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PARTE I PANORAMA ATUAL DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

4. Do embrião e embrião criopreservado, do pré-embrião, do nascituro: início da

4.1.3. Do início da vida e da tutela jurídica

Existem diversas correntes que explicitam sua crença de quando se inicia a vida, e, assim, é puxado o gatilho para a sua preservação com todas as tutelas jurídicas que lhe cabem. Para o Catolicismo e Cristianismo, atualmente143, o início da vida ocorre com a fecundação, já

que após a fecundação está constituído um ser humano em processo de formação. No caso do Judaísmo, acredita-se que o embrião é ser humano a partir do quadragésimo dia.144 Para o

Islamismo, a vida também é criada quando ocorre a fecundação, e no Hinduísmo, em que pese exista a crença na reencarnação, a vida inicia quando a alma se une ao corpo por meio da fecundação. No Budismo, não há um início, posto que a vida é um processo ininterrupto.

Na seara científica também há dissonância quanto ao início da vida humana. A visão da genética defende a tese de que a vida de qualquer ser, inclusive o humano, tem início com a fecundação, pois a união dos gametas gera um código genético, constituindo, portanto, um novo ser em potência. A visão embriológica prega que a vida se inicia na terceira semana após a concepção, quando o embrião está formado. A neurológica afirma que a vida se inicia quando o sistema nervoso está, de forma primitiva, constituído, pois é o seu funcionamento que doa a possibilidade da vida. E a ecológica, por sua vez, afirma que a vida se inicia quando o feto deixa o útero e interage com o mundo.

Essas quatro visões partem de interpretações diferentes: uma que a vida se inicia com a estruturação do genoma, ou com a formação do

143 A ressalva sobre a atualidade do conceito de vida, na religião católica, faz-se necessária: “S. Tomas de

Aquino, por exemplo, seguindo, como de costume, Aristóteles (História dos Animais, 583b), considerava como embrião, para os devidos efeitos, o produto da concepção até cerca de 40 a 80 dias aproximadamente, após a fecundação, consoante o nascituro fosse menino ou menina, respectivamente. Em geral, no período medieval, tinha-se duas posições quanto à problemática do momento em que a alma e o corpo se juntam para viabilizar o projeto humano. Referimo-nos às teses da animação mediata e da animação imediata. A primeira, partindo do princípio de que a alma (entenda-se aqui a alma como a alma intelectiva) é criada por Deus e infundida no feto após a conclusão da organogênese. A segunda , que a animação se dá por ocasião da fecundação, isto é, desde o primeiro momento da existência do embrião. Tomás de Aquino foi um notório defensor da primeira, e Gregório de Nissa da segunda.” Ver: MARIA DA CONCEIÇÃO CAMPS, O estatuto do embrião humano em Tomás de Aquino e Gregório de Nissa. A relação alma-corpo e o início da vida humana, in: MEDIÆVALIA, Textos e estudos, 25 (2206), 131-142. Disponível em: ojs.letras.up.pt/index.php/mediaevalia/article/download/3313/2986. Acesso em 20.Set.2020.

144 ALMEIDA, Rogério M., RUTHES, Vanessa R M. A POLÊMICA DO INÍCIO DA VIDA: uma questão de

perspectiva de interpretação, publicado na Revista Pistis & Praxis, Teologia e Pastoral. Curitiba, v. 2, n. 1, p. 113-124, jan./jun. 2010. Disponível em: <www2.pucpr.br/reol/index.php/pistis?dd99=pdf&dd1=3550>. Acesso em 21.set.2018.

embrião, com a formação do sistema nervoso ou com a interação com os demais seres. Percebe-se assim que, por mais que se fundamentem em dados objetivos, sua interpretação não é neutra, é pautada em uma visão de mundo, que por sua vez provém de um conjunto axiológico.”145

Christian de Paul de Barchifontaine146 reflete que se o embrião humano é um membro da comunidade moral, quais são suas condições? Elenca o autor as possibilidades de que (i) o embrião humano deve ser considerado como pessoa e pertence à comunidade moral, não sendo diferenciado, portanto, de outros estágios do desenvolvimento humano (embrião, feto, recém-nascido, criança, adulto…); (ii) o embrião humano é uma coisa, considerando-se que oriundo de técnicas de reprodução artificial, podendo ele ser transferido, congelado, estocado, utilizado com fins de pesquisa. Essa posição é defendida, notadamente, pelo filósofo Peter Singer147; (iii) o embrião humano é uma simples entidade biológica se não for investido de um projeto parental de criança, mas é uma pessoa potencial se ele for investido de um projeto de criança.

A definição de início da vida e, consequentemente, de tutela jurídica também ensejou

a criação de teorias sobre a personalidade. Segundo Eduardo de Oliveira Leite, a fecundação in vitro criou uma situação especialíssima na história da maternidade: pela primeira vez na história da humanidade, o começo da vida humana se encontra dissociado do corpo da mulher geradora. “Até agora, o Direito sempre esteve estruturado sob o princípio da indivisibilidade do corpo e do espírito, indivisibilidade constitutiva da pessoa humana e da personalidade jurídica, ao mesmo tempo, entre as quais existe uma relação de identidade.”148

145 ALMEIDA, Rogério M., RUTHES, Vanessa R M. A POLÊMICA DO INÍCIO DA VIDA: uma questão de

perspectiva de interpretação, publicado na Revista Pistis & Praxis, Teologia e Pastoral. Curitiba, v. 2, n. 1, p. 113-124, jan./jun. 2010. Disponível em: <www2.pucpr.br/reol/index.php/pistis?dd99=pdf&dd1=3550>. Acesso em 21.set.2018.

146 BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Bioética no Início da Vida. Revista Pistis & Praxis. Teologia e

Pastoral. Curitiba, v. 2, n. 1, p. 41-55, jan./jun. 2010. Disponível em <www2.pucpr.br/reol/index.php/pistis?dd99=pdf&dd1=3546>. Acesso em 21.Set.2018.

147 O autor explica o argumento de Singer é a utilização do mesmo critério para decretar o fim da vida humana.

Para Singer, se a vida humana termina com a desaparição definitiva das funções cerebrais, ela deve iniciar com a aparição das primeiras funções cognitivas ligadas à organogênese cerebral: se a medicina reconhece que a perda funcional do cérebro é uma base suficiente para declarar que não há mais uma pessoa viva no corpo, então por que não utilizar o mesmo critério na outra extremidade da existência? Singer sugere que o embrião seja considerado como uma coisa, e não como pessoa, até a aparição das primeiras funções cerebrais. Sobre as considerações de Singer, ver: https://www.youtube.com/watch?v=L558WtD1tU8. Acesso em 30.Set.2020.

148 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos,

Ao longo do tempo, a compreensão da origem da vida de maneira mais científica foi recebendo diversas versões, que culminaram em teorias acerca da personalidade, como será visto a seguir.