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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP

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Academic year: 2021

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Vanusa dos Reis Coêlho Rodrigues

Representações sociais de professores do ensino fundamental

sobre o TDA/H

Doutorado em Educação: Psicologia da Educação

São Paulo 2019

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Vanusa dos Reis Coêlho Rodrigues

Representações sociais de professores do ensino fundamental

sobre o TDA/H

Doutorado em Educação: Psicologia da Educação

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifí-cia Universidade Católica de São Paulo, como exi-gência para a obtenção do titulo de DOUTORA em Educação: Psicologia da Educação, PUCSP, sob orientação da Profa. Dra. Clarilza Prado de Sousa.

SÃO PAULO 2019

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This study was financed in part by the Coordenação de aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Finance Code 88887.165761/2018-00.

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A Deus, todas as oportunidades e realizações em minha vida. Esta é mais uma pela qual estou profundamente agradecida.

Aos meus pais Manoel e Maria, o carinho, a atenção, os ensinamentos e os exemplos. Obrigada, meus amores, por tudo, sempre! Amo vocês.

À Professora Doutora Clarilza Prado de Sousa, a orientação, as conversar, conselhos e o tempo dispensado à leitura dos textos e a alegria que tanto nos cativa e nos motiva a continuar.

Às Professoras Doutoras Mitsuko Aparecida Makino Antunes e Luciana Szymanski, da PUC/SP, e às Professoras Doutoras convidadas Karina Alves Biasoli e Anna Carolina Salgado Jardim, as valiosas observações quando do exame de qualificação que me auxiliaram a agregar valor à redação final deste trabalho.

Às Professoras Doutoras Ana Laura Schliemann e Márcia Louzada, professoras suplentes da banca. Gratidão imensa pela disponibilidade.

Ao meu marido Beto, todo o suporte e apoio durante todo o curso. Aos meus filhos Renan e Renato, à minha nora Laiz e ao meu netinho Rafael, o olhar carinhoso, os sorrisos e todo o apoio que me deram força para continuar nos momentos difíceis. Vocês tornam a minha vida ainda mais feliz.

Ao meu irmão Velton, o auxílio paciente e carinhoso nas leituras em francês, na correção do abstract e nos momentos em que foram necessários seus conhecimentos tecnológicos. Gratidão infinita por você estar comigo incondicionalmente sempre. Te amo mano.

Às “Originais”, em ordem alfabética: Anna Carolina, Denise, Karina e Márcia, a parceria e o companheirismo durante essa jornada. Sem vocês essa empreitada não teria tido a mesma alegria. Valeu!

A todos os colegas de curso que me auxiliaram de uma forma ou de outra, o meu abraço imenso e a mais profunda gratidão.

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Este trabalho teve como objetivo geral identificar as representações sociais dos pro-fessores das séries iniciais do Ensino Fundamental II sobre o TDA/H e como objetivos específicos analisar que conhecimentos os professores possuem acerca do TDA/H, bem como quais consequências essas representações geram em sua prática pedagó-gica. A escolha do professor como o ator social a ser ouvido sobre essa problemática se deu por entender que ele possui um papel principal na modificação do status quo educacional e que suas formas partilhadas de interpretar a realidade norteiam a práti-ca edupráti-cativa. Os dados foram estudados à luz da Teoria das Representações Sociais e analisados por meio da Análise Conteúdo que possibilita a inferência de conheci-mentos a partir da mensagem dos enunciados. Após a análise, verificou-se que os profissionais entrevistados possuem pouco conhecimento sobre o TDA/H, sua origem, diagnóstico e tratamento, gerando sentimentos de insegurança na prática docente. O grupo pesquisado representa o TDA/H como uma patologia que causa problemas de comportamento, que pode ou não comprometer o rendimento escolar, demonstrando uma mudança na representação do TDA/H que originariamente era considerado um problema de aprendizagem. Essa representação parece estar amparada por signifi-cados atribuídos a hiperatividade, falta de conhecimento sobre o TDA/H, diagnósticos excessivos (muitas vezes conflitantes) e conceitos difundidos pela mídia que chegam à escola sustentando essa representação por meio do processo de medicalização que concretiza o TDA/H como uma patologia. Portanto, sendo objeto de discussão entre grupos sociais por gerar opiniões ambíguas, polaridades e contrassensos, o TDA/H torna-se um fenômeno passível de estudo da Teoria das Representações Sociais e o conhecimento ou a representação que o educador tem do TDA/H pode intervir em sua conduta pedagógica, seja como eco do discurso clínico, pelo qual se alcunha, exclui e medica, ou como retorno educacional diante das dificuldades do educar nos dias de hoje.

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This work aimed to identify the social representations of teachers in the early grades of elementary school about ADHD and as specific objectives to analyze what knowledge teachers have about ADHD, as well as what consequences these representations gen-erate in their practice. pedagogical The choice of the teacher as the social actor to be heard about this problem was due to the understanding that he has a major role in modifying the educational status quo and that his shared ways of interpreting reality guide the educational practice. The data were studied in the light of the Theory of So-cial Representations and analyzed through Content Analysis which allow the inference of knowledge from the message of statements. After the analysis, it was found that the interviewed professionals have little knowledge about ADHD, its origin, diagnosis and treatment, generating feelings of insecurity in teaching practice. The researched group represents ADHD as a pathology that causes behavioral problems, which may or may not compromise school performance, demonstrating a change in the repre-sentation of ADHD that was originally considered a learning problem. This representa-tion seems to be supported by meanings attributed to hyperactivity, lack of knowledge about ADHD, excessive (often conflicting) diagnoses and concepts disseminated by the media that reach the school, supporting this representation through the medicaliza-tion process that materializes ADHD. As such a pathology. Therefore, being the object of discussion between social groups for generates ambiguous opinions, polarities and contradictions, ADHD becomes a phenomenon that can be studied by the Theory of Social Representations and the educator’s knowledge or representation of ADHD can to intervene in their pedagogical conduct, either as an echo of the clinical discourse by which they were nicknamed, excluded and medical, or as an educational return in the face of the difficulties of educating today.

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ABDA – Associação Brasileira de Déficit de Atenção ABP – Associação Brasileira de Psiquiatria

ADD – Attention Deficits Disorders

ADD-H – Attention Deficit with Hyperactivity Disorders ADHD – Attention Deficit and Hyperactivity Disorders ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

APA – American Psychiatric Association

BRATS – Boletim Brasileiro de Avaliação de Tecnologia em Saúde CFF – Conselho Federal de Farmácia

CFM – Conselho Federal de Medicina

CFTMEA – Classification Française des Troubles Mentaux de L’Enfant et de L’Adolescent

CHADD – Children and Adults with Attention Deficit/Hyperactivity Disorder CID – Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à

Saúde

CONAE – Conferência Nacional de Educação

CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente DSM – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders

FDA – Food and Drug Administration HAS – Haute Autorité de la Santé

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

NIMH – National Institutes of Mental Health OMS – Organização Mundial de Saúde ONU – Organização das Nações Unidas

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SNAP-IV – Swanson, Nolan e Pelham, versão IV TDA – Transtorno de Déficit de Atenção

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APRESENTAÇÃO ... 13

INTRODUÇÃO ... 15

1. TDA/H: UM TRANSTORNO COM DÉFICIT DE DIAGNÓSTICO ... 22

1.1 TDA/H: peguei na escola ... 29

1.2 “Pesquisas mostram que...” ... 37

1.3 Desculpem o transtorno: estamos trabalhando para medicar as mentes inquietas ... 44

2. A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E O TDA/H ... 53

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ... 62

3.1 O tema e o problema de pesquisa ... 62

3.2 A população de pesquisa, os sujeitos participantes e seu perfil ... 63

3.3 Procedimentos de coleta de dados ... 64

3.4 Procedimentos de análise dos dados coletados ... 64

4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ... 66

4.1 Informação sobre o TDA/H ... 66

4.1.1 Ambiente escolar ... 66 4.1.2 Aprendizado ... 68 4.1.3 Relacionamento ... 70 4.2 Atitude docente ... 72 4.2.1 Prática docente ... 72 4.3 Imagem ... 75

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 79 REFERÊNCIAS ... 86 ANEXO A – CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA O TDA/H DE ACORDO COM

O DSM IV E DSM IV-TR ... 94 ANEXO B – CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA O TDA/H DE ACORDO COM

O DSM-5 ... 95 ANEXO C – ESCALA PARA DIAGNÓSTICO DE TDAH EM CRIANÇAS

APLICADA AOS PAIS E PROFESSORES (MTA-SNAP-IV) ... 97 ANEXO D – ESCALA PARA DIAGNÓSTICO DE TDAH EM ADULTOS ... 99 ANEXO E – SCIENTISTS CREDITED ON GHOSTWRITTEN ARTICLES

‘SHOULD BE CHARGED WITH FRAUD’ ... 100 ANEXO F – PUBLICIDADE DE MEDICAMENTO PARA O TDA/H DO

LABORATÓRIO SHIRE ... 101 ANEXO G – QUADRO DE ESPECIFICAÇÃO DA ENTREVISTA ... 102

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APRESENTAÇÃO

A temática das dificuldades de aprendizagem sempre foi uma área de interesse em minha prática como Psicopedagoga, despertado, em 2006, durante o estágio supervisionado de minha segunda graduação, o curso de Letras/Inglês.

Doze anos após minha primeira graduação como Bacharel em Ciências Contábeis, decidi abraçar outra paixão, além dos números: as letras. Ingressei no curso de Letras/Inglês e como exigência para a conclusão de curso cumpri o estágio supervisionado em escolas da rede pública e privada. Durante essa experiência, pude observar que alguns estudantes pareciam compreender com facilidade os ensinamentos, assimilando com rapidez os conhecimentos. No entanto, outros pareciam necessitar de novas estratégias, didáticas ou metodologias. Essas necessidades, muitas vezes, transformavam-se em objeto de consultas médicas, neurológicas, psicológicas e psiquiátricas.

Pensando nisso, logo após minha graduação em Letras/Inglês, decidi fazer a especialização em Psicopedagogia, na PUC/SP, a fim de compreender melhor as dificuldades de aprendizagem.

No último ano de minha especialização, fiz estágio supervisionado na Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic, da PUC/SP, e, depois de concluir essa pós-graduação, ofereci-me como voluntária para atuar no projeto Núcleo de Apoio Pedagógico a Aprendizagem (NAPAp) da PUC/SP. Esse projeto foi uma parceria firmada entre o setor de atendimento comunitário (PAC) e a Faculdade de Educação, ambos da PUC/ SP, que visava auxiliar o estudante universitário, da instituição, em suas dificuldades de aprendizagem.

Durante meu estágio na clínica e meu trabalho voluntário no NAPAp, as dificuldades de aprendizagem estavam presentes, porém percebi que alguns casos eram solucionados quando se considerava a singularidade do indivíduo. A escuta atenta, um olhar diferente, uma nova metodologia, às vezes, abriam caminho para a solução.

Com o fim do projeto NAPAp (atuei no projeto de 2009 a 2011), tornei-me psicopedagoga voluntária na Escola Municipal de Ensino Fundamental Dilermando Dias dos Santos, situada na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, um bairro nobre de São Paulo, mas cujos estudantes, em sua maioria, são provenientes das

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Comunidades da Linha e do Nove, ambas comunidades carentes localizadas ao lado do Ceagesp.

Assim, durante a semana, atendia no consultório, onde meus clientes eram provenientes de escolas particulares, e às quartas-feiras, atendia as crianças da Escola Municipal Dilermando Dias dos Santos. Imersa no contexto educacional da rede pública e privada, deparei-me com o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDA/H), cujo diagnóstico e tratamento entre os diversos profissionais envolvidos (médicos, psicólogos, psicopedagogos, professores etc.) estavam imersos em polaridades, dúvidas e contrassensos.

Diante desse contexto, senti necessidade de maiores conhecimentos e, assim, ingressei na especialização em Neuroaprendizagem. Durante meus estudos, descobri, por exemplo, que apesar de ser reconhecido oficialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a ciência desconhece a etiologia do TDA/H, que não possui marcador biológico e nenhum tipo de exame laboratorial que assegure seu diagnóstico. A primeira pergunta que me veio à mente foi: Será que os professores sabem disso?

Assim, foi por essa perspectiva que surgiu o interesse para tal investigação, ou seja, a partir de minhas vivências e observações profissionais, senti o desejo de compreender como se constitui a percepção dos professores sobre o TDA/H, tendo em vista que são esses profissionais que encaminham as crianças aos consultórios médicos e que, infelizmente, na maioria das vezes, de lá já saem medicalizadas.

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INTRODUÇÃO

O mau desempenho escolar carrega uma história permeada de preconceitos e estereótipos que, apropriados pelo âmbito escolar, excluem e responsabilizam o aluno pelo fracasso acadêmico.

Patto (1996) introduziu a discussão sobre o fracasso escolar, realizando um estudo cuja finalidade foi descobrir o momento do surgimento, na educação brasileira, das explicações para o mau desempenho escolar e, também, como a Psicologia e a Medicina foram introduzidas nesse processo.

A autora descobriu que, pelo Movimento da Higiene Mental, a Medicina e os assuntos relacionados à saúde e à doença passaram a se articular com a Psicologia e, assim, explicar o não aprender baseado na visão organicista com foco nos distúrbios e transtornos de aprendizagem que aparecem para justificar o não aprender na escola.

No final do século XIX, vivia-se no Brasil o processo de industrialização acompanhado da urbanização das cidades. Nesse cenário, as configurações sociais do Brasil exigiam novas formas de organização social e atenção aos problemas de saneamento, de higiene coletiva e individual.

Assim, o Movimento da Higiene Mental surgiu com a criação da Liga Brasileira de Higiene Mental, fundada no Rio de Janeiro, em 1923, pelo psiquiatra Gustavo Riedel, e sugeria, entre outras coisas, a higienização da sociedade mediante a instauração de hábitos higiênicos saudáveis, por meio da educação escolar.

Nesse contexto, a escola foi considerada espaço estratégico para a divulgação da prática da higiene mental e a criança passou a ser o alvo dessa prática, unindo-se Educação e Medicina em uma unidade pedagógica, chancelada pela prática da higiene mental, ou seja, é nesse momento que a Medicina entra no ambiente escolar, tomando para si a proposição de recursos para a solução de situações pedagógicas mais difíceis: as crianças difíceis.

Assim, após identificar o ponto em que a escola e a criança passaram a ser escopo da Medicina, Patto (1996) descobriu, ao analisar os processos que constituem o cotidiano escolar, que havia um complexo universo de questões institucionais, políticas, individuais, estruturais e de funcionamento presentes na vida diária escolar que conduziam ao fracasso escolar e promoviam a exclusão, principalmente de crianças das camadas mais pobres da sociedade.

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Décadas após o estudo de Patto (1996), outros estudiosos como Zonta e Meira (2007) e Antunes (2003) observam que em nosso país, ao longo da história, distante de democratizar o saber, a escola exerce um papel excludente, ou seja, alimentamos um modelo de aprendizagem que desconsidera a singularidade do indivíduo e exclui para adaptar as categorias universais (ANDRADA, 2005, p. 197).

Portanto, possuir dificuldade de aprendizagem não questiona a escola, o método, as condições de aprendizagem, a escolarização, mas busca na criança, em áreas do cérebro, em seu comportamento, as causas das dificuldades, apresenta-se o diagnóstico e, em seguida, a medicação ou acompanhamento terapêutico.

Diante desse contexto, Zonta e Meira (2007) alertam que as dificuldades de aprendizagem podem facilmente culminar em diagnósticos psicologizantes e patologizantes dos problemas educacionais, pois dificuldades de aprendizagem e de ajustamento dos alunos à escola têm sido explicados como:

Por esta perspectiva, dificuldades de aprendizagem e de ajustamento dos alunos à escola são explicados como consequência de determinantes de ordem individual, tais como: dificuldades orgânicas; características individuais de personalidade; capacidade intelectual ou habilidades perceptivo-motoras; problemas afetivos e vivenciais; comportamentos inadequados; carências psicológicas e culturais; dificuldades de linguagem; desnutrição; despreparo para enfrentar as tarefas da escola; falta de apoio da família; desagregação familiar (ZONTA; MEIRA, 2007, p. 207).

Assim, a patologização leva à produção da exclusão e alimenta o crescimento de pontos de vista medicalizantes que, conforme Moysés e Collares (2013) vêm ganhando força a partir dos anos 1980 com a progressiva ocupação do espaço escolar pelas pretensas disfunções neurológicas como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDA/H).

Conforme o Manual de Estatística e Diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria, DSM-5 (2014), o TDA/H é um transtorno psiquiátrico, caracterizado por desatenção, distração, hiperatividade e impulsividade. Essas características, que receberam a denominação de transtorno, nas últimas décadas vêm ganhando uma crescente popularização que pode ser constatada pelo crescimento de seu diagnóstico e, também, pelo vertiginoso aumento das vendas de medicamentos à base de metilfenidato, por exemplo, Ritalina® e Concerta®.

O metilfenidato é a substância mais utilizada no tratamento medicamentoso do TDA/H. Conforme a ONU (2011), sua produção alcançou, em 2010, 43 toneladas, uma

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quantidade vinte vezes maior do que aquela fabricada em 1990, sendo responsável por 56% do volume total de estimulantes produzidos no mundo e alcançando o posto de psicoestimulante mais consumido no mundo. Somente no Brasil, de acordo com o Conselho Regional de Farmácia (2014), um estudo feito em 2014 pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) verificou que, em uma década, a importação e a produção de metilfenidato ascenderam em 373% e seu consumo saltou para 775%.

Deve-se ressaltar que, conforme a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (2012), a substância em questão pode viciar, além de elevar o risco de crises psicóticas e suicídios. De acordo com Frances (2009), o metilfenidato afeta o sistema cardiovascular, podendo causar taquicardia, hipertensão e até mesmo parada cardíaca. Ademais, quando tomado por mais de três anos, o paciente corre o risco de desenvolver transtorno bipolar.

Outro ponto relevante é que, apesar de ser reconhecido oficialmente pela OMS, a ciência desconhece a etiologia do TDA/H que não possui marcador biológico e nenhum tipo de exame laboratorial que assegure o diagnóstico do transtorno.

Diante dessa questão, o Instituto Nacional de Saúde Americano (National Institutes of Mental Health – NIMH) divulgou um documento, denominado Consensus Development Statement on Diagnosis and Treatment of Attention Deficit Hyperactivity, em que alerta a população de que as hipóteses sobre as origens do TDA/H conservam-se especulativas, não havendo, até o momento, nada que comprove a suposição de uma causa orgânica ou cerebral (NIMH, 1998). Com relação ao processo diagnóstico, o documento explicita que não existem testes exclusivamente desenvolvidos para o diagnóstico e que ainda não é possível afirmar limites assertivos e objetivos entre o TDA/H, outras desordens do comportamento e a conduta normal.

No que diz respeito ao diagnóstico em adultos, o NIMH afirma a carência de critérios legítimos e válidos e, outra vez, de um teste diagnóstico específico. A instituição censura a extensa quantidade de symptom-screeners (escalas de avaliação) e self-assessment screeners (escalas de autoavaliação) utilizadas nos indivíduos com a suspeita de transtorno (NIMH, 1998), ou seja, o diagnóstico é ainda permeado por pontos de interrogação devido às controvérsias em suas prevalências (ROSE, 2006; SINGH, 2006).

Crescem, assim, o debate e a polarização em torno do tema, pois há aqueles que defendem a existência de uma doença conhecida como TDA/H que, de acordo

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com Riesgo e Rhode (2004), teria origem multifatorial, com elementos genéticos e ambientais que resultariam nos sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade. Em outro polo, há aqueles que não acreditam em sua existência, ponderando o TDA/H como uma questão basicamente social, sem legitimidade clínica.

Para os que não acreditam na existência do transtorno, uma entrevista de Leon Eisenberg veio corroborar essas crenças. De acordo com o Conselho Federal de Farmácia (2014), em sua última entrevista à revista alemã, Der Spiegel, o psiquiatra americano Leon Eisenberg, um dos papas da psiquiatria, declarou que o TDA/H seria um exemplo de “doença fictícia”.

Leon Eisenberg ficou conhecido como “pai científico” do TDA/H por demonstrar a eficácia do metilfenidato no tratamento dos distúrbios de aprendizagem. O psiquiatra infantil tornou-se um dos grandes responsáveis pela popularização do TDA/H ao defender a hipótese de que o referido transtorno teria causas genéticas. Conforme Dupanloup (2004), após os estudos de Leon Eisenberg, passaram-se a aceitar psicoestimulantes como forma de trazer um efeito calmante a crianças agitadas.

A entrevista que foi publicada na revista alemã teve grande repercussão, causando polêmica, críticas e questionamentos que direcionaram os holofotes da mídia nacional e internacional para o transtorno de déficit de atenção, contribuindo para polarizar ainda mais a discussão sobre o TDA/H.

Essa repercussão midiática despertou formulações, sentidos, imagens, memórias que ecoaram e atravessaram o nosso objeto de estudo, dialogando com atos, discursos e contextos da coletividade nacional e internacional. Assim, após a divulgação da entrevista, no dia 11 de julho de 2012, foi lançada a campanha “Não à Medicalização da Vida”, organizada pelo Conselho Federal de Psicologia para debater sobre a medicalização da educação nas escolas, dada a incidência excessiva de crianças, adolescentes e jovens medicalizados.

Em contrapartida, no dia 13 de julho de 2012, a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) publicaram uma carta de esclarecimento à sociedade sobre o TDA/H, seu diagnóstico e tratamento. A carta esclarece, entre outras coisas, que o transtorno é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde e que associações médicas ao redor do mundo confirmam a validade do TDA/H.

Essa polarização é a marca registrada da falta de consenso que permeia esse transtorno em diversos âmbitos. Um dos exemplos dos muitos fatores que inibem

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a uniformidade acerca do TDA/H é a falta de uma regra classificatória única para o transtorno, tendo em vista que na psiquiatria mundial não existe um único manual de classificação para doenças mentais.

O manual de classificação de distúrbios mentais utilizado no Brasil e nos Estados Unidos é o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), desenvolvido pela Associação Americana de Psiquiatria (APA). Esse manual faz a categorização de grupos diagnósticos, listando sintomas, orientações e diretrizes para o diagnóstico e tratamento.

Na França, o DSM também é adotado, mas, quando se trata de crianças e adolescentes, os psiquiatras infantis franceses não o utilizam. De acordo, com o sociólogo Vallée (2011), a Federação Francesa de Psiquiatria desenvolveu um sistema de classificação alternativa, em oposição ao DSM denominado Classification Française des Troubles Mentaux de L’Enfant et de L’Adolescent (CFTMEA), cuja primeira edição ocorreu em 1983. O foco do CFTMEA está em identificar e tratar as causas psicossociais subjacentes aos sintomas das crianças, e não em encontrar soluções farmacológicas para mascará-los.

Nos Estados Unidos, o Instituto Nacional de Saúde Americano (National Institutes of Mental Health – NIMH) vem apoiando pesquisa para o desenvolvimento de um novo sistema em oposição ao DSM, ou seja, as duas entidades (Associação Americana de Psiquiatria Americana e Instituto Nacional de Saúde Americano) não encontram consenso dentro de seu próprio país.

Paralelamente, existem as contínuas e variadas informações divulgadas pela mídia que embaraçam o posicionamento dos profissionais (pediatras, neurologistas, psicopedagogos, professores, psicólogos etc.) e da coletividade em geral acerca do assunto.

Portanto, o presente estudo surgiu da observação dessa falta de consenso quanto ao diagnóstico, tratamento e origem do transtorno entre os diversos profissionais envolvidos (médicos, psicólogos, psicopedagogos, professores etc.).

Tendo em vista que os docentes são os sujeitos que, diretamente, podem interferir na aprendizagem, este trabalho tem por objetivo investigar as representações sociais de professores sobre o TDA/H e, com o intuito de desvelar as representações sociais desses profissionais sobre o TDA/H, definiu-se o problema de pesquisa da seguinte maneira: De que forma os professores compreendem e representam socialmente o TDA/H?

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Este problema é analisado considerando o seguinte objetivo geral:

• Identificar as representações sociais dos professores do Ensino Fundamental sobre o TDA/H.

Tal objetivo geral identifica os seguintes objetivos específicos:

• Analisar que conhecimentos os professores possuem acerca do TDA/H. • Analisar que consequências essas representações geram em sua prática

pedagógica.

Portanto, tem-se como objetivo identificar as representações sociais de professores das séries iniciais do Ensino Fundamental II sobre o TDA/H e com isso refletir sobre os conhecimentos que esse grupo possui acerca desse transtorno, assim como as consequências que essas representações geram em sua prática pedagógica.

Sabendo-se que o estudo das representações sociais de um objeto por um grupo possibilita revelar o significado que esse objeto evoca no grupo, entende-se que essa teoria oferece referenciais teóricos que permitem compreender os saberes que cercam o fenômeno em questão. Para tal, a pesquisa foi dividida em duas etapas:

Etapa 1 – Realização de pesquisas documentais e bibliográfica;

 Etapa 2 – Entrevista com professores das séries iniciais do Ensino Fundamental II.

Os dados foram analisados por meio da Análise Conteúdo, buscando assim desvelar as representações sociais desses profissionais sobre o TDA/H, bem como refletir sobre as práticas e conhecimentos desses profissionais no que diz respeito ao TDA/H. A escolha do professor como o ator social a ser ouvido sobre essa problemática se deu por entender que ele possui um papel principal na modificação do status quo educacional e que suas formas partilhadas de interpretar a realidade norteiam a prática educativa.

A Análise de Conteúdo, que, conforme Franco (2012), é um procedimento de pesquisa situado na grande área da teoria da comunicação e tem como alicerce a mensagem, pode ser definida como um procedimento de análise das comunicações, que tem como objetivo a obtenção de indicadores que comportem a inferência de informações relativas às condições de produção e recebimento das mensagens.

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No Capítulo 1, serão abordados: o TDA/H em sua história e definição, a constituição sociomédica do TDA/H, nos Estados Unidos, na França e no Brasil, assim como as críticas direcionadas à constituição do TDA/H como transtorno a partir de posicionamentos que se opõem à medicalização do comportamento. O Capítulo 2 versa sobre a Teoria das Representações Sociais e o TDA/H como objeto de estudo e centra-se nos conceitos e postulados da Teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici. No Capítulo 3, serão abordados os aspectos metodológicos da pesquisa e os resultados obtidos. Por fim, as Considerações Finais, em que serão destacadas as principais questões do nosso estudo.

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1. TDA/H: UM TRANSTORNO COM DÉFICIT DE DIAGNÓSTICO

A busca pelas raízes científicas do TDA/H levam a uma interessante revisão bibliográfica que evidencia o percurso permeado por dúvidas e suposições que cercam nosso objeto de estudo.

Conforme Teixeira (2013), talvez as primeiras observações relacionadas ao que conhecemos pela denominação de TDA/H seja de 493 a.C., descritas pelo filósofo e médico Hipócrates que relatou casos de crianças aceleradas, irrequietas e inconstantes, atribuindo essa condição a um desequilíbrio do fogo em relação à água. O tratamento propunha alimentação rica em cevada, peixe, ingestão de líquidos e prática de atividades físicas.

Mash e Barkley (2003) escrevem que William Shakespeare, em sua peça King Henry VIII, já fazia referência a Mallady of Attention (doença da atenção).

Para Palmer e Finger (2001), um dos primeiros relatos médicos de que se tem notícia sobre o assunto surgiu em 1798 quando Alexander Crichton, médico escocês, estudou indivíduos com dificuldade de atenção, esquecimentos e desorganização mental. Alexander Crichton acreditava que a condição era de origem hereditária e a considerava grave.

No ano de 1902, de acordo com Hallowell (1999), o pediatra inglês, George Frederic Still, proferiu três conferências no Royal College of Physicians intituladas “Algumas condições psíquicas anormais em crianças”, em que descrevia uma síndrome em crianças muito ativas e com dificuldades para manter a atenção que, conforme Barkley (2002), seria causada por um defeito neurofisiológico do sistema inibitório que afetava o desenvolvimento das funções executivas cerebrais.

De acordo com Benczik (2010), em 1918, o neurologista americano Strauss pesquisou sobre a existência de uma lesão cerebral pequena o suficiente para danificar outros papéis neurológicos, mas aceitável para afetar o comportamento e/ ou a aprendizagem. Assim, surgiu a primeira denominação para o que conhecemos hoje como TDA/H: Lesão Cerebral Mínima. Uma classificação pouco definida, caracterizada como transtorno de comportamento e de aprendizado agregados a uma causa orgânica imprecisa.

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Essa lesão nunca foi encontrada e os cientistas passaram a levantar a hipótese de haver uma disfunção, em vez de lesão. Surgiu, assim, a Disfunção Cerebral Mínima, que teria características imprecisas e abrangentes tais como:

Acometer apenas comportamentos e aprendizagem;

 Hiperatividade, agressividade, baixa tolerância a frustrações etc.;  Ausência de sinais ao exame físico e neurológico;

 Ausência de alterações em qualquer exame laboratorial, incluídos radiografia e eletroencefalograma.

Na década de 1930, iniciou-se o tratamento medicamentoso de crianças com problemas de comportamento e desempenho escolar. Clínicos trataram pela primeira vez crianças de escolas primárias que apresentavam atitudes inquietas e dificuldades de concentração, aplicando o diagnóstico de Síndrome Pós-Encefálica, pois tais crianças haviam sobrevivido a uma pandemia de encefalite ocorrida principalmente na Europa e na América do Norte, entre 1915 e 1926. O tratamento consistia no uso de psicotrópicos associados a mudanças no currículo escolar. A Benzedrina era o medicamento utilizado para o tratamento.

Entre as décadas de 1930 e 1940, surgiu na literatura médica o termo “hipercinético”, utilizado para nomear o que os médicos diziam ser o sintoma mais característico do que hoje é conhecido como TDA/H: atividade motora anormal. Na década de 1950, o TDA/H recebeu a denominação de Síndrome do Impulso Hipercinético.

Em 1953, foi lançada a primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM), publicação da American Psychiatric Association (APA), que trouxe orientações e diretrizes para diagnóstico e tratamento dos transtornos mentais, o TDA/H não foi citado.

Em 1960, Leon Eisenberg, renomado psiquiatra, gestor do Massachusetts General Hospital, em Boston, rebatizou a Síndrome do Impulso Hipercinético como Reação Hipercinética da Infância.

Conforme Collares e Moysés (2010), em 1968, a Reação Hipercinética da Infância, atualmente denominada como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDA/H), teve sua entrada oficial somente na segunda versão do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-II), sendo definido e caracterizado sinteticamente como um transtorno assinalado pelo excesso de

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atividade, inquietação, distração e falta de atenção em crianças pequenas. Nesse mesmo ano, o metilfenidato, conhecido como Ritalina®, foi aprovado para o tratamento de hiperatividade em crianças.

Assim, antes da publicação do DSM-III, em 1980, o TDA/H recebeu várias nomenclaturas, entre elas “doença da atenção”, “lesão cerebral mínima”, “disfunção cerebral mínima”, “síndrome pós-encefálica”, “síndrome do impulso hipercinético”, “reação hipercinética da infância”, entre outras. Essas nomenclaturas apresentavam conjuntos de sintomas similares, que descreviam características consideradas desvios da infância. Tais características eram o excesso de movimento e a incapacidade de inibição dos impulsos, ou seja, a hiperatividade, a impulsividade e a desatenção.

Segundo Collares e Moysés (2010), com o advento da terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM-III), a Academia Americana de Psiquiatria modificou a denominação Reação Hipercinética da Infância para Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) ou Attention Deficits Disorders (ADD), termo correspondente na língua inglesa. Nessa edição, foram propostos, pela primeira vez, critérios diagnósticos que se iniciavam com os termos “frequentemente” e “parece”, e seu principal sintoma era a falta de atenção. Surge nessa edição a forma adulta do TDA/H, que compartilhava dos mesmos sintomas e critérios da forma infantil.

Menos de dois anos depois, na edição revisada do DSM-III, houve nova mudança. O TDA foi subdividido em Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) e Transtorno de Déficit de Atenção com hiperatividade (TDA-H), este último quando houvesse hiperatividade. Estabeleceu-se como idade de início dos sintomas antes dos 7 anos e com duração de pelo menos seis meses.

Ao analisar comparativamente o que foi estudado até o momento, verifica-se que não há alusão ao TDA/H na primeira edição do DSM. Em sua segunda edição, o TDA/H surge com a denominação de “Reação Hipercinética da Infância” contendo apenas uma breve citação de que se tratava de um transtorno assinalado pelo excesso de atividade, inquietação, distração e falta de atenção em crianças pequenas. Com o advento do DSM-III, a denominação Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) surgiu e foi estabelecida pela primeira vez uma pequena lista de sintomas (desatenção, hiperatividade e impulsividade) que deveriam ser considerados para o diagnóstico.

Até a publicação do DSM-III, em 1980, os fundamentos diagnósticos encontrados nos manuais anteriores apresentavam influências da psicanálise e da psiquiatria social comunitária. A versão do DSM-III rompe com a psiquiatria clássica e, a partir de então,

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os quadros psicopatológicos foram apresentados como transtornos mentais. Esses transtornos passaram a ser diagnosticados a partir da presença de certo número de sintomas que deveriam estar presentes na vida do indivíduo por determinado período de tempo.

Em 1987, foi lançada a edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM-III-R) em que nosso objeto de estudo passou a ser denominado de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Collares e Moysés (2010) explicam que, no Brasil, o termo distúrbio, equivalente a disorder na língua inglesa, foi substituído por transtorno, surgindo, assim, a denominação Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

Nessa edição revisada, os sintomas permanecem os mesmos da edição anterior. Ainda não há classificação de subtipos, mas de grau de atividade:

• TDAH leve; • TDAH moderado; • TDAH grave.

Na quarta edição do DSM, a denominação passou a ser Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDA/H), indicando que poderia ser com ou sem hiperatividade. Conforme Collares e Moysés (2010), diferente das edições anteriores, em que o TDA/H era definido sucintamente como um transtorno assinalado pelo excesso de atividade, inquietação, distração e falta de atenção em crianças pequenas, nessa edição o TDA/H passa a ser definido como um problema de saúde mental, considerando um distúrbio bidimensional, que envolve falta de atenção e a hiperatividade.

O DSM-IV, lançado em 1994 e sua edição revisada, DSM-IV-TR lançada em 2000, subdividem o TDA/H em três tipos:

• TDA/H com predomínio de sintomas de desatenção;

• TDA/H com predomínio de sintomas de hiperatividade/impulsividade; • TDA/H combinado.

O TDA/H poderia ser do tipo combinado, se fossem satisfeitos critérios para desatenção, hiperatividade e impulsividade; do tipo predominantemente desatento, se fossem satisfeitos critérios apenas para desatenção; do tipo predominantemente hiperativo/impulsivo, se fossem satisfeitos critérios para hiperatividade e impulsividade.

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Conforme Rhode et al. (2000), o diagnóstico passou a ser feito observando-se uma lista de 18 sintomas (9 de desatenção, 6 de hiperatividade e 3 de impulsividade) sendo necessária a presença de pelo menos 6 sintomas de desatenção ou 6 de hiperatividade/impulsividade para o preenchimento dos critérios diagnósticos (ANEXO A).

Em casos em que os sintomas perseverem, com menor intensidade, o diagnóstico terá a denominação de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade – Em Remissão Parcial.

Em casos em que os sintomas não mais satisfizerem todos os critérios e não estiverem evidentes, se já foram satisfeitos em algum outro momento, o diagnóstico será de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. Sem Outra Especificação.

Com o advento da quinta e atual edição do DSM, poucas modificações ocorreram com relação ao TDA/H. Os critérios para o diagnóstico (Anexo B) são elencados na seguinte ordem: A, B, C, D e E.

O rol de sintomas de desatenção e hiperatividade – impulsividade do “Critério A”, para ser expressivo, deve se apresentar pelo menos durante um semestre e ser inadequado à idade cronológica do sujeito.

A exigência de comprometimento em, pelo menos, duas áreas diferentes (casa e escola, por exemplo), “Critério C”, permaneceu como antes, assim como a exigência de existir prejuízo das rotinas escolares, sociais, profissionais etc., “Critério D”.

Já no “Critério E” houve modificações com relação ao DSM-IV. Anteriormente, não era admissível fazer o diagnóstico de TDA/H em um quadro de autismo, o que agora é possível. Contudo, ainda não é aceitável fazer o diagnóstico de TDA/H em outro quadro, como a esquizofrenia.

Houve modificações no “Critério B”, que determina a idade de início dos sintomas. Anteriormente, era obrigatório comprovar sintomas anteriores aos 7 anos de idade. Com o DSM-5, passa a ser obrigatório comprovar sintomas anteriores aos 12 anos.

O termo “subtipos” foi retirado, optando-se pelo emprego da palavra “apresentação”, dando a entender que os sintomas apresentados podem modificar-se com o tempo. As apremodificar-sentações mantiveram as mesmas divisões que os antigos subtipos contidos no DSM-IV.

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De um modo geral, o DSM-5 trouxe poucas modificações em comparação à edição anterior, o DSM-IV-TR. Essa postura suscitou críticas de pesquisadores do campo psiquiátrico.

Após essa análise comparativa, observamos que o DSM-5, no que diz respeito ao TDA/H, trouxe poucas modificações em comparação à edição anterior, o DSM-IV-TR. Essa postura suscitou críticas de pesquisadores do campo psiquiátrico.

Insel (2013), psiquiatra presidente do National Institute of Mental Health (NIMH), de 2002 até novembro de 2015, anunciou na época da publicação do DSM-5, que o instituto abandonaria a utilização do manual em seus projetos de pesquisa. Insel argumentava que, por se tratar de uma lista de sintomas sem sustento científico sólido, o DSM não seria mais usado como marco de referência para as pesquisas científicas financiadas pelo instituto dando início ao desenvolvimento do Projeto Research Domain Criteria (RDOC) que propõe transformar o diagnóstico psiquiátrico pelo agrupamento de pesquisas genéticas, de imagens cerebrais e de referências às ciências cognitivas.

Dentro desse contexto, o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade vem despertando, durante todo o seu percurso histórico, dissonâncias e discussões que não encontram consenso.

Desde a inclusão no DSM-II, sua etiologia ainda permanece uma incógnita e, apesar de estudos, ainda não existe concordância científica sobre suas origens. Diferentes pesquisas sugerem que o TDA/H seja hereditário. No entanto, conforme Riesgo e Rohde (2004), o TDA/H teria procedência multifatorial, ou seja, influência dos genes e do meio ambiente e outras linhas de estudos consideram que as funções executivas seriam a raiz do TDA/H.

Na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) que se encontra em sua décima edição (CID-10), a nomenclatura vigente para o TDA/H é Transtorno Hipercinético. Já as últimas versões do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais DSM-IV, DSM-IV-TR e DSM-5 adotaram a denominação Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade que, de acordo com Collares e Moysés (2010), ambas as terminologias refletem a ênfase nos aspectos cognitivos e comportamentais do quadro.

Vale ressaltar que a CID e o DSM são sistemas classificatórios que orientam os diagnósticos médicos em quase todos os países, incluindo o Brasil, e ambos são reconhecidos internacionalmente por oferecerem subsídios para o diagnóstico

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das perturbações mentais, abarcando componentes descritivos, de diagnóstico e de tratamento, constituindo-se um instrumento de referência para os profissionais que trabalham com a saúde mental. A CID abrange todas as doenças, incluindo os transtornos mentais, e o DSM somente os transtornos mentais.

Além das diferentes terminologias adotadas pela CID e pelo DSM, a inexistência de um sistema classificatório único é outro fator que dificulta a consonância em torno do TDA/H.

Conforme Vallée (2010), na França o DSM também é usado, mas, quando se trata do diagnóstico de crianças e adolescentes, os psiquiatras infantis franceses utilizam o CFTMEA, um sistema de classificação alternativo desenvolvido pela Federação Francesa de Psiquiatria que tem como foco identificar e tratar as causas psicossociais dos sintomas, e não em encontrar soluções farmacológicas.

Já nos Estados Unidos o Instituto Nacional de Saúde Americano (NIMH) estuda o desenvolvimento de um novo sistema de classificação contrário ao DSM.

Collares e Moysés (2010) alertam para essa falta de consenso que abre caminho para novos subtipos/apresentações de algo que foi denominado transtorno, apesar do desconhecimento de sua etiologia. Um exemplo seria os estudos do neurocientista e psiquiatra americano Daniel G. Amen, que indicam a existência de seis subtipos:

1. TDA/H combinado – com sintomas de desatenção hiperatividade/ impulsividade combinados;

2. TDA/H tipo primariamente desatento;

3. TDA “superfocado” – desvio preocupante de atenção, inflexibilidade cognitiva, preocupação excessiva, comportamento argumentativo e de oposição;

4. TDA de lobo temporal; 5. TDA límbico;

6. TDA “anel de fogo” – comportamento de oposição severo, distração, irritabilidade, mudanças de humor.

Paralelamente a essa dissonância, existem informações veiculadas na mídia que confundem e embaraçam o posicionamento da sociedade, somando-se a isso a falta de conhecimentos mais profundos dos profissionais envolvidos no diagnóstico.

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A falta de testes desenvolvidos especificamente para o TDA/H e, algumas vezes, a compreensão errônea de que o diagnóstico pode ser alcançado apenas com a utilização de testes neuropsicológicos e escalas respondidas (Anexos C e D) por pais e professores são motivo de preocupação.

Enquanto as discussões não encontram consonância, o DSM-5 segue utilizando como critérios diagnósticos o número, frequência e rigor dos sintomas de hiperatividade, impulsividade e desatenção, ou seja, definindo as patologias psiquiátricas por meio de agrupamentos de sintomas clínicos ambíguos, desconsiderando as narrativas dos pacientes, das histórias de vida e das causas sociais e psicológicas específicas que podem ter provocado determinado sofrimento psíquico ou certo comportamento, possibilitando o crescente processo de medicalização de condutas consideradas socialmente indesejáveis, que passaram a ser classificadas como anormais.

Diante desse contexto, a medicalização da infância insere-se na escola e, em vez de os elementos pedagógicos serem discutidos, acontece a intervenção médica, ou seja, em vez de questionamentos e ponderações acerca das dificuldades e revisão de metodologias de ensino que permitam aproximar a educação escolar do contexto da criança, recorre-se à medicalização.

1.1 TDA/H: peguei na escola

O TDA/H é classificado na quinta edição do DSM como um transtorno neurobiológico caracterizado por dificuldades de atenção e que influenciam o funcionamento pessoal, social e acadêmico.

No âmbito escolar, o TDA/H é considerado um dos vilões da aprendizagem e causador do mau desempenho escolar, que é associado à falta de atenção e hiperatividade, considerada um dos seus principais sintomas.

Mesmo envolto em especulações e interrogações, nosso objeto de estudo conecta os pontos de vista neurológico e escolar vinculando-se à vida acadêmica, além de suscitar discussões a respeito de temas como uma possível necessidade de conhecimento médico relativo ao TDA/H por parte dos docentes, passando-se a entender o mau desempenho escolar como uma questão médica.

Sabe-se que o diagnóstico médico é uma classificação que precisa ser validada e, para que isso aconteça, faz-se necessário que haja a legitimação da sociedade. No caso do TDA/H, tal legitimação é feita pelos profissionais da área da saúde, pela

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APA por meio do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM), que fundamenta os diagnósticos de TDA/H, pela indústria farmacêutica, por meio de suas estratégias mercadológicas e políticas, assim como pela escola que encaminha ao médico os alunos com comportamento fora do padrão esperado, acolhendo o diagnóstico e repetindo seu discurso.

Ao aceitar e, consequentemente, legitimar esse diagnóstico, a escola esquiva-se de qualquer responsabilidade, pois o diagnóstico esquiva-serve para justificar que, esquiva-se o indivíduo não se adapta, não é em razão do meio ambiente, mas porque seu organismo está falhando, ou seja, o TDA/H livra a família e o ambiente escolar da culpa pela não aprendizagem e mau comportamento da criança. Essa legitimação cria a ilusão de que a compreensão científica do que se denomina Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDA/H) já está comprovada, soando como uma verdade científica inquestionável.

A partir dessa perspectiva, a escola, longe de ser um ambiente de inclusão, torna-se um ambiente de homogeneização de comportamentos que exclui os diferentes, anulando toda e qualquer possibilidade de que a criança tenha uma história a ser conhecida.

Houve um tempo em que ter dificuldades de aprendizagem não era sinônimo de patologia, porém, no século XXI, para alguns estudiosos, ter um mau desempenho escolar pode culminar em um diagnóstico de TDA/H, pois, para Pastura et al. (2005, p. 326), “o TDA/H, como uma das potenciais causas tratáveis de mau desempenho escolar, merece ser investigado e adequadamente tratado”, e, conforme Araujo (2002, p. 104), “o tratamento medicamentoso com estimulantes, antidepressivos ou clonidina, associado ao acompanhamento multidisciplinar, concorre para o melhor desempenho das crianças com TDA/H na escola”, ou seja, a intervenção é prescrita para conseguir a alta performance acadêmica. Assim, seguindo essa linha de raciocínio, as dificuldades escolares são conectadas ao TDA/H, concebendo-se a representação de que é preciso tratar o TDA/H para “curar” o desempenho escolar insatisfatório, avaliado como um prejuízo acadêmico, social e individual:

A presença do mau desempenho escolar é deletéria e custosa, tanto em termos financeiros – devido à necessidade de atenção especial para o aluno – quanto em termos pessoais – em virtude do sofrimento trazido para o aluno e para a família, levando, na vida adulta, à baixa autoestima e dificuldades nas relações interpessoais (PASTURA et al., 2005, p. 326).

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Ou ainda:

Aprender implica em sucesso individual tanto na sociedade como na vida em família, e, consequentemente, influencia todo o desenvolvimento de uma nação, levando os indivíduos que possuem TDA/H a empregos não especializados e mal pagos (PASTURA et al., 2005, p. 326).

Ao conectarmos o mau rendimento escolar ao TDA/H, as dificuldades de aprendizagem tornam-se medicalizáveis e entram para o universo médico interconectando a Educação e a Medicina, pois é apreciando o discurso médico e o comportamento fora dos padrões desejáveis no âmbito escolar que o TDA/H parece se delinear.

Encarar o mau rendimento escolar do ponto de vista médico faz surgir um movimento em que as dificuldades de aprendizagem estão se tornando medicalizáveis, pois, de acordo com Souza et al. (2007, p. 16), “a boa adaptação ao ambiente escolar, o relacionamento interpessoal adequado com os pares e as boas notas são padrões esperados de uma criança em idade escolar”.

A imagem do indivíduo eficaz, performático e bem-sucedido socialmente parece estar pautada por seu sucesso acadêmico. Nesse sentido, o espectro do mau desempenho escolar parece se fixar como uma receita de sucesso para as prescrições medicamentosas, uma vez que a boa performance acadêmica afigura-se, de fato, condição para o sucesso social no futuro. Aqueles com dificuldades de organização, de focalizar a atenção em um mundo com excesso de informações e de gerenciar ações possuem mais chances de fracasso nesse contexto educacional, que parece atuar cada vez mais por competição.

A representação dessa escola, que valoriza resultados objetivos e matemáticos, parece desvalorizar processos mais completos e complexos do desenvolvimento humano e pode levar à depreciação de outros aspectos do processo educacional, como a relação docente/discente, a estrutura escolar, o exercício da edificação e prática de um projeto político-pedagógico e a prática de atividades pedagógicas extracurriculares importantes para o progresso do educando. Essa escola parece priorizar um sistema de avaliação e de premiação que tende a causar competitividade, dando importância exclusivamente a alunos bem-sucedidos.

Nesse ambiente competitivo, almeja-se que o indivíduo atue em alta performance e é nesse ponto que o discurso psiquiátrico alia-se aos docentes com o intuito de encontrar candidatos ao diagnóstico de TDA/H, pois, diante do exposto, é no ambiente

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escolar que o TDA/H se faz palpável, tornando a escola seu local de visibilidade. Assim, de acordo com Gomes et al. (2007, p. 99), “os educadores estão em posição privilegiada para triar e encaminhar possíveis casos de TDA/H para especialistas”.

Portanto, quando a criança está fora dos padrões, muitas vezes é o educador quem sugere aos pais que procurem ajuda médica, ou seja, não é a criança que se queixa, mas, sim, o adulto que está à sua volta. Logo, não é mister que o indivíduo anuncie mal-estar, basta que manifeste condutas contrárias ao padrão idealizado para que se conjecture sua patologização, pois “a criança que perturba é considerada uma criança perturbada” (DUPANLOUP, 2004, p. 307).

O discurso psiquiátrico propõe-se a ajudar, “corrigindo” no estudante aquilo que impede a aprendizagem. Em uma situação em que o educador tem um cronograma e regulamentos a cumprir e uma classe da qual não pode descuidar, aquele indivíduo que se desvia deve ser explicado e manejado.

Diante desse contexto, parece que ao entrar na escola que o nosso objeto de estudo surge. Portanto, a descrição do TDA/H presente no DSM-5 é feita a partir do âmbito escolar, o que nos leva a observar a importância do ambiente escolar, assim como dos educadores na constituição dessa representação.

Dessarte surgem algumas reflexões acerca desse diagnóstico que está relacionado à dificuldade de adequação às normas e exigências da sociedade. Se a hiperatividade, a desatenção e a impulsividade são condutas comuns, exibidas por todas as crianças, o excesso seria doença? O que seria considerado excesso? O que estaria dentro da normalidade? O coeficiente de aceitação para determinadas condutas na escola está sendo redefinido?

A hiperatividade, a desatenção e a impulsividade são consideradas condutas problemáticas e empecilhos para a boa performance acadêmica. Assim, Rafalovich (2002, p. 216) aponta para “a relação reflexiva entre os discursos psiquiátrico e educacional, na qual um usa o outro para validar uma compreensão determinada do TDA/H”.

Observamos que a relação do TDA/H com o mau desempenho escolar valida uma intervenção medicamentosa, pois muitos dos seus critérios diagnósticos são feitos em comum acordo com as regras acadêmicas, e os educadores passam a ocupar um papel de destaque no que diz respeito à identificação, triagem e encaminhamento da criança ao médico. Isso transforma o ambiente escolar em um

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lugar de averiguações psiquiátricas e os docentes basilares para a validação do diagnóstico e consequentemente para a prescrição de fármacos.

Nesse movimento, o que se cala são os conflitos que, na verdade, deveriam impulsionar o ato de educar. Por isso, a preocupação está em diagnosticar, em vez de buscar novas estratégias de ensino para que todos possam usufruir do papel essencial da educação como locus privilegiado de conhecimento. Não existe reflexão acerca do contexto em que se dá a queixa escolar, ou mesmo da qualidade da formação daquele profissional que encaminha a criança aos consultórios médicos e por qual meio isso ocorre. Questões relativas à escola e ao sistema educacional como um todo não são questionadas em um sistema cada vez mais incapaz de acolher devidamente a subjetividade humana em sua singularidade.

Assim, o TDA/H, classificado pela OMS como um transtorno, mas que ainda não possui origem, definição e dados científicos claros, entrou para o vocabulário escolar promovendo e confirmando um diagnóstico que visa a um ideal de sujeito, desresponsabilizando a escola e responsabilizando as crianças pelo seu não aprendizado.

Portanto, a indústria farmacêutica tem caminho livre para legitimar as doenças do não aprender. Uma das estratégias utilizadas para facilitar essa legitimação seria buscar apoio político para emplacar seus interesses corporativos.

Conforme Berrón e González (2016), em 2014, a indústria farmacêutica obteve em terras brasileiras um faturamento de US$ 29,4 bilhões, e a perspectiva é ampliar esse valor para cerca de US$ 47,9 bilhões até 2020. Esses resultados foram alcançados, sobretudo, devido a deliberações políticas tomadas nas principais instâncias de poder brasileiras.

De acordo com Berrón e González (2016), para tentar influenciar as decisões parlamentares, as multinacionais farmacêuticas utilizam-se de diversas estratégias de lobby, uma atividade legal no Brasil, mas não regulamentada. Uma delas era a doação para campanhas eleitorais, considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal a partir de setembro de 2015. Com a impossibilidade desse recurso após 2015, as multinacionais desenvolveram outras estratégias, sendo uma delas o patrocínio de viagens ao exterior à denominada “bancada do medicamento”, uma composição informal que ajuda as multinacionais a defender seus interesses no plenário.

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Diante desse cenário, no que diz respeito ao TDA/H, dando sustentáculo ao processo de medicalização e implicação docente no tocante ao diagnóstico, houve a proposição de projetos de lei, por exemplo:

• Projeto de Lei 7.081/2010, de autoria do Senador Gerson Camata (PMDB-ES), que dispõe sobre o diagnóstico e o tratamento do TDA/H e Dislexia na educação básica;

• Lei 712/2012, da Câmara Municipal de Pirenópolis (GO), de autoria do Vereador Jovelino Moreira (PSD/GO), que dispõe sobre medidas para identificação e tratamento do TDA/H e Dislexia na Rede Municipal e privada da educação;

• Lei 4.165/2013, da cidade de Viamão (RS), de autoria do Vereador Silvio Roberto Streit Júnior (PTB/RS), que trata de diretrizes adotadas pelo Município para orientação de pais e professores sobre as necessidades dos portadores de TDA/H.

No entanto, os relatores desses projetos de lei parecem desconhecer que o apoio integral a tais condições já se encontra garantido, por exemplo, pela(o):

• Lei de Diretrizes e Bases (LDB);

• Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs);

• Plano Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. A LDB (Lei 9.394/1996), com a alteração promovida pela Lei 12.796/2013, estabeleceu, no art. 4.º, III, o direito à educação e o dever de educar específico para os educandos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades.

No art. 58, § 1.º, da mesma lei, está estabelecido que haverá, quando necessário, serviço de apoio especializado para atender às peculiaridades da educação especial, compreendida como modalidade da educação escolar para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

Por seu turno, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), estão previstas adaptações curriculares que são entendidas como estratégias de ação educadora, que acolhem disposições para adaptar o ato educativo aos estilos peculiares de aprendizagem dos discentes, ponderando que o processo ensino-aprendizagem implica acolher a diversificação de necessidades dos estudantes no âmbito escolar.

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Em conformidade com a LDB, com os PCNs e baseada nas determinações da Conferência Nacional de Educação (Conae/2010), a Lei 13.005/2014, que institui o Plano Nacional de Educação (PNE), no inciso III, § 1.º, do art. 8.º, decide que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afiancem o acolhimento das necessidades peculiares na educação especial, garantindo o sistema educacional inclusivo em todos os graus, fases e modalidades. Desse modo, busca-se universalizar, para os indivíduos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação e ao atendimento educacional especializado. Nas Diretrizes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), o atendimento educacional especializado tem como papel identificar, preparar e estabelecer recursos pedagógicos e de acessibilidade que suprimam os impedimentos para a completa participação dos discentes, ponderando suas necessidades específicas. Para atuar na educação especial, o docente necessita ter como alicerce da sua formação, inicial e continuada, noções gerais para o exercício da docência e noções específicas do campo de atuação.

Assim, tendo em vista essas proposições educacionais aqui expostas, que garantem o apoio integral aos educandos, pode-se pensar que algumas das propostas políticas citadas (projetos de lei) podem decompor gradualmente os ambientes escolares em espaços clínicos, num mesmo movimento que, consequentemente, tende também a transformar os alunos em “pacientes”. Infligir ao educador o papel de diagnosticar patologias leva à desconfiguração de seus papéis como docente, pois, conforme o art. 1.º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Escolar (1996), cabem ao educador o direito e o dever da docência, ou seja, não é função do professor fazer diagnósticos clínicos, como propõem alguns desses projetos.

Tais projetos de lei cooperam para a transformação de assuntos sociais em assuntos biológicos, retirando a responsabilidade do sistema social e originando a “culpabilização” do educando pelo seu não aprendizado. Ao responsabilizar somente o estudante pelo seu não aprendizado, camuflam-se questões como dificuldades do sistema educacional, da formação dos professores, assim como das condições de trabalho destes, evadindo-se das discussões producentes sobre esses temas.

A Lei 7.081/2010, por exemplo, dispõe sobre o diagnóstico e o tratamento da Dislexia e do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade na educação básica, propondo a formação, reciclagem e habilitação dos educadores para o diagnóstico, e “estabelece a responsabilidade das escolas de todos os níveis, após aviso adequado

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às famílias, implementar tempestivamente ações suficientes para identificar casos suspeitos de dislexia entre os alunos”.

Ao atribuir ao educador a função de diagnosticar, acaba-se por avalizar uma visão de saúde e enfermidade na qual o aspecto biológico é decisivo, deixando de ponderar suas relações com as condições de vida e com os elementos socioculturais que as determinam. Tal circunstância torna-se bastante incoerente quando os PCNs (BRASIL, 1998) afirmam que a comprovação de que a criança é ativa e inquieta não é atual, pois seu corpo se agita diante do que ainda não consegue conceber pela palavra, e que sua curiosidade a induz a distrair-se, demandando sua atenção em diversas direções. Além disso, tais manifestações fariam parte do “adolescer” ou tornar-se um cidadão ativo. Entretanto, o que seria um cidadão ativo, se a conduta inquieta e ativa pode ser interpretada como um aspecto de enfermidade e que, por si, já explicaria um encaminhamento médico?

Observa-se, porém, que essa questão envolvendo diretamente educadores e escola, contraditoriamente, tem sido mais debatida na esfera legal por médicos, familiares dos diagnosticados com o TDA/H do que pelos próprios docentes. Contudo, as exigências são muitas vezes feitas em nome do educador.

Após tantas reflexões, verifica-se que as opiniões sobre o TDA/H divergem em vários aspectos e a falta de conhecimentos mais profundos semeia a discórdia, a polarização e a falta de consenso. De modo geral, as discussões acerca do transtorno dividem grupos que se alocam basicamente entre os que são contra a medicalização e a favor da medicalização. Resumidamente, os que são contra a medicalização argumentam que comportamentos comuns, na sociedade contemporânea, estão sendo rotulados e patologizados. Para contrapor essa ideia, os grupos a favor da medicalização enfatizam os déficits funcionais (sociais, escolares e profissionais) recorrendo a pesquisas que afirmam ser elevado o indicador de comorbidades com outros distúrbios psiquiátricos que o TDA/H exibiria. No entanto, este último grupo parece desconhecer que as hipóteses sobre as origens do TDA/H conservam-se especulativas, não havendo, até o momento, nada que comprove a suposição de uma causa orgânica ou cerebral.

Por fim, em meio a esse encadeamento de posições e contraposições à Educação, escolares e educadores são convocados a se posicionar diante dessa questão que parece transformar a escola no local onde se “pega” o TDA/H.

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1.2 “Pesquisas mostram que...”

A indústria farmacêutica movimenta bilhões anualmente e no curso de sua história tem sido alvo de discussões e controvérsias ao redor do mundo. Seu desenvolvimento e ampliação nos anos 1920, assim como seu surgimento como comércio mundial, remontam ao final do século XIX, com a intensificação dos estudos científicos aplicados à indústria e a produção em larga escala. Entretanto, conforme Angell (2007), as grandes indústrias farmacêuticas têm sido motivo de críticas, acusações e escândalos que têm afetado de forma negativa sua imagem. Márcia Angell, ex-editora-chefe do New England Journal of Medicine e pesquisadora do Departamento de Medicina Social da Harvard Medical School, argumenta que as pesquisas financiadas pelas multinacionais farmacêuticas são orientadas fundamentalmente pelo lucro, deixando de lado a ética e o rigor científico.

De acordo com Angell (2007), os anais da história contêm inúmeros registros de como muitos dos sucessos da indústria de fármacos estão amparados em alicerces morais e éticos pouco consistentes. Na Alemanha, por exemplo, durante a última guerra mundial, a Bayer usou presos como cobaias em experimentos de novas fórmulas. Nos Estados Unidos, as pesquisas em presídios continuaram a acontecer durante anos após a guerra, e dessa prática, nos anos 1940, surgiu, na Escola de Medicina de Yale, a quimioterapia.

Brynner e Stephens (2001) explicam que nos anos 1950 a talidomida foi a causadora de um dos mais horríveis acidentes médicos da história. Essa substância foi desenvolvida inicialmente na Alemanha e foi comercializada na Europa, em 1957, prescrita como sedativo. Vendida para gestantes, ela causava problemas de desenvolvimento no feto, como má formação ou problemas mentais. Milhares de crianças ficaram comprometidas e poucas sobreviveram. Em 1960, apesar dos efeitos causados na Europa, a Richardson-Merrell ainda tentava liberar o uso da droga nos Estados Unidos. A equipe de propaganda da companhia fez o possível para comercializar a droga no país.

Como naquela época os procedimentos de testes e aprovação de drogas eram menos rigorosos, a talidomida deu origem, nos Estados Unidos, a processos mais severos no que diz respeito à vigilância de medicações. Conforme Brynner e Stephens (2001), nos anos 1960, as novas drogas passaram a necessitar da aprovação da Food and Drug Administration (FDA), órgão regulamentador de fármacos e alimentos nos Estados Unidos. A instituição passou a avaliar as pesquisas apresentadas pela

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indústria e exigir comprovação de seu efeito. Após os anos 1970, foram eliminados os testes clínicos em casas de detenção, migrando para hospitais de universidades e laboratórios com conexões acadêmicas, controlados por pesquisadores. A partir da década de 1990, as exigências para maior rapidez nos estudos e a complexidade das experiências fizeram com que um “comércio de testes”, controlado pela indústria de fármacos, surgisse.

Com a vigilância da FDA, as indústrias farmacêuticas controladas pelo governo americano migraram para longe dos Estados Unidos. Conforme Akerlof e Shiller (2016), 40% dos testes financiados pela indústria acontecem em países menos favorecidos. Entre 1995 e 2006, registrou-se o maior número de pesquisadores trabalhando com experimentos clínicos em países como a Rússia, Índia, Argentina, Polônia, China e Brasil.

Miguelote (2008) avaliou a maneira como os fabricantes de fármacos tomam parte dos estudos médicos em nosso país. A referida autora atuou no hospital de uma universidade, com pesquisas feitas sob o patrocínio dos fabricantes de fármacos, o que a possibilitou trazer à tona o investimento da indústria farmacêutica em pesquisas sem fidedignidade.

[...] embora o discurso da indústria anuncie colaboração na produção de conhecimento médico, esta colaboração não está comprometida com a saúde pública. Isso significa que a realização de pesquisas não tem, a rigor, objetivo de pesquisa. Trata-se, portanto, de pseudopesquisa. [...] O discurso de prioridade à saúde e à segurança dos consumidores, na verdade, dissimula o principal objetivo: promover a venda de medicamentos (MIGUELOTE, 2008, p. 31).

De acordo com Miguelote (2008), no Brasil e no mundo, parte das experiências clínicas para desenvolver novos medicamentos, financiados pelas multinacionais farmacêuticas, é realizada a partir de protocolos manipulados pela financiadora.

À medida que a produção econômica passou a depender da ciência como valor, a articulação entre a indústria farmacêutica e a indústria do conhecimento configurou-se numa poderosa engrenagem sustentada por estratégias de marketing. Assim, a produção de conhecimento médico, legitimado cientificamente através de pesquisas, alimenta a produção de artigos, garantindo, ao mesmo tempo, circulação de conhecimento e venda de medicamentos (MIGUELOTE, 2008, p. 18).

Conforme Abramson (2008), os motivos para essa manipulação de informações seriam o sistema orientado pelo lucro. Essa afirmação é corroborada pelo escândalo

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do medicamento Vioxx® (Anexo E), cujas investigações comprovaram que a farmacêutica manipulava as informações que encaminhava para as publicações, e os autores desses artigos possuíam conexão financeira com a fabricante Merck Sharp & Dohme.

Conforme Ioannidis (2005), a tática dessa indústria é explorar a representação de que a publicação de um estudo científico dá respaldo e veracidade a tudo o que se quiser, tendo em vista que pesquisas são socialmente estabelecidas como a principal instância de produção de saberes da ciência. Field e Powell (2001) explicam que os dados utilizados para informar o público a respeito da ciência são apresentados como conclusivos e acabados e, de acordo com Jang et al. (2011), há evidências na literatura de que os estudos realizados sob o patrocínio da indústria farmacêutica exibem apenas resultados positivos do fármaco pesquisado, ou seja, os resultados desfavoráveis não constam nas publicações.

Em seus estudos, Ioannidis (2005) comprovou, por meio de testes e contas matemáticas, que os resultados obtidos pelos números entendidos como satisfatórios para a vazão de uma correspondência estatística fidedigna, na verdade, possuem uma possibilidade elevadíssima de ter acontecido um “acaso” contábil. Em síntese, a maioria dos estudos obtidos por esse caminho possivelmente apresenta mais resultados falsos do que verdadeiros.

Segundo Ioannidis (2005), mesmo quando eliminamos os estudos dúbios, ainda encontramos outros com resultados ambíguos, pois o que se assemelha a uma correspondência transparente pode ser somente um acidente na amostra avaliada pelo pesquisador.

Angell (2007) reflete que os interesses financeiros são uma grave questão ética que invade os laboratórios farmacêuticos. A autora explica que para justificar o aumento da eficácia de determinado medicamento, por exemplo, é recorrente compará-lo a um placebo, e não a outro fármaco do mercado.

Angell (2007), Ioannidis (2005), Field e Powell (2001), Miguelote (2008), Jang et al. (2011), entre outros, têm denunciado o atrelamento da produção científica a interesses comerciais. A maior parte desses estudos refere-se aos investimentos da indústria farmacêutica no campo das pesquisas e o modo como essa participação está ocorrendo. A produção de pesquisas que “demonstrem cientificamente” a eficácia do produto para as doenças às quais ele é destinado tornou-se campo de discussões, transações políticas e econômicas. A produção de conhecimento passou a ser uma

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