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Educação para as relações étnico-raciais no Brasil : um termômetro

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Academic year: 2021

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UN

RUTH MEYRE MOTA RODRIGUES

EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO

RACIAIS NO BRASIL: UM TERMÔMETRO

NIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

RUTH MEYRE MOTA RODRIGUES

EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO

RACIAIS NO BRASIL: UM TERMÔMETRO

CAMPINAS

2017

AS

EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES

ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL: UM TERMÔMETRO

(2)

RUTH MEYRE MOTA RODRIGUES

EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES

ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL: UM TERMÔMETRO

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Educação, na Área de Concentração Psicologia Educacional.

Orientadora: Profª. Drª. Angela Fátima Soligo

Este arquivo digital corresponde à versão final da tese defendida pela aluna Ruth Meyre Mota Rodrigues e orientada pela Profª. Drª. Angela Fátima Soligo.

CAMPINAS

2017

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Rodrigues, Ruth Meyre Mota,

R618e RodEducação para as relações étnico-raciais : um termômetro / Ruth Meyre Mota Rodrigues. – Campinas, SP : [s.n.], 2017.

RodOrientador: Angela Fátima Soligo.

RodTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

Rod1. Relações étnicas. 2. Relações raciais. 3. Educação e Estado. 4. Ideologia. 5. Representações sociais. I. Soligo, Ângela Fátima,1956-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Education for ethnic-racial relations in Brazil : a thermometer Palavras-chave em inglês:

Etnics relations Racial relations Education and State Ideologies

Social representations

Área de concentração: Psicologia Educacional Titulação: Doutora em Educação

Banca examinadora:

Ângela Fátima Soligo Alessandra Ribeiro Martins Débora Cristina Jefrrey Denise Maria Botelho Rosângela Costa Araújo

Data de defesa: 24-07-2017

Programa de Pós-Graduação: Educação

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES

ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL: UM TERMÔMETRO

Autora : Ruth Meyre Mota Rodrigues

COMISSÃO JULGADORA

Prof.ª Drª Angela Fátima Soligo Prof.ª Drª Alessandra Ribeiro Martins Prof.ª Drª Débora Cristina Jeffrey Prof.ª Drª Denise Maria Botelho Prof.ª Drª Rosangela Costa Araújo

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno. 2017

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Dedicatória À Democracia, Não em seu formato liberal, ainda que pleno, Não em seu frágil e turbulento modelo brasileiro. Mas àquela que, quando clamada,

treme o coração e faz lacrimejar aos olhos por cintilar justiça social, igualdade real e efetiva liberdade de ser e de ter.

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Felizmente tenho muitos/as a quem devo deixar aqui um “Muito Obrigada”! Agradeço imensamente à Ângela Soligo pela paciência e dedicação em nossos valiosos momentos de trocas, aprendizagens e orientações;

Às Mulheres Negras: Alessandra Ribeiro Martins, Débora Cristina Jeffrey, Denise Maria Botelho e Rosangela Costa Araújo, que gentilmente aceitaram compor a banca e nos brindar com suas preciosas contribuições;

À professora Clara Cruz, pelo rico acompanhamento durante Estágio Doutoral pela Universidade de Coimbra;

À Leandro Galastri, pelas contribuições teóricas;

À amiga Kátia Rodrigues e aos amigos Carlos Eduardo, Clésio Sergio, Kalhed Júnior, João Fábio Bittencourt, Artur Antonio e Victor Nunes pelo apoio e camaradagem;

Às bravas mulheres da Diretoria de Educação do campo, Direitos Humanos e Diversidade da Secretaria de Educação do Distrito Federal, que significaram muito na reta final desta conquista, em especial a professora Sandra Amélia; À Robert Badou pela atenção e companherismo durante estágio doutoral; À Toponoyê Xukuru, pela torcida e pelo exemplo de força e coragem na luta pelo combate às desigualdades étnico-raciais;

Ao meu pai, Antonio Rodrigues, pelo apoio incondicional;

À mami, Anita Gonzaga, pelo infinito amor e pelos pães de queijo, claro; Às minhas irmãs Célia Diva e Celiana Mota pela torcida e apoio;

Ao meu irmão Rubens Rodrigues pelas molecagens e risadas intermináveis que abrandaram a ansiedade e o esgotamento físico e mental inevitáveis nesta trajetória;

À amiga e irmã Elisangela Alves pelas inúmeras manifestações de apreço e pelos valiosos conselhos;

Aos/às meus/minhas sobrinhos/as: Tainan, Samara, Théo e Selena, quatro estrelinhas que iluminam minha vida, pelas incontáveis manifestações de amor e por terem arrancado tantos sorrisos e momentos de descontração.

Deixo aqui os mais sinceros agradecimentos a todo/as que de alguma forma fizeram parte dessa caminhada.

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O racismo no âmbito educacional afeta negativamente a trajetória escolar das pessoas negras por meio de violências simbólicas e, por vezes, físicas, imprimindo-lhes o insucesso escolar e a consequente exclusão de espaços sociais de prestígio. As frequentes denúncias de racismo nas escolas, e institucionalizado no Sistema de Ensino como um todo, resultaram em alterações na LDB em seus artigos 3º (Lei nº 12.796/13), 26 (10.639/03; 11.645/08) e 79 (10.639/03) voltados à Educação para as Relações Étnico-raciais. Nesse contexto, surgiu a questão inicial que desencadeou a investigação: Como as alterações na legislação educacional, no tocante a Educação para as Relações Étnico-raciais, reverberaram no Sistema de Ensino? A busca por respostas teve como objetivo norteador estabelecer um termômetro capaz de mensurar a materialidade das orientações legais envolvendo a Educação para as Relações Étnico-raciais a partir de 2003. Para alcançá-lo, elegemos como objetivos específicos: catalogar teses e dissertações defendidas entre 2003 e 2016, disponibilizadas em formato digital, que abordem a questão racial no campo educacional; criar banco de dados envolvendo os principais temas, conceitos, considerações e conclusões apresentadas e analisar os dados catalogados visando arquitetar uma radiografia dos avanços e/ou limites da legislação. A Metanálise foi a técnica eleita para a coleta e comparação de dados. A interpretação desses dados pautou-se no Materialismo Histórico e Dialético em diálogo com a teoria das Representações Sociais, de Serge Moscovici. Concluímos que há inegável negligência do Estado no tocante a efetiva implementação de ações e programas de combate ao racismo no Sistema de Ensino, promovendo a perpetuação das desigualdades por meio da ressignificação e reprodução de ideologias racistas.

Palavras-chave: Relações étnico-raciais; Educação; Estado; Ideologias; Representações Sociais

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Racism in the educational field negatively affects the school trajectory of the black people through symbolic and sometimes physical violence, imprinting on them the school failure and the consequent exclusion of social spaces of prestige. The frequent denunciations of racism in schools and institutionalized in the Teaching System in its totality, resulted in changes in the "Law of Guidelines and Bases of National Education" aimed at the education of ethnic-racial relations. In this context, the initial question arose that triggered the investigation: How did the changes in educational legislation, regarding the education of ethnic-racial relations, reverberate in the education system? The purpose of the search for answers was to establish a thermometer capable of measuring the materiality of legal guidelines involving education for ethnic-racial relations from 2003. To achieve this, we have chosen as specific objectives: to catalog theses and dissertations defended between 2003 and 2016, made available in digital format, that address the racial question in the educational field; Create a database involving the main themes, concepts, considerations and conclusions presented and analyze the cataloged data aiming at architecting an X-ray of the advances and / or limits of the legislation. Metanalysis was the technique chosen for the collection and comparison of data. The interpretation of these data was based on Historical and Dialectical Materialism in dialogue with Serge Moscovici's theory of Social Representations. We conclude that there is undeniable negligence on the part of the State regarding the effective implementation of actions and programs to combat racism in the Education System, promoting the perpetuation of inequalities through the re-signification and reproduction of racist ideologies. Key words: Racial Relations; Education;State; Ideologies; Social Representations

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PRIMEIRAS PALAVRAS 11

INTRODUÇÃO 14

Contextualização histórica 14

Educação e racismo: primeiros apontamentos 23

CAPÍTULO 1 – METODOLOGIA 32

1.1 Representações Sociais 33

1.1.1Representações Sociais e Educação 40

1.2 Materialismo Histórico e Dialético 43

1.3 Coleta de dados 46

1.4 Extrato das Pesquisas 51

CAPÍTULO 2 - ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS 63

2.1 O lugar do Estado brasileiro 63

2.2 Gestão educacional e escolar 72

2.3 Políticas Públicas 78

2.4Ações afirmativas e Igualdade 88

2.4.1 O alcance das Ações Afirmativas 97

CAPÍTULO 3 - EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTICO-RACIAIS: MARCOS LEGAIS E HISTÓRICOS

105

3.1 Alteração do Artigo 26A: Antecedentes históricos 105

3.3 Incluindo a História Negra no Currículo 115

3.4 Compreendendo a legislação 121

3.4.1 O que temos além dos Artigos 26A e 79B? 124

CAPÍTULO 4 – RACISMO E REALIDADE 133

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4.3 Legislação e Ativismo 156

CAPÍTULO 5 - POUCOS AVANÇOS, MUITOS OBSTÁCULOS 163

5.1 Resistências e entraves 163

5.2 No chão da Escola 177

5.2.1 Ações pontuais e isoladas 177

5.2.2 Desin/formação docente 179

5.2.3 Intervenções Equivocadas 182

5.2.4 Alcance da formação 188

5.2.5 Precarizaçao do trabalho docente 192

5.2.6 Intolerância, Desrespeito e Preconceito Religioso 194

5.2.7 Recursos didáticos e pedagógicos 201

CAPÍTULO 6 - BUSCANDO RESPOSTAS 204

6.1 Sobre a Mestiçagem 204

6.2 Ideologia da Democracia Racial 210

6.3 Ideologias do Branqueamento 215

6.4 Eugenia 222

6.4.1 Eugenia e Educação 235

6.5 A construção e manutenção Ideológica do racismo 244

CONSIDERAÇÕES FINAIS 255

REFERÊNCIAS 265

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PRIMEIRAS PALAVRAS

Esta tese, resultado da investigação sobre relações étnico-raciais no ambiente escolar, nasce em meio a dois contextos importantes: Um deles localiza-se no âmbito pessoal e o outro diz respeito ao momento político que marca a história do Brasil nos últimos meses.

O primeiro contexto envolve a construção da identidade, importante passo quando tratamos da questão racial. Esta pesquisa foi realizada sob a orientação de uma mulher branca, consciente de seu lugar e papel no contexto social brasileiro e materializado por uma pesquisadora cuja identificação racial ainda é atravessada por diversos conflitos, no entanto, algumas certezas.

Não é possível ao/a pesquisador/a dissociar seus anseios e leitura de mundo da pesquisa, haja vista o fato de que é exatamente a nossa concepção sobre os conflitos e injustiças sociais que define a perspectiva teórica e os demais direcionamentos metodológicos a serem adotados. É notável, nas pesquisas que compõem o nosso diálogo, como esse é um aspecto marcante em investigações realizadas por pessoas negras, sobretudo militantes. Evidentemente, a “militância” não diminui o valor acadêmico dos trabalhos, contudo, evidencia que o lugar de fala não é o mesmo. As pessoas negras estão tratando de suas vivências, dores e amores. Por outro lado, pesquisadores/as brancos/as apenas reconhecem essa realidade. Desse modo, a luta pela superação do racismo e o interesse em dialogar sobre a temática no âmbito acadêmico, quando parte de pessoas brancas, relaciona-se à consciência e não à vivência direta acerca do racismo.

Entre as três grandes matrizes branca, negra e indígena, localizo o meu lugar de fala no gap fenotípco entre ser “morena demais para ser branca e clara demais para ser negra”. De todo o modo, afirmo como representante desse “não lugar” que o argumento de que não há racismo no Brasil em função da dificuldade de identificarmos quem é negro/a é perverso, tendencioso e falacioso. A existência de “mestiços/as” no Brasil (no tocante ao aspecto fenotípico) não pode ser utilizada para negar os mecanismos de hierarquização racial que estão presentes em todos os espaços sociais convivendo com a ideologia da união harmônica entre as três raças.

Quero afirmar que o fato de algumas pessoas se localizarem no limbo representado pela miscigenação fenotípica não anula, em nenhuma hipótese, os processos discriminatórios sofridos por pessoas negras que, sim, são facilmente identificadas, ou seja, sabemos perfeitamente quem é negro/a no Brasil.

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Em suma, a busca e valorização da ancestralidade africana e, mais recentemente a indígena, convivem com as nítidas vantagens decorrentes dos traços fenotípicos que me aproximam do padrão branco. A minha opção política está na negritude, mas essa escolha não me impede de reconhecer os privilégios de “ser aceita” no mundo branco e contar com acesso a espaços negados aos/às negros/as.

O segundo contexto em que esta tese foi escrita é consideravelmente mais importante em função de sua amplitude. Diz respeito aos intensos retrocessos no campo das políticas sociais após inúmeros ataques à democracia brasileira, que mesmo nascendo de uma proposta liberal, “garante” direitos mínimos ligados à condução governamental da sociedade.

Em função dos últimos acontecimentos no âmbito político, o papel do Estado ganhou vulto e relevância. Após um flagrante Golpe de Estado, forças conservadoras tomam o poder após estilhaçarem os singelos preceitos democráticos que conduziam decisões políticas no Brasil. A sociedade brasileira assiste, perplexa, as propostas de políticas reformistas que visam intensificar a precarização das condições de trabalho, com perda de direitos historicamente conquistados, por meio das reformas em curso – tributária, trabalhista e da previdência – a terceirização de serviços públicos essenciais e privatizações, dentre outras medidas autoritárias.

No campo da educação, o país passa por intensos debates acompanhados de imposições, envolvendo Projetos de Lei denominados “Escola sem Partido” (PL 7180/2014; PL 867/2015; PL 1411/2015; Rogério Marinho e PLS 193/2016) que ficaram conhecidos como a “Lei da Mordaça”. Trata-se da imposição de políticas voltadas ao interesse dos grupos que detém o poder econômico e, por consequência, ideológico.

Soma-se a esse contexto a Reforma do Ensino Médio (Lei Nº 13.415/2017),editado por meio de Medida Provisória e aprovada sem diálogo com os/as profissionais da educação, movimentos sociais e sociedade como um todo.

Apenas Língua portuguesa e Matemática passam a ser disciplinas obrigatórias nos três anos de ensino médio enquanto filosofia, sociologia, educação física e artes passam a ser optativas. Não há a obrigatoriedade de oferta, em cada unidade de ensino, dos quatro componentes curriculares. Significa que se uma escola optar e tiver condições de ofertar apenas uma dentre essas disciplinas a possibilidade de escolha deixa de existir (Art.3º).

A legislação deixa de forma bastante vaga o perfil dos/as profissionais responsáveis pelos componentes curriculares quando permite que aqueles/as considerados com notório saber possam “ministrar conteúdos de áreas afins à sua

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formação ou experiência profissional, atestados por titulação específica ou prática de ensino em unidades educacionais da rede pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham atuado” (Art.61).

O recrudescimento do diálogo com segmentos sociais como um todo e, em especial, com os grupos minoritários, está ligado ao caráter conservador e excludente que tomou o Congresso nos últimos anos, com intensas resistências aos debates racial e de gênero/sexualidade. Cenário marcado pela predominância de bancadas conservadoras em sua maioria ligadas a segmentos religiosos fundamentalistas.

O resultado disso tem sido a inversão quanto à leitura das relações sociais postas. Pessoas pertencentes a grupos dominantes anunciam sofrer ataques e processos discriminatórios por fazerem parte de segmentos religiosos ou pertencimentos raciais e/ou de gênero hegemônico. A disseminação dessa impossibilidade sociológica pode ser entendida como reação às ações dos movimentos sociais que ameaçam privilégios estabelecidos.

Pensar o papel do Estado em tempos de retrocessos sociais, em pleno golpe de Estado, e avanços de práticas neoliberais notórias e irrefutáveis, tornou a investigação ainda mais necessária e desafiadora.

Veremos que algumas medidas podem ser listadas, contudo, o que se destaca é que as mesmas não se mostraram suficientes no efetivo combate ao racismo no Brasil. Afirmar a inércia do Estado enquanto aparelho ideológico da classe dominante não significa desconsiderar o protagonismo dos movimentos sociais negros, bem como os avanços e conquistas. Isso porque, embora sejamos produtos de imposições ideológicas alienantes e repressoras, também somos sujeitos dos/nos processos históricos.

A pesquisa foi realizada, sob a orientação da Profª Drª Angela Fátima Soligo, na linha de pesquisa Processos de exclusão/inclusão social e escolar: racismo e práticas

sociais; dentro da área de concentração Psicologia Educacional, que é vinculada ao grupo DIS – Diferenças e subjetividades em Educação. Parte da pesquisa foi realizada por meio

de estágio doutoral na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, sob a orientação da Profª Drª Clara Maria Rodrigues da Cruz Silva Santos.

Esperamos proporcionar ao/à leitor/a, uma leitura estimulante e um diálogo profícuo.

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INTRODUÇÃO

Esta produção aborda a contextualização história da questão racial no Brasil como ponto de partida para apresentar um termômetro de como se encontra a implementação de ações de combate ao racismo na educação tendo como suporte estudos acadêmicos desenvolvidos em diversas universidades brasileiras e apresenta reflexões acerca da i/materialidade da legislaçãobuscando identificar avanços e entraves e, em especial, compreender a construção e manutenção de armas ideológicas de manutenção das desigualdades.

Contextualização histórica

É amplamente conhecido, embora de forma acrítica,o violento processo de desterritorialização, assimilação e desumanização que arrancou dezenas de milhões de africanos/as1 de seus países para suprir a necessidade de mão de obra escrava nas Américas.

Estima-se que menos da metade chegou viva após atravessar o Atlântico e que cerca de 40% dentre os/as sobreviventes tiveram como destinoo Brasil (MUNANGA, 2009; CHALHOUB, 2012) onde a separação de famílias e etnias foi adotada como estratégia para tentar impedir formas de organização social entre as pessoas escravizadas em função da dificuldade de comunicação e interação entre elas. Mesmo as famílias constituídas em solo brasileiro, conviviam com a possibilidade de separação por venda (SANTOS, 2001).

Ainda hoje, a diversidade presente no imenso continente africano, e dentro deseus países, costuma ser desconsiderada, bem como as consequências do holocausto negro para o continente.

Durante os raptos no continente africano, ocorriam os primeiros assassinatos como represália à resistência. Dando continuidade a essa perversa saga, muitos/as morriam durante a travessia para a América (25%). Apesar da lei que estabelecia um número máximo de pessoas por embarcação, a superlotação era frequente, visando compensar as perdas. Falta de higiene e alimentação exígua eram as principais causas

1 Optamos em utilizar a inclusão de gênero acrescentando o variante feminino não apenas como forma de

neutralização da língua, mas visando marcar posicionamento político quanto à negação da voz feminina que ainda persiste na sociedade brasileira.

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das mortes. Soma-se a isso, o alto número de suicídios durante a travessia, que chegava a durar 50 dias(SANTOS, 2001).

A despeito das perdas, a escravização africana era muito rentável. A coroa portuguesa cobrava impostos sobre a importação e o lucro com o tráfico de africanos quechegavam a render 4.000%. O tráfico humano abasteceu o capitalismo mercantilista, enriquecendo países como Portugal, França, Espanha, Inglaterra e Holanda. Além disso, a triangulação comercial Europa/África/América era bastante lucrativa. Os navios europeus levavam à África quinquilharias e lá se transformavam em tumbeiros que iam para asAméricas, de onde retornavam à Europa com açúcar, madeira e outras riquezas brasileiras (SANTOS, 2001).

Clóvis Moura (2014) assevera que o colonialismo europeu, para além do caráter de expansionismo de áreas de dominação e rotas comerciais e marítimas, representou um complicador étnico, por introduzir compulsoriamente africanos/as escravizados/as; e um estrangulador cultural, ao impor seus padrões socioculturais, utilizando-se de um sistema de dominação pautado em mecanismos de controle social e de repressão.

No Brasil, a forma de repressão física mais conhecida são as chibatadas no pelourinho, contudo, a população negra foi vítima ainda de sodomia, mortes por entalação, pisoteamentos, bebês mortos a garfadas2, emparedamentos ou carbonização de pessoas ainda vivas, desfigurações, dentes arrancados. As mulheres negras, em situações de ciúmes das esposas dos “senhores”, ainda eram vítimas de “castigos” por meio da mutilação dos seios e rostos. A mãe negra sofria com o estupro, depois era desfigurada e, por vezes, assistia o seu filho ser arrancado de seus braços para doação, assassinato ou, mais tarde, vendido como um objeto(SANTOS, 2001).

Buscando apaziguar a culpa e acusações contra os/as opressores/as, a história construída apregoa o alto grau de bondade e humanidade na escravidão praticada na América Latina sob a égide da benevolência da Igreja Católica, a mesma que abençoava o sistema escravista e pregava a submissão dos/as escravizados/as(NASCIMENTO, 1978).

As ideias de que no Brasil os senhores eram mais benevolentes e as relações mais harmoniosas, se comparadas a outros países, em especial, os Estados Unidos, devem ser também debatidas. A crueldade extrema praticada pelos “senhores de

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escravos” não costuma ser denunciada nos livros didáticos, considerando a magnitude e perversidade com que ocorriam. Dessa forma, o horror das diversas formas de torturas ficou apagado para a sociedade brasileira. Recontar a história do Brasil é também apontar os absurdos cometidos contra as pessoas negras, por vezes, negligenciados por parte dos/as historiadores/as.

O pesquisador Luiz Mott (1998) identificou em documentos arquivados na “Torre do Tombo” em Portugal, denúncias contra um senhor de escravizados/as chamado Garcia D'Ávila Pereira Aragão, que pertencia a mais alta classe econômica brasileira e a uma das mais altas patentes militares da época. Dentre outros temas, aparecem relatos de práticas de torturas e castigos aplicados por ele a homens, mulheres e crianças. Além dos açoites rigorosos e prolongados com rabo de arraia ou com chicotes de açoitar cavalos, as torturas envolviam o uso de espancamento com palmatórias de pau – várias vezes ao dia, não apenas nas mãos, mas também no rosto; novenas de bacalhau3, mechas de cabelo arrancadas com torquês de sapateiro; queimaduras por cera derretida ou brasas; ingestão de porção de doce fervendo; chumaços de ventosas com algodão e fogo nas partes íntimas das mulheres. Há ainda o relato de tortura e morte de um idoso já alforriado.

As sessões de açoites, não raro, eram praticadas por dois acoitadores concomitantemente. Há o caso de uma sessão de açoite que durou três horas, vitimando um homem montado em um cavalo de pau e com pesos amarrados aos pés. Em seguida, este mesmo homem foi pendurado pelos pulsos, com um peso preso aos testículos e anjinhos4 nos dedos dos pés(MOTT, 1998).

Uma mulher recebeu como castigo ferros no pescoço e grilhões nos pés, presos a correntes que saíam dos pés, davam voltas à cintura e eram atadas às hastes do pescoço. Nessas condições, era obrigada a trabalhar. Em função de um atraso, foi açoitada até sangrar meio pote e,depois de desatada, foi “condenada” a receber duzentos açoites por dia, anjinhos nos dedos das mãos, além de pouca água e comida. Amarrado a uma “cama de vento”, um escravizado foi açoitado entre seis a sete horas seguidas. Segundo os documentos, mesmo após o desmaio a tortura não cessou. Sal e limão foram colocados em seus olhos, passou a noite preso em correntes e posto nu ao sol no dia seguinte, preso por uma argola no pescoço. Assim permaneceu até as nove horas da

3 Chibatadas durante nove dias – novena – com chicote feito de couro retorcido contendo cinco pontas –

bacalhau. (MOURA, 2013).

4 Instrumento metálico onde eram colocados os dedos, normalmente os polegares, que eram

gradativamente atarraxados por meio de um parafuso, chegando a provocar a fratura do osso ou mesmo a amputação (MOURA, 2013).

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noite sem água ou comida(MOTT, 1998). Intensificando mais as dores e prolongando o processo de tortura,havia a prática de colocar limão, sal, pimenta e/ou vinagre nas feridas (COSTA, 1989).

É seguro afirmar que práticas de tortura são relacionadas, no Brasil, ao regime militar. Como regra, não há conhecimento geral das formas mais perversas de violência as quais as pessoas negras eram submetidas. Outra comparação que pode ilustrar esse diálogo é que normalmente não há dúvidas quanto aos horrores do holocausto judeu e o papel nefando do Estado Alemão. Há uma real comoção diante da prática nazista e nenhum incômodo em discutir esse erro histórico. Sobre esse mesmo tema, não há muitas referências às perseguições aos/as negros/as e homossexuais, ciganos, dentre outras minorias pelo Nazismo. No caso do holocausto negro perpetrado pelos Europeus e pelo Estado brasileiro, não é perceptível a mesma consternação e abertura às reflexões aprofundadas.

As penas de morte e açoite aos escravizados/as que incitavam insurreições ou cometiam qualquer agressão física contra seus “senhores” foram oficializadas pela Lei nº 4 de 10 de junho de 18355. Castigados, cerceados e/ou assassinados/as, os/as negros/as africanos/as conheceram, no Brasil, a pátria do horror com um Estado branco e pré-burguês6.

Esse teatro de horrores contou com a benção da Igreja Católica. Segundo Boris Fausto (2003), o Estado e Igreja Católica eram as instituições destinadas a organizar a colonização do Brasil. O Estado brasileiro era oficialmente católico, portanto, todos os membros da sociedade deveriam ser obrigatoriamentecatólicos. Cabia ao Estado garantir a dominação portuguesa sobre a colônia, enquanto a Igreja representou importante instrumento de disseminação da ideia geral de resiliênciae obediência ao Estado. Cumpre observar que a Igreja estava (está) presente em momentos cruciais na vida das pessoas: nascimento (batismo), casamento (matrimônio) e morte (extrema unção). Além disso, tinha (tem) a confissão como importante instrumento de controle.

A Igreja tinha, portanto, o poder de decidir se as ações/políticas seriam corretas ou condenáveis, sobre o que seria pecado e quais eram as pessoas merecedoras da redenção. Sabemos que hoje as igrejas, não apenas a Católica, ainda exercem forte influencia nos modos de ser, pensar e agir das pessoas e do Estado, mesmo com a laicidade formal estabelecida pela Constituição de 1988.

5A Lei nº 4 de 1835 foi posteriormente revogada em 1886 pela Lei 3.310 apenas no tocante às penas de

açoites.

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A Igreja Católica era subordinada ao Estado absolutista português por meio do “padroado real”. Esse mecanismo garantia concessões à Igreja em troca de sua presença catequizadora em todas as terras descobertas (FAUSTO, 2003). Nessas terras, o Vaticano adotava o discurso de legitimação da escravidão africana e buscava garantir a subordinação das pessoas escravizadas por meio da catequese, mecanismo utilizado, por exemplo, para justificar o encarceramento ao categorizar as pessoas negras como pecadores/as que deveriam sofrer como forma de alcançar a redenção (OLIVEIRA, 2007). A postura ideológica adotada pela Igreja seguramente contribuiu para a elaboração de representações que subalternizavam os povos indígenas e “coisificavam” as pessoas negras naturalizando, assim, as diversas formas de violência perpetrada contra esses grupos sociais.

Pautada na catequização dos povos originários como forma de controle, a educação assume importante papel no processo de tentativa de aculturação. Em um cenário de grandes dificuldades de conversão dos/as indígenas adultos/as, os Jesuítas viam dois caminhos para a doutrinação: o autoritarismo, a sujeição e o temor para os/as adultos e a evangelização das crianças (CHAMBOULEYRON, 2013).

Esse fato não impediu as inúmeras formas de resistência. Os conflitos e relações de poder estavam postos. Logo explodiriam ações individuais e coletivas, como levantes e revoltas.

Como afirma Gorender (1988), a contradição foi manifestada e desenvolvida pelos/as próprios/as escravizados/as.Se por um lado, a sociedade tentou coisificá-los/as, não foi e não poderia ser capaz de lhes suprimira condição de pessoa humana. Antes que os costumes, a moral, o direito e a filosofia reconhecessem tal antagonismo os/as próprios/as escravizados/as, enquanto indivíduos concretosreagiramà situação na qual foram postos. As reações citadas pelo autor diante dos antagonismos marcados pela consciência de que eram pessoas tratadas como objetos, ainda hoje não são devidamente retratadas na historiografia oficial.

Como regra, aprendemos que africanos/as “trazidos/as” para o Brasil por europeus foram escravizados/as e assim permaneceram até a promulgação da Lei Áurea (Lei 3.353 de 13 de maio de 1888), que, pelas mãos benevolentes da princesa Isabel, libertou, da noite para o dia, a população negra brasileira. O que não se discute nas escolas são as histórias de rebeldia e como a população negra recomeçaria sua saga e luta a partir de então, desta vez, rumo à verdadeira liberdade. Após mais de um século, essa população ainda clama por justiça e responsabilização do Estado.

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Segundo Hélio Santos (2001), o destino dos/as negros/as estava selado quando o Estado não adotou nenhuma Política Pública capaz de compensá-los/as pelos 350 anos de sacrifícios, injustiças e empobrecimento, buscando integrá-los/as à sociedade em igualdade de condições. Diferente disso, essa população precisoucompetir com imigrantes provenientes da Europa, lhes tolhendo possibilidades de prosperar social, econômica e politicamente.

Com a abertura dos portos em 1808, sob o governo de D. João, somada a permissão de posse de terras no Brasil, antes permitidas apenas aos portugueses e luso-brasileiros, o Estado brasileiro estimulou a entrada de imigrantes, que contavam ainda com auxílio financeiro oriundo dos cofres públicos. Destaca-se ainda a Lei de Terra (Lei 601, de 1850) que destinava aos estrangeiros que se estabelecessem no Brasil, além da naturalização, a isenção do serviço militar. A proibição do tráfico negreiro, neste mesmo ano, gerou a diminuição da mão de obra escrava – embora a escravidão tenha permanecido ainda por 38 anos – que foi substituída por mão de obra branca, sobretudo, no plantio de café. Portanto, a extinção da escravidão não representou sua efetiva eliminação. Na prática, poucas pessoas foram realmente beneficiadas com a “abolição”. A maioria não tinha para onde ir, então permanecia nas fazendas em situação análoga à escravidão (SANTOS, 2001).

A população negra deixa de ser considerada legalmente escravizada, porém, o

status de inferioridade segue eliminando, física e socialmente, esse grupo socialpor meio

do abandono, somado a diversos instrumentos de segregação, exclusão, encarceramentos e genocídios que não estão presos no passado.

Pesquisa realizada por Vieira Junior (2005), evidencia que o Estado brasileiro teve participação direta e efetiva na conformação do racismo por meio do manejo da legislação (séc. XIX), promovendo um sistema de interdições legais que afetou a vida da pessoa negra em diversos âmbitos: limitação de acesso à saúde, ao mercado de trabalho, à educação, à cidadania brasileira, restrição de liberdade de locomoção, cerceamento da liberdade religiosa e acesso ao sistema político eleitoral.

O assalto às riquezas Africanas, o holocausto sofrido por seus povos, não foi, nem pode ser, simplesmente, apagado da história. O esquecimentotem a função de justificar a continuidade do festival de injustiças que, sabemos, não cessou com a abolição, mas foi reconfigurado e segue, hoje, excluindo e matando milhares de negros/aspor meio da manutenção do racismo.

A partir do diálogo com Barros (2014) é possível identificar, na complexidade do racismo na atualidade, que:

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1. Atitudes discriminativas de cunho racial não se referem a uma pessoa, mesmo durante interações sociais localizadas. Tais ações dizem respeito às ideias construídas a respeito de todo um grupo humano, definido socialmente por “raça negra”;

2. Apesar de classe e raça seguirem imbricadas, uma pessoa negra será alvo de racismo mesmo quando faz parte da classe economicamente dominante;

3. A compreensão dessa complexidade deve envolver a interdisciplinaridade entre diversos campos de estudo como a História, a Sociologia, a Antropologia, a Geografia humana e a Psicologia Social;

4. O racismo é uma realidade sociológica atuante nos dias de hoje, como foi no passado, embora tenha assumido novos mecanismos. Trata-se de “uma peculiar forma de apreensão da realidade humana que possui origens e atualizações históricas bastante específicas” (BARROS, 2014, p.13).

É possível entender que o racismo é parte de um conjunto de ideias preconceituosas sobre o segmento social negro, colocando-o de forma simbólica e concreta em determinada classe social. A compreensão desse processo não prescinde da ponte entre diversas áreas de conhecimento, bem como a identificação dos mecanismos de ressignificação que atualizam e sofisticam, ideologicamente, formas de exclusão pautadas em identificadores raciais.

Nenhuma imposição ideológica deve ser considerada determinante tendo em vista que contextos sociais são permeados por constantes conflitos de interesse e relações de poder. Marcando o antagonismo presente nas relações sociais, a população negra formulou críticas ao modelo social e político imposto, promovendo transformações no transcorrer da história.

Ao nos referirmos à “ideologia” trazemos de Marx e Engels (2007) a compreensão de que se trata de uma forma de consciência disseminada socialmente capaz de definir e direcionar o comportamento das pessoas e de toda a sociedade. Para os filósofos, toda ideologia se reduz a uma falsa concepção da história ou se referea somente um dos aspectos dessa história.

Desse modo, o termo ideologia aparece em nossos diálogos com uma conotação negativa, aproximando-se da ideia de controle e manipulação. Por outro lado, consideramos a possibilidade de redefinição da ideologia posta, como acreditava Lênin (2006), não como remendos no sistema capitalista, mas por meio da completa desestruturação de suas engrenagens.

Pretendemos colocar em debate o real alcance das Políticas Públicasem contexto capitalista, sem com isso negar a necessidade dessas ações, e que os avanços

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conquistados até aqui são resultado do protagonismo de movimentos sociais negros por meio de inúmeras formas de resistência encontradas desde o período colonial.

O debate acerca do racismo como estruturante das relações sociais no Brasil e, portanto, promotor de desigualdades de condições e barreira quanto a oportunidades, tem se intensificado nas últimas décadas seguindo uma tendência global de fortalecimento dos movimentos sociais, dos quais se destacaram os movimentos negros que, organizados como grupos ou entidades desde a década de 70 do século passado, seguem denunciando as consequências perversas do racismo no tocante ao acesso aos serviços sociais, em especial à educação.

Os movimentos sociais são constituídos por diferentes vertentes políticas e filiações teóricas. A construção dos movimentos negros não foi diferente. É possível identificar na trajetória de construção de reivindicação dos/as ativistas negros/as diversas correntes e frentes de batalha. As pautas que unem esses movimentos, em linhas gerais, envolvem as denúncias de invisibilidade da população negra na história e o argumento de que embora não se possa falar em “raça”, sob o ponto de vista biológico, a identificação fenotípica ainda é utilizada para categorizar e diferenciar grupos humanos, produzindo o racismo por meio de preconceitos e processos discriminatórios de cunho racista.

Mesmo estudiosos, por muito tempo consagrados na academia, ignoram ou reduzem o protagonismo da população negra. Para trazer um exemplo, optamos em apontar como Caio Prado Júnior (2004, p.142) se refere aos/às escravizados/as:

[...]Os escravos, apesar de sua massa que representa cerca de um terço da população total, não terão neste processo, ao contrário do ocorrido em situações semelhantes noutras colônias americanas, como, por exemplo, em São Domingos (Haiti), um papel ativo e de Vanguarda. Acompanharão por vezes a luta, participarão debilmente de alguns movimentos, despertando aliás, com isso grande terror nas demais camadas da população. Mas não assumirão por via de regra uma posição definida. Nem sua ação terá continuidade e envergadura.

Segundo o autor, a população negra compunha uma massa despolitizada e desarticulada, incapaz de se posicionar politicamente. O que dizer então da organização em quilombos? E o que pensar acerca das inúmeras revoltas e levantes ou mesmo iniciativas individuais de rebeldia e insubmissão? Em outro trecho, o autor declara:

[...] Isso se deve, sobretudo ao tráfico africano, que despejando continuamente no país (e nessa época em grandes proporções novas e novas levas de africanos de baixo nível cultural ignorantes ainda na língua e inteiramente desambientados, neutralizava a ação dos escravos já

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radicados no país e por isso mais capazes de atitudes políticas coerentes. [...] Seja como for, a participação dos escravos nos movimentos da época não terá vulto apreciável [...] (Idem, p. 142).

Em primeiro lugar, nos anos que precederam à abolição formal da escravatura, o Brasil já não recebia mais tantos/as escravizados/as como supõe o autor. Isso porque a Lei Eusébio de Queirós7, decretada em 4 de setembro de 1850, proibia o tráfico de africanos e declarava reexportação dos/as escravizados que aqui chegassem. Embora não tenha surtido efeito de forma imediata, contribuiu para a diminuição do tráfico negreiro.

Além disso, como já discutido, sempre explodiram em todo o país várias reações dos/as escravizados/as. Azevedo (2004, p. 29) postula como formas de resistência “os assaltos às fazendas, as pequenas revoltas individuais ou coletivas e as tentativas de grandes insurreições” que ocorriam desde a chegada do primeiro navio negreiro.

O impulso pela liberdade partirá do/a próprio/a escravizado/a, além das rebeliões, suicídios, assassinatos, fugas e organização em quilombos. Nesse contexto, a tensão gerada com a possibilidade de uma inversão da ordem política e socialgerava incansáveis debates em busca de uma solução para o “problema” do contingente negro no Brasil que poderia inverter a lógica em que uma minoria branca é proprietária de uma maioria negra(AZEVEDO, 2004).

Tais fenômenos evidenciam a participação ativa da população negra em busca de justiça social, mas, como é possível notar no trecho abaixo, Prado Junior (2004, p. 143) insiste em afirmar a “inércia” do povo negro, quase o culpando pela situação em que vive:

Assim sendo, e não representando ainda os escravos uma classe politicamente ponderável, não é tanto de admirar a persistência da escravidão, como pelo contrário, a posição senão prática pelo menos teoricamente antiescravista que de forma tão generalizada desenvolve no país.

Mesmo sociólogos que trouxeram muitas contribuições importantes, como o exemplo que apresentamos, expõem, por vezes, ideias que apontam para alguma incapacidade ou dificuldade de organização. Porém, a história olhada de perto, contada

7Lei no. 581 - de 4 de setembro de 1850 "Lei Eusébio de Queiroz" - Lei de Extinção do Tráfico Negreiro no

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por seus protagonistas, evidencia outra leitura, trazendo a valorização da História e da Cultura Africana e sua diáspora, e o protagonismo da população negra.

Educação e racismo: primeiros apontamentos

A educação institucionalizada ocupou – e ocupa – papel fundamental na reprodução da história branca e representações negativas somadas a diversos processos de naturalização do racismo. A história de luta do povo negro e a valorização de sua cultura nos foram negadas. O currículo oficial desconsiderou o ponto de vista desses/as brasileiros/as e seguiu orientado por uma visão eurocêntrica da história. Hoje, diante da garantia legal, o desafio da escola é recontar essa história, não mais de “escravos/as” inertes, mas, de pessoas escravizadas, excluídas, porém, protagonistas de uma história de luta e resistência.

Ainda estamos em processo de desconstrução das Representações Sociais negativassobre as pessoas negras, de modo a desvincular esse grupo de imagens inferiorizantes, uma vez que tal representação não desapareceu do imaginário social e segue provocando ideias preconceituosas e atitudes discriminativas, não apenas permeando as interações sociais, mas, afetando as decisões e/ou omissões do poder público.

Há um abismo entre negros/as e brancos/as no que diz respeito ao usufruto de direitos sociais, com destaque, neste trabalho, à trajetória escolar. Tal fenômeno desarranja a proposição de uma relação inter-racial harmoniosa, igualitária e livre de racismo.

O sistema educacional brasileiro foiestruturado a partir da convergência de concepções racistase biológicas para se pensar o comportamento humano e as desigualdades sociais. O acesso da população negra aos bancos escolares foi marcadopor medidas preconceituosas e discriminatórias das quais se destacamaquelas ancoradas emuma lógica racista (PATTO, 2010). Tais concepções, ainda presentesno sistema educacional brasileiro,estruturam-se de forma institucionalizada se manifestando de inúmeras formas e através de várias faces.

O conceito de racismo educacional foi elaborado durante pesquisa realizada em nível de mestrado (RODRIGUES, 2010). Envolve manifestações do racismo individual, institucional e cultural compreendendo toda forma de preconceito e discriminação presentes no âmbito escolar, motivados por racismo. Trata-se de um processo excludente

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que define o percurso escolar dos/as estudantes negros/as, transformando sua trajetória escolar mais curta e mais complexa.

O Racismo Educacional condensa as diversas faces do racismo envolvendo inúmeros instrumentos e mecanismos não apenas no ambiente escolar, mas em todo o Sistema de Ensino, já que considera manifestações individuais, culturais e institucionais do racismo.

O racismo individual aproxima-se da noção de preconceito racial, estando vinculado à crença de hierarquia entre as raças (JONES, 1973). No ambiente escolar, o racismo individual marca as relações interpessoais especialmente na interação entre alunos/as e entre professores/as e alunos.

O racismo institucional é apresentado em dois sentidos: um deles refere-se a uma extensão do racismo individual culminando na manipulação de instituições, de forma consciente, visando manter vantagens racistas entre grupos sociais. Em outro sentido, o racismo institucional, intencional ou não, aparece como com um subproduto de práticas institucionais norteadoras de escolhas, direitos, mobilidade e condições de acesso. O racismo preenche o labirinto preconceituoso e principalmente discriminatório que percorre as instituições estatais (JONES, 1973).

O racismo institucional atravessa as instituições sociais agindo por meio de atitudes e/ou omissões individuais e/ou coletivas influenciando e por vezes determinando o direcionamento dado desde as mais simples ações e projetos aos mais audaciosos programas. Assim, o descaso com o segmento populacional racialmente discriminado concretiza-se não apenas no tratamento diferenciado das pessoas a ele pertencentes, mas, especialmente, na negligência de suas demandas em função do fracasso em promover o igualitarismo instaurado nas instituições.

Wieviorka (1946) explica que o conceito de racismo institucional nasceu nos Estados Unidos. Embora reconhecido como uma forma velada de racismo com capacidade de manter os/as negros/as em postos subalternos da vida econômica e política, além das discriminações na educação, saúde e emprego, essa noção partiu de um viés que eximia a camada social dominante de toda suspeita de racismo ao afirmar que as mesmas não tinham consciência dos mecanismos de sua dominação. E conclui que a fraqueza desse conceito está no seguinte paradoxo: o racismo institucional seria algo exterior a prática do grupo dominante que, ao mesmo tempo, dela se beneficia. Segundo essa teoria, somente as instituições reproduzem o racismo. Assim, a responsabilidade pelo racismo recai sobre todos/as.

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Por essa razão torna-se complicado falar em racismo institucional sem considerar suas faces individual e cultural. Tais faces do racismo não estão separadas e atuam mutuamente nos ambientes sociais.

O racismo cultural pauta-se na correlação de fatores raciais e culturais, envolve elementos dos dois outros tipos de racismo e “pode ser definido como a expressão individual e institucional da superioridade da herança cultural de uma raça com relação à outra”. As diferenças culturais entre europeus a africanos, por exemplo, foram consideradas indícios de inferioridade (p. 5).

[...] Estamos diante do racismo cultural quando as realizações de uma raça são inteiramente ignoradas na educação. Estamos diante do racismo cultural quando a expressão de diferenças culturais não é premiada ou é interpretada de maneira negativa. [...] A religião, a música, a filosofia, a política, a economia, a moralidade, a ciência, a medicina e o direito da tradição branca e ocidental são considerados, sem discussão, como os melhores do mundo. (JONES, 1973, p.6)

Em diálogo com Jones (1973) notamos que o tratamento dado ao currículo no sistema de ensino brasileiro está envolto em um racismo cultural. A forma mais evidente e, portanto, incontestável, de racismo cultural na educação está nas representações veiculadas nos livros didáticos. A esse respeito, a pesquisadora Ana Célia da Silva (1995; 2001) vem desenvolvendo importantes trabalhos. Sob sua orientação, um grupo de estudantes analisou livros didáticos de história e constatou a persistência de representações sociais racistas mesmo em autores/as considerados/as “bem intencionados”, que não pretendem, conscientemente, inferiorizar a população negra, mas cometem “deslizes” e entram em contradições. Quando pretendem inserir a questão da ausência de inserção social na pós-escravidão, acabam reproduzindo a ideia de inaptidão ao mercado de trabalho e/ou para a inserção na nova sociedade, competitiva e moderna; a passividade e vitimização dos/as negro/as; uso do racismo com um problema do passado; o branco como único agente histórico. Destaca-se ainda no trabalho a dificuldade em ilustrar a participação do/a negro/a na construção cultural da sociedade brasileira, dando-lhes apenas o papel de coadjuvantes de uma sociedade pronta; as religiões de matrizes africanas aparecem nos livros como crendices ou crenças; outras manifestações culturais aparecem de forma pitoresca; utilização de expressões de coisificação como “um escravo durava pouco”, só para citar alguns exemplos (RIBEIRO, 2002).

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Ao analisar livros didáticos de língua portuguesa “Comunicação e Expressão”, Silva (1995) constata a predominância de ideologias de inferiorização e branqueamento em que a pessoa branca é personagem dominante, representando a humanidade e a cidadania, pertencente a uma classe abastada e seguidora dos hábitos europeus, enquanto o negro é uma minoria estereotipada e desumanizada. As pessoas negras aparecem como serviçais escravos ou como personagens caricaturais. A criança negra não aparece em contexto escolar, a não ser como minoria, sentada no fundo da sala, representando desinteresse em aprender ou incapacidade intelectual.

Além disso, as crianças negras quase nunca têm nome, sendo chamadas por apelidos racistas. São comumente associadas a animais e seres sobrenaturais. As pessoas brancas têm nome e família, são associadas ao belo, à inteligência, ao puro e bom. Já as pessoas negras aparecem ligadas ao feio, malvado e incapaz. A autora lembra que as representações culturais valorizadas nesses livros são de origem europeia: sereias, princesas, fadas, bruxas medievais. (SILVA, 1995).

Uma rápida rememoração de nossos manuais e livros didáticos é suficiente para que nos lembremos de imagens como as descritas por Silva (1995): as representações de princesas sempre brancas, de personagens negras bestializadas ou animalizadas ou ainda a imagem de um pai branco com uma pasta de executivo em contraste com um homem (normalmente sem família) ocupando alguma posição de subalternidade.

O conteúdo racista do currículo ou dos livros didáticos é uma das formas de promoção da exclusão. Por essa razão, a Lei 10.639/03 é imprescindível. Não podemos, no entanto, desconsiderar as outras formas de ações discriminatórias racistas que desembocam em fracasso escolar. Além da alteração curricular, faz-se necessária a implantação de políticas públicas permanentes de formação de professores/as com constante acompanhamento e avaliação não apenas dessa formação, mas dos impactos dessa capacitação no combate ao racismo educacional.

A despeito das conquistas no âmbito das relações étnico-raciais e combate às diversas formas de manifestação do racismo, como resultado da incansável luta e denúncia dos movimentos negros no campo da educação, os avanços apresentam-se ainda insuficientes quanto à alteração curricular e de práticas pedagógicas. Asseveramos a tese de que o Estado brasileiro segue negligenciando seu papel na promoção do igualitarismo racial e na superação da racialização da sociedade brasileira.

O racismo permanece vivo no seio da sociedade em todos os campos sociais, dos quais se destacam: educação, saúde, segurança e mercado de trabalho. Há um

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padrão de comportamento, beleza, religiosidade e sexualidade instilado diariamente, camuflados em condutas rotineiras e aparentemente inocentes, que seguem, contudo, atropelando as alternativas ao modelo imposto.

Sem a intenção de desconsiderar a dinâmica do racismo presente em outros meios sociais e por intermédio de outras estruturas, elegemos o ensino como eixo principal de nossa investigação. O recorte eleito foi a educação institucionalizada, por entendermos tal âmbito como o principal aparelho de reprodução de Representações Sociais racistas. Outros contextos serão citados sempre que necessário, uma vez que é preciso extrapolar os muros da escola para a compreensão da relação entre educação escolar e racismo.

A despeito das inúmeras pesquisas até então realizadas, o enfrentamento ao racismo ainda é um grande desafio para muitos/as profissionais da educação. A desinformação docente contribui significativamente para o insucesso escolar da criança e do/a jovem negro/a uma vez que os/as profissionais da educação são parte importante de uma engrenagem excludente.

Como afirma Aplle (1999), educar não é um ato neutro, o/a educador/a se encontra implicado consciente ou inconscientemente em um ato político direcionado por um currículo que tem suas origens no terreno do controle social. Significa dizer que o trabalho do/a professor/a é orientado por determinados interesses sociais, econômicos e ideológicos. Nesse sentido, as escolas contribuem com a manutenção e naturalização das desigualdades ao distribuírem o conhecimento diferenciadamente, além de introjetarmodos de classificação ou seleção que, externalizadas, atingem negativamente a população negra.

A homogeneização de conteúdos considerados legítimos e a manutenção de métodos tradicionais nas instituições escolares partem do pressuposto de que todas as classes escolares e estudantes adotam as mesmas formas de construção do conhecimento e de conceber a realidade, e que as estratégias de resolução de problemas são únicas.

Por essa razão, a recepção dos chamados “conteúdos” não é igual para todos/as os/as alunos/as. O Sistema de Ensinoconsidera apenas a vertente, a leitura de mundo e a forma de “ensinar” que coadunem com as intenções dos grupos de prestígio. Os interesses, vivências e expectativas de outros grupos são ignoradas e estigmatizadas. O resultado desse quadro é o insucesso e a evasão escolares. Além disso, determinados grupos sociais são alvo de diversos fatores como Representações Sociais negativas,

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tratamentos diferenciados por parte dos/as colegas e educadores/as, desvalorização de culturas e identidades não hegemônicas, dentre elas, o pertencimento racial.

Compreender que o racismo é fator determinante na ocupação de espaços sociaisnão significa ignorar outros marcadores sociais. O racismo constitui-se enquanto instrumento de dominação que atravessa vários setores da sociedade, independente de idade ou gênero, e alcança trabalhadores/as urbanos e rurais em seus diversos campos de trabalho. O preconceito racial, na dinâmica das relações sociais brasileiras, mescla-se ao de classe e materializa-se em diversas formas de intolerâncias e linguagens, reunindo em um único grupo os que são obrigados a vender sua força de trabalho (IANNI, 2005). Desde a abolição, processos de marginalização obrigaram a pessoa negra a disputarem sua sobrevivência em uma sociedade racista repleta de mecanismos de imobilização social. “Podemos dizer que os problemas de raça e classe se imbricam nesse processo de competição do Negro, pois o interesse das classes dominantes é vê-lo marginalizado para baixar os salários dos trabalhadores no seu conjunto” (MOURA, 2014, p.219).

Raça e classe, portanto, não são passíveis de separação. A postura de considerar uma pessoa negra como subalterna, ainda que bem vestida, diz respeito ao seu lugar destinado dentro da estrutura de classes. À população negra estão reservados os lugares sociais de menor prestígio ou mesmo a completa marginalização. Por essa razão, causa estranheza quando uma pessoa negra é vista em posição social diferente da representação social que temos. Elaboramos ideias e imagens a partir do nosso referencial racista – boa parte “aprendido” na escola.

Aplle (1999) afirma que, servindo a determinada finalidade ideológica, a escola reproduz a lógica da estratificação econômica e social vigente elegendo os/as estudantes “aptos/as” a alcançarem níveis mais elevados de ensino, considerando-os capazes de produzir o conhecimento técnico necessário à economia e conclui:

[...] o estudo da relação entre ideologia e conhecimento escolar é de especial importância para a compreensão da coletividade social mais abrangente da qual fazemos parte. Permite-nos ver de que modo a sociedade se reproduz, como perpetua a suas condições de existência por meio da seleção e transmissão de determinados tipos de capital cultural de que depende uma sociedade industrial complexa e injusta, e de que forma mantém a coesão entre as classes e os indivíduos através da difusão de ideologias que, em última instância, sancionam, logo à partida, os programas institucionais que podem determinar a desnecessária estratificação e desigualdade. (APLLE, 1999, p. 107).

As regras impostas na rotina escolar são um preparo prévio para a vida no trabalho. Obediência, disciplina, pontualidade, subalternidade, incapacidade de questionar

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e/ou criticar. Para Apple (1999), as crianças assimilam a estrutura da autoridade por meio de padrões de interação transmitidos pela escola. Além do “conteúdo”, as práticas diárias assumem o papel de habilitar os/as estudantes para a vida em sociedade, mas, uma sociedade “naturalmente” desigual. No pré-escolar, por exemplo, o conhecimento é voltado para os princípios organizativos que regem toda a vida escolar e depois a vida nas fábricas: “[...] o uso do relógio, as regras de acesso a materiais e o controle do tempo e das emoções, tudo isso resulta em importantes contribuições para o ensino de significados sociais na escola” (idem, p.95).

A educação escolar transmite a ideia de um falso consenso e neutralidade científica difundindo “saberes inquestionáveis”. Dessa forma, legitima conhecimentos e símbolos ao passo que naturaliza desigualdades e distribui papeis sociais. O tipo de conhecimento produzido é direcionado à manutenção dos mecanismos econômicos, políticos e culturais dominantes. Significa dizer que a escola preserva e distribui não apenas o capital cultural, mas produz e reproduz, por meio de mecanismos explícitos e ocultos, a dominação econômica (APPLE, 1999).

Dominação econômica esta que determina a organização das relações étnico-raciais no Brasil. Esse fenômeno apenas pode ser compreendido em diálogo com processos sócio-históricos e culturais em que se deram sua elaboraçãoassociadoà perpetuação do racismo, que transformou a diferença em medida de desigualdade, utilizando a escola como um dos principais canais de reprodução ideológica.

Mesmo em situações em que determinados governantes assumem, em alguma medida, a responsabilidade do Estado, é a sua ineficiência que se destaca quando o assunto é a inclusão e sucesso educacional da população negra.

Assumimos que épossívelidentificar, entre 2003 e 2016, avanços no campo das Políticas Públicas com recorte racial. Entendemos que a postura assumida pelo grupo político que ocupou o governo nesse período, por um lado, permitiu a ampliação do debate e atuação dos movimentos sociais negros, mas, por outro não assumiu postura de real embate às bases do sistema capitalista com intenção concreta de superar o modelo segregacionista de sociedade haja vista, como lembra Martuscelli (2015),a implementação de uma série de medidas neoliberais neste período. A despeito da aproximação com as classes trabalhadoras e alguns embates e tensões, o período em que o Partido dos Trabalhadores (PT) permaneceu no poder não representou reais rupturas com os interesses do Capital. Entendemos que as articulações com campos conservadores e o modo de governar pautado na coalizão permitiu que essas estruturas

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fossem facilmente demolidas após alterações no quadro político brasileiro. Os progressos, ao contrário do que se esperava, vêm decrescendo a passos largos.

Nos últimos 30 anos, o Brasil tem experimentado um período muito rico em termos de Políticas Públicas que têm sido adotadas no que se refere a inclusão social de minorias. Todas estas políticas são exemplos dos avanços recentes feitos no quadro regulamentar político sobre a questão racial e também representam uma grande conquista do movimento negro brasileiro contemporâneo. Não obstante, o avanço da Política Pública brasileira sobre a igualdade racial nos últimos tempos não pode esconder várias dificuldades em termos de sua implementação, a falta de suporte de alguns setores importantes da sociedade civil para essas políticas(especialmente entre a classe média branca), e algumas dificuldades de compreensão presente em muitos setores da burocracia do Estado em relação a esses tipos de decisões (PIMENTA, 2015, p.135).

Pretendemos evidenciar que, em um palco de disputas de interesses pautadas por relações de poder, alguns avanços oscilam entre conquistas e concessões, uma vez que qualquer política adotada no seio do sistema capitalístico não produzirá, por si, as transformações almejadas. Como atesta Viana (2009, p. 35), as Políticas Públicas visam atender “aos interesses de valorização do capital em detrimento do atendimento dos interesses das classes trabalhadoras, especialmente das minorias excluídas de bens sociais, culturais e econômicos.”

Assim, mesmo que possamos identificar a adoção de algumas ações e programas voltados à implantação da legislação, os investimentos não foram suficientes para atender de forma efetiva aos objetivos previamente estabelecidos (GONÇALVES, 2015). Como lembra Perini (2012), estamos em processo de construção; hoje ainda não contamos com condições adequadas de implementação e há falta de mecanismos de acompanhamento e avaliação, bem como de dados censitários (SOARES, 2010).

Nesse contexto, ao delinearmos a metodologia para conduzir a investigação, levamos em consideração abordagens teóricas capazes de manter a ponte entre a manutenção do racismo e seus determinantes históricos que, ao dialogarem com o presente, possam identificar em que ponto é possível localizar a implementação de ações antirracistas no Sistema de Ensino Brasileiro.

Assim, construímos a hipótese de que ideologias que sedimentaram o racismo no passado, aparentemente superadas, sobreviveram ao tempo e seguem produzindo e reproduzindo Representações Sociais racistas capazes de sugestionar práticas – normalmente veladas – que reverberam no engessamento de ações, compõem o pano de fundo das interações sociais no ambiente escolar e explicam a inércia do Estado no

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tocante a materialização de ações antirracistas, ao mesmo tempo em que evidencia seu papel como reprodutor das mesmas.

A tese está organizada em seiscapítulos, além da Introdução e das Considerações finais. O texto introdutório apresenta uma contextualização sócio-histórica da questão racial no Brasil e os primeiros apontamentos a respeito do debate sobre o racismo na educação. O primeiro capítulo traz as perspectivas teóricas que nortearam a pesquisa, bem como os métodos e técnicas utilizadas para a coleta de dados e apresenta ainda o extrato das pesquisas analisadas. No capítulo 2 foram desenvolvidas reflexões teóricas sobre o papel do Estado quanto à adoção de Políticas Públicas com recorte racial, em especial no campo da educação. O terceiro, capítulodiscute a Educação para as Relações Ético-raciais a partir dos marcos legais e históricos. O quarto aborda questões sobre a materialidade da legislação antirracista na educação; seguido do capitulo 5 que analisa os avanços e limites de ações voltadas ao combate do racismo presente no Sistema deEnsino. Por fim, o capítulo 6 trata das construções ideológicas voltadas à manutenção das desigualdades raciais como resposta à presença de obstáculos e à implementação da legislação.Concluindo a discussão, retomamos os principais pontos debatidos ao longo dos capítulos e indicamos perspectivas futuras.

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CAPÍTULO 1

METODOLOGIA

A contextualização apresentada na introdução evidencia o quadro geral dos debates em torno da questão racial no Brasil. É possível, já no texto introdutório, identificar sinais de que o Estado brasileiro ainda não foi capaz de promover medidas eficazes de superação do preconceito e discriminação raciais, mormente, na educação escolar.

É nesse contexto que se localiza a pergunta de partida que norteou a investigação: Como as alterações na legislação educacional, a partir de 2003, no tocante a Educação para as Relações Étnico-raciais, reverberaram no Sistema de Ensino na perspectiva dos/as pesquisadores/as?

A busca por respostas foi marcada por novas questões que surgiram durante a investigação, formando um encadeamento de reflexões que direcionaram as respostas para a questão embrionária da pesquisa.

Tendo a pergunta acima como ponto de partida, buscamos investigar a materialidade das orientações legais envolvendo a Educação para as Relações Étnico-raciais a partir de 20038. A partir desse objetivo central, foram delineados os objetivos secundários: a) catalogar teses e dissertações defendidas entre 2003 e 2016, disponibilizadas em formato digital, que abordem a questão racial no campo educacional; b) criar um banco de dados envolvendo os principais temas, conceitos, considerações e conclusões apresentadas; c) analisar dados catalogados, visando arquitetar uma radiografia dos avanços e/ou limites da legislação.

No tocante a organização do texto, adotamos uma divisão por temas puramente didática, haja vista a impossibilidade de compreendê-los de forma estanque e desconectadas da compreensão do todo.

O emaranhando de condicionantes, quando a abordagem envolve a (in)aplicabilidade da legislação antirracista, resultou em diversas conexões entre os capítulos. Como as questões tratadas são interligadas, algumas serãoretomadas em diferentes momentos da produção.

A escolha do método ideal para o alcance desses objetivos é uma etapa bastante delicada no processo de investigação acadêmica. Exige do/da pesquisador/a

8 Ano em que o artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) foi alterado incluindo a

obrigatoriedade de inclusão da História e Cultura Africanas e Afro-brasileiras no currículo da educação básica, sobretudo nas áreas de História, Língua Portuguesa e Artes (BRASIL, 2003).

Referências

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