• Nenhum resultado encontrado

A educação está diretamente relacionada à tradição, ao acesso à informação, à reflexão e ao conhecimento. Podemos pensar aqui a tradição como o exposto por Castoriadis (2007, p. 130) sobre a filosofia que “uma vez nascida, a filosofia, mesmo como tradição, só pode continuar e sobreviver em determinados tipos de sociedade em que o questionamento tornou-se possível”. Nesta perspectiva nada ocorre, se não, pelo espaço deixado no imaginário instituído, pelo papel das instituições que possibilitam o exercício da reflexividade e do questionamento, da imaginação e da autonomia. Nada se constrói do zero, há sempre uma história, um referencial, uma “inspiração”, um conhecimento prévio e, principalmente, um grande potencial reflexivo. Este pode e deve ser estimulado, e se estabelece na alteridade, no diálogo e na identificação com o outro21. A estruturação do conhecimento só é possível no exercício da humanização, no convívio com o social, no desenvolvimento da imaginação e na função exercida pelas instituições às quais estamos atrelados ao longo da vida. A saber:

21“O olhar do Outro, o desejo do Outro marca nosso caminho, assinalando cada rumo de maneira diferente. Dizer

que a construção do conhecimento se dá em relação ao Outro significa afirmar, também, que a construção do conhecimento se constitui numa relação mediada por Outro: relação mediada no referente ao mundo, aos objetos e, consequentemente, no referente aos objetos do conhecimento fora de toda dualidade e indiscriminação. Essa trama está na base de todo intercâmbio com os outros e com os objetos de conhecimento” (JERUSALINSKY, 1999, p. 220).

A vertente social desse processo é o conjunto das instituições, de que está impregnado constantemente o ser humano, desde o seu nascimento. E é, em primeiro lugar, o outro social, geralmente mas não inevitavelmente a mãe, que cuida do ser humano, já estando ele próprio socializado de maneira determinada, e a linguagem que esse outro fala. De um ponto de vista mais abstrato, trata-se da “parte” de todas as instituições que visa a escolaridade, a criação, a educação dos recém-vindos – o que os gregos chamavam paideia: família, classes de idade, ritos, escola, costumes e leis, etc. A validade efetiva das instituições é garantida primeiramente e antes de tudo pelo próprio processo, graças ao qual o monstrinho que só sabe dar vagidos torna-se indivíduo social. E ele só vai chegar a isso na medida em que interiorizar as instituições (CASTORIADIS, 2006, p. 126).

Retomando as questões abordadas anteriormente sobre o estabelecimento da linguagem, podemos associá-las aos aspectos formativos de todo processo educativo, seja ele formal ou informal. A linguagem22 só existe em um social que dá sentido a cada termo e/ou expressão. A educação se estrutura nesta perspectiva do aprendizado estabelecido na simbolização e no olhar do outro. Efetivamente, no processo de autonomia que estimula o imaginário a constituir sua própria representação do conhecimento. Se estabelece, na relação entre o imaginário instituído (apresentado pelo representante da educação) e o imaginário radical instituinte (reflexivo e questionador), resultando na criação da própria representação e na verdadeira internalização do saber.

É por conhecer e reconhecer a história que nos constitui, associada ao processo reflexivo e a intervenção de nossos conceitos subjetivos que se produz o conhecimento. Marques (1993, p. 13), no exercício pleno de suas reflexões sobre a temática da educação, afirma que “A educação é o alargamento dos horizontes intelectual, relacional e expressivo, na dinâmica das experiências vividas e na totalidade da aprendizagem da humanidade pelos homens”. Não há aprendizado sem o reconhecimento do social que nos precede e a interferência constante do social que nos circunda. Sem desconsiderar as necessárias radicalidades possibilitadas pela necessidade do sujeito de colocar-se como sujeitos no processo de construção histórica da sociedade.

O imaginário social não é a criação de imagens na sociedade, não é o fato de que se pintem os muros das cidades. Uma criação fundamental do imaginário social, os deuses ou as regras de comportamento, não é nem visível nem mesmo audível, é

significável (CASTORIADIS, 1999, p. 102).

22“A linguagem é a memória coletiva das comunidades humanas, aquela memória ativa da reconstrução [...] a

linguagem é a mediação da experiência humana da verdade do ser e o horizonte de uma hermenêutica histórico- ontológica. A concriatividade da linguagem, vinculando a fala e a escuta, o autor e o intérprete, é o próprio pôr- se em obra da verdade do ser. Ter linguagem significa ter mundo” (MARQUES, 1993, p. 92).

O ser humano é uma espécie que aprendeu a desobedecer a instintos e se inventou, sendo seu grande desafio a necessidade de continuar se reinventando. Somos uma espécie que se faz a partir das relações com quem veio antes, que basicamente são concebidas como relações pedagógicas, que nos tornam humanos pela carga cultural que sobrepõe à natureza animal. Esta transmissão cultural caracteriza-se por ser imperfeita e é nesta imperfeição que ganha seu caráter de humanidade, possibilitando modificações e evoluções a partir de algo que já se conhece, que já foi vivenciado por quem o antecedeu. Nesta linha interpretativa, Castoriadis (2006, p. 148), prospecta a interferência da educação, da “paideia da filosofia”, “a

paideia, a educação (que vai do nascimento à morte), é uma dimensão central de toda política

da autonomia”.

Há instituições da autonomia e atividades sociais particulares – pedagogia, psicanálise... – que visam (ou devem visar) facilitar o acesso dos indivíduos à autonomia. [...] o elemento da escolha está sempre presente e que é carregado pelos hábitos, hexeis, pela educação do indivíduo – é fundamental para toda atitude e todo projeto político (CASTORIADIS, 2007, p. 179).

Apropriando-se do autor para fazer uma associação entre a psicanálise23 e a pedagogia24, é relevante perceber o papel que ambas desempenham no desenvolvimento de um sujeito. Ambas estão relacionadas aos aspectos formativos, igualmente aos aspectos relacionados ao desenvolvimento da autonomia e, consequentemente, à intensificação do exercício imaginário, tanto para colocar-se como sujeito, para si, ativo e participativo na construção imaginária da sociedade, quanto no exercício reflexivo de sua subjetividade, resultando no autoconhecimento e na aprendizagem. O autor faz uma crítica à pedagogia como mera transmissora de conteúdos específicos, mesmo que reconheça a importância dos conteúdos.

O objeto da pedagogia não é ensinar matérias específicas, mas desenvolver a capacidade de aprender do sujeito – aprender a aprender, aprender a descobrir, aprender a inventar. Isso, evidentemente, a pedagogia não pode fazer sem ensinar certas matérias – tampouco a análise pode progredir sem as interpretações do

23“A psicanálise é uma atividade prático-poiética, onde os dois participantes são agentes. O paciente é o principal

agente do desenvolvimento da sua própria atividade. Eu a chamo de poiética, pois ela é criadora: seu êxito é (deve ser) a autoalteração do analisando, isto é, falando com todo rigor, o aparecimento de um outro ser. E eu a chamo de prática, pois chamo de práxis a atividade lúcida, cujo objeto é a autonomia humana, e pela qual o único ‘meio’ de atingir esse fim é essa própria autonomia” (CASTORIADIS, 2006, p. 156).

24“A pedagogia começa na idade zero, e ninguém sabe quando termina. O objetivo da pedagogia – falo,

evidentemente, de um ponto de vista normativo – é ajudar o recém-nascido, esse hopeful e dreadful monster, a tornar-se um ser humano. O fim da paideia é ajudar esse feixe de pulsões e de imaginação a tornar-se um

anthropos, no sentido indicado mais acima de um ser autônomo. Podemos também dizer, lembrando Aristóteles,

analista. Mas, assim como essas interpretações, as matérias ensinadas devem ser consideradas como degraus ou pontos de apoio servindo não só para tornar possível o ensino de uma quantidade crescente de matérias, mas para desenvolver as capacidades da criança de aprender, descobrir e inventar (CASTORIADIS, 2006, p. 156).

Esse reforço sobre a função dos conteúdos na educação reflete a concepção de Castoriadis sobre o papel da educação. A ela cabe fornecer subsídios e referenciais para impulsionar o processo imaginário do sujeito e a partir de suas construções imaginárias, sustentadas em matérias, exemplos, a elaboração de suas próprias representações de conhecimentos já existentes, bem como o exercício da liberdade de criação para explorar um universo de possibilidades que se abrem ao conhecermos algo novo. Valle (2000), em suas reflexões sobre a relação entre a filosofia e a educação, reforça o conceito dado por Castoriadis à educação, definindo-a como uma “atividade prático-poiética” e demonstrando a importante relação entre a educação, a autonomia e a liberdade que está na criação.

Eis o que permite a Castoriadis dizer que a educação é uma atividade prático-

poiética: a educação é poiesis, porque visa a uma finalidade que lhe é exterior,

porque deve constituir-se em atividade criadora de algo que não estava lá, inicialmente, e que é precisamente a liberdade – a autonomia humana. Porém, como esta finalidade não está determinada a priori, como ela é um poder poder ser, a

poiesis educativa jamais poderia ser assimilada a uma techné. Assim, a educação é

práxis, porque, atividade lúcida, deliberada e deliberante, seu objeto, sua finalidade, é o próprio exercício desta lucidez e desta deliberação. Na educação, portanto, o fim corresponde à própria atividade que o produz: a autocriação. Se a liberdade está na criação, a emancipação humana está na possibilidade de que o indivíduo passa a ser dotado, pela reflexão, de tomar consciência de seu poder de deliberação (VALLE, 2000, p. 42).

Castoriadis ainda destaca que um processo de educação que não tenha como objetivo o desenvolvimento desta autonomia do pensar, do exercício imaginário e da potencialização das atividades próprias dos sujeitos é invariavelmente “mau”. Cabe ao processo educativo ou ao “sistema educativo” fornecer respostas racionais, claras e contundentes às perguntas dos alunos sobre a importância de aprender cada um dos conteúdos ensinados na escola.

[...] do ponto de vista psicanalítico, a pedagogia é (deve ser) a educação do recém- nascido que o leva ao estado descrito anteriormente, comportando a inibição mínima de sua imaginação radical e o desenvolvimento máximo de sua reflexividade. Mas, do ponto de vista sócio-histórico, a pedagogia deveria educar seu sujeito de tal modo que este interiorize, e faça portanto muito mais do que aceitar as instituições existentes (CASTORIADIS, 2006, p. 157-158).

É papel da educação e da psicanálise não esquecer de suas responsabilidades, de desenvolver essas habilidades imaginárias, autônomas e criativas, tomada aqui para além das questões da criatividade artística, de um músico, um poeta e um artista, mas de um sujeito capaz de criar seu mundo reconhecendo o que o precedeu, um sujeito que exerce efetivamente sua reflexividade e toma suas decisões, sustentado no exercício de sua autonomia, estimulado pela instituição e na exploração da linguagem como aliada nesse processo de interação social. Fazer-se reconhecido como agente ativo e transformador da história por ser conhecedor desta. Uma prática que não possui nada de simples e que como aponta Valle (2000), em suas reflexões sobre a educação, chegou a ser considerada impossível por grandes autores da filosofia e da psicanálise.

Kant a proclamou como uma das <<... duas descobertas humanas que se deve considerar como as mais difíceis: a arte de governar os homens e a de educá-los>>. Mais tarde, acrescentando a psicanálise, Freud as definiria, simplesmente, como <<atividades impossíveis>> (VALLE, 2000, p. 37).

Se o exercício da reflexividade, da análise e da aprendizagem sobre si e sobre o mundo não é algo simples, chegando a serem consideradas “impossíveis”, não podem ser realizadas por pessoas que não estejam devidamente preparadas para tal tarefa. O exercício do educar, tal como o do analista, são complexos, exigem estudo, dedicação e, principalmente, uma vivência da própria autonomia e da própria análise. Silva e Oliveira (2016), segundo o exposto por Castoriadis apontam a permanente necessidade do professor, ser também “apaixonado” pelo humano e, principalmente, pela busca constante do saber. Para ela, a educação necessita de docentes que realmente sejam conhecedores do humano, do sujeito, do que é possível ser feito com o conhecimento e, principalmente, que sejam capazes de exercer sua autonomia e reflexividade, constituindo as instituições a partir de um imaginário radical fortalecido. “São nessas escolas instituídas pela imaginação radical de um grupo autônomo que está o germe da mudança social e os professores são os seus porta-vozes” (SILVA; OLIVEIRA, 2000, p. 63).

Essas instituições, assim como todas as relações sociais estão calcadas na linguagem, são estruturadas pela linguagem, mas não pura e simplesmente pela possibilidade de trocar informações, e sim pela habilidade de interpretá-las e criar formas pessoais e intransferíveis de perceber, de entender e modificar a realidade. Este é o grande trunfo da humanidade, criar suas formas próprias de ver, compreender e recriar a cultura, as tradições. Uma relação direta entre ideia e objeto. Tudo, mesmo compondo o imaginário instituído, está em constante

transformação, e até mesmo o que não pode ser questionado em um primeiro momento, com o exercício reflexivo pode ser transformado pelo exercício do imaginário instituinte.

A impossibilidade da psicanálise e da pedagogia consiste em que ambas devem apoiar-se numa autonomia, que ainda não existe, a fim de ajudar a criação da autonomia do sujeito. [...] As instituições e as significações imaginárias sociais são criações do imaginário radical, do imaginário social instituinte, da capacidade criadora da coletividade anônima, tal qual se manifesta claramente, por exemplo, na e pela criação da linguagem, das formas de família, dos costumes, das ideias, etc. A coletividade somente pode existir como instituída. Suas instituições sociais são, a cada vez, a sua criação própria, mas quase sempre, depois de criadas, elas aparecem para a coletividade como dadas (pelos antepassados, pelos deuses, por Deus, pela natureza, pela razão, pelas leis da história, pelos mecanismos da concorrência, etc.) (CASTORIADIS, 2006, p. 158).

Nesta perspectiva, Castoriadis (1999a, p. 40) pensa as questões da aprendizagem ou da “adaptação”, como “categoria biológica”, associada às “questões filosóficas que deveriam ser elucidadas por uma análise do vivente (não uma ‘filosofia de vida’)”. Diferencia, dessa maneira, o que constitui a aprendizagem animal da aprendizagem humana. “A existência da história e a diversidade de sociedades impõem o reconhecimento do que é essencial, no humano, sua capacidade de criação, que o faz inventar comportamentos novos, tanto quanto acolher, por outro lado, o novo” (CASTORIADIS, 1999a, p. 41). A aprendizagem humana, se estrutura a partir da possibilidade e do exercício de uma autonomia capaz de estimular o imaginário radical instituinte e capaz de reestruturar e reconstruir os conhecimentos já descobertos. Não há uma maneira única e certa de “aprender”, mas, possibilitar o exercício do imaginário que constrói autonomamente suas próprias representações do conhecimento, é, para o autor, a forma de possibilitar um aprendizado autônomo (que aprende por si mesmo), investigativo (que busca descobrir) e inventivo (que cria suas próprias representações), e não está dado, é construído no social.

O essencial da “aprendizagem” humana não concerne a um mundo próprio dado de uma vez por todas; remete a um mundo social-histórico outro, a sociedades outras. Isso se manifesta não somente no caso da língua, mas também no conjunto dos comportamentos (CASTORIADIS, 1999a, p. 40).

A questão central que nos indagamos é sobre o que possibilita ao sujeito exercer o seu potencial de criação para além da capacidade de adaptação e resolução de problemas pontuais no social. Que outras características da personalidade humana precisam estar associadas ao potencial criativo para possibilitar que o indivíduo realmente apresente novas ideias, invenções e resolução de problemas de ordem social. Numa tentativa inicial de

resposta, pensamos que talvez seja a capacidade do sujeito exercer a sua autonomia, mesmo em uma sociedade que preza pelo “politicamente correto”, “civilizado”, ou seja, onde todos os desejos e pulsões estão devidamente “recalcados” e “sublimados”.

Restaurar, restituir, reinstituir uma tarefa autêntica do intelectual na história é, com certeza, em primeiro lugar e antes de tudo, restaurar, restituir, reinstituir sua função crítica. E como a história é sempre ao mesmo tempo criação e destruição, e como a criação (da mesma forma que a destruição) se refere tanto ao sublime quanto ao monstruoso, mais do que qualquer outra coisa, elucidação e crítica são da competência daquele que por ocupação e posição pode se colocar a distância do cotidiano e do real: do intelectual (CASTORIADIS, 2006, p. 118).

Castoriadis instiga esta reflexão acerca da criação, como ao mesmo tempo criação e destruição, justamente deste lugar, de quem cria algo e, com o que cria, acaba por destruir, contrapor, ressignificar seu universo (seja ele real ou imaginário). Ele, Castoriadis, ainda define, conforme os estudos de Córdova (2004, p. 122), o termo “poiesis” como “a autêntica criação que está presente na alteridade, na autoalteração e na gênese ou posição do inédito”. Aos aspectos, as características e as formas de estruturar-se das questões da criação, que tentaremos aprofundar com maior ênfase e propriedade na continuidade deste estudo.

3 O LUGAR DA CRIAÇÃO NO PROCESSO DE EDUCAÇÃO

O fato de estarmos em constante desenvolvimento, aprendizagem e evolução nos coloca diante de inúmeras possibilidades de reflexão. Que aspectos são necessários para que possamos realmente evoluir como sujeitos e como seres humanos? Como o imaginário instituinte é capaz de nos possibilitar essa evolução individual e social? Como nos constituímos enquanto seres sociais graças ao exercício da autonomia, do imaginário e da criação e da recriação desse mundo que é social e histórico? Castoriadis vem nos apresentar o conceito de criação como essa perspectiva de estarmos em constante reinvenção, refletindo sobre nós mesmos e sobre as inúmeras possibilidades de desafios que o social nos implica. Nessa relação entre o imaginário instituído, aquilo que nos é dado pela história e pela sociedade, o conjunto de valores, normas, princípios, conhecimentos que nos precedem e o imaginário instituinte que nos proporciona a reflexão constante e a contestação de certos aspectos, é que estão as estruturas capazes de possibilitar as transformações do social. Associando esses conceitos com a prática psicanalítica, podemos perceber a proximidade com a educação e a condição de criadores do nosso próprio espaço-tempo.

O sujeito humano propriamente dito, o sujeito que é ao mesmo tempo o meio (o ambiente), os meios e o fim (a finalidade) da cura. Esse sujeito não é simplesmente real, ele não é dado, ele está para ser feito, e ele se faz através de certas condições e em certas circunstâncias. O fim da análise é fazer o advir. O advir é uma possibilidade (abstrata), mas não uma fatalidade para todo ser humano: ele é criação

histórica e criação cuja história podemos acompanhar (CASTORIADIS, 2006, p.

207).

Somos capazes de criar porque somos capazes tanto de conhecer àquilo que nos precede, quanto refletir e “radicalizar”, adicionando elementos, desconsiderando outros, enfim, criando novas formas de pensá-los25. Invariavelmente existem questões instituídas na

sociedade que não temos força e/ou argumentação para modificar, outras que podemos pensar

25“Temos então a imaginação radical como criadora de todo o manifestado, de toda a fenomenalidade – phainomenon e fhantasia têm a mesma raiz; portanto, criadora também desse ‘ramo’ de nossa experiência que é

a sensibilidade elementar. Há um papel imenso da imaginação radical no manifestável, e esse papel supera o ‘manifestável’ no sentido próprio, pois é também posição de tudo o que não é ‘manifestação’ de um ‘manifestável’. Não sei de qual ‘manifestável’ os sacrifícios humanos dos astecas eram ‘manifestação’. Nem de qual ‘manifestável’ a sonata nº 32 de Beethoven e a catedral de Amiens são ‘manifestação’. Não são ‘manifestações’ de um ‘manifestável’ que existiria antes e fora deles; trata-se de criações, de posições e é a partir dessas posições que há manifestação do manifestável. Quando olho uma árvore, ainda posso falar da manifestação de um manifestável. Não posso fazer existir, radicalmente, uma árvore. Mas mesmo aqui, a manifestação como tal e em seu ser-assim é minha criação – ou criação humana” (CASTORIADIS, 2007, p. 486).

infinitamente e ainda não encontraremos forma melhor de fazê-las e àquelas que conseguimos, podemos, e muitas vezes devemos transformar. E neste lugar de reflexão, transformação e exercício instituinte, Castoriadis vai dar espaço para a criação. Criação que é sempre do indivíduo e da sociedade, nunca apenas de uma parte e ao que destinamos boa parte das reflexões deste capítulo.

Outro aspecto que merece toda nossa dedicação neste momento da pesquisa está na relação entre os aspectos concebidos por Castoriadis sobre a criação e seu vínculo com a educação.

[...] toda maturação, todo desenvolvimento e toda educação são o estabelecimento de facilitações, quer tomemos o termo no sentido “material”, neurofisiológico, ou no sentido psicológico. Essas facilitações são históricas nas duas acepções do termo: constituem em primeiro lugar a história do ser considerado, mas também dependem (via educação no sentido mais amplo) da história coletiva à qual esse ser pertence (CASTORIADIS, 2006, p. 234).

Ao longo de toda sua teoria Castoriadis vai reforçar o valor da história e da tradição, na constituição do humano e no fazer educação. Ele relaciona a aprendizagem aos aspectos do sujeito, da subjetividade e do estabelecimento de vínculos, de certa forma do “exemplo”, está