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O Nascimento de uma Nova Física De Copérnico a Newton.pdf

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I. BERNARD COHEN

O nascimento de

uma nova física

De Copérnico a Newton

m

E D A R T - SaO P A U L O — L IV R A R IA E D IT O R A L T D A . SAO_RAIII.fi

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A SÉRIE E ST U D O S D E CIÉN CIA

A Série Estudos de Ciencia (The Science Study Series) oferece aos estudantes e ao público em geral obras de autores famosos, que tratam dos assuntos mais excitantes e fundamentáis da Ciéncia, desde a menor das partículas conhecidas até o Uni­ verso inteiro. Alguns dos livros tratam do papel que a Ciéncia desempenha no mundo do homem, sua tecnología e civilizaqáo. Outros sao de cunho biográfico, contando as historias fascinantes dos grandes descobridores e de suas descobertas. Cada autor foi escolhido pela competéncia dentro de sua especialidade e por sua habilidade em comunicar de maneira interessante seus conhecimentos e seus próprios pontos de vista. A finalidade primordial désses livros é apresentar uma visáo geral de cada assunto dentro das possibilidades tanto do estudante como do homem comum. Fazemos votos para que muitos désses livros encoragem o leitor a fazer suas próprias investigares sobre os fenómenos naturais.

Esta série, que agora apresenta tópicos sobre to­ das as ciéncias e suas aplicagóes, teve inicio num projeto de revisáo do programa de Física das esco­ las secundárias. No Instituto de Tecnología de Massachusetts, durante o ano de 1956, um grupo de físicos, de professóres secundarios, de jornalistas, de desenhistas de aparelhos, de produtores de fil­ mes e de outros especialistas organizaram o Comité de Estudos de Física (Physical Science Study Committee, P SSC ) que agora funciona como parte

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do “ Educational Services Incorporated” , Water- town, Massachusetts. Todas essas pessoas canali- zaram seus conhecimentos e suas experiéncias para planejamento e criaqáo de meios que auxiliassem o aprendizado da Física. Desde o inicio seus esforqos tiveram o auxilio financeiro da Fundáqáo Nacional de Ciéncia, que continua a auxiliar o programa. A Fundaqao Ford, o Fundo para o Progresso da Educaqáo e a Fundaqáo Alfred P. Sloan também tém ajudado. O Comité organizou um livro, uma extensa série de filmes, um laboratorio piloto, aparelhos especialmente desenhados, e um Guia para o Professor.

A Série é dirigida por uma junta de editores constituda por:

Paul F. Brandwein, de “ The Conservation

Foundation” e da “ Harcourt, Brace & Co.”

John H. Durston, Educational Services In-

corporated.

Francis L. Friedman, do Institudo Tcno-

lógico de Massachusetts

Samuel A . Goudsmit, do Laboratorio Na­

cional de Brookhaven

Bruce F. Kingsbury, Educational Services Incorporated.

Philippe LeCorbeiller, da Universidade de

Harvard

Gerard Piel, do “ Scientific American” Herbert S. Zim, da “ Simón and Schuster,

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BIOGRAFIA DO AUTOR

O Nasctmento de wma Nova Física é um assunto

relacionado com o interésse profissional de I. Ber- nard Cohén, da Universidade de Harvard. As conseqüencias históricas, científicas ¿"culturáis das grandes descobertas de Sir Isaac Newton tiveram para o Professor Cohén, durante anos, um interésse especial. Autor de Franklin e Newton (1956), de

Escritos de Isaac Newton sobre Filosofía da, Natu­ reza (1957), o Professor Cohén dedicou os quatro

últimos veróes á leitura de tudo quanto póde encon­ trar, escrito por Newton ou sobre Newton, nos arquivos de manuscritos das grandes academias da Inglaterra, Holanda, Franqa e Itália. Seus estudos culminaram por fim com a primeira ediqao crítica e comentada, dos Principia Mathematica de Newton, ainda nao publicada.

O Professor Cohén nasceu em Far Rockway, Nova York, em 1914. Recebeu o grau de bacharel em Ciéncia, em Matemática, cum laude, em 1937 em Harvard, e realizou trabalhos correspondentes a ésse grau em Física, Astronomía e Historia da Cién­ cia, na mesma Universidade. Recebeu o grau de

Ph. D. em Historia da Ciéncia, em 1947 e é agora professor desta última cadeira.

Durante seis anos o Professor Cohén foi diretor- -secretário e durante outros seis anos (1953-59) diretor editor de Isis, o jornal trimestral e oficial da Sociedade de Historia da Ciéncia. É autor de A

Ciencia, Escrava do Homem (1948) e outros livros,

e escreveu artigos para o Jornal da Historia das

Idéias, Isis, Scientific American e para publicares

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convidado para realizar conferéncias no Uni- versity College de Londres, na Sorbonne em Paris, em Oxford, em Florenqa, e em numerosas Uni­ versidades americanas. É vice-presidente da Socie- dade de Historia da Ciéncia nos Estados Unidos e compareceu como delegado ao Nono Congresso In­ ternacional de Historia da Ciéncia ( Barcelona - Madrid).

Longe dos seus arquivos e da máquina de escre- ver, o Professor Cohén é um ardoroso viajante e escalador de torres, entusiasmo éste compartilhado por sua filha mais moga. (Uma vez quase ficou

entalado nos degraus espiralados do Mosteiro de

York, na Inglaterra.) Outra das suas ocupaqoes de amador ñas horas vagas é fotografar castelos e bar­ cos, especialmente barcos de pesca.

A pesquisa do Professor Cohén sobre a influén- cia das idéias científicas na sociedade é particular­ mente relacionada com o fermento educacional que a América está agora experimentando. Na Historia da Ciéncia éle vé “ uma unidade de toda a capaci- dade criadora humana e um meio pelo qual a Ciéncia pode recuperar as dimensóes humanizadoras táo freqüentemente perdidas em apresentaqóes pura­ mente formáis” .

Outras obras de I. Bernard Cohén

Experiencias de Benjamín Franklin

Roemer e a Primeira Determinagao da Velocidade da Luz

Manual de Laboratorio de Física A Ciéncia, Escrava do Homem Educagao Geral em Ciéncia

Benjamín Franklin, Sua Contribuigáo á Tradigao Americana

Escritos de Isaac Newton sobre Filosofia Natural Franklin e Newton

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PREFÁCIO

O fim a que se propóe éste livro náo é apresentar uma Historia “ popular” da Ciéncia, nem mesmo mostrar ao leitor comum alguns dos recentes resul­ tados da pesquisa na Historia da Ciéncia. A inten- <jáo é explorar um aspecto daquela grande revoluqao científica que ocorreu durante os séculos X V I e X V II para esclarecer alguns aspectos fundamen­ táis do desenvolvimento da Ciéncia moderna. Um tema importante é o efeito da estrutura intimamen­ te entrelazada das Ciéncias Físicas sobre a formaqao de uma ciéncia do movimento. Desde o século X V II temos visto repetidamente que uma m odificado de vulto em qualquer parte das Ciéncias Físicas acaba por produzir m odificares em todo o ámbito dessas Ciéncias; outra conseqiiéncia é a impossibi- lidade de testar ou provar uma afirmacao cientí­ fica isoladamente ou completamente por si mesma, sendo cada teste náo apenas uma verificadlo da p ro p o sito particular em discussáo, mas de todo o sistema das Ciéncias Físicas.

A principal e talvez única propriedade da Cién­ cia moderna é o seu aspecto dinámico, o modo pelo qual as mudanzas ocorrem constantemente. Infeliz­ mente, as necessidades de apresentaqao lógica nos livros de texto elementares e trabalhos gerais sobre Ciéncia, impedem o estudante e leitor de obter uma idéia verdadeira desta particular propriedade diná­ mica. Disso decorre que outro dos principáis pro­ pósitos déste livro é tentar mostrar como uma só idéia pode ter tanta fórqa, que a sua adoqáo pode alterar toda a estrutura da Ciéncia.

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Gostaria de externar minha gratidao ao Professor Alexandre Koyré, da École Pratique de Hautes Etudes (Paris) e Institute for Advanced Study (Princeton), nosso mestre na sábia arte da análise conceptual. A Professóra Marjorie Hope Nicolson, da Universidade de Columbia, nos féz apreender bem a vasta significado intelectual da “ nova Astrono­ mía” , e particularmente das descobertas telescópicas de Galileu. Durante mais de uma década, com gran­ de alegría e proveito, discutí muitas destas questóes com o Professor Marshall Clagett, da Universidade de Wisconsin. Sou particularmente grato a Stillman Drake, que foi mais do que generoso, ao permitir­ me ver seus estudos galileanos antes de publicados, ao responder-me perguntas e ao proceder á leitura crítica dos origináis déste livro. Acima de tudo, registro aquí meu entusiasmo pelo Physical Science Study Committee do Educational Services Incorpo- rated, (principalmente os professóres Jerrold Zacha- rias e Francis Friedman, do M .I.T .) sob cujos auspi­ cios foi concebido éste livro. Tenho consciéncia do privílégio de ter contribuido com pequeña parte nesta grande emprésa de reformar o ensino da Física, no nivel da escola secundária. É difícil achar palavras capazes de exprimir tantas obrigaqóes aos compo­ nentes do PSSC (notadamente Bruce Kingsfoury) que por todos os modos facilitaram cada passo no longo caminho da preparaqáo déste livro. Em par­ ticular, encontrei em John H. Durston um redator compreensivo, cuja auxilio reduziu meu próprio trabalho a proporqóes fáceis.

Agradeqo aos editores, que deram permissáo para citar material publicado. Os livros sáo citados no Guia para Leituras Posteriores, no fim déste

vo-Iume' I.B.C.

Widener Library 189 Harvard University

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I N D I C E

A Série Estudos de Ciéncia ... V II Biografía do Autor ... IX P refácio' ... X I Cap. 1. A Física de Uma Terra em M ovim en to... 1

Onde caira isto? — Respostas Alternativas — A Necessidade de Uma N ova Física Cap. 2. A Velha Física ... 12

A Física do Senso Comum de Aristóteles — O Movimento “ Natural ” dos Objetos — Os Céus “ Incorruptíveis ” — Os Fatóres do M ovim ento: Fórga, Resisténcia, V eloci­ dade, Distáncia e Tempo — Movimento de Corpos que Caem através do A r — A Impossibilidade de Uma Terra em M ovi­ mento.

Cap. 3. A Terra e o Universo ... 28 Copérnico e o Nascimento da Ciéncia M o­ derna — O Sistema das Esferas Concén­ tricas — Ptolomeu e o Sistema de Epiciclos e Deferentes — Inovagóes de Copérnico — Copérnico versus Ptolomeu — Vantagens e Desvantagens de um Universo de Copérnico. Cap. 4. Explorando as Profundezas do U n iverso.. . 59

Evolu?ao da Nova Física ■— Galileu Galilei — O Telescopio: Um Passo Gigantesco — A Paisagem da Lúa — O Brilho da Terra — Aglomerados de Estrélas — Júpiter como Evidencia — Um N ovo Mundo.

Cap. 5. Caminhando para uma Física Inercial... 88 O Movimento Retilíneo Uniforme — Uma Chaminé de Locomotiva e um Navio em Movimento — A Dinámica de Galileu: Inércia. Movimento Uniformemente Acele­ rado de Galileu — Formulando a Lei da

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Inércia — Dificuldades e Realizagóeh de Galileu.

Cap. 6. A Música Celestial de K epler ... 135

A Elipse e o Universo de Kepler — As Tres Leis — Aplicagóes da Terceira, ou Lei Harmónica — Kepler versus adeptos de Copérnico ■— A Contribuigáo de Kepler. Cap. 7. Um Grande Designio — Uma N ova Física 159

Antecipagóes Newtonianas — Os “ Princi­ p ia ” — Formulagáo Final da Lei da Inér­ cia — “ O Sistema do M undo” — O Golpe do Mestre: A Gravitagáo Universal __ A Grandeza do Feito.

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Ca p í t u l o I

A F ÍS IC A D E U M A T E R R A EM M O V IM E N T O

Por estranho que pareqa, as noyóes da maioria das pessoas a respeito do movimento sáo partes de um esquema da Física, que foi proposto há mais de 2 000 anos, e experimentaknente demonstrado inexato e insuficiente, pelo menos há 1 400 anos atrás. É fato que, mesmo hoje, homens e mulheres, presumivelmente bem educados tendem a pensar a respeito do mundo físico como se a Terra estivesse em repouso, ao invés de estar em movimento. Com isto náo quero afirmar que tais pessoas acreditem realmente que a Terra esteja em repouso; se per- guntadas, responderáo que naturalmente sabem que a Terra dá uma volta por día em torno do seu eixo, e ao mesmo tempo se move numa grande órbita anual ao redor do Sol. Todavía, quando se trata de explicar certos acontecimentos físicos comuns, tais pessoas sáo incapazes de dizer como é que ésses fenómenos cotidianos podém se dar, como vemos que éles se dáo, numa Terra em movimento. Em particular, ésse mal-entendido da Física tende a centralizar-se no problema da queda dos objetos, no conceito geral do movimento. Vemos assim exem- plificado o velho preceito: “ Ignorar o movimento é ignorar a Natureza” .

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Onde cairá ele?

Na sua falta de habilidade ao tratar das questóes do movimento em relaqao a uma Terra que se mo­ ve, o homem medio está na mesma posigáo de alguns dos maiores dentistas do passado, o que Ihe pode ser fonte de grande conforto; contudo, a maior di­ ferencia é que para o dentista do passado a incapa- cidade para resolver estas questóes era um sinal do seu tempo, ao passo que para o homem moderno tal incapacidade é um distintivo de ignoráncia. Ca­ racterísticas déstes problemas estáo numa gravura em madeira do século X V II (Gravura I ) mostrando um canháo apontando para o alto. Observem a per­ gunta feita: “ Retombera-t-il?” (Cairá de n ovo?). Se a Terra estivesse em repouso, náo haveria dúvi- das de que a bala do canháo, disparada em linha reta para cima, no ar, voltaria por fim diretamente para dentro do canháo. Mas, acontecerá isto numa Terra em movimento? Caso afirmativo, por qué?

Passemos em revista todos os argumentos. Há os adeptos da teoría de que a Terra pode se mover, desde que o ar também se mova solidário comí ela e, assim sendo, uma flecha lanzada no ar seria arrastada com éste. Replicariam os adversários: Embora possamos admitir o ar em movimento — uma hipótese difícil porque náo há causa aparente para o ar se mover com a Terra — náo poderia éle mover-se muito mais lentamente que a Terra, já que é táo diferente em substancia e qualidade? E, mesmo assim, náo seria a flecha deixada para trás? E o que dizer da ventania que seria sentida por uma pessoa numa torre alta?

A fim de examinar éstes problemas de um ponto de vista mais ampio, ignoremos por um momento a própria Terra. Nesta altura, a mulher e o homem

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medio podem muito bem replicar: Posso náo ser capaz de explicar como uma bola deixada cair de uma torre atinge o chao ao pé da torre, mesmo com a Terra em movimento. Mas eu sei que uma bola deixada cair desee verticalmente, e sei que a Terra está em movimento. Assim, deve haver algu- ma explicagáo, embora eu náo a conheqa.

Consideremos agora uma outra situaqáo. Admi­ tamos simplesmente que podemos construir uma espécie de veículo que se mova muito rápidamen­ te, táo rápidamente que sua velocidade possa atingir 30 quilómetros por segundo. Um experimentador está postado na extremidade désse veículo, numa plataforma de observaqáo do último carro, se fór um trem. Enquanto o trem se lanqa para a frente, á velocidade de 30 quilómetros por segundo, éle tira do bolso uma bola de ferro de cérca de meio quilo, e a lanqa verticalmente no ar, a uma altura de 5 metros. Ela leva mais ou menos um segun­ do para subir e outro tanto para descer. Até onde se moveu o homem na extremidade do trem? Se sua velocidade era de 30 quilómetros por segundo, éle viajou 60 quilómetros, a partir do ponto em que lancou a bola ao ar.

Como o homem que desenhou a gravura do canháo disparando a bola no ar, perguntamos: Onde cairá ela? Voltará a bola para atingir o trilho em um ponto muito perto do lugar donde foi arremessada? Ou conseguirá a bola, de um ou de outro modo, baixar táo perto das máos do homem que a lanqou, que éle possa agarrá-la, embora o trem se mova a uma velocidade de 30 quilómetros por segundo? Se vocé responder que a bola atin­ girá a linha férrea vários quilómetros atrás do trem, entáo vocé náo entende claramente a Física da Terra em movimento. Mas, se vocé acredita que o homem na extremidade do trem agarrará a

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bola, entáo, terá de enfrentar a seguinte pergunta: Que fórqa faz a bola mover-se para a frente a uma velocidade de 30 quilómetros por segundo, embora o homem que a lanqou lhe desse uma fórqa verti­ cal e náo uma fórqa na direqáo dos trilhos? (Os que se preocuparem com a possibilidade de atrito com o ar, podem imaginar que a experiéncia foi realizada dentro de um vagáo do trem.)

A crenqa de que uma bola lanqada em linha reta, para cima, do trem em movimento, continuará a mover-se em linha reta, para cima e para baixo, de modo a atingir a linha férrea num ponto bem para trás, está intimamente ligada a uma outra cren­ qa acérca de objetos em movimento. Ambas fazem parte do sistema da Física de há cerca de 2000 anos atrás. Examinemos por um momento éste se­ gundo problema, porque acontece que as mesmas pessoas que náo entendem como objetos parecem cair verticalmente numa Terra em movimento, tam­ bém náo estáo inteiramente certas do que acontece quando caem objetos de pesos diferentes. Todo mundo sabe, naturalmente, que a queda de um corpo no ar depende da sua forma. Isto pode ser fácil­ mente demonstrado se fór feito um pára-quedas com um lenqo, amarrando-se os quatro cantos do lenqo a quatro cordéis e atando os quatro pedaqos do cordel a um pequeño corpo. Enrole éste pára- quedas de maneira a formar uma bola, lance-o ao a r ; vocé observará que éle cai f lutuando lentamente. Faqa déle novamente uma bola, tome um fio de séda e amarre-o ao redor do pára-quedas e do objeto, de modo que o pára-quedas náo possa abrir­

se no ar. Vocé verá que o mesmo objeto cairá verticalmente para a Terra. Mas o que acontecerá com objetos de mesmo formato e pesos diferentes? Suponha que vamos ao topo de uma alta torre, ou ao terceiro andar de uma casa, e que deixemós cair

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daquela altura dois objetos de forma idéntica, duaa bolas, pesando uma 10 quilos e a outra) U cufrlei Qual délas, tocaría o solo em primeiro lugar? E quanto tempo antes da outra o faria? Se a rela- qáo entre os dois pesos, neste caso uma razáo de dez para um tivesse influéncia, seria observada a mesma diferenqa em tempo de queda, se os pesos fóssem respectivamente 10 quilos e 100 quilos? E se fóssem 1 miligrama e 10 miligramas?

Respostas alternativas

Em geral, o conhecimento de Física nesse assunto se desenvolve mais ou menos assim: primeiramente há uma crenqa de que, se soltarmos simultánea­ mente uma bola de 1 quilo e outra de 2 quilos, da mesma altura, a de 2 quilos atinge primeiro o solo; além disso, supóe-se, em geral, que a de 1 quilo leva o dóbro do tempo gasto pela de 2 quilos. Se- gue-se entáo um estágio de maior sofisticaqáo, no qual é de presumir-se que o estudante tenha apren­ dido num livro de texto elementar, ser totalmente insustentável a conclusáo acima e que a verdadevra resposta é que ambas atingiráo o solo ao mesmo tempo, quaisquer que sejam os respectivos pesos. A primeira resposta pode ser chamada a “ opiniáo de Aristóteles” , porque se ajusta aos principios formulados pelo filósofo grego Aristóteles, cérca de 400 anos antes da Era Crista. Podemos chamar a segunda, a do “ manual elementar” , por ser encon­ trada em muitos désses livros. Algumas vézes se diz mesmo que esta segunda opiniáo foi “ provada” no século X V I pelo cientista italiano Galileu Galilei. Uma versáo típica desta historia é que Galileu “ fez cair, da Torre inclinada de Pisa, bolas de diferentes tamanhos e materiais, no mesmo instante. Éles (seus auxiliares e amigos) viram as bolas partir juntas, cair juntas, e ouviram-nas bater juntas no

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solo. Alguns se convenceram, outros voltaram aos seus aposentos para consultar os livros de Aristóte­ les. a fim de discutir a evidencia.”

Tanto a opiniáo aristotélica quanto a do “ ma­ nual elementar” estáo erradas, como é sabido por experiéncia, pelo menos há 1 400 anos. Voltemos ao século V I, quando Joannes Philoponus (ou Joáo o Gramático), um ehldito bizantino, andava estu- dando esta questáo. Philoponus argumentava que a experiéncia contradiz as opinióes comumente acei­ tas sobre a queda. Adotando o que poderíamos chamar uma atitude bastante “ moderna” , éle dizia que um argumento baseado na “ observagáo real” é muito mais convincente que “ qualquer espécie de argumento verbal” . Eis o seu argumento, baseado na experiéncia:

“ Porque, se vocé deixar cair da mesma altura dois corpos, um dos quais é muitas vézes mais pesado que o outro, verá que a razáo dos tempos gastos no movimento náo depende da razáo dos pesos, mas que a dife- renga em tempo é muito pequeña. E, assim, se a diferenga em pesos náo é considerável, a saber, se um é, digamos, o dóbro do outro, náo haverá diferenga, ou entáo uma diferenga imperceptível em tempos, embora a diferenga em péso náo seja de modo algum desprezível, com um corpo pesando duas vézes mais que o outro.”

Nesta afirmagáo encontramos a prova experi­ mental de que a opiniáo “ aristotélica” é errada porque objetos que diferem grandemente em péso atingiráo o solo quase ao mesmo tempo. Mas observe-se que Philoponus também sugere que a opiniáo do “ manual elementar” é incorreta porque éle verificou que corpos de pesos diferentes caem

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da- mesma altura em tempos diferentes. Um mile­ nio mais tarde o engenheiro, físico e matemático flamengo Simón Stevin realizou experiéncia seme- lhante. Consta do seu relato:

“ A experiéncia que contradiz Aristóteles é a seguinte: Tomemos (como o ilustre Sr. Jan Cornets de Groot, grande investigador dos se- gredos da Natureza e eu próprio fizemos) duas esferas de chumbo, uma dez vézes maior e mais pesada que a outra e deixemo-las cair juntas, de uma altura de 10 metros numa tábua ou em alguma coisa sobre a qual elas produzam um som perceptível. Verificar-se-á entáo que a mais leve náo levará dez vézes mais tempo no seu caminho do que a mais pesada, mas que elas caem práticamente juntas sobre a tá­ bua, a ponto de seus dois sons parecerem uma única pancada seca” .

Stevin estava obviamente mais interessado em provar o érro de Aristóteles do que em tentar veri­ ficar se havia uma diferenga bastante exigua, a qual teria sido de certo modo acentuada, se éle tivesse deixado cair os corpas de maior altura. Sua informaqáo náo é, portanto, táo exata com a que deu Philoponus no fim do século V I.

Galileu, que tinha realiiado esta particular expe­ riéncia com maior cuidado que Stevin, relatou-a em forma final:

Mas, eu, Simplicio, que fiz a experiéncia, posso lhe assegurar que uma bala de canháo, pesando cinqüenta ou cem quilos, ou mesmo mais, náo atingirá o solo um palmo á frente de uma bala de mosquete pesando só meio quilo, contanto que ambas sejam sóltas de uma altura de 200 cóvados (antiga unidade

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de comprimento) . . . a maior se avantaja á menor de uma distáncia de dois dedos, isto é, quando a primeira atinge o solo, a outra está mais atrás a uma distáncia de dois dedos” .

A Necessidade de uma Nova Física

Que tem a ver, pode-se ainda imaginar, a veloci­ dade relativa da queda de objetos leves e pesados com um universo em que a Terra está em movi­ mento, ou com o sistema anterior em que a Terra esta va em repouso? A resposta está no fato de que o velho esquema da Física, associado ao nome de Aristóteles, era um sistema completo de Física, de­ senvolvido para um universo em cuio centro a Terra se achaya em repouso ^ portanto, para derru- bar aquéle sistema, admitindo-se a Terra em mo­ vimento, houve necessidade de uma nova Física. Está claro que, se se pudesse mostrar que a velha Física era inadequada, ou mesmo que ela levava a conclusóes erradas, dever-se-ia ter um argumento muito poderoso para rejeitar o velho modelo do universo. Inversamente, para fazer a gente aceitar um novo sistema, seria necessário fornecer a éste uma nova Física.

/ Eu concordo, é natural, que o leitor déste livro

aceite o ponto de vista “ moderno” , o qual admite que o Sol está em repouso e que os planétas se movem ao redor déle. Náo indaguemos, no momen­ to, o que entendemos pela afirmagáo de que “ o Sol está em repouso” , ou como o podemos provar, mas concentremo-nos simplesmente no fato de que a Terra está em movimento. Com que rapidez ela se move? A Terra dá uma volta em torno do seu eixo uma vez em cada vinte e quatro horas. No equador, a circunferencia da Terra é de aproxima­

damente 38 500 quilómetros e, assim, a velocidade de rotaqáo de um observador no equador da Terra

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é de 160 quilómetros por hora, isto é, uma velo­ cidade linear de cérca de 450 metros por segundo. Imagine-se a seguinte experiéncia: Uma pedra é atirada em linha reta para cima, no ar. O tempo durante o qual ela se eleva é de, digamos, dois se­ gundos, enquanto igual tempo é gasto para a desci­ da. Durante quatro segundos a rotaqáo da Terra terá movido o ponto do qual o objeto foi lanzado a uma distáncia de uns 1 800 metros. Mas a pedra náo atinge a Terra a essa distancia do ponto inicial; ela atinge a Terra muito próximo do ponto do qual foi arremessada. Perguntamo-nos: como pode isto ser possível? Como pode estar a Terra girando com essa respeitável velocidade de 160 quilómetros por hora, e todavia náo ouvimos o vento assobiar á medida que a Terra deixa o ar para trás? Ou, para aceitar uma das outras objeqóes clássicas á idéia de uma Terra em movimento, consideremos um pássaro empoleirado no galho de uma árvore. O pássaro vé um verme na Terra e deixa a árvore. Nesse ínterim, a Terra vai girando nessa veloz mar­ cha, e o pássaro, embora batendo as asas táo for- temente quanto possa, nunca atingirá velocidade su­ ficiente para alcanzar o verme, a menos que esteja éste localizado a oeste. Mas é um fato confirma­ do que os pássaros voam das árvores á térra e co- mem vermes que se acham tanto a leste como a

oeste. *

Vocé só poderá se considerar realmente familia­ rizado com a Física moderna se fór capaz de en­ contrar imediatamente soluqáo para ésses problemas ;

caso contrário, a afirmagáo de que a Terra gira em tom o de seu eixo, dando uma volta em 24 horas, na realidade náo tem significado para vocé.

Se a rotacáo diaria apresenta um sério problema, pensemos no movimento anual da Terra em sua ór­ bita. Computemos a velocidade com que a Terra

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se move em sua órbita ao redor do Sol. Há 60 segundos num minuto e 60 minutos numa hora, ou 3 600 segundos numa hora. Multiplique-se éste nú­ mero por 24, para obter 86 400 segundos num dia. Multiplique-se isto por 365 1 /4 dias, e o resultado é um pouco mais de 30 milhóes de segundos num ano. 'Para achar a velocidade com que a Terra se move ao redor do Sol, temos que calcular o tamanho da órbita terrestre e dividi-lo pelo tempo que a Terra gasta para descrevé-la. Esta trajetória é, aproxi­ madamente um círculo com raio de mais ou menos 150 milhóes de quilómetros e circunferéncia de cérca de 928 milhóes de quilómetros (a circunferéncia do círculo é igual ao raio multiplicado por 2 n ) . Isto equivale a dizer que a Terra percorre 900.000.000.000 de metros cada ano. Assim, a ve­ locidade é

900.000.000.000 metros

--- = 30.000 m/seg. 30.000.000 segundos

Qualquer das questóes levantadas quanto á rota- qáo da Terra, pode ser de novo aventada, em rela- gáo ao movimento da Terra ao longo de sua órbita. Esta velocidade de 30.000 metros por segundo mos- tra-nos a grande dificuldade encontrada no coméqo do capítulo. Fagamos a pergunta: É possível para nós, movermo-nos á velocidade de 30 quilómetros por segundo e náo nos apercebemos disto ? Suponha que deixamos cair um objeto de uma altura de 4£» metros; éle leva cérca de 1 segundo para atingir o solo. De acórdo com nossos cálculos, enquanto éle cai, a Terra, abaixo déle se afasta rápidamente e o objeto deveria tocá-la a uns 30 quilómetros de distáncia do ponto em que éle foi lanqado. E quan­ to aos pássaros ñas árvores? Se um pássaro em- poleirado num galho de repente levanta vóo, deveria

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perder-se para sempre no espago. Todavía, o fato é que os pássaros náo se perdem no espago, mas continuam a habitar a Terra e a voar.

Éstes exemplos mostram como i é realmente difí­ cil encarar as conseqüéncias de uma Terra em movi­ mento. É perfeitamente claro que nossas observa- góes comuns sao improprias para explicar os fatos observados da experiéncia quotidiana sobre uma Terra que tanto se move em sua órbita, como gira em torno do seu eixo. Náo deveria, pois, haver dúvida que a mudanga do conceito de uma Terra estacionária para uma Terra em movimento, impli­ caría necessáriamente no nascimento de uma nova Física.

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Ca p í t u l o 2 A V E L H A F IS IC A

A velha Física é conhecida ás vézes como a Física' do senso comum, porque é a espécie de Física em que a maioria das pessoas acredita e pela qual se guia intuitivamente, ou a espécie de Física que pa­ rece interessar e agradar a qualquer pessoa que use

sua natural inteligéncia mas náo tenha aprendido os modernos principios da Dinámica. Acima de tudo, é uma espécie de Física particularmente bem adaptada aos conceitos de uma Terra em repouso. É algumas vézes conhecida como Física aristotéli­ ca, porque sua principal exposiqáo, na Antiguida- de, vem do filósofo e cientista Aristóteles que vi- veu na Grecia no quarto século antes de Cristo. Aristóteles foi discípulo de Platáo, e foi, por sua vez, mestre de Alexandre Magno, que, como Aristó­ teles, viera da Macedónia.

A Física do Senso Comum de Aristóteles

Aristóteles foi figura importante no desenvolvi- mento do pensamento, e náo sómente pelas suas contribuiqoes á Ciéncia. Seus escritos sobre Polí­ tica e Economía sáo obras-primas, e seus traba- lhos sobre Moral e Metafísica desafiam ainda os fi­ lósofos. Aristóteles é considerado o fundador da Biología e há cem anos rendeu-lhe Charles Darwin esta homenagem: “ Cuvier e Lineu, embora tenham

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sido os meus dois deuses, nenhum déles pode om- brear com o velho Aristóteles” . Foi Aristóteles quem primeiro introduziu o conceito da classifica- gao dos animais, e também elevou bem alto o méto­ do da observagáo controlada ñas Ciéncias biológi­ cas. Um assunto que éle estudou foi a embriolo­ gía do pinto; ambicionava descobrir a seqüéncia do desenvolvimento dos órgáos. Metódicamente, a ca­ da dia, abria uns tantos ovos dos que estavam sendo chocados e fazia com parares cuidadosas para descobrir a seqüéncia dos estágios através dos quais o pinto se desenvolve, de um embriáo náo formado até um pinto perfeitamente formado. Foi também Aristóteles o primeiro a formular o processo do ra­ ciocinio dedutivo, na forma do silogismo:

Todos os homens sao moríais. Sócrates é um homem.

Logo, Sócrates é mortal.

Aristóteles frisou que o que torna tal seqüéncia de trés afirmaqóes uma progressáo válida, náo sáo os vocábulos particulares “ homem” , “ Sócrates” e “ mor­ tal” , e sim a forma. Outro exem plo: todos os mi- nerais sáo pesados, o ferro é um mineral, logo o ferro é pesado. É esta uma das muitas formas vá­ lidas de silogismo descritas por Aristóteles no seu grande tratado sobre lógica e raciocinio, compreen- dendo tanto a deduqáo como a indwqáo.

Aristóteles insistiu na importáncia da observagáo em outras ciéncias que náo a Biología, notadamente na Astronomía. Por exemplo, um dos muitos argu­ mentos que usou para provar que a Terra é mais ou menos esférica foi a forma da sombra lanzada pela Terra sobre a Lúa, como se observa durante um eclipse. Se a Terra é urna esfera, entáo sua sombra é um cone; assim, quando a Lúa entra na sombra da Terra, a forma da sombra será aproxi­

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madamente circular. Pode ser observado que um eclipse da Lúa só ocorre quando esta é cheia, e que o contorno da sombra náo é exatamente um cír­ culo. A explicaqáo dada é que a sombra projetada da Terra é a intersecqáo de uma esfera e um cone, o que náo nos aparece como um círculo perfeito. Mas se a Terra fósse um disco chato, ao invés de um corpo aproximadamente esférico, entáo a sombra náo teria sempre a forma aproximada de um círculo. Vejamos a descriqáo de Aristóteles, do arco-iris lunar:

“ O arco-iris é visto de dia, e anteriormente se pensava que éle nunca aparecía de noite, como arco-iris lunar. Essa opiniáo era devida á raridade da ocorréncia; ela náo era observa­

da, porque, embora aconteqa, é muito rara. A razáo é que náo é fácil ver as cores no escuro, e que muitas outras condiqóes sáo ne- cessárias, e tudo isto num só dia do més. Para ocorrer um arco-iris lunar, é necessário que ha ja lúa cheia, e que a lúa esteja nascen- do ou se pondo. Assim, em mais de cinqüen- ta anos encontramos sómente dois casos de arco-iris lunar.”

Éstes exemplos sáo suficientes para mostrar que Aristóteles náo pode ser descrito puramente como um filósofo de gabinete” . É entretanto verdade que Aristóteles náo submeteu cada afirmaqáo sua ao teste da experiéncia. Está fora de dúvida que éle acreditou no que lhe tinham dito seus mestres, exa­ tamente como geraqóes sucessivas acreditaram no, que disse_ Aristóteles. Isto serve muitas vézes de base para criticar Aristóteles e também os cientistas que o sucederam. Mas dever-se-ia ter em vista que em geral o estudante nunca verifica todas as afirma- qóes que lé em livros de texto e manuais. A vida é curta demais para permitir isso.

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O Movimento “ Natural” dos Objetos

Examinemos agora as afirmacóes de Aristóteles sobre o movimento. |Para a discussáo de Aristóte-j les,"era básico o principio de que todos os objetosl que encontramos na Natureza sao com postosdgf “ quatro elementos” : ar. térra, fogo. água.I Sao estes os elementos de que falamos na conversaqáo ordinária, quando dizemos que alguém numa “ tor­ menta “ desafiou os elementos” . Queremos dizer que tal pessoa estéve num vendaval, numa tempes- tade de areia ou chuva e assim por diante, e náo que éle lutou através de um tornado de puro hidrogénio ou flúor.lObservou Aristóteles que alguns objetos na Terra sao leves e outros pesados. Atribuía éle a propriedade de ser leve ou pesado segundo a per- centagem em que néle figurava cada um dos dife­ rentes elementos, sendo a térra “ naturalmente pe­ sada” e o fogo “ naturalmente leve” , e a água e. o ar intermediários entre os dois extremos.{Qua[ — perguntou éle, seria o movimento “ natural de tal objeto? Respondeu que, se fósse pesado, seu movimento natural seria para baixo, ao passo que, se fósse leve, seu movimento natural seria para cima. A fumaqa, sendo leve, sobe em linha reta a náo ser que seja soprada pelo vento, enquanto que uma pedra, uma maqá, ou um pedaco de ferro cai para baixo em linha reta, q u a n d o ^ a b a n d o n a d o ^

porjconseguintejpara Aristóteles, ^"natural (ou náo impulsionado) movimento de um objeto terres­ tre é uma linha reta para cima ou para baixo, sen­ do o sentido para cima e para baixo determinado

ao longo de uma linha reta passando_ pelo centro da Terra e pelo oblservadfllJ

Aristóteles, naturalmente, percebia que muitíssi- mas vézes os objetos se movem de outros modos di­ ferentes dos que acabam de ser descritos. Por

(26)

exemplo, uma seta atirada de um arco cometa o vóo aparentemente numa linha reta que é mais ou menos perpendicular a uma linha tirada do centro da Terra até o observador. Uma bola na extremi- dade de um cordel pode ser movida em círculo. Uma pedra pode ser lanzada para cima em linha reta. Tal movimento, segundo Aristóteles, é “ violento” ou contrário á natureza do corpo. Tal movimento se verifica sómente quando alguma fórqa está atuando para produzir e conservar o corpo em movimento contrário á sua natureza. Uma pedra atada a um cordel pode ser movida para cima, e assim estar sujeita a um movimento violento, mas, no momento em que se rompe o cordel, a pedra comeqará a cair num movimento natural, procurando seu lugar na­ tural.

Consideremos agora o movimento de objetos ce­ lestes, as estrélas, planétas e o próprio Sol. Ésses corpos parecem mover-se em círculo ao redor da Terra; o Sol, a Lúa, os planétas e as estrélas ele- vando-se a leste, viajando pelos céus e pondo-se a oeste (exceto as estrélas circumpolares, que se mo- vem em pequeños círculos ser^ nunca ficar abaixo do horizonte). I Segundo Aristóteles, os corpos celestes náo sáo constituidos dos mesmos quatro elementos dos corpos terrestres. Sáo formados de um “ quin­ to elemento” , ou “ éter” . O movimento de um cor­ po composto de éter é circular, de modo que o observado movimento circular dos corpos celestes é o seu movimento natural, de acórdo com sua nature­ za, exatamente como o movimento para cima e para baixo em linha reta é o movimento natural de um objeto terrestre.!

Os Céus “ Incorruptvveis”

> Na filosofia aristotélica os corpos celestes tém uma ou duas propriedades que interessam. O éter

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de que sao feitos é material imutável, ou para usar a velha palavra, “ incorruptível” . Isto está em con­ traste com os quatro elementos que encontramos na Terra; — éles estáo sujeitos a mudar, ou sao “ cor- ruptíveis” . Assim, na Terra, encontramos o apa- recimento, ou “ surgimento em ser” , a “ decaden­ cia” e o “ desaparecimento” ; o nascer e o mor- rer das coisas. Mas nos céus nada muda nunca, tudo continua o mesmo; as mesmas estrélas, os mes­ mos eternos planétas, o mesmo Sol, a mesma Lúa.* Os planétas, as estrélas e o Sol eram considerados “ perfeitos” , e através dos séculos eram freqüente- mente comparados a eternos diamantes ou pedras preciosas, por causa das suas imutáveis qualidades. O único objeto celeste em que qualquer espécie de mudanga ou “ im perfecto” podia ser descoberta era a L ú a ; mas a Lúa, afinal, era o corpo celeste mais próximo da Terra, e uma espécie de marco divisorio entre a regiáo terrestre da mudanga (cor- ruptibilidade) e a regiáo celeste da permanencia e da incorruptibilidade.

Deve ser observado que neste sistema todos os objetos celestes que circundam a Terra sao mais ou menos semelhantes entre si e todos diferentes da Terra ñas características físicas, composigáo e “ pro- priedades essenciais” . Assim se podia compreen- der porque a Terra ficava firme e náo se movia, en- quanto os objetos celestes se moviarft. Ainda mais, a Terra náo só nao tinha “ movimento local” , ou movimento de um lugar para outro, como também náo se supunha que girasse ao redor do seu eixo. A principal razáo física para isto, segundo o velho sistema, é que náo era “ natural” que a Terra ti- vesse um movimento circular; seria contrário á sua natureza tanto um movimento em órbita ao redor do Sol, quanto uma rotagáo diária ao redor do pró­ prio eixo.

(28)

Examinemos agora um pouco mais de perto a Fí­ sica aristotélica do movimento dos corpos terres­ tres. Em todo movimento, dizia Aristóteles, há dois fatóres principáis: a fórqa motriz, que desig­ naremos aqui por F e a resisténcia, que designare­ mos por R. Para que ocorra movimento, segundo Aristóteles, é necessário que a fórqa motriz seja maior que a resisténcia. Por conseguinte, nosso primeiro principio do movimento é

F > R (1 )

ou, a fórqa deve ser maior que a resisténcia. Exa­ minaremos agora os efeitos de diferentes resistén- cias, conservando sempre constante a fórqa motriz. Nossa experiéncia será realizada com corpos, cada um deixado cair livremente, partindo do repouso, através de um meio resistente diferente. A fim de considerar as condiqóes constantes, tomaremos es­

feras para todos os corpos que caem, de modo que o efeito de sua forma sobre o seu movimento seja o mesmo. Aristóteles, é natural, sabia perfeitamente que a velocidade de um objeto, sendo iguais todas as outras condiqóes, geralmente depende de sua for­ ma, fato que já demonstramos com o nosso pára- quedas,

Em nossa experiéncia, usaremos duas bolas de aqo idénticas, com a mesma forma, tamanho e péso. Deixaremos cair as duas simultáneamente, uma através do ar, e a outra através da agua. Para fazer esta experiéncia, é necessário um cilindro comprido cheio de água; segure as duas bolas uma ao lado da outra, uma na água, a outra da mesma altura, mas fora da coluna de água. (Fig. 1 ). Quan­ do sáo sóltas simultáneamente, vemos que náo há

(29)

___ponto de partida

> ar

Fig. 1

dúvidas de que a velocidade da que se move através do ar é muitíssimo maior que a velocidade da que cai através da água. Para provar que os resulta­ dos da experiéncia náo derivam do material com que as bolas sáo feitas ou do seu determinado peso, podemos repetir a experiéncia usando bolas de ago menores, um par de bolas de vidro ou de ago, e assim por diante. Em menor escala, qualquer pes­ soa pode repetir esta experiéncia com duas “ boli- nhas” de vidro e um copo grande cheii» de água até a borda. O resultado desta experiéncia pode ser escrito em forma de uma expressáo matemática que traduz o fato de que, sendo iguais todas as outras condigóes, a velocidade na água (que resiste ou di­ ficulta o movimento) é menor que a velocidade no ar (que náo dificulta o movimento tanto quanto a

á g u a ):

1 F ce -

R

(30)

ou a velocidade é inversamente proporcional á re­ sisténcia do meio através do qual se move o corpo. É experiéncia comum que a água dificulta o movi­ mento; qualquer pessoa que tenha tentado correr através da água á beira da praia, sabe quanto a água resiste ao seu movimento, em. com parado com o ar.

A experiéncia será agora realizada com dois ci­ lindros, um cheio de água e outro cheio de óleo

(Fig. 2 ). O óleo resiste ao movimento ainda mais

que a água; quando as duas esferas idénticas de ago sao largadas simultáneamente, a da água atinge o fundo muito antes da que cai através do óleo. Como a resisténcia R 0 do óleo é maior que a resis­ téncia R a da água, podemos agora predizer que se deixarmos cair qualquer par de objetos idénticos através déstes líquidos, o que cair através da água atingirá uma determinada altura, mais depressa que

«— ponto de partida —

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o que cai através do óleo. Esta previsáo pode fá­ cilmente ser verificada. A seguir, já que se achou que a resisténcia R„, da água é maior que a resis­ téncia R ar do ar,

R» > Ra

(

3

)

Ra ~Z> Rar

a resisténcia do óleo deve necessáriamente ser maior que a do ar,

Ro > R ar (4)

Isto pode ser também verificado, repetindo-se a experiéncia inicial, com um cilindro cheio de ar em vez de água.

Examinemos em seguida os efeitos de diferentes fórgas motrizes. Nesta experiéncia usamos de novo um cilindro comprido cheio de água. Deixamos cair néle uma bola de ago pequeña e uma grande, simultáneamente. Verificamos que a bola grande de ago, a mais pesada das duas, alcanga o fundo antes da mais leve. Pode-se alegar aqui que o ta- manho poderia produzir algum efeito, mas se algum efeito se verificasse, a bola maior deveria encontrar uma resisténcia maior do que a pequeña. Náo obs­ tante, o resultado é válido. Evidentemente, quanto maior a fórga para vencer uma resisíéncia determi­ nada, tanto maior a velocidade. Esta experiéncia pode ser repetida, desta vez com uma bola de ago e outra de vidro, de maneira que as duas tenham exatamente o mesmo tamanho mas pesos diferentes. Uma vez mais se verifica que a bola mais pesada pa­ rece muito mais apta a vencer a resisténcia do m eio; e assim chega ao fundo em primeiro lugar, ou atinge a maior velocidade. A experiéncia também pode ser feita em óleo e varios outros líquidos: álcool,

(32)

leite e assim por diante produzindo o mesmo re­ sultado geral. Em forma de expressóes matemáti­ cas podemos afirmar as conclusóes desta experién­ cia, como segue:

ou, sendo iguais todas as outras condigóes, quanto maior a fórga, maior a velocidade.

Podemos agora combinar as Expressóes (2 ) e (5 ) numa só, da seguinte maneira:

ou seja, a velocidade é proporcional á fórga motriz e inversamente proporcional á resisténcia do meio; ou, a velocidade é proporcional á fórga dividida pela resisténcia. Esta expressáo é freqüentemente co- nhecida como a lei aristotélica do movimento. De- ver-se-ia notar que o próprio Aristóteles náo escre- veu seus resultados sob a forma de equagóes, meio moderno de expressar tais relagóes. Aristóteles e a maior parte dos antigos cientistas, inclusive Galileu, preferiam comparar velocidades com velocidades, fórgas com fórgas e resisténcias com resisténcias. Assim, ao invés de escrever a Expressáo (5 ) como fizemos, teriam éles preferido a proposigáo:

V vidro • ^ ago : : F vidro * F ago A razáo das velocidades das bolas de vidro e de ago é comparada com a razáo das fórgas com as quais essas bolas se movem para baixo. Isto equivale á proposigáo geral de que a velocidade da bola de vidro está para a velocidade da bola de ago assim

V oc F (5 ).

F

V CC

R

(33)

como a fórqa motriz da bola de vidro está para a fórqa motriz da bola de aqo.

Estudemos agora a expressáo ( 6 ) , a fim de des- cobrir algumas das suas limitaqóes. É claro que esta expressáo náo pode ser aplicada de um modo geral, porque, se a fórqa motriz igualasse a resistén­ cia, a equaqáo náo daria o resultado de que a velo­ cidade V seria igual a zero; nem dá um resultado igual a zero quando a fórqa F é menor que a resis­ téncia R. Por conseguinte, a expressáo (6 ) está sujeita á limitaqáo imposta pela expressáo (1 ) , e só é verdadeira quando a fórqa é maior que a resistencia . Mas isto equivale a dizer que aquela expressáo náo é uma afirmaqáo universal das con- diqoes do movimento.

Sustenta-se algumas vézes que esta expressáo pode ter surgido do estudo de uma balanqa de bra- qos desiguais, digamos, com pesos iguais ñas extremi­ dades dos dois braqos, ou talvez de uma balanqa de braqos iguais com pesos desiguais ñas extremidades dos dois braqos. Neste caso é impossível que F seja menor que R, porque o maior péso é sempre a fórqa motriz, ao passo que o menor péso é sempre a resisténcia. Mais ainda, na balanqa de braqos iguais, se F — R náo náo haverá movimento.

Há dois últimos aspectos da lei ^o movimento que devemos aprepentar, antes de deixar o assunto. O primeiro é que a própria lei nada nos diz a res- peito dos estágios pelos quais um objeto que cai, a partir de uma posiqáo de repouso, adquire a veloci­ dade V. A lei só nos diz alguma coisa sobre a pró­ pria velocidade, obviamente algo sobre velocidade

“ média” , ou velocidade “ final” , já que ela é ava- liada pelo tempo gasto para percorrer determinada distáncia

D

V ce - (7 )

(34)

que é válida para a velocidade média ou para mo­ vimento com velocidade constante, mas náo para movimento em que haja aceleraqáo, isto é, que te- nha velocidade em constante mudanqa. Náo era do conhecimento de Aristóteles que a velocidade de um corpo que cai partindo do repouso atinge, por estágios gradativos, seu valor final?

Movimento dos Corpos que caem através do A r

Talvez tenha para nós maior significado do que qualquer dos argumentos anteriores, o resultado de uma outra experiéncia. Até aqui temos dado tipos de experiéncias positivas que nos fariam confiar na lei aristotélica do movimento, mas omitimos uma experiéncia verdaderamente crucial. Voltemos a considerar dois objetos do mesmo tamanho, da mes­ ma forma, mas de pesos diferentes, ou de diferentes fórqas motrizes F. Dissemos que, se fóssem deixa- dos cair simultáneamente através da água ou do óleo, seria observado que o mais pesado desceria mais rápidamente. (O leitor — antes de continuar a 1er o resto déste capítulo e déste livro — deverá parar, e fazer por si mesmo essas experiéncias). Chegamos agora á última experiéncia daquela seqüéncia ante­

rior: consiste ela em deixar cair dois objetos do mesmo tamanho mas de péso desigual, no mesmo meio, mas tomando o ar para meio. Admitamos que o péso de um dos nossos objetos é exatamente o dóbro do péso do outro, o que implicaría, na ve- lha opiniáo, em que a velocidade do objeto mais pesado seria exatamente o dóbro da velocidade do mais leve. Para uma distáncia constante de queda, a velocidade é inversamente proporcional ao tempo, de modo que

1

V oc — (8 )

T ou

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isto é, as velocidades sao inversamente proporcionáis aos tempos de queda. Conseqüentemente, o tempo de queda da bola mais pesada deveria ser exata­ mente metade do tempo de queda da menor. Para realizar a experiéncia, fique de pé sobre uma cadeira e deixe cair juntamente os dois objetos de modo que batam no chao nu. Uma boa maneira de os deixar cair é segurá-los horizontalmente entre o primeiro e o segundo dedos de uma das maos; abrindo entáo bruscamente os dois dedos, as duas bolas comegaráo a cair juntas. Qual o resultado desta experiéncia?

A o invés de descrever os resultados da mesma, permita-me sugerir que a faqa por si mesmo. Com­ pare entáo o seu resultado com os obtidos por Joáo, o Gramático, com a descriqáo dada por Stevin no sáculo X V I, e finalmente com a que foi dada por Galileu no seu famoso livro Duas Novas Ciencias, há pouco mais de 300 anos.

Uma pergunta que, neste ponto, vocé deveria fa- zer a si mesmo é a seguinte: Evidentemente a ex­ pressáo (6 ) náo é válida para o ar, mas vale real­ mente para os outros meios que exploramos? A fim de ver se a expressáo (6 ) é uma afirmaqáo quantitativa exata, pergunte a si mesmo se ela era meramente uma definidlo de “ resisténcia” , ou se há algum outro meio de medir a “ resisténcia” , como sáo medidas as velocidades. É suficiente, para me­ dir a velocidade, usar a expressáo (8 ), e medir o tempo de queda?

Em todo caso, a maioria das pessoas, creio, terá achado que, com exceqáo da experiéncia de dois ob­ jetos desiguais caindo através do ar, o sistema aris­

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totélico parece bastante razoável e pode ser aceito. Náo há para nós motivo para condenar indevida- mente, seja Aristóteles, seja qualquer físico aristo­ télico que nunca tivesse realizado a experiéncia de soltar no ar dois objetos de pesos desiguais.

A Impossibilidade de wma Terra em Movimento

Mas, podemos aínda perguntar — o que tem a ver tudo isto com o fato de estar a Terra em repouso ao invés de em movimento? Para obter a resposta, voltemo-nos agora para o livro de Aristóteles Nos

Céus. Ali se acha a afirmaqáo de que alguns con­

sideran! que a Terra está em repouso, enquanto ou­ tros consideram que ela se move. Há, contudo, muitas razóes pelas quais a Terra náo se pode mo­ ver. flA fim de ter uma rotaqáo ao redor de um eixo, cada parte da Terra teria de se mover num círculo, diz Aristóteles; mas o estudo do comporta- mento real de suas partes mostra que o movimento terrestre natural é ao longo de uma linha reta, em diregáo ao centro. “ O movimento, portanto, sendo forjado (violento) e antinatural, náo poderia ser eterno; mas a ordem do.mundo é eterna” .^ O mo­ vimento natural de todas as partículas da materia terrestre é em direcáo ao centro do universo, que coincide com o centro da Terra. Como “ prova” de que os corpos terrestres se movem de fato em di- reqáo ao centro da Terra, diz Aristóteles, “ vemos que os corpos que se movem em diregáo á Terra náo se movem em linhas paralelas” , mas aparente­ mente sob algum ángulo, uns em relacao aos outros. “ As nossas razóes anteriores” , nota éle entáo, “ po­ demos acrescentar que objetos pesados, se lanqados para cima em linha reta, com emprégo da fórqa, vol- tam ao seu ponto de partida, mesmo que a fórqa os arremesse a uma distáncia ilimitada” . Assim, se um corpo fósse lanqado para cima em linha reta, e

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depois caisse em linha reta, estas diregóes determina­ das em relagáo ao centro do universo, éle náo tocaría a Terra exatamente no ponto em que foi langado, se a Terra se movesse, se se afastasse durante o intervalo de tempo. É isto uma conseqüéncia direta da qualidade “ natural” do movimento em linha reta para objetos terrestres.

Os argumentos precedentes mostram como os principios aristotélicos de movimento natural e vio­ lento (antinatural), podem ser aplicados para pro­ var a impossibilidade de movimento terrestre. E a respeito da “ lei de movimento” aristotélica, dada na expressáo (6 ) ou na equaqáo (9 ) ? Como se rela­ ciona isso específicamente com o fato de estar a Terra em repouso? A resposta é dada claramente no coméqo do “ Almagesto” de Ptolomeu, o antigo trabalho padráo sobre Astronomía geocéntrica. Ptolomeu escreveu, seguindo os principios de Aris­ tóteles, que, se a Terra tivesse movimento, “ ela se adiantaria em relagáo a qualquer outro corpo que caisse, em virtude da sua enorme diferenga de tama- nho, e os animais e todos os pesos separados serr n deixados paja tras flutuando no ar, enquanto a Terra, por sua vez, com a sua grande velocidade, cairia fora do próprio universo” . Isto decorre ple­ namente da nogáo de que os corpos caém com velo­ cidades proporcionáis aos seus respectivos pesos. E muito dentista deve ter concordado com o comentá- rio final de Ptolomeu: “ Na verdade, basta pensar um po- ,o nessa possibilidade, para ver que ela é completamente ridicula” .

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Ca p í t u l o 3

A T E R R A E O U N IV E R SO

Muito freqüentemente considera-se o ano de 1543 como o ano de nascimento da Ciéncia moderna. Nesse ano foram publicados dois livros de grande importancia, que levaram a mudanqas significativas no conceito humano da Natureza e do mundo :^um fo if 'S ó i r e a R evolugño dq¿-Esferas Qelestes” , do clérigo polonés Nicolau Copérnico e outro “ Sobre

a fístrutura do Corpo Humano” , do flatnengo An-

dré Vasalius. O último tratou do corpo humano sob o ponto de vista da exata observaqáo anatómica, e assim reintroduziu na Fisiología e na Medicina o esprito de experimentaqáo que tinha caracterizado os escritos dos anatomistas e fisiologistas gregos, dos quais o último e o maior tinha sido Galeno. í O li­ vro de Copérnico introduziu um novo sistema de Astronomía, que se chocava com as noqóes geral- mente aceitas de que a Terra estava em repouso^

Será nosso propósito aqui discutir sómente alguns aspectos escolhidos do sistema de Copérnico, nota- damente' algumas conseqüéncias de considerar a Terra, animada de movimento. Náo consideraremos com qualquer pormenor as vantagens ou desvanta- gens do sistema como um todo, nem mesmo compa­ raremos os seus méritos, passo a passo, com os do sistema mais antigo. Nossa primeira consideraqáo é explorar que conseqüéncias teve o conceito de uma Terra em movimento, para o desenvolvimento de uma nova ciéncia — a Dinámica.

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Copérnico e o Nascimento da Ciencia Moderna

Mesmo na antiga Grecia foi sugerido que a Ter­ ra poderia ter uma rotagáo diária em torno do seu eixo e fazer uma revolugáo anual numa vasta órbita ao redor do Sol.

Proposto por Aristarco no século III A.C., éste sistema do universo foi vencido por outro, segun­ do o qual a Terra estava em repouso. Mesmo quan­ do, quase 2000 anos depois, Copérnico publicou sua explicaqáo de um sistema do universo baseado nes- ses dois movimentos terrestres, náo houve assenti- mento geral. Por fim, naturalmente, o livro de Copérnico provou ser a semente de toda a revolugáo científica que culminou na magnífica fundamenta- gáo da Física de Isaac Newton. Olhando para trás, podemos ver como a aceitagáo do conceito formula­ do por Copérnico, de uma Terra em movimento im- plicava necessáriamente numa Física náo-aristotéli- ca. Por que nenhuma destas conseqüéncias apare- ceu diante dos olhos dos contemporáneos de Copér­ nico? E por que o próprio Copérnico náo propor- cionou essa revolugáo científica, que a tal ponto alterou o mundo, que ainda náo percebemos comple­ tamente todas as suas conseqüéncias? Vamos expli­ car neste capítulo estas questóes e em particular veremos porque a proposigáo de Copérnico, de um sistema do mundo em que se sustentava estar a Terra em movimento e o Sol em repouso náo era por si só suficiente para a rejeigáo da velha Física.

De inicio devemos deixar bem claro que Copérni­ co (1473-1543) era, sob vários aspectos, mais um conservador que um revolucionário. yMuitas das idéias que éle introduziu já existiam na literatura, e repetidamente seu avango foi tolhido pelo fato de que éle era incapaz de ir além dos principios bási­ cos da Física aristotélica. & Quando hoje falamos do “ Sistema de Copérnico” , entendemos comumente

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um sistema do universo completamente diferente do que vem descrito na sua obra “ De revolutionibus

orbium caelestium” , para dar o título original la­

tino do livro. A razáo de tal procedimento está em que desejamos honrar Copérnico pelas suas ino- vaqóes, e o fazemos á custa da exatidáo, referin- do-nos ao sistema/heliocéntrico, como “ Sistema de Copérnico” .

0 Sistema das Esferas Concéntricas

Porém, antes de descrever o sistema de Copérni­ co, estabeleqamos alguns aspectos básicos dos dois principáis sistemas anteriores. Um, atribuido a Eu- dóxio, foi melhorado por um outro astrónomo gre- go, Callipus, e recebeu de Aristóteles os retoques fi­ náis. É éste o sistema conhecido como o das “ esfe­ ras concéntricas” . Nesse sistema, cada planéta, o Sol e a Lúa, eram considerados como fixos aos equadores de esferas separadas, que giravam em torno de seus eixos, ficando a Terra estacionária no centro. Enquanto cada esfera girava, as extremida­ des do eixo de rotaqáo estavam fixas em outra es­ fera, que também girava com um período diferente e em torno de um eixo que náo tinha a mesma orientaqáo que o eixo da esfera interior.

Para alguns planétas poderia haver até quatro es­ feras, cada uma envolvida na seguinte, com o resul­ tado de que haveria vários tipos de movimento. Por exemplo, uma dessas esferas poderia ser responsável pelo fato de que, qualquer que fósse a posiqáo do planéta entre as estrélas, éle seria levado a dar uma volta ao redor da Terra em cada 24 horas. Have­

ria outra esfera idéntica para mover o Sol na sua aparente revoluqáo diária, outra para a Lúa, e ou­ tra para as estrélas fixas. O conjunto de esferas interiores para cada planéta explicaría o fato de que um planéta náo parece mover-se através dos

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céus sórnente com um movimento diário, mas tam- bérn muda sua posigáo día a dia, relativamente ás estrélas fixas. “ Assim, um planéta é visto algu- mas vézes, ora numa constelado, ora em outra. Como éles viam os planétas a vagar entre as estré­ las fixas, de noite para noite, atribuíram a origem dt> nome “ planéta” ao vocábulo grego que significa “ vagar” . Uma das características observadas désse “ vagar” é que a diregáo náo é constante. A dire­ gáo habitual do movimento é progredir lentamente em diregáo leste, mas, uma vez ou outra, o pla­ néta interrompe o seu movimento para leste (che- gando a um ponto estacionário) e entáo (Fig. 3)

se move num curto espago de tempo em diregáo oeste, até atingir outro ponto estacionário, após o qual retoma a originária diregáo para leste através dos céus. O movimento paras leste é conhecido como “ direto” e o movimento para oeste, “ retró­

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grado” . Por uma conveniente combinaqáo de es­ feras, Eudóxio pode construir um modélo para mostrar como combinaqoes de movimentos circula­ res podiam produzir o movimento observado dos planétas, direto e retrógrado. É o mesmo con­ junto de “ esferas” que aparece no título do livro de Copérnico.

Após o declínio da Grecia, a Ciencia caiu ñas máos dos astrónomos islámicos ou árabes. Alguns apu- raram os trabalhos de Eudóxio e Aristóteles, e in- troduziram muitas outras esferas, a fim de fazer com que as previsóes do sistema concordassem mais exa­ tamente com a observado. Essas esferas, ganhan- do realidade, acreditava-se que fóssem de cristal; o sistema recebeu o título de “ esferas cristalinas” . Como se sustentava que a orientaqáo das estrélas e planétas tinha influéncia considerável nos negocios dos homens, acreditou-se que a influéncia do pla­ néta emanava, náo do próprio objeto, mas da esfera a que esta va ligado. Nesta crenqa podemos ver a origem da expressáo “ esfera de influéncia” , ainda hoje usada em sentido político e económico.

Ptolomeu e o Sistema de Epiciclos e Deferentes

O outro grande sistema rival da Antiguidade foi elaborado por Cláudio Ptolomeu, um dos maiores astrónomos do mundo antigo, e era baseado, de cer- to modo, em conceitos que tinham sido introduzidos pelo geómetra Apolónio de Perga e o astrónomo Hiparco. O produto acabado, geralmente conhecido como sistema de Ptolomeu, ou ptolomaico, em con­ traste com o sistema de esferas homocéntricas (de centro comum) de Eudóxio-Aristóteles tinha enor­ me flexibilidade e, em conseqüéncia, enorme com- plexidade. Os dispositivos básicos eram usados em várias combinaqóes. Antes de tudo, consideremos um ponto P movendo-se uniformemente em círculo,

(43)

perigeu

Fie. 4

ao redor do ponto E, como na Fig. 4A. Aqui está uma ilustradlo de movimento circular uniforme que náo permite pontos estacionários nem de retroaqáo. Nem explica o fato de que os planétas náo tém velo­ cidade constante, quando parecem mover-se em tor­ no da Terra. Quando muito, tal movimento só po­ dia ser observado no comportamento das estrélas fi­ xas, porque Hiparco tinha visto o próprio Sol moc ver-se com velocidade variável, observaqáo esta liga- gada ao fato de que as estaqóes náo tém a mesma dura gao. Na Fig. bB, a Terra náo est^í exatamen­ te no centro C do círculo, mas excéntrica, no ponto

E. É entáo claro que, se o ponto P corresponde a

um planéta (ou ao Sol), náo parecerá mover-se uni­ formemente em relaqáo as estrélas fixas quando vis­ to da Terra, embora seu movimento ao longo do círculo seja de fato uniforme.

Se a Terra e os corpos celestes formassem um tal sistema ^excéntrico, ao invés de um sistema^homo- céntrico, haveria períodos em que o Sol ou o planéta estariam muito perto da Terra (perigeu), e perío­ dos em que o Sol ou o planéta estariam muito longe da Terra (apogeu). Assim, devemos esperar uma

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