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PARTE II A SUCESSÃO DO EMBRIÃO CRIOPRESERVADO

7. Linhas gerais sobre o Direito das Sucessões

Antes de analisarmos os reflexos da Reprodução Assistida no Direito Sucessório, é importante definir o que é esse ramo tão importante do Direito. Clóvis Beviláqua define sucessão, em sentido geral como “sequência de fenômenos ou fatos, que aparecem uns após outros, ora vinculados por uma relação de causa, ora conjuntos por outras relações”.270

Sendo a sucessão um desencadeamento, uma sequência, aufere-se que passa a existir a partir do momento que o outro desaparece. Inocêncio Galvão Telles acrescenta que a sucessão ou transmissão investe a outrem um conjunto de direitos e de obrigações que antes pertencia a outro. “Quando alguém falece, todos os seus direitos e obrigações, que não sejam intransmissíveis por morte, se transferem a uma ou mais pessoas, nos termos adiante declarados. É o que se chama sucessão”271. Flávio Tartuce diz que “genericamente, ou em sentido amplo, a palavra sucessão significa transmissão, o que pode decorrer de ato inter vivos ou causa mortis”272. Quando ocorre inter vivos, tem-se uma relação jurídica abarcada pela teoria geral das obrigações em que se estuda, por exemplo, cessão de crédito, entre outros. Já quando ocorre por causa mortis, tem-se a sucessão cuja ideia é a transmissão hereditária que surge a partir da morte. Assim, sucessão é nas palavras de Flávio Tartuce273:

O ramo do Direito Civil que tem como conteúdo as transmissões de direitos e deveres de uma pessoa a outra, diante do falecimento da primeira, seja por disposição de última vontade, seja por determinação da lei, que acaba por presumir a vontade do falecido. (...) O Direito Sucessório está baseado no direito de propriedade e na sua função social (art. 5º, XXII e XXIII, da CF). No entanto, mais do que isso, a sucessão mortis causa tem esteio na valorização constante da dignidade humana, seja do ponto de vista individual ou coletivo, conforme os arts. 1º, inciso III, e 3º, inciso I, da CF, tratando o último preceito da solidariedade social, com marcante incidência nas relações privadas.

Leciona José de Oliveira Ascensão que um dos fundamentos da sucessão mortis causa é a exigência da continuidade da pessoa humana. Salomão de Araujo Cateb afirma que a

270 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997. p. 15.

271 TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das sucessões: noções fundamentais. 6a edição. Coimbra Editora, 1996,

p. 59.

272 TARTUCE, Flávio. Direito Civil, volume 6. Direito das Sucessões. 7ª edição. 2014. São Paulo, Editora

Método, p. 2.

273 TARTUCE, Flávio. Direito Civil, volume 6. Direito das Sucessões. 7ª edição. 2014. São Paulo, Editora

sucessão, primordialmente, tinha um sentido transcendente e dava ao homem a ilusão de que poderia perpetuar-se, viver além-túmulo. Cateb conta que Assis Chateubriand, fundador dos Diários Associados, elaborou um testamento, dividindo sua empresa em dez partes, destinando cada décimo para uma pessoa que ele considerava “seu continuador”. “Estabeleceu, no testamento, entre outras disposições, como seria a transferência da quota do beneficiado e, assim, sucessivamente. Seu projeto é permanecer, mesmo depois de morto, que a empresa fosse administrada segundo sua vontade.”274 Ressalva Cateb que a ideia da

continuação da pessoa é uma ficção. Posto que o que está morto, não mais existe. E acrescenta que a herança não abrande os direitos personalíssimos do indivíduo, porque estes jazem com o morto. Para Inocêncio Galvão Telles, o que não se pode contestar é que a sucessão nos direitos pessoais, embora de verdadeira sucessão se trate, processa-se à margem da sucessão no patrimônio. Precisamente ao contrário do que se dava na primitiva sucessio romana, ingresso como heres na posição de titular do cargo de chefe familiar ou doméstico, com todas as suas decorrências ou implicações de ordem pessoal e patrimonial, fundidas na mesma soberania. Hoje em dia os direitos pessoais não se transmitem necessariamente ao herdeiro; e se se transmitem não é por força de seu título275.

A não de ser do instituto sucessório foi profundamente analisada por Telles. Para o autor o instituto é absolutamente indispensável desde que se reconheça a propriedade individual:

Uma vez que os indivíduos podem ser proprietários no sentido geral ou amplo da palavra, isto é, podem ter um patrimônio maior ou menor, podem ter bens e dívidas, podem ser sujeitos de direitos sobre coisas, de créditos, de débitos, é forçoso que alguém se lhes substitua nessas posições quando falecem, que tenham um ou mais sucessores, tomando o termo com a amplitude que atrás ficou definida para este efeito. De contrario dar-se-ia uma ruptura injustificada da vida jurídica, com perturbar˜ao da ordem frustração de legítimas expectativas. As coisas imóveis ficariam sem dono e pergunta-se qual seria o seu destino. (…) Os créditos extinguir-se-iam, com ilegítimo benefício para os devedores e ilegítimo prejuízo para os credores, respectivamente. Tudo isso se evita com o instituto sucessório, que dispõe as coisas por forma que

274 CATEB, Salomão de Araujo. Direito das Sucessões. 7ª edição. São Paulo; Atlas, 2012. pp. 8 e 9.

275 TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das sucessões: noções fundamentais. 6a edição. Coimbra Editora, 1996,

haja um ou mais adquirentes do patrimônio, definidos segundo as regras estabelecidas276.

A sucessão pode ser legítima ou testamentária. A legítima é a estabelecida pela lei que afirma que determinadas pessoas são os herdeiros legítimos e têm uma ordem da vocação hereditária, estipulada no art. 1.829 do Código Civil que impõe:

A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime de comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.641 parágrafo único); ou se, no regime de comunhão parcial o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais.

Os herdeiros testamentários são aqueles elegidos pelo de cujus a receber parte de seu patrimônio, que não pode exceder de 50%. Os descendentes são a primeira classe a ser chamada a suceder. São sucessores os descendentes em linha reta, ad infinitum, o que significa que se o filho pre-morto tem filhos, estes serão os herdeiros por representação.

Se o autor da herança faleceu sem deixar testamento, a sucessão é legítima ou ab intestato, sendo deferido todo o patrimônio para os herdeiros seguindo a ordem de vocação hereditária. Se deixou testamento válido, a herança será atribuída às pessoas indicadas pelo disponente no ato de última vontade, resguardando-se a parte legítima dos herdeiros necessários, considerada um “freio ao pode de dispor por ato de última vontade”277.

A regra da sucessão institui que aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários - o princípio da saisine (expresso no direito gaulês le mort saisit le vif). A herança, universal e indivisível, é transmitida a todos os seus herdeiros, considerando-se que a lei do dia morte é a que rege todo o processo sucessório do de cujus.

Preceitua o artigo 1.798 do Código Civil que legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebias no momento da abertura da sucessão. Conforme já visto, a lei preceitua hoje que o nascituro, se nascer com vida, ainda que já falecido o de cujus, herdará de acordo com seu título sucessório. Se não chegar a termo a gestação, será como se nunca

276 TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das sucessões: noções fundamentais. 6a edição. Coimbra Editora, 1996,

pp. 257-258.

277 MONTEIRO, Washington de Barros; FRANÇA PINTO, Ana Cristina de Barros. Curso de direito civil v. 6:

tivesse existido. Sobre os embriões criopreservados, contudo, há grande polêmica que está inscrita tanto na problemática da reprodução post mortem quanto na sucessão propriamente dita.

7.1. Do direito fundamental à herança e a legítima

Como visto, a sucessão pode ser legítima ou testamentária. Por testamento, pode o autor da herança dispor até 50% de seus bens. A outra metade é reservada aos seus herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge, art. 1.845 do Código Civil) que tem direito à esta parte da herança, chamada de legítima278. Entretanto, sua compreensão difere do

herdeiro legítimo, indicada no art. 1.829 do Código Civil. Na lição de Washington de Barros Monteiro, “todo herdeiro necessário é legítimo, mas nem todo herdeiro legítimo é necessário, também designado legítimário, reservartário, obrigatório ou forçado”279.

O direito de herança está positivado no artigo 5o, XXX, da Constituição Federal, que tem como princípio fundante a dignidade da pessoa humana (artigo 1o, III). Segundo Débora Gozzo, ao ter estabelecido o direito de herança como um direito fundamental, essencial para a pessoa, o legislador constituinte passa a proteger o cidadão de qualquer ato que o Estado ou particulares possam praticar, e que tenha por fim a violação desse direito. “Em outras palavras, trata-se aqui de uma garantia do cidadão contra o Estado (eficácia vertical) e contra os demais particulares (eficácia horizontal). Só uma nova Constituição poderia alterar esta previsão constitucional, de acordo com o art. 60, § 4º, IV , posto ser o inciso XXX do art. 5º do Constituição, direito fundamental e portanto, cláusula pétrea”280.

De acordo com a autora, por ser considerado direito fundamental, não há que se falar em discussão sobre a manutenção ou não do direito à legítima, reservada aos herdeiros reservatários ou necessários. Isso porque a discussão o direito à legítima de alguns herdeiros,

278 Débora Gozzo assevera que a qualidade de herdeiro necessário é tão especial, por ser ele supostamente tão

próximo do autor da herança, que só em certas situações previstas em lei ele poderá ser excluído da sucessão. Isto poderá ocorrer no caso da chamada indignidade (CC, arts. 1.814 e s.) ou da deserdação (CC, arts. 1.961 e s.). GOZZO, Débora. A busca pela igualdade no direito fundamental de herança. Revista Brasileira de Direitos

Fundamentais & Justiça, v. 9, n. 33, p. 101-122, 30 dez. 2015. Disponível em:

http://dfj.emnuvens.com.br/dfj/article/view/156/879. Acesso em 14.Out.2020.

279 MONTEIRO, Washington de Barros. FRANÇA PINTO, Ana Cristina de Barros. Curso de direito civil, v. 6:

direito das sucessões. 39a ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 129.

280 GOZZO, Débora. A busca pela igualdade no direito fundamental de herança. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 9, n. 33, p. 101-122, 30 dez. 2015. Disponível em:

leva a outro direito fundamental, o direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII), que exerce uma função social.

Sendo assim, observa-se, desde já, que a herança exerce uma função fundamental no seio da família, qual seja, a de transmitir a propriedade daquele que falece aos seus integrantes, fazendo com que a propriedade cumpra basicamente a função social de ampará-los economicamente. Daí a preservação na maior parte dos ordenamentos, do chamado direito à legítima e da igualdade que ele proporciona aos herdeiros necessários281.

Na mesma linha, defende Carolina Valença Ferraz que a proteção à família, por meio da reserva hereditária, encontra suas raízes na constitucionalização do direito civil, pois, se a pretensão da sucessão legitimária é resguardar a família, está em consonância com o dispositivo constitucional do artigo 226, caput.

Já para Ana Luiza Maia Nevares, citada por Ferraz, uma lei que determine a extinção da quota necessária seria anti-social, mas não inconstitucional, uma vez que, apesar de o referido instituto concretizar no ordenamento jurídico brasileiro princípios constitucionais, não há na Constituição Federal de 1988 qualquer garantia ao direitos dos herdeiros necessários. Sendo, portanto, segundo sua concepção, apenas inconstitucional uma lei que abolisse a sucessão causa mortis em si, em virtude da garantia do direito de herança, conforme dispõe o art. 5o, XXX, mas não a reserva dos herdeiros necessários282.

A questão da manutenção da reserva de legítima é fonte de debate entre os doutrinadores. Segundo Flávio Tartuce, Clóvis Beviláqua relata que a plena liberdade de testar, sem qualquer proteção da legítima, chegou a ser aprovada no Senado, tendo sido rejeitada na Câmara dos Deputados. Beviláqua argumentava que a plena liberdade de testar seria o legítimo exercício da autonomia privada; e, em especial, a liberdade de testar desenvolveria a iniciativa individual porque, quando o sujeito sabe que não poderá contar com a herança, buscaria desempenhar atividades para lhe dariam o devido sustento. Tartuce argumenta que apesar dos argumentos para a plena liberdade de testar, a legítima deveria ser reduzida para 25% do patrimônio do testador. “Tal redução, talvez, terá o condão de aumentar

281 GOZZO, Débora. A busca pela igualdade no direito fundamental de herança. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 9, n. 33, p. 101-122, 30 dez. 2015. Disponível em:

http://dfj.emnuvens.com.br/dfj/article/view/156/879. Acesso em 14.Out.2020.

282 FERRAZ, Carolina Valença. BIODIREITO: A proteção jurídica do embrião in vitro. São Paulo: Verbatim,

o desenvolvimento social e econômico do Brasil, colocando, na mente de todos, a necessidade de busca pelo trabalho, que tanto engrandece o ser humano nos planos pessoal e social”283.

Apesar dos argumentos ora apresentados, acompanhamos a doutrina de que a reserva de legítima é direito fundamental, portanto, só poderia ser alterada por meio de nova Constituinte.

O direito constitucional à herança encontra ainda a supremacia do princípio da igualdade dos filhos, proibindo-se qualquer discriminação entre eles. Assim, filhos oriundos de casamento, fora do casamento, filhos adotivos e concebidos por reprodução assistida são iguais perante a lei. A igualdade também está expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, em seus artigos 20, 26 e 27. Ou seja, sobre a parte legítima, os filhos devem receber o mesmo quinhão.

O instrumento jurídico para igualar os quinhões, caso tenha sido feita alguma doação ou partilha feita em vida pelo de cujus tentando beneficiar algum filho, é a colação. Se o testador quiser premiar um dos descendentes ou cônjuge terá de recorrer à porção disponível - via testamento - posto que a legítima se caracteriza pela sua intangibilidade e inviolabilidade. Contudo, poderá haver dispensa de colação, se assim determinado pelo testador, nos termos do art. 2.055 do Código Civil284.

Ensina Débora Gozzo que a igualdade material (dos quinhões da legítima) possui uma dimensão positiva e uma negativa, que se apresenta tanto no dever de não discriminar como no dever de igualar. Na hipótese de um filho vier a ser concebido e nascer com vida depois da morte de seu genitor, como previsto no art. 1.597, III e IV do Código Civil, por meio de técnicas de reprodução humana, estará abarcado pelas normas sucessórias que ora se interpretam.

Apesar da discussão doutrinária acerca do tema, sobre ele ter ou não direito sucessório, posto o art. 1.798 da lei civil dispor estarem legitimados a suceder “as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”, num primeiro momento tudo indica que no caso de colação não há como se questionar sobre esta possibilidade. Isto porque, para que o bem seja levado à colação, imprescindível que tenha havido alguma

283 TARTUCE, Flávio. Direito Civil v6: direito das sucessões. 7a. ed. São Paulo: Método, pp. 34-35.

284 MONTEIRO, Washington de Barros. FRANÇA PINTO, Ana Cristina de Barros. Curso de direito civil, v. 6:

liberalidade em vida: doação ou partilha em vida, em princípio. Tanto num caso quanto no outro há de se pressupor que o donatário ou o herdeiro testamentário – partilha em vida, por testamento, que produzirá efeitos após a morte do testador –, pressupõe a existência física da pessoa. A única exceção se daria em relação ao nascituro, que, apesar de ainda não ser pessoa para o ordenamento, tem todos os seus direitos resguardados desde a concepção (CC, art. 2º). Em sendo assim, como previsto expressamente pelo legislador no art. 542 do Código Civil, o nascituro poderá receber doação válida, desde que ela seja “aceita por seu representante legal.” Embora se defenda que o filho concebido por inseminação post mortem é titular de direitos sucessórios, parece que a efetivação de doação (CC, art. 544) ou de partilha em vida (CC, art. 2.018), que o beneficie, seja difícil de ocorrer. Se, no entanto, chegar-se na prática a esta situação, ele também deverá estar sujeito às regras da colação. Neste caso, seu representante legal terá de levar o bem ou os bens recebidos perante o Juízo, para conferência, a fim de equiparar seu quinhão hereditário ao dos demais descendentes. Não há como abrir exceções à regra geral de igualdade entre os descendentes285.

Portanto, os herdeiros necessários têm direito à legítima que fica assegurada com instrumentos para que tenham seus quinhões igualados, inclusive por meio da colação, caso sejam feitas doação ou a partilha enquanto o genitor for vivo.

7.2. A problemática do embrião congelado

Conforme já visto, presumem-se concebidos na constância do casamento, de acordo com o artigo 1.597 do Código Civil, filhos do marido e seus herdeiros: I - os nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - os nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, pois morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III- os havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - os havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - os havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

285 GOZZO, Débora. A busca pela igualdade no direito fundamental de herança. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 9, n. 33, p. 101-122, 30 dez. 2015. Disponível em:

Assevera Débora Gozzo que no inciso V do mencionado artigo, o legislador não menciona a possibilidade dessa prática ser levada a efeito a qualquer tempo, inclusive após a morte do marido. “Em todo caso, do ponto de vista do direito de família, se o marido concordar com esse procedimento, o filho será considerado seu e ele não poderá contestar sua paternidade, ainda que exame de DNA comprove que ele não é o genitor.286” Sob o ponto de

vista do direito sucessório, não tendo sido implantado o embrião criado com material genético de doador e falecido o marido, caso a mulher queira implantá-lo, este não poderá ser registrado como filho do de cujus. Isso porque a lei não menciona - diferentemente do que sucede nas outras duas hipóteses (CC, art. 1.597, III e IV)- que esse procedimento poderá ser feito a qualquer tempo.

Afirma a autora que o legislador tampouco diz como deverá ser tratada a sucessão do filho que nascer de mulher casada, utilizando material genético de seu marido falecido, como permite os incisos III e IV do art. 1.597 do Código Civil, em que está expresso que serão considerados filhos os havidos a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga287.

Suponha-se que três anos após a morte do marido, a viúva seja inseminada com sêmen congelado de seu marido e venha a dar à luz a um filho biológico de ambos. Como filho é descendente, ele teria direito à sucessão do genitor falecido, tanto quanto eventual prole concebida ou adotada por esse casal, anteriormente à concepção do filho, fruto de reprodução assistida. Enfim, tendo ele nascido três anos após a morte de seu genitor biológico, ele ainda poderia ingressar em juízo com a ação de petição de herança, prevista nos artigos 1.824 e seguintes, pois esse direito só estaria, em tese, prescrito após dez anos a contar da morte do autor da herança. Por conseguinte, se ele nascer a tempo de ter reconhecido seu direito à sucessão, não haverá maiores problemas, teoricamente. É claro que, na prática, a questão muda, pois a mera possibilidade da reprodução assistida post mortem poderá gerar insegurança nos herdeiros existentes, que poderão ter de dividir a herança com alguém que ainda não era nascido por ocasião da morte do hereditando, mas que é seu herdeiro necessário, de acordo com os artigos 1.829, I, e 1.845 da lei civil. E nem se tente alegar que só herdarão

286 GOZZO, Débora. Nova ordem de vocação hereditária. In: Principais Controvérsias no Novo Código Civil.

GOZZO, Débora. ALVES, José Carlos Moreira, REALE, Miguel (org.). São Paulo: Saraiva, 2006, p.88.

287 GOZZO, Débora. Nova ordem de vocação hereditária. In: Principais Controvérsias no Novo Código Civil.

(sucessão legítima ou testamentária) aqueles que forem vivos e que tiverem capacidade sucessória no momento da