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POUCOS AVANÇOS, MUITOS OBSTÁCULOS

5.1 Resistências e entraves

5.2.2 Desin/formação docente

A ausência de formação docente é indicada de forma bastante comum como um dos obstáculos à implementação da legislação (ABREU, 2009;BORGES, 2007; COSTA, 2013; FERREIRA, 2009; FREITAS, 2009; GERMANO, 2016; (GROCETTA, 2014); MENDONÇA, 2011; MOREIRA, 2008; MOREIRA, 2012; MOTA, 2009; OLIVEIRA, 2008; OLIVEIRA, C. A, 2015; PASTORIZA, 2015; PEREIRA, P.A., 2011; RAMOS, 2015; SANTOS, C., 2015; SANTOS T., 2015; SILVA, I., 2009; VIANA, 2009). Como lembra Borges (2007), ainda que algumas ações possam ser identificadas, trata-se de um esforço bastante incipiente.

Averiguamos que a ausência de vontade política quanto a políticas antirracistas, com destaque às educacionais, não estimula ou termina por emperrar ações de formação. Essa afirmação não é o mesmo que asseverar a total ausência de ações no campo da formação para as relações étnico-raciais, mas o seu alcance.

A formação ocorre a partir de três principais formas: no âmbito da militância (PAULA, 2013) e por meio de oferta de cursos: pelas secretarias de educação ou ofertados pelas universidades.Nesteúltimo caso, tratam-se de cursos de especialização e/ou extensão e; por fim, há o grupo de professores/as que busca por iniciativa própria e estudos autodidatas a formação para a atuação com a temática.

Discutiremos, neste espaço, o papel do poder público no tocante à oferta de formação continuada e ações de alteração curricular na formação inicial. Portanto, trataremos de cursos ofertados por órgãos governamentais.

A formação, embora não possa ser apontada como única forma de ação de validação da legislação, é importante dispositivo desencadeador da adoção de práticas antirracistas (ALMEIDA, 2013; FERREIRA, 2009; PAULA, 2013), resultando em mudanças de práticas, revisão de Representações Sociais racistas solidificadas, quebra de paradigmaas, reflexões aprofundadas e reelaboração de saberes e práticas (SANTOS,

2010; SILVA, 2012) e, em especial, conscientização a respeito da importância da legislação (ABREU, 2009; COSTA, 2013). Há, inclusive, “os professores que reconhecem que, antes da participação da formação continuada em questão, sequer conseguiam perceber a existência do racismo na escola, pois acreditavam que ele não existia”. (PAULA, 2013, p.296).

Entretanto, disputas, conflitos e contradições inerentes a qualquer realidade social apresentam-se na coexistência entre os resultados positivos dos processos formativos e a ineficiência dessas mesmas ações no tocante à promoção de mudanças efetivas.

A pesquisadora Ellen Souza (2012) entende que a formação das professoras/as é capaz de promover a sensibilização quanto a situações de conflitos raciais, além de possibilitar a instrumentalização para a inclusão de técnicas voltadas à educação das relações étnico-raciais, porém, constata em sua pesquisa que a percepção da infância negra segue estereotipada e eurocentrada mesmo em escolas mais abertas ao debate. Essa contradição pode ser identificada dentro de uma mesma escola ou entre escolas diversas dentro do mesmo município, como exemplifica um relato de uma pesquisadora a partir de sua experiência profissional em diferentes escolas:

Enquanto em algumas meu trabalho com a temática étnico-racial era solitário e envolto em diversas dificuldades de execução e avaliação, em outras o trabalho articulou-se a projetos sobre a temática que já faziam parte da cultura escolar daquela instituição. [...] Cotidianamente me questiono porque é tão complicado abordar essa temática, e porque, dependendo da escola, ela se torna extremamente mais difícil. Percebo que mesmo diante de um forte empenho pessoal neste trabalho, inúmeras vezes sinto que estou diante de barreiras quase intransponíveis. (MAZZONE, 2014, p.13 e 20).

A autora traz de sua vivência pessoal, e transforma em estudo acadêmico, a constatação de que os obstáculos, por vezes, superam o ativismo, realidade comum apresentada entre os/as autores/as.

Diante desse quadro, as/os pesquisadores/as apontam a deficiência/ausência de formação como um dos principais motivos causadores de entraves na consolidação de práticas antirracistas nas escolas quanto à abertura da alteração curricular e avanços de ações e projetos.

Nesse sentido, Saraiva (2009) chama a atenção para o fato de que, embora as formações contribuam para incluir na pauta de atividades da escola as questões etnicorraciais, é algo que ocorre de forma momentânea e descontínua. Essa é também a

questão posta por Queiroz (2012) diante da dificuldade de efetivação da legislação em longo prazo.

As informações sobre oferta de curso de formação indicam que o alcance é bastante reduzido. Poucos/as professores/as em cada escola passaram por alguma capacitação para a adoção de uma educação antirracista. Muitas/os professoras/es consideram as orientações muito genéricas, sentem-se despreparadas/as ou consideram como uma imposição – sem diálogo ou respeito à autonomia das escolas.

As pesquisas evidenciam que as escolas elegem um/a representante da temática: um/a militante do movimento negro, alguém que tenha participado de curso de formação ou evidencie interesse em promover tais discussões. Essa pessoa passa a ser a referência e, e em alguma medida, a única responsável palas ações de implementação do artigo 26 e suas diretrizes.

O “gap” entre formação docente inicial sobre os estudos da História e Cultura Africanas e Afro-brasileiras deve ser preenchido com projetos de formação continuada que contem com constantes acompanhamentos e avaliação, não apenas apresentando “números” que atestam a quantidade de professores/as atendidos/as, mas evidenciando os reais impactos dessa capacitação no combate ao racismo educacional. Contudo, o que tem se destacado é a ausência de vontade política e ações que tornem a alteração do currículo das universidades e a formação continuada uma realidade.

Em alguns casos, a temática racial aparece de forma transversalizada, dissolvida em outros cursos ofertados (ANSELMO, 2015), concentra-se em ações pontuais e de pouca abrangência (SILVIA, R.M, 2014) quemostram-se ineficiente (CAMARGO, 2012; LEITE, 2010) e bastante aligeiradas (MOREIRA, 2008). Soma-se a isso o fato de que, embora a formação represente importante instrumento de promoção de mudanças, não pode ser adotado com única ação de implementação da legislação. Em primeiro lugar porque, sem as condições adequadas, os/as professores/as não conseguirão materializar os conhecimentos construídos e depois devido ao fato de que restaria a necessidade de averiguação da qualidade e alcance das políticas de formação.

O fato é que nem sempre a formação resulta em transformação de práticas. Como identifica Almeida (2013), mesmo após concluir o curso os/as professores/as seguiam com dificuldade de trabalhar com a temática em sala de aula. Apresentam insegurança e não conseguem perceber a questão racial como real produtora de desigualdades.

Esse fato, contudo, não pode levar a conclusões sobre a responsabilidade dos/as professores/as pela implementação da legislação sem considerar a negligência do

Estado. Divergimos de pesquisadores/as que caem na armadilha da “culpabilização dos professores/as” (FREITAS, S., 2010; GONÇALVES, 2013).

Entendemos que apenas em um contexto em que os/as docentes contarem com todas as condições para a implementação da legislação é possível falar em responsabilização direta desses profissionais.

Como evidenciam alguns trabalhos (Borges, 2007; Costa; 2013; SILVA, 2012), a formação é necessária e representa avanços, mas normalmente vem acompanhada de limitações no que diz respeito ao alcance de participantes, insuficiência de material didático e inclusive de espaços adequados nas instituições de ensino que possam viabilizar a aplicação do que foi vivenciado e aprendido. Por essa razão, o sucesso dessas ações depende da integração de todo o Sistema de Ensinoe não prescinde de medidas para acompanhamento a avaliação dos resultados.

À medida que resistências por parte dos/as profissionais são identificadas, é preciso considerar que a formação continuada ainda é negligenciada pelo poder público (DUARTE, 2015; LIMA, 2014; LOPES, T., 2010; MOTA, 2009; PAULA, 2013). A realidade atual é que os/as docentes estão sendo forçados a trabalharem algo sem contrapartidas do Estado (LIMA, 2007; AULA, 2013). De um modo geral, não tiveram acesso ao conhecimento e às habilidades necessárias à adoção de práticas de combate ao racismo (NUNES, 2007; SILVA, 2009) e menos ainda sobre a História e Cultura Africanas e Afro- brasileiras (SILVA, 2011). Por outro lado, nos deparamos com outra consequência da “desinformação” dos/as docentes:ações pautadas em Representações Sociais preconceituosas, porém, naturalizadas.