar, 2003. p. 444.

37 Como a política do filho único tornou-se uma ameaça para a economia da China. Disponível em:

https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2020/01/como-politica-do-filho-unico-tornou-se-uma-ameaca-para-economia-da-china.html. Acesso em 20.Ago.2020.

38 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 9a ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 175. Em seu livro,

Maria Helena Diniz comenta que a alta fertilidade e o crescimento da população influenciaram a consolidação da ideia de controle da natalidade e a implementação de uma política populacional e do programa de planejamento familiar, visando o bem-estar dos indivíduos, melhora da saúde e, por que não dizer, uma “sustentabilidade” e equilíbrio populacional. No Brasil, as políticas públicas de acesso à informação sobre métodos contraceptivos iniciou em 1965, até 1988, quando a Constituição consagrou o direito ao planejamento familiar como algo que não está vinculado à política de controle demográfico, mas a decisão de cada casal.

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reconhecimento dos direitos reprodutivos como direitos humanos pelos Estados, direito da pessoa ter controle sobre questões relativas à sexualidade e à saúde sexual e reprodutiva39, sendo que a responsabilidade pela paternidade é do casal e não do Estado, conforme preceitua o já citado artigo 1.565, §2o.

O direito ao planejamento familiar esbarra ainda na questão do Direito Sucessório, pois, como ensina Salomão Cateb, “o homem sempre dedicou afeição maior a seus filhos, (...), imaginando, muitas vezes, ser possível o filho seguir os passos do pai, em autêntico prolongamento da vida post mortem”.40

2.1. Direito à reprodução ou direitos reprodutivos

O direito à reprodução está inserido no planejamento familiar. Pode ser resumido como a liberdade de a pessoa exercer sua vida sexual e reprodutiva, definindo o momento de gerar um filho e a quantidade de rebentos que pretende ter, podendo - para evitar os mesmos, recorrer a métodos contraceptivos - ou para tê-los, aos métodos mais modernos de reprodução humana assistida41. Trata-se mais de liberdade negativa do que positiva: o direito de não ter filhos por meio dos métodos de contracepção, cuja escolha cabe ao casal.

Os direitos reprodutivos e sexuais foram definidos, na Conferência Internacional de Beijing, em 1995, como aqueles que “incluem certos direitos humanos que já estão reconhecidos nas leis nacionais, nos documentos internacionais sobre direitos humanos e em outros documentos pertinentes das Nações Unidas aprovados por consenso.”42 O documento, de acordo com Maria Helena Diniz, reconhece o papel central da sexualidade no tocante à saúde e aos direitos da mulher, afirma que as pessoas devem assumir responsabilidade frente ao próprio comportamento sexual e fecundidade e assegura, nos casos de abortos legais, os serviços médicos prestados em condições de higiene e saúde.

Importante conquista a respeito dos direitos reprodutivos deu-se no campo da infertilidade ou esterilidade que, para fins da presente dissertação, serão considerados

39 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. A Nova Filiação: O Biodireito e as Relações Parentais: O

Estabelecimento da Parentalidade-Filiação e os Efeitos Jurídicos da Reprodução Assistida Heteróloga. São Paulo: Renovar, 2003. p. 445. O autor cita a Professora Flávia Piovesan que em seu livro Temas de direitos humanos, p. 170, traz a informação de que o Plano de Cairo recomenda às nações que adotem uma série de providências para para o fim de buscarem obter certos objetivos, como, por exemplo, o crescimento econômico sustentado, a educação, a redução da mortalidade neo-natal, infantil e materna e o acesso universal e democrático aos serviços de saúde reprodutiva, especialmente de planejamento familiar e de saúde reprodutiva e sexual.

40 CATEB, Salomão de Araujo. Direito das Sucessões. 7ª edição. São Paulo; Atlas, 2012. pp. 105 e 106. 41 SCALQUETTE, Ana Claudia. Estatuto da Reprodução Assistida. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 308. 42 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 9a ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 177

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sinônimos, apesar de serem definidos por conceitos diferentes no meio científico. Em breves linhas, esterilidade é o estado em que a gravidez não é conseguida e a infertilidade é a não-viabilidade do novo ser, apesar de alcançada a gravidez43.

Conforme leciona Eduardo de Oliveira Leite, em Roma, a esterilidade condenava a mulher à mais trágica posição, justificando-se o repúdio do marido. Até o final do século XV era inadmissível a ideia de que homem também pudesse ser estéril. Somente em 1677, Johann Ham afirmou que a esterilidade também poderia ocorrer por ausência ou escassez de espermatozóides, admitindo-se, no meio científico, pela primeira vez, que a esterilidade também poderia ser masculina. Dessa forma, a noção de esterilidade conjugal surgiu no século XVII. E somente no século XIX pesquisadores concluíram que a fertilização era constituída pela união do núcleo de um espermatozóide com o de um óvulo44, formando um ovo. O século XX, principalmente, a partir da década de 1970, pesquisadores avançam freneticamente no desenvolvimento de técnicas de fertilização in vitro até a concepção e nascimento com vida do primeiro bebê proveta do mundo, Louise Brown, na Inglaterra, em 1978.

Dados estatísticos demonstram que vários casos de fertilização in vitro resultam de esterilidade adquirida por força de esterilização e outros métodos de anticoncepção. Como bem pontua Guilherme Calmon Nogueira da Gama: “É importante destacar que o emprego de qualquer uma das técnicas de reprodução assistida não representa a cura da esterilidade diagnosticada da mulher, mas sim o instrumento possível para a reprodução humana, a despeito da continuidade da esterilidade”45.

Portanto, a infertilidade não é causa para o afastamento do direito à concepção e descendência. Aos casais inférteis existe a possibilidade da filiação por meio da reprodução assistida que pode ou não ser coberta pelo plano de saúde46. Entendimento no Superior

43 SCALQUETTE, Ana Claudia. Estatuto da Reprodução Assistida. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 61. A autora

cita o Manual de Reprodução Humana da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia, que classifica a infertilidade como: Primária, significa que a mulher nunca concebeu, apesar da prática de coitos regulares, sem anticoncepção, por um período mínimo de dois anos; e Secundaria, refere-se à mulher que já concebeu, uma ou mais vezes e não volta a engravidar, apesar de manter coitos sem anticoncepção, por um período mínimo de dois anos.

44 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos,

éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 18.

45 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. A Nova Filiação: O Biodireito e as Relações Parentais: O

Estabelecimento da Parentalidade-Filiação e os Efeitos Jurídicos da Reprodução Assistida Heteróloga. São Paulo: Renovar, 2003. p. 90.

46 A Lei n. 11.935 de 2009 alterou o artigo 36 da lei 9.656/98, acrescentando um novo tipo de cobertura de

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Tribunal de Justiça, historicamente, vem se consolidando em favor dos planos de saúde, em face do trabalho de interpretação literal e teleológica da lei que rege o setor da saúde suplementar.

Nesse sentido, o Enunciado 20 do CEJ/CJF, cuja redação fora registrada na III Jornada de Direito de Saúde, em 18/3/2019, assim dispôs: “A inseminação artificial e a fertilização in vitro não são procedimentos de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde, salvo por expressa previsão contratual.”47

Questiona-se aqui se as técnicas de reprodução assistida deveriam ser utilizadas tão e somente pelas pessoas estéreis. Ou, em sendo o direito à reprodução absoluto, não se estaria admitindo a legitimidade de práticas eugênicas, permitindo escolhas pessoais sobre, por exemplo, características do bebê. Guilherme Calmon Nogueira da Gama pontua como oportuna e coerente a disposição do artigo 152-2 do Código de Saúde Pública da França que, além de admitir o recurso à reprodução medicamente assistida em caso de infertilidade, prevê a hipótese da técnica ser utilizada para evitar a transmissão de doenças graves aos bebês gerados48.

Importante notar que a grande mudança de paradigma sobre o planejamento familiar e na questão sobre o direito à reprodução pousam na livre escolha do casal ou da pessoa solteira que pretende exercer sua maternidade/paternidade. Se antes o Estado tinha o objetivo de controlar a natalidade de sua população, hoje, o que determinará se uma pessoa será mãe ou pai será sua própria vontade. Ainda que o casal não consiga concretizar uma gravidez, sempre haverá a opção da adoção (seja ela embrionária ou de crianças já nascidas). Entretanto, é sempre importante ponderar, como Eduardo de Oliveira Leite, que “o processo de angústia pelo fracasso no projeto de paternidade, não é só ditado no ambiente restrito ao casal, ou, em projeção mais larga, no ambiente familiar, mas - e aqui entra o componente irônico do problema - continua determinado pelo meio social”49. Por isso, quanto mais informação a população tiver, não só sobre os métodos contraceptivos, mas também reprodutórios, mais poderá ser livre no sentido de ser efetivamente responsável por sua escolha.

(ANS), Disponível em: http://www.ans.gov.br/a-ans/sala-de-noticias-ans/a-ans/996-ans-define-cobertura-obrigatoria-para-quatro-novos-procedimentos#sthash.nq87IQUi.dpuf. Acesso em 20.Ago.2020.

47 Lei optou excluir fertilização in vitro de plano de saúde. Disponível em:

https://www.conjur.com.br/2020-mar-03/lei-optou-excluir-fertilizacao-in-vitro-plano-saude. Acesso em 13.Jun.2020.

48 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. A Nova Filiação: O Biodireito e as Relações Parentais: O

Estabelecimento da Parentalidade-Filiação e os Efeitos Jurídicos da Reprodução Assistida Heteróloga. São Paulo: Renovar, 2003. p. 94.

49 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos,

(31)

2.1.1. Direito à filiação

O reconhecimento de um estado de filiação decorre da mudança que o próprio conceito de família sofreu com o decorrer do tempo50. Ao considerar-se que o direito à experiência familiar é um direito fundamental, consequemente, o estado de filiação ganhou uma nova perspectiva, sendo algo essencial para que o indivíduo estruture-se biopsiquicamente.

Asseveram Maria de Fátima Freire de Sá e Ana Carolina Brochado Teixeira que o estado de filiação é diferente do direito de personalidade ao conhecimento da origem genética, que se refere à origem biológica, que se referem aos traços genéticos que o acompanham. “O estado filiação diz da experiência de ser filho, sem que esta esteja atrelada a laços consanguíneos, à similitude do DNA ou a um título civil, que se traduz juridicamente em uma certidão de nascimento.”51

Em seu artigo “Desbiologização da Paternidade”, João Baptista Villela questiona qual é o quid específico que faz de alguém um pai, independentemente da geração biológica: “Se se prestar atenta escuta às pulsações mais profundas da longa tradição cultural da humanidade, não será difícil identificar uma persistente intuição que associa a paternidade antes com o serviço que com a procriação52.”

E é sob a ótica de se ter um direito de viver a experiência de ser cuidado e ser objeto de afeto é que as autoras encaixam o direito à filiação, como um direito de personalidade. Ou seja, de estar inserido dentro de uma família, de ter sido querido, planejado, independentemente dos vínculos biológicos. Na visão das mencionadas autoras, é de grande valia desmistificar o estado de filiação como um vínculo exteriorizado através de uma certidão de nascimento.

Apesar quando estiverem sedimentados os contornos do que significa ser filho para o Direito é que será possível a verdadeira incorporação deste como um direito de personalidade, porque eta experiência é essencial para a concretização da dignidade humana, para a construção da personalidade, ato jurídico dialético, dialógico, que tem suas bases

50 Sobre o tema, ver: GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações

parentais: o estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, capítulo III, pp. 337-488.

51 SÁ, Maria de Fátima Freire de.; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Filiação e biotecnologia. Belo

Horizonte: Mandamentos, 2005, p. 39.

52 VILLELA, João Baptista. DESBIOLOGIZAÇÃO DA PATERNIDADE. REVISTA DA FACULDADE DE

DIREITO DA UFMG, [S.l.], n. 21, p. 400-418, fev. 2014. ISSN 1984-1841. Disponível em: <https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1156>. Acesso em: 28 ago. 2020.

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