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AUTONOMIA, IMAGINÁRIO E CRIAÇÃO: ASPECTOS RELACIONADOS À

Ao prospectar uma possibilidade de “criação”, necessitamos do maior número de referenciais, uma gama de conhecimentos prévios, elementos que possam servir de base para estruturar essa criação, que estimulem reflexões abrangentes e profundas e que provoquem ao máximo o imaginário. Com este olhar, e uma boa caminhada reflexiva sobre o exposto por Castoriadis em suas obras, talvez tenhamos ferramentas suficientes para demonstrar a importância do exercício de criação no imaginário dos estudantes e dos docentes, em todos os níveis de educação, seja formal ou informal, capaz de provocar mudanças sociais. E tomaremos a importante relação entre a “democracia grega” e a necessária retomada da valorização da educação como única alternativa para o verdadeiro exercício da liberdade e da autonomia por parte dos sujeitos.

Antes da Grécia, e fora da tradição greco-ocidental, as sociedades são instituídas segundo um princípio de completa clausura (clôture): nossa visão do mundo é a única que tem um sentido e é verdadeira – as “outras” são estranhas, inferiores, perversas, malignas, desleais, etc. Como observava Hannah Arendt, a imparcialidade veio ao mundo com Homero, e essa imparcialidade não é simplesmente “afetiva” mas diz respeito ao conhecimento e à compreensão. O verdadeiro interesse pelos outros nasceu com os gregos, e não passa de um dos aspectos da atitude crítica e interrogadora que eles mantinham frente a suas próprias instituições. Em outras palavras, ele se inscreve no movimento democrático e filosófico criado pelos gregos (CASTORIADIS, 1987, p. 269).

Os gregos foram os primeiros a suscitar a existência de um sentimento passível de ser compartilhado, de uma “empatia” para com o outro e a estruturação de uma sociedade verdadeiramente coletiva. Castoriadis (1987, p. 271) reconhece a Grécia como “o locus social-histórico onde foram criadas a democracia e a filosofia e onde se encontram, por conseguinte, nossas próprias origens”, e é por termos esta possibilidade de exercício da reflexividade e da autonomia, possibilitada pela democracia, que somos sujeitos capazes de considerar e valorizar algo que está fora de nós ou de nossa cultura, reconhecer como valoroso e belo o que é criado por outros e criar nossas formas diferenciadas de organização social, estruturação das instituições, representações de nossos anseios e desejos através das artes. Mesmo possuindo origens diferentes, tanto criações artísticas quanto sociais e científicas, emanam de um conhecimento prévio, de uma história que às precede, e que só pode ser valorizada e reconhecida em virtude da cultura grega que nos origina enquanto sociedade.

A história é criação: criação de formas totais de vida humana. As formas sociais- históricas não são “determinadas” por “leis” naturais ou históricas. A sociedade é autocriação. “Quem” cria a sociedade e a história é a sociedade instituinte, em

oposição à sociedade instituída: sociedade instituinte, isto é, imaginário social no sentido radical (CASTORIADIS, 1987, p. 271).

Se a sociedade é criação e a história também é criação é fundamental pensarmos em dois aspectos extremamente relevantes nas questões da criação histórica da sociedade: um é que não há possibilidade de criação em sociedades em que prevalecem o totalitarismo e a “clausura cognitiva”, em sociedades em que valores e princípios são irrevogáveis e inquestionáveis; e o outro, é que a criação só é possível a partir do imaginário, da capacidade de imaginar novas representações e colocá-las em prática. Este movimento de radicalidade, é também um questionamento sobre a sociedade, o que Castoriadis (1987, p. 274) vai chamar, absorvendo o conceito de juízo de Kant, de “julgamento”33. O sujeito, ao exercer seu poder questionador, não está dissociado das tradições, ele afirma que “o simples ato de julgar e de escolher pressupõem a tradição e a história” na qual “fazemos parte”.

A despeito das conotações do termo “reflexionante”, no juízo reflexionante, o outro não é um espelho. É porque ele é outro (diferente em um sentido não trivial) que ele pode desempenhar o papel que Kant lhe atribui. É porque pessoas diferentes podem se entender sobre questões de beleza que o juízo estético existe, e é por isso que sua natureza é diversa da do juízo teórico, ou do juízo prático puro (ético). Neste último caso, o acordo é simultaneamente necessário e supérfluo; a universalidade é identificada, aqui, através de “exemplificações” numéricas indefinidas e indiferentes. A “validade universal subjetiva” do juízo estético é, em contrapartida, comunidade através da não identidade (CASTORIADIS, 1987, p. 280-281).

Em Castoriadis a grande questão é Kantiana, estando sua crítica voltada ao fato de Kant não ter dado a devida atenção à questão do imaginário como instância que possibilita o entendimento de mundo e, também, a mesma crítica dada a Freud. Ambos os autores esquecem de considerar, a saber, o mundo social e histórico como constitutivo do sujeito, sendo ainda o sujeito, em Kant, “desencarnado” e “transcendental”. Em Kant, essa noção de sujeito transcendental, de subjetividade, tem permanente “reflexividade”, está constantemente autoquestionando-se sobre como o sujeito constitui visões de mundo. Esse sujeito transcendental em Kant, segundo o próprio Castoriadis, é aquele que permanentemente está questionando sobre porque o mundo é? Como o mundo pode ser pensado? Reconhecendo que é na teoria estética de Kant que aparecem as suas importantes contribuições sobre a criação,

33“Sabe-se que o problema do julgamento (ou juízo) e da escolha é o assunto da terceira Crítica de Kant, e que

Hannah Arendt, em seus últimos anos, voltou-se para esta terceira Crítica na busca de um fundamento para essas atividades do espírito. Tenho a impressão de que se difunde hoje uma espécie de ilusão entre os discípulos de Hannah Arendt, ilusão que consiste em pensar a) que, de uma maneira ou de outra, Kant ‘resolveu’ esse problema na terceira Crítica, e b) que sua ‘solução’ poderia ser transportada para o problema político ou, ao menos, facilitar-lhe a elaboração” (CASTORIADIS, 1987, p. 275).

sobre o reconhecimento da interferência do social no sujeito e sobre a valorização da história, mesmo não sendo de forma explícita.

A teoria da estética de Kant é a única parte de seus escritos fundamentais onde ele é forçado a ir além de sua abordagem estritamente dualista e a levar em consideração aquilo que os neokantianos posteriores (Rickert) chamariam de Zwischenreich des

immanenten Sinnes (a região intermediária do sentido imanente). É aí, também, que

se chega mais perto de reconhecer a criação na história – em sua substância, embora ele não a nomeie nem pudesse nomeá-la. A beleza é criada. Mas é típico, em primeiro lugar, que Kant adote uma ideia “excepcionalista” da criação: só o gênio cria – e ele o faz “com natureza” (CASTORIADIS, 1987, p. 286).

Castoriadis reconhece e reforça que é a terceira Crítica de Kant que apresenta “a intuição do ato da criação” como seu “gérmen mais precioso”, e que a contribuição mais relevante do processo de criação é que este torna-se “incontrolável”. A pergunta de Castoriadis a Kant é “Se as normas são elas mesmas criadas, como escapar da atemorizante ideia de que o próprio Bem e o próprio Mal são, também eles, criações social-históricas?” (CASTORIADIS, 1987, p. 289). Esta reflexão nos provoca o pensamento de como, enquanto sujeitos e instituições, somos capazes de criar absolutamente a totalidade do mundo, e reconhecer cada criação como verdadeira, passível de julgamento, análise e transformação, possibilitando novas criações e a continuidade evolutiva, possibilitada pelas crises de concepções, radicalidades em relação à história, explosão da eminente necessidade de autonomia por parte dos sujeitos. O autor reconhece que este processo de “crise” e de “reflexividade” só é possível no mundo social greco-ocidental no qual “A política e a filosofia, e a sua ligação, foram criadas” e aonde as discussões e debates sobre a história e a tradição são possibilitadas.

Nesta criação geral da sociedade, cada instituição particular e historicamente dada da sociedade representa uma criação particular. Criação, no sentido em que a entendo, significa a instauração de um novo eidos, uma nova essência, uma nova forma no sentido pleno e forte deste termo: novas determinações, novas normas, novas leis. Quer se trate dos chineses, dos hebreus clássicos, da Grécia antiga ou do capitalismo moderno, a instituição da sociedade é o estabelecimento de diferentes determinações e leis: não apenas leis “jurídicas”, mas maneiras obrigatórias de perceber e de conceber o mundo social e “físico”, e de nele agir. Em virtude desta instituição global da sociedade, criações específicas aparecem em seu interior: a ciência, por exemplo, tal como a conhecemos e concebemos, é uma criação particular do mundo grego-ocidental (CASTORIADIS, 1987, p. 271).

A própria estrutura de escrita e pesquisa de Castoriadis reflete a convicção dele em relação a esta instituição imaginária criada pelo social, sendo ela relação constante entre o imaginário instituído e o imaginário instituinte, a tradição e a radicalidade. Ele passa o tempo

inteiro reconhecendo os que o precederam, mas radicalizando em relação a insuficiente tematização destes sobre o que estrutura o imaginário, o social, o instituído e o instituinte. Deixa transcrita sua crítica de que nenhum pensador conseguiu mostrar o quanto o imaginário é ao mesmo tempo social e nos é constitutivo. Ele destina quase que a totalidade de suas pesquisas ao imaginário e questiona cada um dos teóricos sobre a pouca relevância dada ao tema.

Literalmente Castoriadis coloca nas questões do imaginário toda a sua explicação para a existência do mundo humano, para estruturação desse mundo, a possibilidade ou impossibilidade de compreensão dos diferentes contextos sociais exercida única e exclusivamente pela capacidade imaginária de compreensão de mundo, nos dada pela tradição, que ele ainda vai afirmar, ser “educação”, em suas palavras “uma comunidade particular, e sua ‘educação’ particular – isto é, sua tradição”. O que também será afirmado por Silva e Oliveira (2016, p. 60) em seu estudo sobre a relação entre o imaginário instituído e a educação, as pesquisadoras reforçam que “a educação é um dos mecanismos de controle e reprodução do imaginário instituído mais eficazes que as sociedades já instituíram e ela está presente em todas, de uma forma ou de outra”, tamanha a relevância do papel assumido simbólica e imaginariamente pela educação. Somos educados na e pela tradição, sendo por ela preparados para refletir, radicalizar, questionar, transformar, criar ou ao contrário disso, “não” fazê-lo, mantendo-se na inércia das sociedades extremistas.

Fomos educador – e continuamos a educar nossa progenitura – nas criações de nossa própria história, e através delas. E, igualmente, foi nossa própria história – e apenas

essa história – que nos educou de tal modo que podemos apreciar a beleza das

esculturas maias, das pinturas chinesas ou da música e da dança balinesas – ao passo que a recíproca não é verdadeira. É certo que alguns dos melhores intérpretes contemporâneos de Mozart são japoneses. Mas, se isso ocorre, é porque eles foram “ocidentalizados”: não tanto no sentido que aprenderam piano, Mozart, etc., mas sim no sentido de que aceitaram essa abertura, esse movimento de aculturação, juntamente com seu corolário – que a música de certos bárbaros não deve ser repetida de antemão, e que pode valer a pena dela se apropriar (CASTORIADIS, 1987, p. 281-282).

É impossível pensar um mundo globalizado sem o processo natural de integração das diferentes culturas, mas é relevante perceber que apenas alguns aspectos de outras culturas nos são “aceitáveis” ou compreensíveis. Da mesma maneira que não conseguimos compreender certas práticas e hábitos de culturas extremamente conservadoras, elas também não admitem certos hábitos e costumes liberais, é a lógica das relações sociais-históricas, o quanto estamos tão comprometidos, inconscientemente com valores e costumes que nos

precedem pela tradição que somos “cegos” à percepção dos valores e dos costumes que precedem outras sociedades. E ao mesmo tempo o quanto o poder reflexivo e radical possibilita que façamos análises críticas sobre as diferentes concepções culturais e possamos reestruturar esses valores a ponto de construirmos um mínimo de compreensão do outro? Castoriadis vai trazer mais uma vez a contribuição grega para esta importante percepção de mundo, afirmando que os gregos são “gérmen” de uma sociedade reflexiva, pois “chegaram a seguinte resposta: a criação de seres humanos vivendo com beleza, vivendo com sabedoria, e amando o bem comum”, se faz pela filosofia, pela capacidade de reflexão, pelo julgamento e pela compreensão do mundo.

Nesta perspectiva, mais do que aprender coisas é aprender a se relacionar com o conhecimento, com a representação, mais do que saber o que é, é saber como posso, é valorizar o que compõe a sociedade, o que é pensado, produzido e sentido pelo outro, de maneira questionadora e reflexiva. Podemos utilizar o termo empatia, mas não o puro e simples “colocar-se no lugar do outro”, mas refletir sobre esse lugar, as possibilidades de sentimento e de percepção, estando dentro ou fora desse lugar e como contribuir com a mudança de paradigmas se ela realmente for cabível no contexto, nada disso no campo do real, sempre no campo do imaginário. Essa radicalidade, que é kantiana, constitui o pensamento moderno na dimensão da imaginação, na dimensão que eleva o ser à esfera dos sentidos e, consequentemente, à esfera do entendimento. O campo da imaginação é um campo intermediário, e para Castoriadis, assim como para Kant, essa dimensão da imaginação, como instância, vai permitir a emergência do entendimento sobre o mundo.

A imaginação é a capacidade de fazer surgir algo que não é o “real”, tal como descrito pela percepção comum, a Lebenswelt de Husserl e de Heidegger, ou a física. É, portanto, toda a criação de um mundo para-si do sujeito. A imaginação já é o desdobramento de um espaço e de um tempo. E a cada um de nós possui seu espaço e tempo próprios. Como chegamos a ter um espaço comum, coletivo, social? E, o que é ainda mais difícil: um tempo comum? Esse último, nós jamais atingimos (CASTORIADIS, 1999a, p. 101).

A noção de imaginário e as contribuições para a formação da sociedade, a partir dos conceitos de imaginário instituído e imaginário instituinte, são sem dúvida o maior legado teórico de Castoriadis, e no fundo de suas reflexões ele está polemizando com o que funda o pós-modernismo, com Heidegger, com Marx (mesmo que conserve algumas noções capitais destes autores), e com a concepção de práxis e técnica que engessa o social e limita as questões do imaginário. Castoriadis tem um campo de significações, um campo de

referências, bastante abrangente, o que o subsidia nessa caminhada de questionamentos sobre tudo que estrutura o capitalismo e a eminência de uma diminuição dos aspectos reflexivos e questionadores do humano. Marca como entrou nessa temática, tendo uma dívida com a obra “Dialética negativa” de Adorno e “A condição humana” de Hannah Arendt, marcando a importância da tradição – da significação – e das limitações para a organização do “caos” que seria o humano sem a interferência dos limites, o que possibilita o pensamento sobre essa relação e as questões da educação.

Castoriadis parece detestar Hegel, criticando fortemente todas as questões relativas a qualquer tipo de totalitarismo, e na mesma perspectiva critica Marx, mas reforça profundamente o compromisso com a tradição como fundamento para o imaginário instituinte. Só há radicalidade porque há ao que se opor, só há imaginário instituinte porque há o instituído. Reforça também a questão kantiana, abarcando as referências como fundamentais no processo de desenvolvimento, de educação e de formação do humano. Nesta perspectiva, Castoriadis, demonstra, de forma paradoxal, um leve espírito hegeliano, um compromisso, uma obrigação moral com os que lhe precedem, com a tradição, com a filosofia grega e com o que organiza o caos. É claro que isso não de maneira a fundar verdades inquestionáveis, mas como “emergência de uma dimensão onde a coletividade possa inspecionar seu próprio passado enquanto resultado de suas próprias ações, e onde se abra um futuro indeterminado como campo de suas atividades” (CASTORIADIS, 1987, p. 302). “Só é possível a autonomia se a sociedade se reconhecer como autora de suas normas” (CASTORIADIS, 1987, p. 303).

Essas encruzilhadas produzidas pelo autor não estão apenas no título de sua coleção que compartilha de questões pertinentes à psicanálise, filosofia, história, sociedade, ciência, imaginário, autonomia, criação, entre outros assuntos relevantes, mas desafia à reflexão sobre o que são essas encruzilhadas. De maneira humilde atrevo-me a afirmar que são essas contradições de reconhecimento e de valoração das contribuições do passado, dos grandes nomes de todas essas áreas do conhecimento, em contraponto, à crítica feita a cada um deles, sempre com mesmo viés, a dificuldade que tinham em relacionar seus conhecimentos e teorias às questões do social-histórico e do imaginário, que compõe esse cenário de “encruzilhada”. Podemos sempre, em todas as contribuições históricas, em toda tradição, fazer escolhas, optar por um caminho ou por outro, o passado nos coloca diante de encruzilhadas e o autor acompanha as grandes mudanças no espectro da filosofia da ciência e das artes, valorizando cada uma delas e criando sua maneira particular de interpretá-las.

Cabe aqui reforçar que para o autor o próprio “Ser” é “caos”, “abismo”, um completo “sem-fundo”, é luta constante por uma organização que se dá mediante apenas à

“organizações parciais”, nunca completamente estruturadas. Sendo a primeira organização de todas as necessárias ao mundo o conceito de “Tempo”, mas o próprio tempo é “criação”, e em vias de que o “Ser” só é possível “pelo Tempo (por meio do Tempo, em virtude do Tempo). Em essência, o Ser é Tempo” (CASTORIADIS, 1987, p. 225). Esse tempo é a própria história, o passado, o presente e o futuro, uma criação do humano para organizar o mundo e a sociedade, mediante o caos que somos sem esses “limitadores”. Ao passo que não temos como mudar o passado, nem transformar totalmente os limitadores que foram criados há tanto tempo que nem o próprio tempo é capaz de especificar, faz-se possível transformar e criar novas formas de estruturar esse tempo e recriar o social. Neste exercício está a liberdade34 defendida por Castoriadis, uma liberdade que é limitada pela tradição, ao mesmo tempo, dependente da tradição para manter-se em transformação.

Sobre o exposto talvez a reflexão que caiba é a impossibilidade de vida no completo caos, há de se ter um mínimo de organização do caos e de regulação. O caráter conservador da educação exerce essa função, se abandonarmos as novas gerações à bagunça de um mundo sem estrutura nenhuma estaremos condenando o social ao completo caos. Sem esse conhecimento prévio que a tradição nos possibilita, não há como identificar a possibilidade do novo, não há como criar um novo imaginário social.

Castoriadis, além de valorizar a tradição, abre espaço para que o novo se instale no olhar de outros sujeitos, ele é um continuador da filosofia da práxis, inverte e muda as questões, se coloca como um teórico da liberdade, em dívida e reconhecimento extremo à tradição da filosofia política. Ele, na dimensão epistemológica e ontológica, na relação com a filosofia da ciência, incorpora a noção de desordem, de indeterminação e as tem como espaço capaz de provocar a liberdade. Isso, de certa forma é próprio da virada do século XX, dos paradigmas holonômicos. Ele carrega em suas reflexões a teologia, a física, a economia ou a crítica a elas, para mostrar a capacidade de indeterminação do ser. E Castoriadis, teimosamente, não está interessado em abandonar a discussão sobre a dimensão da

34“Penso que estamos em um cruzamento do caminho da história, da grande história. Um caminho parece, desde

já, claramente traçado, pelo menos no que se refere a sua orientação geral. É o caminho da perda do sentido, da repetição de formas vazias, do conformismo, da apatia, da irresponsabilidade e do cinismo e que é, ao mesmo tempo, aquele do domínio crescente do imaginário capitalista da expansão ilimitada de um ‘domínio racional’, pseudodomínio pseudorracional, de uma expansão ilimitada do consumo pelo consumo, vale dizer por nada, e da tecnocracia autonomizada em sua corrida e que é, evidentemente, parte ativa da dominação desse imaginário capitalista. O outro caminho deveria ser aberto; ele não está absolutamente traçado. Só pode ser aberto por um despertar social e político, um renascimento, uma ressurgência do projeto de autonomia individual e coletiva, isto é, da vontade de liberdade. Isso exigiria um despertar da imaginação e do imaginário criador. Pelas razões que tentei formular, um tal despertar é, por definição, imprevisível. Ele é sinônimo de um despertar social e político. Os dois só podem caminhar juntos. Tudo o que podemos fazer é prepara-los conforme pudermos, lá onde nos encontramos” (CASTORIADIS, 2004, p. 148).

subjetividade e da objetividade. Está às voltas sempre com quem é esse Sujeito, o que é Ser, para-si, reflexivo, estruturante da sua subjetividade e da coletividade. E essa se coloca como outra grande questão do autor, a questão do sujeito como necessária e permanente discussão, uma vez que este é quem se relaciona com as ciências, com o mundo, com a possibilidade de liberdade e de política.

Se tal é o imaginário dominante da humanidade ocidental contemporânea, o