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Autonomia e imaginário na educação: o pensamento de castoriadis e a relação com o tema da criação

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

ALINE CRISTINA RIFFEL

AUTONOMIA E IMAGINÁRIO NA EDUCAÇÃO: O PENSAMENTO DE

CASTORIADIS E A RELAÇÃO COM O TEMA DA CRIAÇÃO

Ijuí – RS 2017

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ALINE CRISTINA RIFFEL

AUTONOMIA E IMAGINÁRIO NA EDUCAÇÃO: O PENSAMENTO DE

CASTORIADIS E A RELAÇÃO COM O TEMA DA CRIAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação nas Ciências da UNIJUÍ, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Orientador: Prof. Dr. Sidinei Pithan da Silva

Ijuí – RS 2017

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ALINE CRISTINA RIFFEL

AUTONOMIA E IMAGINÁRIO NA EDUCAÇÃO: O PENSAMENTO DE

CASTORIADIS E A RELAÇÃO COM O TEMA DA CRIAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação nas Ciências da UNIJUÍ, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a presente Dissertação:

_________________________________________________ Dr. Sidinei Pithan da Silva (UNIJUÍ) (Orientador)

_________________________________________________ Dra Valeska Fortes de Oliveira (UFSM)

_________________________________________________ Dr. Paulo Rudi Schneider (UNIJUÍ)

_________________________________________________ Dr. Paulo Evaldo Fensterseifer (UNIJUÍ)

_________________________________________________ Dr. José Pedro Boufleuer (UNIJUÍ)

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Aos que acreditam na educação, no amor e no exemplo, que dedicam suas vidas a recriar o mundo e transformar sonhos em realidade.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor e orientador Sidinei Pithan da Silva, que me instigou a investigar mais sobre este autor maravilhoso, Cornelius Castoriadis, ampliando os horizontes do aprendizado e tornando esta pesquisa ainda mais relevante para minha vida e para o campo da educação.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da UNIJUÍ, coordenação, professores, funcionários, colegas, sempre dispostos a ajudar, contribuir com o crescimento, trocar experiências e apoiar nos desafios da caminhada.

À minha família, a herança de sangue, que me inunda de amor pela educação, de paixão pelo aprender, e acima de tudo, que esteve sempre presente, acreditando em cada um de meus sonhos. Principalmente aos meus tios, grandes exemplos de amor, dedicação e competência em seus trabalhos.

Ao meu amigo, parceiro e grande amor Cleber, pelo incentivo desde o primeiro momento, apoio incessante e “empurrões” nos momentos de fragilidade.

Ao meu irmão, Luiz Fernando, in memoriam, pela força e luz que me destina a cada dia de minha vida.

Ao meu pai, Alceu, pelo exemplo de perseverança, e por todas as palavras de incentivo e força mencionadas ao longo de toda minha vida.

À minha mãe, Reni, por jamais me deixar abandonar os sonhos e, principalmente, por me ensinar a acreditar que a educação é capaz de transformar vidas, de transformar o mundo.

A Deus, ao Divino Espírito Santo e a Virgem Maria, que me guiam, abrem caminhos e dão forças para superar todos os desafios que a vida me apresenta.

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“O presente transforma sempre o passado em passado presente, isto é, pertinente agora, mesmo que seja ‘reinterpretado’ – o constantemente a partir do que está sendo criado, pensado, estabelecido. É esse passado, contudo, e não qualquer passado, que o presente modela de acordo com seu imaginário. Toda sociedade deve projetar-se num advir que é essencialmente incerteza e probabilidade. Toda sociedade deverá socializar a psique dos seres que a compõem, e a natureza dessa psique impõe tanto aos modos como ao conteúdo dessa socialização pressões tão incertas quanto decisivas”

(CASTORIADIS, 1987-1992, p. 145).

“Nos autores importantes, as concepções nunca são puras, seu exercício em contato com o material que tentam pensar desvenda algo diferente daquilo que eles pensam explicitamente, os resultados são infinitamente mais ricos do que as teses programáticas. Um grande autor, por definição, pensa mais além de seus meios. Ele é grande, na medida em que pensa o que ainda não tinha sido pensado, e seus meios são o resultado do que já tinha sido pensado, que nunca cessou de interferir no que ele pensa, quando mais não fosse, porque não pode anular tudo o que recebeu e colocar-se diante de uma tábula rasa, mesmo quando tem a ilusão de fazê-lo. Prova disso são as contradições sempre presentes num grande autor”

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RESUMO

Esta dissertação propõe investigar e compreender os conceitos de imaginário, autonomia e criação em Cornelius Castoriadis. Este autor que foi um importante pensador político, crítico social, psicanalista e economista, teve suas pesquisas sempre estruturadas na questão da autonomia, trazendo importantes contribuições para a educação. A proposta de reflexão perpassa questões filosóficas, centrais para pensar a educação, não apenas em um sentido amplo, mas relacionado a uma preocupação com a qualificação dos processos educativos e dando destaque às questões referentes ao Imaginário e à Criação Humana presentes nas instituições escolares e tão determinantes na construção do conhecimento e da aprendizagem. Destacando que a autonomia e o imaginário são o aporte principal desta pesquisa, que visa também identificar as relações que se estabelecem entre sujeito, subjetividade, linguagem, reflexividade, instituído e instituinte, aprendizagem e educação. Trata-se de um estudo eminentemente bibliográfico, que utiliza uma abordagem qualitativa, que possibilita traçar um paralelo entre os conceitos e a obra de Cornelius Castoriadis. Está estruturada em três capítulos, sendo o primeiro dedicado a compreender o conceito de sujeito a partir da obra de Cornelius Castoriadis, o segundo visa aprofundar os conceitos de autonomia, imaginário radical instituinte e imaginário instituído, subjetividade e conhecimento, e o terceiro capítulo traz como objetivo compreender o lugar do conceito criação desenvolvido pelo autor, sempre analisando suas interfaces com os processos educativos. A hipótese central é de que toda criação é o exercício da autonomia que possibilita ao imaginário radical transformar as instituições sociais que organizam o humano. A partir do conhecimento histórico, do que fundamenta o imaginário instituído, somos capazes de recriar a sociedade em que vivemos e construir novos aprendizados, sendo desafio da educação proporcionar o desenvolvimento do sujeito aprendente e, consequentemente, de todos os envolvidos no projeto da sociedade. Isso se constrói a partir do estabelecimento de relações que impulsionem o aprender segundo as perspectivas do autor, vistos como aprender a aprender, aprender a descobrir e aprender a inventar.

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ABSTRACT

The thesis tries to investigate and understand the concepts of imaginary, autonomy and creation from Cornelius Castoriadis. This author, who was an important political thinker, social critic, psychoanalyst and economist, had his researches always structured in the autonomy questions, bringing important contributions for education. The reflection propose go through philosophic questions, which are in the center to think about the education. Not just in a wide sense, but it is related with a preoccupation about the quality of the educational processes and highlighting questions about Imaginary and Human Creation that are presented in the schools and are determined in the knowledge and learning building. The autonomy and imaginary are the main significant of this research that looks for identifying the relation establish among subject, subjectivity, language, reflexivity, instituted and instituting, learning and education. The research is a bibliography study with a qualitative approach, that it is possible make a parallel among Cornelius Castoriadis concepts and books. The study is structured in three chapters. The first is dedicated to understand the concept of subject from Cornelius Castoriadis books. In the second chapter, it is realized a movement to further develop the concepts of autonomy, instituting radical imaginary and the instituted imaginary, subjectivity and knowledge. Finally, the third chapter has the objective of comprehending the place of the concept creation develop by the author, always analyzing its relation with the educational processes. The hypothesis is that all creation is an autonomy exercises which possibility the radical imaginary to transform the social institutions that organize the human. From the historical knowledge that bases the instituted imaginary, we are able to recreate the society where we live and built new learnings. In this way, it is an education challenge provides the development of the learning subject and, consequently, of all involved in a society project. This is building from the establish of relations that increase the learning according to the author’s perspectives, understanding like learn to learn, learn to discover and learn to invent.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 SUJEITO, SUBJETIVIDADE E EDUCAÇÃO ... 20

1.1 SUJEITO, SUBJETIVIDADE E EDUCAÇÃO ... 21

1.2 SUJEITO, LINGUAGEM E EDUCAÇÃO ... 29

1.3 SUJEITO, REFLEXIVIDADE E VONTADE ... 32

1.4 O SUJEITO SOCIAL-HISTÓRICO E A EDUCAÇÃO ... 37

2 AUTONOMIA E IMAGINÁRIO NA EDUCAÇÃO ... 41

2.1 AUTONOMIA E EDUCAÇÃO ... 43

2.2 IMAGINÁRIO: IMAGINÁRIO RADICAL (INSTITUINTE) E IMAGINÁRIO INSTITUÍDO ... 49

2.3 SUBJETIVIDADE, AUTONOMIA E IMAGINÁRIO... 56

2.4 EDUCAÇÃO, IMAGINÁRIO E CONHECIMENTO ... 59

3 O LUGAR DA CRIAÇÃO NO PROCESSO DE EDUCAÇÃO ... 66

3.1 CASTORIADIS E O CONCEITO DE CRIAÇÃO ... 69

3.2 HÁ CRIAÇÃO PORQUE HÁ DESTRUIÇÃO ... 76

3.3 AUTONOMIA, IMAGINÁRIO E CRIAÇÃO: ASPECTOS RELACIONADOS À APRENDIZAGEM E À EDUCAÇÃO ... 82

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 99

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INTRODUÇÃO

O intelectual só pode se manter nesse espaço, reconhecendo os limites do que sua suposta objetividade e universalidade lhe permitem. Deve reconhecer, e não com desdém, que o que ele tenta fazer entender é ainda uma doxa, uma opinião, não uma

epistémé, uma ciência. Cumpre sobretudo reconhecer que a história é o domínio

onde se desenvolve a criatividade de todos, homens e mulheres, eruditos e analfabetos, de uma humanidade na qual ele mesmo é apenas um átomo (CASTORIADIS, 2006, p. 119).

A pesquisa propõe investigar e compreender os conceitos de imaginário, autonomia e criação em Cornelius Castoriadis desdobrando seus significados para a educação. Ela perpassa questões filosóficas e políticas, as quais são centrais para pensar a educação. A reflexão perpassa o campo da Psicologia e da Pedagogia, caracterizando a importância deste autor e dos conceitos abordados para a educação. Não apenas em um sentido amplo de educação, mas relacionado a uma preocupação com a qualificação dos processos educativos e dando destaque às questões referentes ao Imaginário e à Criação Humana presentes na sala de aula e tão determinantes na construção do conhecimento e da aprendizagem.

Ao iniciar as reflexões que norteiam a pesquisa me deparo com a fragilidade de uma possibilidade de interpretação do autor. Uma compreensão que é ao mesmo tempo densa e carregada de significados, ao passo que se torna superficial e nada além de uma interpretação dentro de meus limites individuais. Para toda e qualquer possibilidade de compreensão existe um passado intrínseco e muitas vezes imperceptível, que nada mais organiza que a criação do futuro. Sem considerar o passado como fundamento há de se ter um futuro totalmente desnorteante e desestruturado. Compreendemos aquilo que faz sentido culturalmente a cada um de nós, a partir de uma “afinidade” com o passado e mesmo parcialmente desaparecido permanece “em efeito”.

O estudo de uma obra não nos permite conhecer o todo de um autor. É nada mais que uma incansável investigação, reflexão e compreensão, permanece refém das limitações de seu intérprete, a partir de seu contexto social e histórico. O texto sempre abrirá possibilidade de novas interpretações, levantando questões já abordadas e/ou inéditas, mas igualmente merecedoras de novas reflexões e construções de saber.

Cornelius Castoriadis (1922-1997) nasceu em 11 de março de 1922, em Constantinopla, mas mudou-se ainda bebê para Atenas. Filósofo, pensador político, crítico social, psicanalista e economista exerceu importantes papéis em Paris, e em suas críticas afirmava que todo cidadão é capaz de se autogovernar e/ou autogerenciar, não necessitando

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de governantes, autoridades políticas ou religiosas que façam isso por ele. Sem dúvida este é o aspecto mais discutido em todas as suas produções: a questão da autonomia. Participou ativamente em grupos de resistência à ditadura e ao stalinismo, criando, juntamente com Claude Lefort o grupo Socialismo ou Barbárie1, que além de um grupo organizado de resistência, originou a revista com o mesmo nome. Castoriadis escreveu muitas vezes com o pseudônimo Pierre Chaulieu, principalmente quando se posicionava em relação à política para proteger-se da opressão stalinista. Desenvolveu o conceito de política e defendeu a tendência da ação autônoma como transformadora da sociedade, defendendo o socialismo. Mesmo tendo diferentes características em sua escrita, permanece inevitavelmente discutindo as questões da autonomia em todas elas e afirma sempre as questões da criação imaginária do social.

Herdeiro de vários autores e eminentemente crítico a todos ao mesmo tempo, afirmava que só há liberdade onde possa haver sujeito. Por este motivo contribui com uma concepção muito original, a da história como uma criação do imaginário social. Em seus escritos reforça a concepção de autogestão, plano de autonomia, como algo que existe desde a antiguidade grega e que movimenta a evolução do homem. Sem destacar um autor específico como referência de suas pesquisas, constantemente reforça a impossibilidade de construção de algo novo do nada. Afirma que tudo é um processo de transformação e aperfeiçoamento de algo que já existiu anteriormente e até mesmo as interpretações filosóficas constituem-se neste viés.

Se olharmos hoje a história da filosofia – e aí a questão de sua historicidade reaparece sob outra forma – nela encontramos os dois: as rupturas, as descontinuidades, pois cada novo filósofo cria formas de pensamento ou formas do pensável, e ao mesmo tempo, desde pelo menos o segundo filósofo, digamos Anaxímenes, não se pode fingir que se pensa e se age como se não houvesse existido ninguém antes. Somos obrigados a levar sempre em conta a história da filosofia. Isso dá a esta última uma espécie de continuidade sui generis, e levanta a questão: como podemos descrever essa continuidade particular, que nada tem a ver com um processo cumulativo nem mesmo com um processo de aprendizagem, mas que é um processo criativo, histórico no sentido forte do termo? Novas formas de pensamento e novos modos do pensável são criados sob a imposição explícita de uma história (CASTORIADIS, 2007, p. 61).

1Socialismo ou Barbárie é um projeto político, que se originou na França, “ativo enquanto grupo autônomo entre

1949 e 1967 cujo início remonta, entretanto, a participação nas fileiras do trotskismo francês desde 1946” (BIANCHI, 2014, p. 1). “Seus dois criadores, Cornelius Castoriadis e Claude Lefort, decidem em 1948 romper com o PCI (Partido Comunista Internacionalista) e tornar a tendência Socialismo ou Barbárie um grupo autônomo. Até 1967, o grupo publicará quarenta volumes da chamada Revue Socialisme ou Barbárie – Organe de Critique et d'Orientation Révolutionnaire e se consolidará como uma importante voz no campo intelectual de esquerda francês” (BIANCHI, 2014, p. 9). As publicações na revista originaram duas das grandes obras de Castoriadis, a primeira parte do livro Instituição Imaginária da Sociedade, intitulada “Marxismo e Teoria Revolucionária” e o livro que carrega o mesmo nome do grupo e da revista, Socialismo ou Barbárie.

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O reconhecimento desta historicidade reforça a relevância da metodologia escolhida para elaboração desta pesquisa. Um estudo eminentemente bibliográfico que possibilite traçar um paralelo entre os conceitos de autonomia, imaginário e criação do humano na obra de Cornelius Castoriadis. A proposta de trabalho utiliza uma abordagem qualitativa, através, basicamente da pesquisa bibliográfica e documental. Gil (2002, p. 44-45) compreende que “A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Mesmo que todo e qualquer trabalho tenha necessariamente que estar sustentado e embasado em referenciais bibliográficos, a pesquisa especificamente bibliográfica tem caráter diferenciado por “permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”.

A pesquisa consiste na análise, na interpretação e na sistematização de algumas obras de Castoriadis e outros autores que convergem com suas percepções acerca dos conceitos de autonomia, imaginário e conhecimento, e a correlação destes com a temática da criação, recriação do social, do eu (sujeito) e do próprio processo de ensino e aprendizagem. Para além das reflexões a pesquisa visa perceber as contribuições desta teoria para a educação, a qual está desafiada a contribuir com a constituição dos sujeitos, promover o aprendizado na relação estabelecida entre educandos, educadores, o objeto do conhecimento e o imaginário, e possibilitar que o exercício desse imaginário criador torne as aprendizagens significativas e transformadoras da realidade social.

Um fazer pensar sobre o papel das instituições nessa perspectiva de que, sendo capaz de exercer sua autonomia, o aluno será capaz de recriar a realidade em que vive, transformando-a em um espaço de interação e grandes possibilidades de desenvolvimento, exercendo como protagonista de sua própria vida o efetivo trabalho desempenhado pelo imaginário radical, a saber, a reflexão sobre si mesmo e sobre o mundo que o cerca, questionando e transformando o social ao passo que transforma a si mesmo. Talvez algumas das principais questões que justificam a pesquisa estejam às voltas com a problemática do sujeito, das instituições formativas, da autonomia, do imaginário e da reflexividade na constituição da democracia: Quem é o sujeito da educação e qual o seu vínculo com o aprender e com o conhecimento? De que forma as instituições responsáveis pela educação de um sujeito possibilitam desenvolvimento da autonomia desse sujeito? Quais os estímulos provocados pelo processo de reflexão em sociedades democráticas, a saber, autônomas? Quais as relações existentes entre o imaginário instituído, o imaginário radical instituinte e a aprendizagem? Somos capazes de criar nossas próprias formas de construção e internalização

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de conhecimentos? Como o conceito de criação se coloca no processo de aprendizagem e qual o papel da educação no estímulo para que a criação e a recriação efetivamente aconteçam? Estas e outras perguntas de pesquisa podem ser pensadas a partir da investigação da obra e dos escritos de Castoriadis.

São inúmeras as questões sobre como esses processos se estabelecem e ao identificar que as publicações de Castoriadis são riquíssimas e possibilitam diferentes abrangências em termos de reflexão e pesquisa sobre o assunto, é que este estudo foi escolhido. As leituras possibilitam perceber que este autor vem sendo cada vez mais reconhecido no meio acadêmico, sendo objeto de estudo em diversas pesquisas, alguns atrelados à educação e, principalmente, vinculados às ciências humanas. Algumas das pesquisas encontradas contemplam análise e interpretação de obras específicas, teses e dissertações em áreas como direito e administração, artigos de periódicos e revistas refletindo sobre aspectos políticos e sociais, nenhum localizado na instituição de origem desta pesquisa. Dentre as obras utilizadas para reforçar os aspectos debatidos torna-se relevante destacar algumas atuais como Córdova (2004), Ferreira (2012), Silva e Fensterseifer (2006), Marques (2014), Valle (2000), Oliveira (2013), entre outras pesquisas realizadas em instituições relevantes do Brasil.

Córdova (2004) escreve em “A instituição, educação e autonomia”, na obra de Cornelius Castoriadis, um bom apanhado da obra do autor, estruturada em capítulos bem definidos, iniciando com as questões do imaginário, da instituição imaginária da sociedade e da imaginação, relacionando todas as questões à autonomia. Em seguida perpassa questões pertinentes à educação, política e trabalho, procurando destinar atenção às reflexões ontológicas e epistemológicas. Uma das conclusões de Córdova (2004, p. 128), da qual corrobora a presente pesquisa, é que “O pensamento de Castoriadis nos obriga a repensar as práticas e as teorias. [...] Viver é criar, é reinventar sempre, inclusive o pensamento. Esse é o autêntico processo educativo”.

Ferreira (2012), em sua tese sobre “Filosofia, democracia e autonomia: o pensamento de Cornelius Castoriadis” constrói um apanhado extremamente significativo dos termos aprofundados por Castoriadis. Em uma perspectiva filosófica de reflexão sobre as possíveis contribuições destas ideias no campo da formação humana, o autor traça os limites da escola na formação das subjetividades, fazendo um percurso semelhante ao proposto pela presente pesquisa, destinando mais atenção às questões fundamentais da autonomia e da heteronomia, perpassando o imaginário e o social-histórico, destinando grande atenção aos aspectos históricos da sociedade. Nas palavras do próprio Ferreira (2012), a tese faz o exercício de mostrar a relação entre a autonomia e a formação do pensamento, da criticidade e da criação

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das instituições. Isto se assemelha à hipótese traçada para esta pesquisa acerca da relação entre autonomia, imaginário e criação.

Ferreira (2012, p. 21) pensa o sentido da imaginação radical, da criação, da autonomia e da formação humana na obra de Cornelius Castoriadis, cujos temas e disciplinas passam pela psicanálise, ciências exatas e biológicas, sociologia, história, economia, etc. Contextualiza que foram os gregos os primeiros a fazerem a descoberta de que a humanidade foi criada a partir da indeterminação do ser, que esteve sempre presente na vida social. Para retomá-la, ele utiliza Castoriadis para pensar a relação entre instituinte e instituído em outra perspectiva, em que “a criação deixa de ser apreendida como algo que dá forma ao que já existe (como o faz o Deus do Gênesis ou o Timeu de Platão), para ser pensada como criação de novas formas, novas eide” (FERREIRA, 2012, p. 21). O termo autonomia a partir da noção de imaginação radical descrita por Castoriadis, Ferreira (2012, p. 31) conceitua da seguinte forma:

O conceito de imaginação radical é a base do rico percurso intelectual de interrogação sobre as razões que levam o homem a criar a sociedade, e criar, a cada vez, de uma forma distinta da outra. Nisso tudo está a socialização do indivíduo e a possibilidade de realizá-la por via do seu comprometimento com uma autonomia que é, ao mesmo tempo, individual e coletiva. O que aprendemos com a obra de Castoriadis é que não é possível pensar uma sem a outra.

Oliveira (1993, p. 138) também nos trás importantes reflexões, ao que tange os aspectos do imaginário afirmando que “Através dos estudos sobre o imaginário social estaríamos colocando a escola no espaço institucional que tenta recuperar uma das ‘marcas’ do seu trabalho, que é produzir bens de sentido”, ela ainda será referenciada e citada por relacionar o imaginário e a educação em um exercício complexo de demonstrar os impactos da reflexividade no processo educativo e na sociedade como um todo. Em suas pesquisas com Silva, em Silva e Oliveira (2016), também é possível perceber essa preocupação e a íntima relação entre o que está instituído no imaginário social, pelo “conjunto de crenças, mitos, sonhos, valores, aspirações que cada grupo carrega nas relações que estabelece, nos diferentes lugares e espaços que ocupa caracteriza esse universo imaginário” (OLIVEIRA, 1993, p. 138), e como se vincula à educação, ao considerar que a educação se estrutura por este universo simbólico que é instituído socialmente através do imaginário.

Para Silva e Fensterseifer (2006), a partir de suas considerações acerca dos estudos de Castoriadis (1992, p. 161), compreendem que “o objeto primeiro de uma política da autonomia, a saber democrática: é ajudar a coletividade a criar instituições cuja interiorização

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pelos indivíduos não limita, mas amplia a sua capacidade de se tornarem autônomos”. Os mesmos afirmam que para Castoriadis, assim como para Kant, mesmo que este tenha sido muitas vezes questionado por Castoriadis, que “não há liberdade ou autonomia sem regras”, esse conjunto de regras é estabelecido pelos valores, normas e instituições que organizam determinado contexto social. É relevante podermos perceber que a democracia só é efetivamente viável e sustentável quando os indivíduos que compõem a sociedade democrática se desenvolvem de maneira autônoma e são capazes de exercer essa autonomia, ao passo que a recíproca se constrói da mesma maneira, indivíduos autônomos só se estabelecem desta maneira em sociedades democráticas.

Para complementar os aspectos que tangem as questões da educação, os estudos também farão relação com as pesquisas de Valle (1997 a 2008), que muito aprofunda Castoriadis e provoca reflexões sobre a relação entre a educação e a autonomia, o imaginário2, e a proximidade existente entre a filosofia, a educação e a psicanálise, e estrutura seus estudos a partir das contribuições de Castoriadis, Hannah Arendt e Aristóteles. Sua preocupação com a relação entre esses temas fica clara nas palavras da própria autora.

[...] se há autonomia humana é exatamente porque é impossível reduzir a política e a educação ao conjunto de “explicações” que sobre elas fornecemos, mesmo a priori. A autonomia implica, assim, que um grau de imponderabilidade essencial e ineliminável caracteriza a cada vez a política, a educação e a psicanálise, de tal modo que tentar extirpá-lo é, de imediato, descaracterizar essa atividade e cair na pura mistificação. Por isso mesmo, antes de se definirem como objetos de um saber

que se pretende especializado, política, educação e psicanálise são atividades que

envolvem o poder instituinte da ação humana: poder que pode ser exercido de forma refletida e deliberada, ou não (VALLE, 2008, p. 508).

À luz deste contexto reflexivo podemos e devemos pensar a educação para a democracia ou a educação que efetivamente possibilite a autonomia do sujeito. Não há educação sem conteúdos, sem matéria e saberes a serem ensinados. De igual maneira, não há educação sem um sujeito que a deseje, sem um projeto que possibilite a autoeducação ou que possibilite a capacidade do sujeito “aprender a aprender”, a “gostar de aprender”, ou mesmo, a “inventar” desejos e conceitos que o possibilitem continuar aprendendo, isso a partir de

2“A partir da visão de Castoriadis é que nos parece ser possível, portanto, estudar o imaginário de uma

sociedade. Levando em conta que: 1. ele é situado e datado; 2. ele não se deixa absorver inteiramente por ‘causalidades’ históricas, metafísicas, racionalistas (funcionalistas ou materialistas); 3. ele representa, primeiramente, uma força instituidora e, como tal, unificadora da sociedade; somente a partir dessa preliminar é que pode falar em ‘imaginários’ derivados; 4. ele é dinâmico, e essencialmente aberto para a produção do novo: quando assim não o é, tal situação de fato caracteriza uma condição de fechamento da própria sociedade” (VALLE, 1997, p. 53-54).

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referenciais bem estabelecidos e estruturados, como pensado e idealizado por Castoriadis para o projeto da educação.

A partir do estudo de Rotolo (2011, p. 22), sobre Castoriadis, é possível compreender que a práxis e a autonomia caminham juntas e estão diretamente relacionadas à psique humana, ela compreende através de uma importante reflexão a “história como criação, valorização do imaginário como produto da realidade, no desenvolvimento de uma teoria capaz de agir reflexivamente e de, através disso, rumar à autonomia”. Seus estudos estão fundamentados no iluminismo com vistas à “autorreflexão”, à “liberdade”, associando o “político” à autonomia do sujeito. Dá continuidade aos termos e conceitos explorados por Castoriadis (1976), “imaginação, imaginário radical, instituição, criação, mundo social-histórico, autonomia/heteronomia, magmas”. Ela faz um importante paralelo entre a criação e a autonomia, afirmando que constituímos nossos valores na cultura e com quem nos relacionamos. O estudo de Rotolo (2011, p. 162) finaliza seu pensamento ao apresentar que “a lógica essencial que constitui o cerne do devir histórico, é o processo constante de criação. Esta criação, por sua vez, visa à autonomia”, mas não relaciona o exposto aos espaços, às instituições, voltadas para formação dos sujeitos, não os relaciona diretamente à questão da educação.

A dissertação está estruturada em três capítulos, sendo o primeiro dedicado a explicitar o conceito de sujeito a partir da obra de Cornelius Castoriadis. As principais referências, os estudos sobre psicanálise e filosofia, em especial o aprofundamento teórico das obras do autor. Ao longo do texto discute-se uma visão contemporânea sobre o conceito de sujeito psicanalítico e como este conceito, sustentado nas questões da subjetividade, da linguagem e do social, ajuda a pensar e a entender a aprendizagem e a formação humana. Castoriadis agrega a questão do sujeito como constituído pelo social aos conceitos já reconhecidos pela psicanálise, sendo este sujeito também responsável pela constituição deste social. Uma vida de dois lados, sem possibilidade de isolamento de uma ou de outra, o sujeito é modificado por suas relações sociais e também interfere nessas relações, transformando-as, não se constitui sem o social e o social não existe sem o sujeito. A história, as relações, as percepções, a vontade, as pulsões, o psíquico, o indivíduo e a sociedade são, ao mesmo tempo, instâncias individuais e parte da totalidade do sujeito.

O objetivo do primeiro capítulo desta pesquisa é compreender o conceito de sujeito em Cornelius Castoriadis, analisando suas interfaces com os processos educativos. Ao considerarmos que é o sujeito aprendente que justifica a necessidade de uma instituição pensada para realizar sua formação, ampliar essa necessidade de desenvolver seus

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conhecimentos e relações, não há instituição sem o desejo desse sujeito aprendente. As características do sujeito, seu imaginário, a realidade social, a história de vida e a história da comunidade que o cerca são fundamentais na estruturação das instituições responsáveis pelo processo educativo, o “fazer educação” perpassa a reflexão e a valorização de todos esses aspectos. Essas reflexões levantam a importância dos conceitos abordados por Castoriadis, principalmente a questão da autonomia, do imaginário e das estruturas sociais e históricas que organizam o mundo em que vivemos.

A autonomia de Castoriadis (2006, p. 140) definida como “o agir reflexivo de uma razão, que se cria num movimento sem fim, como ao mesmo tempo individual e social”, e o imaginário, deste autor, citado por Córdova (2004, p. 26), como “a faculdade originária de pôr ou dar-se, sob a forma de representação, uma coisa e uma relação que não são (que não são dadas na percepção ou nunca foram)” (1975, p. 154), são conceitos fundamentais na teoria de Castoriadis. Ao elencarmos esse autor como principal teórico desta pesquisa, por desenvolver o tema da criação e suas relações com o processo de ensino e aprendizagem, faz-se mister reforçar o objetivo do segundo capítulo, aprofundar os conceitos de autonomia, imaginário radical instituinte e imaginário instituído, subjetividade e conhecimento, no exercício de traçar um paralelo entre estes e as questões pertinentes à educação. A autonomia e o imaginário são o aporte principal desta parte da pesquisa, que visa também identificar as relações que se estabelecem entre sujeito, subjetividade, linguagem, reflexividade, instituído e instituinte, aprendizagem e educação.

Com esta perspectiva reflexiva, Castoriadis vai afirmar que as instituições que nos tornam seres humanos e sociais são construídas pelo imaginário social. Um imaginário que é ao mesmo tempo instituinte e instituído, havendo aspectos que nos são dados pela história e outros que são construídos de forma particular, próprias de cada indivíduo. É possível perceber o papel relevante da instituição “escola” neste processo. Na medida em que a educação exerce o papel de desenvolvimento da autonomia do sujeito e possibilita o exercício livre do imaginário, para que este possa desempenhar o seu papel de recriar o social, ela se estabelece de forma a provocar a investigação, a reflexão e a aprendizagem a partir das próprias construções representativas. Quando o próprio sujeito constrói sua forma de abarcar o conhecimento que já existe na sociedade, ele o faz de maneira enriquecedora e passa a contribuir para a ampliação desse conhecimento no imaginário social instituído.

Para o terceiro capítulo, o objetivo é compreender o lugar do conceito criação desenvolvido pelo autor e como podemos percebê-lo nos processos de aprendizagem desenvolvidos na educação. Esse apanhado conceitual de como Castoriadis estrutura sua

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teoria sobre a criação humana, o destaque dado a esta característica e a reflexão sobre a criação como um atributo do indivíduo ou das oportunidades que o processo pedagógico instaura são algumas das perspectivas de escrita. É possível perceber a importância da tradição, do compromisso com o passado, nesse processo de abertura ao novo. Castoriadis reconhece as contribuições da política e da autonomia para a instituição educação, demonstrando em seus questionamentos e reflexões que esse processo de participação na construção do imaginário social se dá à medida que o sujeito é instigado a exercer sua autonomia.

O terceiro capítulo investiga o lugar desse processo de criação individual e subjetiva do conhecimento, a partir das interpretações e construções individuais, e como se constitui a criação nos processos de aprendizagem desenvolvidos na educação. Para além dessas questões faz-se necessário compreender a grandiosidade das reflexões de Castoriadis acerca das temáticas abordadas na pesquisa. A importância das reflexões do autor na formação do humano, de como nos constituímos enquanto seres sociais graças ao exercício da autonomia, do imaginário e da criação e da recriação desse mundo que é social e histórico.

O grande desafio da educação é proporcionar o desenvolvimento do sujeito aprendente e, consequentemente, de todos os envolvidos no projeto da sociedade. Isso se constrói a partir do estabelecimento de relações que impulsionem o aprender, segundo as perspectivas do autor, vistos como aprender a aprender, aprender a descobrir e aprender a inventar. Nesta perspectiva como podemos refletir sobre a importância da criação no espaço educativo? É a partir do potencial criador que aprendemos e evoluímos enquanto seres sociais, mas que aspectos estão relacionados ao exercício da criação? Ou será apenas recriação o que se estabelece na aprendizagem? Como o reconhecimento do imaginário pode ajudar a entender a questão da aprendizagem? Em que nível as relações que se estabelecem entre educando, educadores e o conhecimento impulsionam o exercício do imaginário e o poder de criação de suas próprias representações do conhecimento?

Ainda refletindo sobre o quanto essas questões são muito maiores que um tempo histórico específico, é significativo que tenhamos consciência de que Castoriadis foi um pensador, filósofo, com ideias inovadoras. Suas afirmações são colocadas e percebidas como a efetivação de sua teoria, reinterpretações, criações radicais, a partir de conceitos e saberes já explorados por outros autores, mas que são capazes de mudar a forma como pensamos o mundo. Castoriadis vem de uma tradição marxista e socialista, mas rompe com isso de forma radical: critica o marxismo porque impossibilita a autonomia. Ao assumir a radicalidade da

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noção de autonomia, Castoriadis condena o socialismo que existiu no leste Europeu ao longo do século XX e inaugura um ideal de sociedades autônomas e democráticas.

A hipótese central é de que toda criação é o exercício da autonomia que possibilita ao imaginário radical transformar as instituições sociais que organizam o humano. A partir do conhecimento histórico, do que fundamenta o imaginário instituído, somos capazes de recriar a sociedade em que vivemos e construir novos aprendizados, sendo desafio da educação proporcionar, incentivar e estimular que os sujeitos sejam efetivamente autônomos e que a própria sociedade seja capaz de possibilitar essa autonomia. Ao abordar os conceitos estudados e a relação destes com o poder de criar e de recriar o mundo em que vivemos, o próprio sujeito e a influência da educação neste processo, a pesquisa torna-se diferenciada e relevante. Reforçando a educação como uma instância social, construída no social e para o social. É a própria sociedade quem cria o imaginário sobre ela mesma, quem cria e valida suas significações. O que reconhecemos e chamamos de educação é sempre uma criação social e histórica. É o projeto que a própria sociedade fabrica para produzir-se a si mesmo.

Nesta perspectiva podemos refletir sobre a real possibilidade de exercício desta autonomia que é, em última instância, criadora do imaginário e que é criada pelo imaginário, estruturando a sociedade que também a estrutura? Que educação é capaz de produzir esse sujeito autônomo, capaz de radicalizar sobre os conhecimentos que lhe são apresentados pelo social? Como pensar essa possibilidade contínua de criação da sociedade e dos próprios conhecimentos? E a partir dessas primeiras indagações podemos pensar as questões que norteiam a pesquisa e que esta almeja responder. Como Castoriadis compreende o lugar da criação e do imaginário na constituição do mundo humano? Estes são fenômenos sociais, históricos e subjetivos? Que relações há entre o conceito de subjetividade, de imaginário e de autonomia na obra de Castoriadis? Que desdobramentos são possíveis para pensar o universo da educação e da formação humana a partir dos conceitos de autonomia, imaginário e criação? Visando sustentar essas reflexões é que a escolha desse autor se faz relevante, justamente por possibilitar o cumprimento do exercício efetivo do imaginário instituinte e radical. Nada surge do nada, tudo é processo de transformação, releitura, invenção a partir de algo que instiga, indaga, interroga, de um imaginário radical em pleno exercício questionador e reformulador do pensamento. A pretensão não é validar a leitura sobre o autor como uma verdade absoluta e sim como um fragmento de pensamento, limitado e aberto às novas interpretações e questionamentos.

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1 SUJEITO, SUBJETIVIDADE E EDUCAÇÃO

Ao iniciarmos as reflexões sobre o conceito de Sujeito de Cornelius Castoriadis, deparamo-nos com as questões da subjetividade. Castoriadis apropria-se da psicanálise freudiana para estruturar os aspectos da subjetividade que nortearão sua teoria sobre as questões do imaginário. Para Castoriadis (1999b, p. 35), a subjetividade possui três aspectos fundamentais: a linguagem, a reflexividade e a vontade (capacidade deliberada), ou seja, Castoriadis chama de “subjetividade a capacidade de receber o sentido, de fazer algo com ele e de produzir sentido, dar sentido, fazer com que cada vez seja um sentido novo”. E é a partir deste entendimento inicial, desses conceitos abarcados por ele, que tentaremos esclarecer quem é o “sujeito” de Castoriadis.

Num primeiro sentido, o “sujeito” apresenta-se como essa estranha totalidade, que não é uma e é uma ao mesmo tempo, composição paradoxal de um corpo biológico, de um ser social (indivíduo socialmente definido), de uma “pessoa” mais ou menos consciente, enfim, de uma psique inconsciente (de uma realidade psíquica e de um aparelho psíquico), tudo extremamente heterogêneo e, porém, definitivamente indissociável. Tal se apresenta a nós o fenômeno humano. Diante dessa nebulosa devemos pensar a questão do sujeito (CASTORIADIS, 2006, p. 205).

Respeitando as heranças da filosofia e da psicanálise Castoriadis agrega muitos significados ao sujeito, mas o que o diferencia de outros psicanalistas é sua afirmativa de que este sujeito só o é pelo caráter social e histórico. Individual e social não se dissociam, se complementam, se relacionam de forma interdependente.

Não há como afirmar definitivamente o conceito de sujeito, mas pensar de forma interligada no emaranhado de relações que existem entre o corpo biológico, o consciente e o inconsciente e, principalmente, em todas as interferências e as influências, que o social, opera sobre o individual. Apresentando uma das formas de pensarmos o sujeito, como esse emaranhado de relações. Castoriadis afirma, inúmeras vezes, que o sujeito é uma totalidade. A realidade da totalidade, da lógica “conjuntista-identitária”3 é o aspecto mais relevante da teoria de Castoriadis sobre o sujeito. Este não opera, sob hipótese alguma, desligado de nenhuma das instâncias4 que o constituem. Mas ao mesmo tempo modifica constantemente estas instâncias para estabelecer novas relações e reformular sua totalidade, como sujeito.

3“Uma totalidade não muito bem ordenada, que não podemos decompor em conjuntos, submetida a uma lógica

conjuntista-identitária (conjuntitária). A realidade do ‘sujeito humano’ é uma realidade magmática” (CASTORIADIS, 1999b, p. 36).

4“Instâncias psíquicas, tais como Freud as descreve – com toda razão, a meu ver –, são microssujeitos ou

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1.1 SUJEITO, SUBJETIVIDADE E EDUCAÇÃO

Para os gregos a subjetividade já era vista como esta totalidade. Todos os deuses gregos fazem parte desse processo, não existe uma entidade que pudesse se afastar dessa totalidade. Na Bíblia o Pai é essa totalidade que tudo sabe. A inteligência é o Deus todo poderoso dessa totalidade. Santo Agostinho ao afirmar que o mestre é o nosso mestre interior, coloca esta totalidade dentro de nós. Aí está o resgate de algo que está nas raízes da filosofia, a máxima socrática, abordada por Chauí (2015, p. 11), “Nosce te ipsum. O que significa? ‘Conhece-te a si mesmo’”.

Outros autores como Garcia-Roza ao realizar reflexões sobre os conceitos apresentados por Freud acerca da subjetividade, afirma como ponto fundamental da obra freudiana, que no campo da representação há “de um lado o inconsciente e do outro o pré-consciente/consciente” (1991, p. 197), e continua destacando que o sujeito do consciente não é o mesmo do sujeito do inconsciente. Castoriadis (2007, p. 123) abarca estes conceitos freudianos à sua teoria, contestando em parte a exclusividade destes na constituição do sujeito, e incluindo a questão do social-histórico e da reflexividade, como aspectos fundamentais nesta constituição, “o consciente freudiano é caracterizado inicialmente por este raciocínio ou cálculo. O que não nos satisfaz inteiramente, pois queremos fazer penetrar na ideia de subjetividade humana a ideia da reflexão ou de reflexividade”.

Os psicanalistas freudianos corroboram com o conceito de sujeito como este ser repleto de subjetividade. Esta subjetividade é eminentemente individual, mas abarca um universo de aspectos que vão muito além do corpo e da mente de um indivíduo. É carregada de simbologias, valores e princípios herdados do social e que possibilitam a continuidade do humano. No Dicionário de Psicanálise de Elisabeth Roudinesco e Michel Plon (1998) encontramos a definição do termo sujeito5. Ao tomar Castoriadis como psicanalista e esta

desprazer das outras partes do sujeito, ele ‘quer’ a observância de certas regras, ‘ele persegue’ finalidades que lhes são próprias, e isto é válido para todas as instâncias psíquicas. Cada uma delas tende a persistir no ser, e cada uma possui (constitui, cria) seu mundo, seus objetos, suas finalidades e suas avaliações” (CASTORIADIS, 1999b, p. 36).

5“Em filosofia desde René Descartes (1596-1650) e Immanuel Kant (1724-1804) até Edmund Husserl

(1859-1938), o sujeito é definido como o próprio homem enquanto fundamento de seus próprios pensamentos e atos. É pois, a essência da subjetividade humana, no que ela tem de universal e singular. Nessa acepção, própria da filosofia ocidental, o sujeito é definido como sujeito do conhecimento, do direito ou da consciência, ou seja, essa consciência empírica, transcendental ou fenomênica. Em psicanálise, Sigmund Freud empregou o termo, mas somente Jacques Lacan, entre 1950 e 1965, conceituou a noção lógica e filosófica do sujeito no âmbito de sua teoria do significante, transformando o sujeito da consciência num sujeito do inconsciente, da ciência e do desejo. Foi em 1960, em ‘Subversão do sujeito e dialética do desejo do inconsciente freudiano’, que Lacan, apoiando-se na teoria saussuriana do signo linguístico, enunciou sua concepção da relação do sujeito com o

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definição como a reconhecida por esta corrente psicológica, podemos perceber a semelhança entre a definição do termo para ambos. “É empregado para designar ora um indivíduo, como alguém que é simultaneamente observador dos outros e observado por eles, ora uma instância com a qual é relacionado um predicado ou um atributo” (ROUDINESCO, 1998, p. 742).

O sujeito não diz, mas é dito por alguém, existe, pois como parte do mundo de um outro (certamente, por sua vez, travestido). O sujeito é denominado por um imaginário vivido como mais real que o real, ainda que não sabido como tal, precisamente porque não sabido como tal (CASTORIADIS, 1995, p. 124).

A psicanálise freudiana expõe o surgimento do sujeito a partir da linguagem, seu movimento a partir da pulsão e afirma que a subjetividade abarca os espaços do inconsciente e do pré-consciente/consciente. Compreendê-los ou pensar em todas as possibilidades humanas de compreensão, só existe a partir do estabelecimento de uma linguagem, que é ao mesmo tempo, anterior a nós, constituindo-se ao longo da história, e atual, construindo nossas possibilidades de comunicação e de entendimento. Torna-se ao mesmo tempo constituinte e constituída pelo sujeito. Ao elencar a crítica de Castoriadis à psicanálise freudiana, ele reforça inúmeras vezes em suas obras a dificuldade de Freud em estabelecer o devido valor e importância ao social.

O consciente freudiano: pode se fazer dele o sujeito, ou o ponto de partida para o sujeito que nos interessa? Em parte, sem dúvida – o consciente diz “Eu”. Mas não totalmente. Quando se vê como funciona o consciente em Freud – nas partes fortes, carnudas, da teoria – constata-se que ele está ali essencialmente para operar as adaptações à realidade e para segurar as rédeas dos cavalos psíquicos que puxam em direções opostas (CASTORIADIS, 2007, p. 123).

O que para Freud é a sustentação de sua teoria, as questões do inconsciente e do consciente, Castoriadis vai pensar como aspectos particulares que, mesmo sendo individuais só existem em uma totalidade. Neste particular, o sujeito e a subjetividade, são formados, por várias partes de um todo e constituem um todo repleto de algumas partes que podem ser pensadas individualmente. As partes seriam o que Castoriadis chamou de “para si”, e, em sua obra mais densa dedicada a estas questões formulou em quatro partes e em outros artigos subdividiu em seis partes.

significante: ‘Um significante é aquilo que, representa o sujeito para outro significante’. Esse sujeito, segundo Lacan, está submetido ao processo freudiano de clivagem (do eu)” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 742).

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Em um primeiro momento pensemos o “para si” explicado a partir das quatro partes, ou “regiões”, elaboradas por Castoriadis em “As encruzilhadas do labirinto III: o mundo fragmentado”, independentes, mas interdependentes, todas existem, mas nenhuma se mantém sem a outra, numa completa relação de reciprocidade. As quatro “regiões” do “para si” seriam o vivente, o psíquico, o indivíduo social e a sociedade. Para Castoriadis (2006, p. 214), “Cada entidade singular participa de entidades de outros níveis; está integrada nelas – ou ela própria é formada pela integração de tais entidades”, isso valeria tanto ao pensarmos cada uma das instâncias dentro de si e em relação à mesma instância no social, quanto para a totalidade do sujeito em relação a “si próprio” e aos outros “si próprio” aos quais convive. Independente da qualidade da relação. Seja ela positiva ou negativa.

É em função do acesso a essa subjetividade que o ser humano pode se pôr em causa, considerar-se como origem, por certo parcial, de sua história passada, e desejar também uma história por vir e querer ser seu coautor, isto é, não ver nela a realização da vontade divina, o cumprimento das leis da história ou do destino da raça etc., mas a obra determinada pela atividade dos seres humanos, atividade na qual participa e que pode tentar, se o desejar, influenciar (CASTORIADIS, 2007, p. 231).

O vivente, como parte estruturante do “para si”, da subjetividade de Castoriadis, caracteriza-se como sendo propriamente dito o interior, o mundo próprio do sujeito, um pensamento completamente individual. O arquétipo do particular, uma “bola fechada”. Inevitavelmente o vivente “cria” seu próprio universo particular, como afirma o próprio Castoriadis (2006, p. 212), “Cada para si vivente constrói, ou melhor, cria o seu mundo [...] Evidentemente, a construção/criação desse mundo apoia-se a cada vez, escora-se, para retomar um termo de Freud, lehnet sich an..., em certo ser-assim do que é”. Segundo o autor, o vivente é a parte do sujeito tão particular que independente do que for feito ao vivente, este só reagirá a seu modo particular. Em sua publicação mais recente sobre o tema Castoriadis (1999b, p. 37) traz o “vivente” como “o ser vivo como tal”.

Pensar o vivente em termos psicanalíticos coloca o sujeito no lugar de quem irá determinar o seu “ponto de vista”, mesmo corroborando com outros “pontos de vista” de outros viventes em particular. Na educação, o conceito de vivente, encontra-se associado à necessidade de entendimento do “mundo” particular de cada sujeito que participa do processo educativo. Tanto professores quanto alunos são um “vivente”, são um “para si”, único e repleto de significados individuais, que percebem o mundo coletivo a partir de sua construção de mundo individual.

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O psíquico de Castoriadis, outra característica do “para si” que constitui o sujeito é mais complexo e repleto de particularidades. É no psíquico que encontramos traços como a “desfuncionalização”, ou seja, a distorção da realidade (e da própria sexualidade), para torná-la algo agradável. A dominação do prazer representativo sobre o prazer do órgão, o imaginar o prazer para possibilitar uma satisfação psíquica, que contemple o físico, a chamada “onipotência da mente”. Esta característica do “para si”, é responsável pela autonomização da imaginação e do afeto, e tem a necessidade de deliberar sobre o desejo, controlar e escolher sobre o que se imagina e, inclusive, sobre o que se sente.

Na obra, “A instituição imaginária da sociedade”, Castoriadis, faz uma reflexão específica sobre a constituição do sujeito e a sua relação com a autonomia, entendendo-a como sua capacidade de estar no intervalo entre o que ele deseja e o que o Outro deseja dele, realizando suas construções e escolhas a partir de um imaginário que é consciente. Para este autor, “A autonomia torna-se então: meu discurso deve tomar o lugar do discurso do Outro, de um discurso estranho que está em mim e me domina: fala por mim. [...] o par parental remete, finalmente, à sociedade inteira e à sua história” (CASTORIADIS, 1995, p. 124).

Ele também destaca a relação entre a autonomia e a formação do imaginário, trazendo a relação entre esses conceitos com o que determina o fator criativo do sujeito. Castoriadis (1995, p. 124) afirma que “A característica essencial do discurso do Outro, do ponto de vista que aqui interessa, é sua relação com o imaginário”. E não o que é capaz de imaginar, criar e escolher a partir de ideias soltas, mas aquele capaz de fazê-lo seguindo referenciais já internalizados pelo imaginário. Mas especificamente sobre o imaginário e a autonomia o próximo capítulo se encarregará de abarcar maiores considerações.

Para a educação é relevante podermos perceber o psíquico como esta instância reguladora do pensamento e que o processo de aprendizado é caracterizado por uma série de conflitos entre as instâncias do pensamento. Castoriadis (2006, p. 218) reconhece as contribuições da área da biologia e das ciências e se inquieta com a impossibilidade de aprendizado no humano “Certamente, há aprendizado no humano, como há ‘lógica’: os dois são sua herança animal. (Espantoso no humano não é que ele aprenda, mas que não aprenda.)”. As etapas de desenvolvimento da psique possuem o seu lado orgânico, biológico e animal, mas também um processo de amadurecimento, segundo Castoriadis (2006, p. 219), “codeterminada decisivamente pelo processo de socialização” e a estas características, que são do psíquico que devemos destinar atenção no processo educativo. O amadurecimento tanto fisiológico quanto psicológico.

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O Indivíduo Social é classificado por Castoriadis (2006, p. 54) como a “terceira região do para si”, nesta região está considerada toda a questão da linguagem, da aprendizagem, da relação com o meio e com as múltiplas dimensões nas quais o indivíduo circula. O indivíduo social é o próprio desejo do outro, o que o social instituiu como sendo seu significado através da linguagem. Para o indivíduo social há dois caminhos, o agir eminentemente racional, “o essencial do comportamento individual é ‘racional’ (ou progresso para a ‘racionalidade’) – e se eu posso compreendê-lo, é que participo da mesma ‘racionalidade’”, ou o outro ainda complementa afirmando que “o ‘indivíduo’ na sua plenitude, com sua capacidade de ‘racionalidade’, mas também suas paixões, seus afetos, seus desejos, etc.” (CASTORIADIS, 2006, p. 55).

Castoriadis chega abrir espaço para individualidade do indivíduo social (respeitadas as devidas redundâncias do exposto pela fidedignidade aos termos do autor), mas reforça em suas publicações mais recentes que este indivíduo social é produzido, é “fruto da transformação do psíquico pela sociedade por meio da linguagem” (1999b, p. 37), e é tão importante para a sociedade quanto uma gota de água do oceano, que tão rápido quanto algo submerge, o oceano se fecha e o que era “individual” passa a não representar mais absolutamente nada6. E a aprendizagem também é apresentada por Castoriadis neste lugar de relação com o social, o indivíduo na sua “racionalidade” e na gama de sentimentos que a relação com o social e com os conhecimentos que o precedem é capaz de produzir.

A aprendizagem, ainda nos dizem hoje em dia, é o motor essencial da história humana. Considerando a facilidade com a qual “esquecemos”, neste domínio, a psicanálise, a etnologia, a pré-história – ou, mais concretamente, as duas guerras mundiais, as câmaras de gás, o Gulag, Pol Pot, Khomeini, sem falar dos outros –, é forçoso constatar que a aprendizagem não é um motor, nem mesmo secundário, da reflexão contemporânea (CASTORIADIS, 2006, p. 55).

Esse domínio da história, reconhecimento do passado que nos constitui enquanto seres sociais são para Castoriadis o que possibilita a aprendizagem. Se não fossemos sociais não aprenderíamos a ser sociedade e sem a sociedade não seríamos indivíduos sociais. Esta concepção inspira muitos autores que o precederam e consideram o social como extremamente relevante no campo da educação, como é o caso de Mario Osorio Marques7,

6Inspirada na frase “O que eu faço é uma gota no meio de um oceano. Mas sem ela, o oceano será menor”

(Madre Teresa de Calcutá).

7“Mario Osorio Marques nasceu em São Francisco de Paula, Rio Grande do Sul, em 2 de janeiro de 1925.

Tornou-se frei capuchinho, conhecido como Frei Matias de São Francisco de Paula. Exerceu a maior parte do seu sacerdócio na cidade de Ijuí (RS), onde constituiu família após o abandono do ministério. Era formado em Filosofia e Teologia, vindo a doutorar-se em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul no ano

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que em seus estudos, apresenta-nos um conceito de aprendizagem diretamente relacionado com as questões do indivíduo social e corrobora profundamente com as teorias apresentadas por Castoriadis.

A aprendizagem se exerce à medida que o sujeito singular entra em relação ativa com seu mundo pela mediação dos procedimentos e formas de atuar, dos objetos e da linguagem, socialmente elaborados e reconhecidos por um sujeito coletivo, organizado, específico e diferençado em cada situação histórica (MARQUES, 1993, p. 24).

Nesta perspectiva é no indivíduo social que se estabelecem os processos de aprendizagem e só existe enquanto o processo está em andamento, mediados pelas questões da linguagem. Enquanto o sujeito está atuando de forma ativa e interativa no ambiente, produz aprendizado para si e para o sujeito coletivo. Ao não mais atuar ativamente neste processo, torna-se inexistente, irrelevante para o sujeito coletivo e não produz mais aprendizados relevantes. Está aí o papel importante da educação provocativa, que estimule a participação de todos, torne todos, educando e educadores, ativos no processo e fundamentais. Todas essas relações se estabelecem no e pelo campo da linguagem e do imaginário, e a esta temática, devido a sua relevância, daremos um espaço especial logo a seguir neste capítulo.

Por fim, a última região apresentada por Castoriadis, o Sujeito Humano, é estruturada por ele em termos metapsicológicos, agregando as questões da capacidade deliberativa e da reflexividade e os pressupostos próprios da psicanálise, a saber: sublimação8, quantum de energia livre, labilidade de investimento e capacidade reflexiva. Estruturando o Sujeito Humano de forma eminentemente psicanalítica, Castoriadis explica que nesse sujeito:

Encontramos “instâncias” que podem reivindicar, em primeira aproximação, o título de “sujeito” no sentido visado anteriormente. Seriam o consciente da primeira tópica de Freud (incluindo evidentemente o pré-consciente), ou o Ego (Ich) consciente da segunda tópica. Notemos, de passagem, que de toda forma esse consciente ou Ego consciente é, num grau decisivo, o coproduto de dois fatores, irredutíveis um ao

de 1996, na condição de candidato com notório saber. Em Ijuí foi líder comunitário e professor universitário, constituindo-se no idealizador do ensino superior em Ijuí com a criação da FAFI (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras) no ano de 1957, hoje transformada na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. A partir da metade da década de 1980 começou uma intensa atividade de pesquisador, deixando um legado intelectual de aproximadamente duas dezenas de livros, tratando especialmente de temas vinculados à educação. Morreu no ano de 2002, aos 77 anos. [...] era, acima de tudo, um pensador cosmopolita e, pode-se dizer, à frente de seu tempo” (BOUFLEUER; REZER, 2016, p. 16-17).

Foi escolhido como interlocutor nesta pesquisa por apresentar várias reflexões que convergem com as ideias de Castoriadis, e também por referenciar o autor que sustenta a pesquisa em vários momentos de suas publicações.

8“A sublimação – noção muito pouco elaborada por Freud, que dizia: ‘é preciso voltar a isso’ – é o processo

mediante o qual a psique é levada a substituir seus objetos próprios, desprovidos de investimento, inclusive sua própria imagem em si mesma, por objetos que são e valem em e por sua instituição social, e a tomá-los, para si própria, como ‘causa’, ‘meios’ ou ‘suportes’ de prazer” (CASTORIADIS, 1999a, p. 286).

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outro e ao mesmo tempo indissociáveis um do outro: de um lado, a psique e, mais particularmente, a emergência das diversas instâncias psíquicas (na “série” delas se encontra o consciente); de outro, o social, que age constantemente na formação do consciente, como mãe, família, linguagem, objetos, grupo, etc. (CASTORIADIS, 2006, p. 222).

O Sujeito Humano, do para si de Castoriadis, almeja construir uma reflexividade capaz de elaborar sua autofinalidade, produzir autorreferência e agir de forma autônoma, mesmo sendo movido pelo social. “Isso faz com que de um modo ou de outro o sistema deva incluir certo ‘conhecimento do seu próprio estado’; [...] Platão já falava de ‘diálogo da alma com ela mesma’” (CASTORIADIS, 2006, p. 224). Como já exposto, o sujeito carrega dois traços fundamentais, ou como Castoriadis (1999b, p. 44) prefere dizer “essenciais”, a saber: a reflexividade9, “capacidade de receber o sentido, questionar o sentido e criar um novo sentido”, e a vontade10 ou capacidade deliberada, o que efetivamente move o sujeito, o que

Freud chamou de pulsões. Ao considerar esses dois traços como tão fundamentais ao sujeito, destinaremos um subtítulo específico, neste capítulo, para as questões da reflexividade e da vontade, como constitutivas do sujeito.

Independente do aspecto particular de cada parte formadora do “todo” sujeito, tanto em Freud quanto em Castoriadis, o princípio fundamental da filosofia é o que rege suas afirmações. A estrutura que constitui a plenitude deste sujeito, sua totalidade, é a complementaridade de todos estes aspectos constitutivos. Podemos perceber que a subjetividade no sujeito não apresenta uma definição exata e definitiva, e sim uma complementaridade; ela se estrutura a partir de uma série de transformações ocorridas, na medida em que o indivíduo estabelece novas conexões sociais, novas reflexões e novos conceitos estruturantes do seu psíquico.

Em suma, temos a constante influência do processo de socialização sobre esse mundo psíquico, que se inicia já com o nascimento do indivíduo, senão antes, e seu representante mais poderoso é a mãe. A mãe não é apenas a mãe grávida, que amamenta e depois acaricia: é a representação junto ao recém-nascido de três milhões de anos de humanização, já na forma como o acaricia. A mãe é, ao mesmo tempo, a sociedade e a História (CASTORIADIS, 1999b, p. 43).

9“A reflexividade é o saber que sabemos, e interrogar-se sobre tal saber é transformar uma atividade em objeto e

explicitar o si sob a forma estranha de um objeto não objetivo, ou de um pseudo-objeto, do qual sabemos que ele é objeto por posição, e não por natureza” (CASTORIADIS, 1999b, p. 45).

10“A vontade é apenas a dimensão reflexiva do que somos como seres imaginantes, isto é, inventores; ou, dito de

outra forma, a dimensão reflexiva e prática da imaginação, fonte de criatividade que, evidentemente, deve se basear no acesso do sujeito a um reservatório de energia psíquica” (CASTORIADIS, 1999b, p. 45).

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As relações com o campo da linguagem se estabelecem inicialmente através da mãe ou do representante deste papel com a criança. Este lugar está repleto de representação imaginária e carrega em si a bagagem de todas as gerações de mulheres que a antecederam neste papel. E é nesta perspectiva que a oralidade Freudiana é resgatada por Castoriadis, como o discurso do social entranhado por esta mãe que fala, alimenta e produz significado neste indivíduo, que ao se constituir como sujeito na relação, também transforma o indivíduo que o cuida em sujeito, mãe. Ao passo que se produz tanto no discurso quanto no imaginário, o “sujeito” filho, também se produz imaginariamente, simbolicamente, linguisticamente, o “sujeito” mãe.

Em uma aproximação profunda entre a teoria de Castoriadis e Marques podemos perceber que o conceito de aprendizagem apresentado e debatido pelos dois autores se assemelha no sentido da história humana e da representação do social na formação do sujeito. Este indivíduo só é sujeito pela interação com Outro social, através de um movimento de organização que esse social é capaz de provocar no indivíduo, em um processo de transmissão cultural, aprendizagem e reconhecimento da história.

O homem não nasce feito ou pré-programado; mas, ao nascer, se defronta ele com um mundo que é produto da história humana e, ao mesmo tempo, condição para viver. A própria vida humana só se faz possível numa aprendizagem fundamental, pelas novas gerações, do que o gênero humano construiu historicamente, isto é, do mundo da vida enquanto pano de fundo e horizonte aberto a todos, e do qual irradiam a cultura, a sociedade e as personalidades individuais [...] O indivíduo se faz pessoa ao ser penetrado pelo conjunto dos sentidos sociais e culturais e por eles estruturado desde o substrato básico de sua corporeidade. A aprendizagem é esse entrelaçamento da personalidade em seu mundo sociocultural (MARQUES, 1999, p. 88).

A aprendizagem, segundo Marques (1995, p. 39), “resulta de um sutil entrelaçamento entre o desejo e a inteligência, que se reconstroem ao reconstruírem seus objetos e atestam tanto a singularidade do sujeito que aprende quanto à natureza social de quem e do que se aprende”. Aprendemos no mesmo ritmo em que supostamente estamos ensinando algo e modificamos o indivíduo a partir das transformações do social. Ao passo que se produz o “sujeito aluno”, também está em produção o “sujeito professor”. Esta importante relação entre professor e aluno proporciona a constituição do sujeito, tanto como sujeito aprendente, quanto como sujeito ensinante, além do próprio sujeito social. Castoriadis afirma que é pela linguagem que estas relações são possíveis. O autor aborda este conceito de maneira significativa em suas pesquisas e entende que o social só se constrói pela relação estabelecida através da linguagem e do imaginário.

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