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ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

5. Capitalismo tardio (1851-1888): a modernização chega ao Brasil trazendo novas tecnologias que servirão, porém, a um modelo arcaico de sociedade A navegação

2.2 Gestão educacional e escolar

Compreendendo os/as gestores/as como representantes escolares mais imediatos do Estado, consideramos a importância de buscar nas pesquisas considerações que possam direcionar o entendimento a respeito do papel desses agentes públicos.

Garcia-Filice (2010) identifica três grupos de gestores/as educacionais a partir das posturas e convicções acerca da questão racial: no primeiro grupo estão os gestores/as ausentes/alheios que são omissos diante das políticas educacionais afirmativas com recorte racial por acreditarem que a questão está na desigualdade econômica. Estes se mantêm estáticos/as e silenciam o debate. No segundo grupo encontram-se os gestores sensíveis que, embora se mostrem mais abertos aos temas, não se empenham em realizar, de forma contínua, ações que valorizam a temática racial. Por fim, estão os gestores/as proativos/as – normalmente ativistas nos movimentos sociais. Nesse grupo encontram-se profissionais conscientes da amplitude e gravidade das desigualdades de cunho racial. Esses/as gestores/as atuam com afinco pela materialização das políticas antirracistas, buscam a produção de materiais e parcerias; valorizam processos formativos e adotam postura contestatória.

Não foram identificadas ações institucionalizadas, sistemáticas e amplas de apoio e incentivo à formação docente e/ou propostas de intervenção que possam nortear a ação dos gestores/as escolares e as práticas dos professores/as (BORGES, 2016; BUENO, 2015; CHAGAS, 2010; FERREIRA, 2015). Diferente disso, destacam-se ações políticas fragmentadas e desconexas. (GARCIA-FILICE, 2010; MARQUES, 2010). Não há diálogos contínuos e frutíferos entre entidades governamentais, sociedade civil, secretarias de educação e instituições de ensino. (CHAGAS, 2010; NORONHA, 2014; VIEIRA, 2011). Ou ainda, como evidencia Costa (2013), não há articulação entre a

legislação nacional, o plano de formação da Secretaria de Educação local e as demandas das escolas.

Para Martins (2010), há uma lacuna causada pela ausência de definição clara de responsabilidades e metas. Por falta de um direcionamento claro, fica a critério de cada unidade de ensino implementar, ou não, a legislação. Esse fato cria a dualidade entre os/as gestores/as e professore/as engajados/as e posturas mais resistentes.

A despeito das ações provenientes dos/as gestores/as ativistas em busca de uma implementação mais estruturada, em muitos casos, as dificuldades são ocasionadas pela aceitação parcial ou mesmo pela simples negação dos impactos no racismo pela maioria, o que resulta num processo descontínuo e superficial de adoção de estratégias (GARCIA-FILICE, 2010). E como nos mostra o trabalho de Janyne Souza (2015), não está no aporte legal a garantia de quais ações políticas serão consideradas e valorizadas de modo que, no cotidiano das instituições governamentais, as ações são dependentes da percepção e instrumentalização que os sujeitos ali atuantes tem acerca da questão racial.

Ana Marques (2010) atesta a omissão e despreparo de gestores/as do MEC diante do trato com as questões raciais. Em entrevistas realizadas durante a pesquisasurgem argumentos justificadores das lacunas no processo de materialização da legislação como: a questão racial está contemplada no contexto da diversidade como um todo; o racismo é pouco relevante no contexto brasileiro; não há racismo em um país miscigenado; a efetivação de ações de implementação nas escolas não é função do MEC em sentido amplo, uma vez que há uma secretaria responsável por esta questão – portanto não há Transversalidade entre as coordenações e secretarias no que se refere a inclusão da questão racial e a ideia de que as escolas devem assumir esse papel.

Sobre este último aspecto, Anselmo (2015) também confirma que, apesar das ações como distribuição de materiais e oferta de alguns cursos de formação, a lógica que permeia a gestão pública é a de que a escola é a principal responsável pela consolidação das politicas afirmativas educacionais.

Um dos grandes empecilhos para implementação da legislação é essa falta de interlocução “seja a articulação interna, que é a realizada no âmbito do Ministério ou a externa, aquela prevista com os sistemas de ensino estaduais, municipais, distrital, com a própria sociedade e com outros órgãos do Governo Federal” (MARQUES, 2010, p. 137).

A relação entre MEC, secretarias de educação, gestores/as escolares, professores/as e estudantes e demais entes da comunidade escolar é hierarquizante e assimétrica. A ausência de uma estrutura democrática, com ações compartilhadas e

envolvimento coletivo reflete a fragmentação no processo de implementação dessas políticas.

Essa constatação guarda relação com o fato de que os diversos sistemas de ensino (estaduais, municipais e distrital) que fragmentam o Sistema Nacional de Ensino não estão conectados entre eles e nem com as escolas (SAVIANI, 2010). Além disso, o regime de colaboração postulado no Artigo 23 da Constituição Federal não conta com regulamentaçãoque direcione e institua um modelo de cooperação capaz de equacionar, efetivamente, as desigualdades regionais, municipais e/ou mesmo entre as instituições de ensino de uma mesma localidade. A ausência de um Sistema Nacional de Educação pautado na garantia de um padrão mínimo de qualidade bem como de condições iguais de acesso e permanência afeta negativamente a implementação equânime de políticas educacionais.

E o que é mais grave, normalmente o peso da displicência fica sobre os ombros dos/as profissionais da educação que estão na base do processo, em especial os/as professores/as. A despeito das inúmeras constatações de ausência do Estado, são apontados como “negligentes” e acabam sendo responsabilizados/as pelas dificuldades de implementação da legislação. O papel dos/as gestores/as educacionais ou da própria equipe diretiva bem como a participação dos/as demais representantes da comunidade escolar costuma ser ignorado (CHAGAS, 2010; LIMA, 2014).

Ao responsabilizar o/a professor/a, as gestões municipal e/ou estadual se eximem do compromisso, ao passo que negligenciam o suporte material e oferta de cursos de formação (MOREIRA, 2012). Apesar de reconhecermos a parcela de responsabilidade da escola, apenas é possível exigir resultados na medida em que o poder público propiciar as condições necessárias para a realização de projetos e ações tendo como norte o combate às diversas barreiras simbólicas e materiais que estão postas.

Diversos/as pesquisadores/as, dentre eles Alves (2007); Nunes (2007); Queiroz (2012); e Rocha, L. (2006), corroboram a constatação de que há negligência por grande parte dos gestores/as públicos/as, o que para Paula (2011) é resultado do próprio racismo que de forma velada direciona a forma como os/as gestores/as pensam as ações, como definem o grau de importância que será dado à temática e quais recursos serão disponibilizados.

No âmbito escolar, as propostas dos/as estudantes, como regra, não são consideradas, o planejamento das aulas e atividades em geral é individualizado. A forma de condução das escolas pelos/s gestores/as, não raro, é autoritária. O documento

norteador das atividades, o Projeto Político e Pedagógico (PPP), não condiz com a realidade (RODRIGUES, 2010). Ainda que no PPP conste a inclusão das temáticas em tela, há um distanciamento entre o que está registrado e as práticas docentes. (FERREIRA, 2013). Um dos motivos está na formulação unilateral do PPP, o que dificulta a aceitação da discussão pelo corpo docente (NUNES, 2007), bem como o distanciamento entre escola e comunidade, o que afeta a legitimidade do documento e a democratização da condução das instituições de ensino (RODRIGUES, 2010).

Os/as gestores/as escolares, ainda que estejam inseridos em uma estrutura antidemocrática, têm um papel central na consolidação de projetos antirracistas. A capacidade de envolvimento de toda a comunidade escolar na formulação do PPP, o fortalecimento do Conselho Escolar e demais instancias da comunidade escolar é imprescindível ao sucesso de práticas de combate às desigualdades (RODRIGUES, 2010). O papel do coordenador pedagógico também pode ser noda nesse processo (MOREIRA, 2008), ao estabelecer o link entre o caráter mais administrativo que a gestão tende a assumir e os aspectos pedagógicos dos quais os/as gestores/as não devem se afastar.

Considerando, porém, que o combate ao racismo enfrenta uma constelação de entraves, não temos a intenção de responsabilizar os/as gestores escolares. A divisão em temas é puramente didática e busca identificar as especificidades de cada segmento na estrutura de ensino. Isso não quer dizer que a avaliação do processo de implementação de ações afirmativas possa ser avaliada de forma isolada.

Somamos a esse quadro as fragilidades no processo formativo dos/as próprios/as gestores/as. Pesquisas (RODRIGUES, 2010; MARQUES, 2009) evidenciam a ausência ou precaridedade quanto a capacitação dos/as gestores/as, educacionais e escolares, para o trato com questões ligadas às relações étnico-raciais, o que resulta da carência de programas, projetos e ações governamentais com esse recorte e pode representar um imbróglio durante a implementação de ações quando geridas por profissionais partidários da Ideologia da Democracia Racial.

Estudo realizado em escolas públicas do Distrito Federal aponta a importância dos/as gestores/as escolares neste processo e atesta a necessidade de ampliação de espaços de participação democrática bem como a capacitação dos/as gestores/as neste processo, visando qualificar os processos de implementação, monitoramento e avaliação, de modo que as políticas educacionais sejam capazes de promover o igualitarismo racial (RODRIGUES, 2010).

A democratização da gestão educacional passa, necessariamente pela adoção de mecanismos de participação social. No tocante às relações étnico-raciais foram instituídos em alguns estados16 os Fóruns de Educação e Diversidade Étnico-Racial.

Formados por representantes do poder público e da sociedade civil, os fóruns têm papel de acompanhar e/ou propor o desenvolvimento de Políticas Públicas envolvendo diversidade étnico-racial no âmbito educacional. Fomentam discussões e apresentam propostas de implementação da legislação por meio de contato com as instituições de ensino, gestores/as, movimentos negros e outros representantes da sociedade civil organizada17.

Segundo pesquisa realizada por Bárbara Rosa (2012), os Fóruns de Educação e Diversidade Étnico-Racial representam instâncias cruciais para viabilizar a participação social na elaboração e acompanhamento de orientações e documentos no campo políticas de educação antirracistas. Os fóruns dos diferentes estados apresentam níveis e formas de atuação diferenciadas de modo que os Fóruns que contam com mais envolvimento e participação social, produzem ações mais amplas e eficazes. De toda maneira, a atuação dos Fóruns guarda relação direta com avanços consideráveis como, por exemplo, a elaboração do Plano Nacional de Implementação das DCNs para Educação para as Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro- Brasileira e Africana, além de contribuírem com o debate por meio de participação em cursos, palestras e distribuição de materiais.

Os Fóruns contribuem ainda de forma substancial no processo de descentralização das políticas, uma vez que possibilitam que as informações cheguem aos municípios e aos estados. Além disso, em algumas localidades, fazem a ponte com comunidades remanescentes de quilombos, comunidades ribeirinhas e povos de terreiro (ROSA, 2012).

A principal fragilidade evidenciada pela autora refere-se à ineficiência de mecanismos de acompanhamento das ações dos Fóruns municipais e estaduais pela Secadi (ROSA, 2012). Os sites dos fóruns encontram-se desatualizados e as ações indicadas estão ultrapassadas no tocante às datas de efetivação sinalizando descontinuidade das ações dos fóruns registrados no site do MEC.

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Segundo registros do MEC , os estados onde fóruns foram organizados são: Acre, Distrito Federal, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Tocantins. http://etnicoracial.mec.gov.br/links/10-menu-principal/81-foruns-de-educacao- e-diversidade-etnico-racial

17http://etnicoracial.mec.gov.br/links/10-menu-principal/81-foruns-de-educacao-e-diversidade-etnico-

A Secadi não conta com recursos materiais e contingente profissional suficiente para monitorar todas as ações ligadas à questão racial no Sistema de Ensino (MARQUES, 2010; VIEIRA, 2011), situação que tende a piorar com a reestruturação do MEC por meio do Decreto nº 9005 de março de 2017, que representou o desmonte e enfraquecimento da Secadi ao diminuir sua equipe de atuação.

Nesse sentido, podemos trazer ao menos três questões. Em primeiro lugar, a criação de secretarias e órgãos se perde diante da falta de recursos financeiros para a implementação de uma Política Pública ampla e operativa levando a limitação de possibilidades de efetivação de propostas e medidas (GONÇALVES, 2015). O segundo ponto é que faltam parcerias e diálogos com outros órgãos e secretarias. Ana Marques (2010) identificou em sua pesquisa que a concentração de recursos (ainda que parcos) reside na Secad18; as demais secretarias se sentem desobrigadas a tratar da temática. E o último aspecto diz respeito ao fato de que mesmo quando há recursos fica evidente, por vezes, a falta de vontade política em destinar os recursos de forma otimizada e eficaz no combate ao racismo no âmbito educacional (MARQUES, 2010) .

A dependência de iniciativas pessoais e ativismo para a implementação da gestão aparece de forma muito marcante dentro da perspectiva de implantação nas escolas. Este aspecto, mas não apenas ele, atesta a omissão do Estado brasileiro diante da questão racial e fortalece a ideia de que a alteração da legislação, embora resultante de muita luta da militância negra, não avançou da fase da conquista e concessão para a materialização.

Como nos conta Mota (2009), a atuação da equipe gestora empenhada em adotar medidas de combate ao racismo nas escolas – gestores/as pró-ativos nas palavras de Garcia-Filice (2010) – compõe o conjunto de estratégias facilitadoras do debate sobre questões étnico-raciais, contudo, o autor identifica as resistências enfrentadas pelos/as gestores/as, diante da tentativa de cumprir a legislação, marcadas pela dificuldade em sensibilizar os/as professores/as, provocar interesse, criar momentos de reflexão ou grupos de estudos. Soma-se a isso a multiplicidade de entendimentos e interpretações acerca dos objetivos e formas de implementação de ações antirracistas na escola.

A ausência de ações concretas para a implantação da legislação antirracista no campo educacional assemelha-se à distância entre igualdade formal/jurídica e material. O

18A então Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) foi

reestruturada para incluir o eixo “inclusão” passando a ser denominada Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) em 2011.

abismo entre as propostas e orientações legais e a realidade concreta representa um inquietante e drástico alerta para os limites e possibilidades de transformação social no tocante às relações étnico-raciais no Brasil.