• Nenhum resultado encontrado

PARTE I PANORAMA ATUAL DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

2. Direito ao planejamento familiar como direito fundamental

2.3. Da maternidade de substituição ou cessão temporária de útero

A maternidade de substituição, popular e erroneamente denominada no Brasil de “barriga de aluguel” consiste na possibilidade de uma mulher gerar o filho de outrem78, para,

quando de seu nascimento, entregá-lo à mulher, ao casal hétero ou homossexual que o pretendeu como filho.

77 ARAÚJO, Luciana Alessandra Nunes de. ARAÚJO NETO, Henrique Batista de. Reprodução assistida

heteróloga: o anonimato do doador de gametas e o direito a identidade genética. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1046/Reprodu%C3%A7%C3%A3o+assistida+heter%C3%B3loga:+o+anonimato+d o+doador+de+gametas+e+o+direito+a+identidade+gen%C3%A9tica#_ftn1. Acesso em 24.Ago.2020.

78 Optou-se por usar “outrem” em detrimento de “outra”, posto que, atualmente, um casal homossexual

masculino pode requerer que seu filho seja gerado por uma mulher, com óvulo doado por outra. Assim, a criança pode ter uma mãe biológica (doadora de óvulo) e uma mãe parturiente (que a gerou). Ainda que não conste em sua certidão de nascimento o nome dessas duas mulheres, sua identidade genética estará assim configurada. Por isso, não há mais como restringir o uso do pronome para o feminino, sendo que as possibilidades de configuração de família vão além de um único casal.

Durante séculos, o brocardo jurídico mater semper certa est (a mãe é sempre certa) era infalível. Ainda que houvesse dúvida quando à paternidade da criança79, a mãe era sempre certa, uma vez que o filho dela nascia. Hoje em dia, uma mulher pode ser a gestatrix e mãe biológica da criança, ou ser a doadora do óvulo ou do embrião fecundado com seu gameta, sem que seja aquela que levará a gravidez adiante, parindo aquele filho80. Pode, ainda, ser

somente aquela que realizou todos os procedimentos burocráticos para que esse filho viesse ao mundo, socorrendo-se de bancos de material genético para encontrar um óvulo, uma clínica para que pudesse fecundar este óvulo com o esperma de seu marido, ou de outro doador, e uma mulher em quem o embrião possa ser implantado81, realizando-se, desta forma,

seu projeto parental, com diversos tipos de parentesco82.

Na maternidade de sub-rogação tradicional, a mãe de substituição participa completamente do processo de procriação: é tanto a mãe genética como a mãe gestacional. Na gravidez de sub-rogação, a cessão do útero é um elemento do processo, mas não há qualquer ligação genética entre o bebê e a gestante83.

A polêmica deste procedimento é a grande possibilidade de a mãe gestacional – que é também mãe biológica- criar vínculos com o bebê e, ao dar a luz, negar-se a entregá-lo aos pais que a desejaram desde o início. O caso emblemático ficou conhecido como Baby M. O casal norte-americano Elizabeth e William Stern não podia ter filhos. Contrataram, assim, Mary Beth Whitehead, uma jovem de 29 anos de idade, casada e mãe de duas crianças para

79 “Quanto ao pai, supõe-se que seja o marido da mãe, de onde advém a presunção: Pater is est quem justae

nuptiae demonstrant (O pai é aquele que as núpcias demonstram ser), conforme visto no item supra (CC, art. 1.597).” GOZZO, Débora; LIGIERA, Wilson Ricardo. Maternidade de substituição e a lacuna legal: questionamentos. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 5, n. 1, 2016. Disponível em: <http://civilistica.com/maternidade-de-substituicao-e-a-lacuna-legal-questionamentos/>. Acesso em 05.Set.2020.

80 GOZZO, Débora; LIGIERA, Wilson Ricardo. Maternidade de substituição e a lacuna legal: questionamentos. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 5, n. 1, 2016. Disponível em: <http://civilistica.com/maternidade-de-

substituicao-e-a-lacuna-legal-questionamentos/>. Acesso em 05.Set.2020.

81 Sobre o tema: ver artigo de Daniel Grünbaum: Foreign Surrogate Motherhood: Mater Semper Certa Erat

(2012). 60 American Journal of Comparative Law 475 (2012). Disponível em: SSRN:

http://ssrn.com/abstract=2056899. GOZZO, Débora; LIGIERA, Wilson Ricardo. Maternidade de substituição e a lacuna legal: questionamentos. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 5, n. 1, 2016. Disponível em: <http://civilistica.com/maternidade-de-substituicao-e-a-lacuna-legal-questionamentos/>. Acesso em 05.Set.2020.

82 “Parentesco genético, parentesco de gestação, parentesco de educação e a afeição são algumas das

possibilidades criadas pelo procedimento, ao arrepio de qualquer previsão jurídica. Estas probabilidades ultrapassam largamente o domínio da fecundidade, que é essencialmente empregada a limitar os nascimentos, Elas manifestam o desejo do ser humano de dominar totalmente a procriação, suscitando nascimentos que não ocorreriam, no ambiente e nos momentos em que foram produzidos.” Leite, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o Direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 187.

83 SHAPIRO, Michael H.. Illicit Reasons and Means for Reproduction: On Excessive Choice and Categorical

and Technological Imperatives, 47. Hastings L.J. 1081 (1996). Disponível em:

gerir o filho deles. O contrato, assinado em 1985 previa que Mary seria inseminada artificialmente com o esperma de William e entregaria o bebê ao nascer, abrindo mão de seus direitos maternos. Ela receberia uma quantia para gestar a criança. Contudo, ao nascer o bebê, Mary não quis entrega-la ao casal Stern e fugiu para a Flórida. O casal processou Mary para reaver a criança. Em primeira instância, o juiz entendeu que o contrato deveria ser cumprido, indo contra a tese de que o acordo tinha como objeto o comércio de bebês. Em segunda instância, foi defendido que o contrato era inválido e ilegal. Contudo, a custódia da criança foi dada ao casal Stern, posto que o juiz entendeu que eles tinham melhores condições econômico-financeiras para criar “M”84.

Não só a custódia do bebê nascido por meio deste método pode gerar conflitos. Questiona-se o pode ocorrer se a criança no ventre tiver alguma deficiência, como bem pontuou Débora Gozzo:

Não fosse só isso, o que acontecerá se a criança que está sendo gerada apresentar alguma deficiência, que aqueles que contrataram para que terceira levasse avante a gravidez, almejem a retirada do feto. Em outras palavras, desejem um aborto, para não terem de conviver com um filho que não seja perfeito. Foi o que aconteceu há alguns anos, quando uma tailandesa ficou, inicialmente, com uma das crianças que havia gerado para um casal australiano, porque ela apresentava “síndrome de down”. Os pais-contratantes a teriam abandonado, levando consigo só a filha saudável85.

O caso citado por Débora Gozzo ficou conhecido como Baby “Gammy”. Um casal de australianos contratou uma mulher na Tailândia para gerar seus filhos, e ao nascerem gêmeos - um menino e uma menina - levaram a menina para a Austrália e deixaram o menino com síndrome de down com a mãe gestacional, em 2013. Segundo os relatos do casal, a mãe gestacional quis ficar com bebê com deficiência, o que ela própria confirma, pois temia que os pais genéticos deixassem a criança em algum abrigo. Baby Gammy, conhecido hoje como Grammy, vive na Tailândia. O caso teve ainda mais repercussão quando veio à tona a

84 HABERMAN, Clyde. Baby M and the Question of Surrogate Motherhood. The New York Times.

23.Mar.2014. Nova York. Disponível em: https://www.nytimes.com/2014/03/24/us/baby-m-and-the-question-of- surrogate-motherhood.html. Acesso em 09.Set.2020.

85 GOZZO, Débora. REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA e AUTONOMIA EXISTENCIAL DA Mulher.

Revista Direitos Fundamentais e Alteridade, Salvador, V. I Nº 01, p. 23 a 42, jul-dez, 2017 | ISSN 2595-061409. Disponível em: https://cadernosdoceas.ucsal.br/index.php/direitosfundamentaisealteridade/article/view/435/354. Acesso em 09.Set.2020.

informação de que o pai genético dos bebês havia sido condenado por abuso sexual de menores86.

Em 2012, nos Estados Unidos, um casal de Connecticut contratou uma mãe gestacional e quando souberam, por meio de ultrassom, que o bebê de cerca de 20 semanas tinha as síndromes de herotaxia - que são diversas anomalias que geralmente envolvem o coração e outros órgãos do corpos - e holoprosencefalia - anomalia caracterizada pela falta de divisão do lóbulo frontal do cérebro do embrião para formar os hemisférios cerebrais bilaterais (as metades esquerda e direita do cérebro)- , pediram para que a gestatrix abortasse, oferecendo-a a quantia de USD 10 mil dólares, além dos UDS 22 mil já pagos pela gestação. A mãe gestacional recusou-se e mudou para um Estado onde, ao nascer, a criança seria considerada legalmente sua filha. Ao nascer, a menina que recebeu o nome de Stephanie foi dada à adoção à família Harrell em Massachusetts. Stephanie morreu em 2020, aos 8 anos de idade87.

Os casos citados são apenas alguns exemplos88 de situações polêmicas que as pessoas que se submetem a esse tipo de reprodução enfrentam. A maternidade de substituição não é nenhuma figura jurídica recente. Já no Velho Testamento, vemos a história de Sarah - estéril – que aceita que Abraão, seu marido, fecunde Agar para ser mãe de seu filho89. Ainda no Velho

86 PIOTRWSKY, Daniel. Baby Gammy grows up: Down Syndrome boy at the centre of a surrogacy scandal

which captured the world's attention is a thriving six-year-old enjoying life in Thailand - but is 'yet to learn' of his dad's death. Daily Mail Australia. Disponível em: https://www.dailymail.co.uk/news/article-8528141/Baby- Gammys-family-learn-father-David-Farnells-death-Bunbury-Western-Australia.html. Australian couple 'did not reject Down's baby' Gammy. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-australia-36012320. Thai surrogate baby Gammy: Australian parents 'wanted him’. BBC. Disponível em:

https://www.bbc.com/news/world-asia-28732511. Acesso em 08.Set.2020.

87 COHEN, Elizabeth. Girl in famous surrogacy case dies at age 8. CNN. Disponível em:

https://edition.cnn.com/2020/08/04/health/seraphina-surrogate-death/index.html. COHEN, Elizabeth. Surrogate offered $10,000 to abort baby. CNN. Disponível em: https://edition.cnn.com/2013/03/04/health/surrogacy- kelley-legal-battle/index.html. Acesso em 08.Set.2020.

88 Sobre os casos de disputa que envolvem maternidade sub-rogada, ver:

https://embryo.asu.edu/search?text=surrogate e https://jme.bmj.com/content/medethics/12/1/45.full.pdf. Acesso em 20.Ago.2020.

89 "No livro do Gênesis, Sarai, a mulher de Abraão, é infértil. Seu desejo de engravidar a leva a entregar sua

escrava egípcia nos braços de seu esposo, para assegurar a descendência. Será Agar — a estrangeira ou a exilada, em referência à língua árabe —, que carregará o primeiro filho de Abraão. “Ele possuiu Agar, e ela engravidou”, enuncia o texto bíblico, que revela o imediatismo da gravidez de Agar em terra estrangeira. Ismael nascerá desta união. Milagrosamente, e contra todas as esperanças, Sarai, que passou a se chamar Sara com a aliança divina, também dará à luz na terra de Canaã. Com 90 anos, ela colocará no mundo Isaac, cujo significado “Que ele (Deus) ri e sorri, seja favorável” advém do caráter estranho dessa gravidez. Em seguida, temendo as disputas por herança entre os dois filhos de Abraão, Sara tomará a decisão de banir sua escrava e seu filho Ismael. Exilados no deserto e condenados à morte, Agar e Ismael serão, contudo, ouvidos por Deus e salvos do perigo. Este episódio do Antigo Testamento permite entrever como, desde a Gênese, o exílio, a fertilidade e a maternidade estão ligados de maneira irredutível. Esta intrincação originária aponta o deslocamento e a fertilidade como sendo acontecimentos universais, desde a fundação do homem monoteísta”. PESTRE, Elise. Maternidade do exílio. Quando o deslocamento favorece a fertilidade. ágora (Rio de Janeiro) v. XVII n. 1 jan/jun 2014 71-83. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/agora/v17n1/a05v17n1.pdf. Acesso em 11.Set.2020.

Testamento está a passagem da célebre disputa de duas mães por um bebê, que é resolvida de maneira sábia pelo Rei Salomão90.

A questão, inicialmente jurídica, também enseja indagações de âmbito intrafamiliar, conforme pontua Eduardo de Oliveira Leite: “Como pode uma mãe justificar aos filhos que está dando ou ‘vendendo' um irmão recém-nascido? Como pode ela fazê-los acreditar que eles não tem também um preço? Qual a reação dos sogros em relação a uma nora que se submete a esse tipo de prática?”. Leite lembra o caso de Lisa Walters que foi mãe de aluguel em Wisconsin, nos Estados Unidos, e seus sogros entraram na Justiça para retirar as outras duas crianças dela, alegando incapacidade da mãe para manter a guarda91. Isso sem mencionar os

possíveis danos psicológicos e físicos à gestatrix decorrentes da própria gravidez em si. Sabe- se que muitas mulheres, durante o período gestacional, sofrem com dores físicas em seu corpo como hemorróidas, presão alta, diabetes, obesidade, além de danos psicológicos como ansiedade, depressão e podem ter intercorrências pós-parto como puerpério92. Nada disso parece ser levado em conta quando se fala das mães de substituição.

Em 1986, o Relatório de Phillis R. Silverman - um dos advogados de Mary Beth Whitehead, do caso Baby M, afirmou que as mães de aluguel são incapazes de entender o impacto que a entrega de uma criança provocar-lhes-á. “Uma coisa é concordar em abstrato

90 "Veja-se a célebre sentença de SALOMÃO. Que fez o sábio magistrado para dirimir o conflito das duas

mulheres, que se dizendo, cada uma, ser a mãe, pretendiam a guarda da criança? Não recorreu a qualquer critério de natureza biológica. Nada que, sequer de longe, recordasse os sofisticados exames sorológicos ou as complexas perícias antropogenéticas, que um juiz tem hoje à disposição. Simplesmente pôs à prova o amor à criança por parte das querelantes. Sua capacidade de renúncia em favor do filho. O dom de si mesmas. Não buscou o lúcido filho de DAVI assentar a verdade biológica, senão, antes, surpreender a capacidade afetiva. Ou seja: fundou-se em nada menos do que naquilo que, em linguagem de hoje, se identifica na Alemanha por Kindeswohl e na América do Norte por the best interest of the child”. (…) Na lenda do círculo de giz, de novo é o triunfo do amor sobre a biologia o que se celebra. (…) O imperador chinês, na versão de KLABUND, e o juiz caucasiano na de BRECHT, fazem colocar a criança num círculo de giz. Cada uma das pretensas mães deve tomar a criança pelo braço e puxá-la para fora do círculo. As duas ao mesmo tempo. A que o conseguir, revelar- se-á a mãe verdadeira. Assim como no episódio bíblico de SALOMÃO, aqui é a renúncia à lesão do filho que vai indicar à autoridade o deferimento da guarda: à mãe biológica na narração de KLABUND, à mãe social — chamemo-la assim — na de BRECHT. VILLELA, João Baptista. DESBIOLOGIZAÇÃO DA PATERNIDADE. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DA UFMG, [S.l.], n. 21, p. 400-418, fev. 2014. ISSN 1984-1841. Disponível em: <https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1156>. Acesso em: 28 Ago. 2020.

91 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos,

éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 400. E também: Field, Martha A. (1987) "Surrogate Motherhood: The Legal Issues," NYLS Journal of Human Rights: Vol. 4 : Iss. 2 , Article 5. Disponível em: https://digitalcommons.nyls.edu/journal_of_human_rights/vol4/iss2/5. Acesso em 15.Set.2020.

92 Puerpério: período pós-parto requer cuidados especiais. Disponível em:

http://www.blog.saude.gov.br/promocao-da-saude/50212-puerperio-periodo-pos-parto-requer-cuidados- especiais. Acesso em 15.Set.2020.

com a entrega de um filho, bem outra é entregar um ser humano vivo, após o nascimento e nos braços de outra mulher”93.

O Brasil não tem lei específica sobre essa prática. O Enunciado 129 do CJF propõe a seguinte inclusão: Art. 1.597-A. “A maternidade será presumida pela gestação. Parágrafo único: Nos casos de utilização das técnicas de reprodução assistida, a maternidade será estabelecida em favor daquela que forneceu o material genético, ou que, tendo planejado a gestação, valeu-se da técnica de reprodução assistida heteróloga”. A proposta busca a igualdade de gênero, uma vez que no momento em que o art. 1.597 autoriza que o homem infértil ou estéril se valha das técnicas de reprodução assistida para suplantar sua deficiência reprodutiva, não poderá o Código Civil deixar de prever idêntico tratamento às mulheres.

O dispositivo dará guarida às mulheres que podem gestar, abrangendo quase todas as situações imagináveis, como as técnicas de reprodução assistida homólogas e heterólogas, nas quais a gestação será levada a efeito pela mulher que será a mãe socioevolutiva da criança que vier a nascer. Pretende-se, também, assegurar à mulher que produz seus óvulos regularmente, mas não pode levar a termo uma gestação, o direito à maternidade, uma vez que apenas a gestação caberá à mãe sub-rogada. Contempla-se, igualmente, a mulher estéril que não pode levar a termo uma gestação. Essa mulher terá declarada sua maternidade em relação à criança nascida de gestação sub-rogada na qual o material genético feminino não provém de seu corpo. Importante destacar que, em hipótese alguma, poderá ser permitido o fim lucrativo por parte da mãe sub- rogada94.

No mesmo sentido de gratuidade, a Resolução n. 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina, a qual proíbe a remuneração pelo tempo em que o bebê será gestado, a “barriga de aluguel”, determina que só pode haver cessão gratuita de útero e a mesma deve ocorrer dentro da mesma célula familiar, ou seja, de parentes até o quarto grau95. A gratuidade desse

93 Relatório de Phillis de Silverman. Apud. LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificiais e o Direito:

aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 418. Este é um ponto fundamental quando se trata de consentimento informado, livre e esclarecido, que será visto adiante.

94 Jornadas de direito civil I, III, IV e V : enunciados aprovados / coordenador científico Ministro Ruy Rosado

de Aguiar Júnior. – Brasília : Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. Disponível em:

https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes- 1/jornadas-cej/EnunciadosAprovados-Jornadas-1345.pdf. Acesso em 03.Jun.2020.

95 RESOLUÇÃO Nº 2.168, DE 21 DE SETEMBRO DE 2017. VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE

SUBSTITUIÇÃO (CESSÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO) As clínicas, centros ou serviços de reprodução assistida podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde

processo de maternidade de substituição é imperiosa no Brasil96, ao contrário do que ocorre em alguns países do mundo como, por exemplo, em alguns Estados dos Estados Unidos, e países como Ucrânia, Colômbia, Grécia, Chipre, Rússia e Quênia, onde há diversas agências - uma verdadeira indústria, na realidade - que organizam essa modalidade de reprodução assistida, desde a escolha da gestatrix até a entrega do bebê, e que garantem que não haverá intercorrências como a possibilidade de aquela que gerou a criança não querer entregá-la aos pais que a encomendaram, literalmente, além de outras previsões contratuais em casos nos quais o bebê tiver malformação durante a gestação. Os valores para realizar o processo, por meio de agências, pode ultrapassar USD 150 mil dólares americanos97.

Em outros países como Alemanha e Suécia, a maternidade sub-rogada é proibida, mesmo que a título gratuito, e a prática tem sido rechaçada por muitos outros como Reino Unido, pois é vista como uma nova forma de manipulação e mercantilização do corpo feminino. No caso do Reino Unido, o Human Fertilization and Embryology Act - o comitê de

que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética, em união homoafetiva ou pessoa solteira.

1. A cedente temporária do útero deve pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau(primeiro grau - mãe/filha; segundo grau - avó/irmã; terceiro grau tia/sobrinha;quarto grau - prima). Demais casos estão sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.

2. A cessão temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

3. Nas clínicas de reprodução assistida, os seguintes documentos e observações deverão constar no prontuário da paciente:

3.1. Termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pacientes e pela cedente temporária do útero, contemplando aspectos biopsicossociais e riscos envolvidos no ciclo gravídico-puerperal,bem como aspectos legais da filiação;

3.2. Relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e emocional de todos os envolvidos; 3.3. Termo de Compromisso entre o(s) paciente(s) e a cedente temporária do útero (que receberá o embrião em seu útero),estabelecendo claramente a questão da filiação da criança;

3.4. Compromisso, por parte do(s) paciente(s) contratante(s)de serviços de RA, de tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes multidisciplinares, se necessário, à mãe que cederá temporariamente o útero, até o puerpério;

3.5. Compromisso do registro civil da criança pelos pacientes(pai, mãe ou pais genéticos), devendo esta documentação ser providenciada durante a gravidez;

3.6. Aprovação do cônjuge ou companheiro, apresentada por escrito, se a cedente temporária do útero for casada ou viver em união estável. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/- /asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/19405123/do1-2017-11-10-resolucao-n-2-168-de-21-de-setembro- de-2017-19405026. Acesso em 28.Ago.2020.

96 Assevera Guilherme Calmon Nogueira da Gama que: “A questão envolvendo a possível remuneração da

mulher que se dispõe a engravidar é colocada fora de qualquer possibilidade jurídica, com base no artigo 199,