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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADA DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

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UNIVERSIDADEFEDERALDORIOGRANDEDONORTE CENTRODECIÊNCIASSOCIAISAPLICADA

DEPARTAMENTODESERVIÇOSOCIAL CURSODESERVIÇOSOCIAL

CLARAMIRELLEALVESDASILVA

O SERVIÇO SOCIAL NO ATENDIMENTO ÀS MULHERES EM SITUAÇÃO DE ABORTO: DESAFIOS À GARANTIA DA AUTONOMIA DAS MULHERES

NATAL/RN 2020

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CLARA MIRELLE ALVES DA SILVA

O SERVIÇO SOCIAL NO ATENDIMENTO ÀS MULHERES EM SITUAÇÃO DE ABORTO: DESAFIOS À GARANTIA DA AUTONOMIA DAS MULHERES.

Monografia apresentada ao curso de graduação em Serviço Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.

Orientador(a): Prof(a). Dr(a). Miriam de Oliveira Inácio.

NATAL/RN 2020

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Silva, Clara Mirelle Alves da.

O Serviço Social no atendimento às Mulheres em

situação de aborto: desafios à garantia da autonomia das mulheres / Clara Mirelle Alves da Silva. - 2020.

71f.: il.

Monografia (Graduação em Serviço Social) -

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Serviço Social. Natal, RN, 2020.

Orientadora: Profa. Dra. Miriam de Oliveira Inácio.

1. Patriarcado - Monografia. 2. Gênero - Monografia.

3. Direitos sexuais e reprodutivos - Monografia. 4.

Aborto - Monografia. 5. Serviço Social - Monografia. I.

Inácio, Miriam de Oliveira. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/CCSA CDU 364:34

Elaborado por Eliane Leal Duarte - CRB-15/355

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CLARA MIRELLE ALVES DA SILVA

O SERVIÇO SOCIAL NO ATENDIMENTO ÀS MULHERES EM SITUAÇÃO DE ABORTO: desafios à garantia da autonomia das mulheres.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial exigido para obtenção do Título de Bacharel em Serviço Social na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e avaliada pela seguinte Banca Examinadora:

Aprovada em: 10/12/2020

BANCA EXAMINADORA

______________________________________

Profa. Dr(a). Miriam de Oliveira Inácio Orientador(a)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

______________________________________

Profa. Dr(a). Antoinette de Brito Madureira Membro interno

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

______________________________________

Assistente Social Cássia Layanna de O. C. Lima Membro externo

Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel

NATAL/RN 2020

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À todas as mulheres que vieram antes de mim e que morreram lutando por direitos dos quais hoje posso usufruir.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, companheiros fiéis de vida e de luta, que me educaram com tanto amor, que me mostraram a importância que a educação tem em nossas vidas, grandes incentivadores desse sonho, que vibram a cada conquistas e estão ao meu lado também nas derrotas. Mãe, que mulher admirável! Minha inspiração de força, de mulher, mãe e amiga. Pai, que homem de força! Minha inspiração de luta, resistência, de homem, pai e amigo. Sem vocês nada seria possível. Vocês são minha inspiração de amor, carinho, honestidade, generosidade e luta. Meu amor por vocês e nossa família é incondicional, que sejamos sempre unidos.

Aos meus irmãos, que participam ativamente da minha vida e também fazem parte desta conquista, pois sonho bom é sonho coletivo, que sonhamos juntos e nos tornamos ainda fortes quando estamos unidos.

Aos meus sobrinhos Ian e Caio, que me mostraram uma nova forma de amar, com pureza, sem vaidades e aos quais farei o impossível para ver felizes e saudáveis. Vocês também são parte de mim.

À toda família que de forma direta ou indireta partilharam desta caminhada.

Aos amigos que fiz durante a graduação ou em decorrência dela, Lourene, Ícaro, Sara, Leny, Thayse, Maria Clara, Carol, Thávilla, João Marcelo, Larissa Moura que tornaram essa caminhada mais leve e menos árdua. Obrigada pelas risadas, festas, abraços, desabafos e incentivo mútuo para não desistir dos nossos objetivos.

Aos amigos de luta feitos em cada pedacinho desse país através de movimentos estudantis e principalmente aos amigos do Movimento de Casas de Estudante (MCE), que me acolheram e partilham da vivência e desafios de morar em residência estudantil. MCE vive!

À Michael, meu amigo, amor e meu bem, a quem é tão fácil amar e tão difícil de descrever em poucas linhas. Sem você essa jornada seria mais difícil e os dias não seriam tão coloridos. Obrigada por dividir a vida comigo e vivermos essa fase tão bonita de nossas vidas;

por me acalmar e dizer que tudo ficará bem. Que sejamos apoio dos sonhos e objetivos um do outro, mesmo que um dia nossos caminhos não coincidam mais.

À minha maravilhosa orientadora Dra. Miriam Inácio. Obrigada por me acolher, orientar e não desistir de mim. Esse trabalho não seria possível sem você. És minha referência profissional de Professora e Assistente Social. Obrigada por ter acreditado em mim, quando nem mesmo eu acreditava. Obrigada por sua paciência, dedicação e tempo. Todo o meu respeito à pessoa e profissional que você é.

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À banca, composta por Cássia Layanna e Antoinette Madureira e suas contribuições neste trabalho e na minha vida acadêmica.

Ao Programa de educação Tutorial, ao qual participei por 3 anos durante a graduação e me possibilitou tanto aprender quanto ensinar através das atividades de extensão à comunidades externas a UFRN, sobre o trabalho em grupo, que nenhum saber se sobrepõe a outro e que juntos somos ainda mais fortes.

À Profa. Dra Karina Ribeiro, por tanta atenção e cuidado e pelas exigências que fizeram de nós seus alunos pessoas ainda mais dedicadas e comprometidas com a sociedade, além de excelentes profissionais. Você é, sem dúvidas, inspiração pessoal e profissional para todos nós.

Meu respeito e admiração a você!

A todos os professores que fizeram parte da minha formação profissional, ao apoio do departamento de Serviço Social, à secretária Karla pela profissional competente e maravilhosa que sempre nos ajuda e atende muito bem.

À assistência estudantil instituída pelo PNAES, pois sem a política de permanência estudantil, em especial, ao auxílio moradia, não seria possível concluir o curso.

Por fim, espero que esse trabalho contribua de alguma forma com as mulheres e a sociedade em geral, bem como a categoria profissional.

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Não aceito mais as coisas que não posso mudar, estou mudando as coisas que não posso aceitar.

- Angela Davis

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso pretendeu contribuir com o debate sobre a atuação da/o Assistente Social no atendimento às mulheres em situação de aborto. Nesse sentido, buscamos desenvolver a partir das categorias de análise que se mostraram relevantes e coerentes a este processo de investigação, analisar a visão e a atuação das/os Assistentes Sociais no atendimento as mulheres em situação de aborto no Brasil. Para isso, objetivamos registrar as Competências e Atribuições profissionais definidas pelos/as profissionais e refletir sobre a existência de valores ético-políticos e profissionais na prática das/os Assistentes Sociais. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica sobre o tema aborto nos artigos publicados nos anais dos 15º e 16º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS). Ademais, a escolha pelo método materialista histórico-dialético permitiu pensar tal problemática na totalidade das contraditórias relações sociais capitalistas, considerando a unidade capitalismo-patriarcado- racismo. Assim, os resultados da pesquisa mostraram que o interesse em discutir o aborto é predominantemente feminino, sendo todas as autoras mulheres e que nesses artigos não há um detalhamento sobre a atuação profissional, mas há uma preocupação em compreender a questão do aborto como direitos humanos e à luz do projeto ético-político profissional. Dessa análise também foi possível apreender as competências profissionais, como a realização de estudos que traçam o perfil sócio-econômico das mulheres atendidas. As atribuições profissionais versam sobre a orientação quanto aos direitos garantidos pela legislação brasileira, e as penalidades previstas no código penal, bem como o trabalho educativo junto às mulheres para uma escolha livre e consciente sobre a realização do aborto. Os desafios à garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres esbarram no conservadorismo da legislação brasileira, apoiada por um parlamento federal de cariz fundamentalista que, por meio de leis e portarias dificultam o acesso ao aborto até mesmo nos casos permitidos pelo Código Penal de 1940. Outro desafio consiste na desvinculação de determinados valores morais e religiosos individuais de Assistentes Sociais que colidem com os princípios fundamentais do Código de Ética Profissional, balizado pela defesa da liberdade, autonomia e emancipação. Assim, esta pesquisa buscou contribuir com uma análise crítica acerca da temática do aborto para os diversos sujeitos da sociedade civil, para a sensibilização das equipes profissionais que atendem nos serviços de aborto legal, em especial a categoria de Assistentes Sociais. Sendo assim, torna-se necessário fortalecer o debate sobre aborto e atuação profissional, compreendendo as competências e atribuições profissionais nos serviços de aborto legal, desvinculando-se de práticas conservadoras, bem como ampliar a produção acadêmica nessa área, ainda pouco discutida na categoria profissional, de modo da dar mais visibilidade ao tema, na perspectiva do atendimento das demandas feministas pela ampliação dos direitos e autonomia das mulheres.

Palavras-chave: Patriarcado. Gênero. Direitos Sexuais e Reprodutivos. Aborto. Serviço Social.

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ABSTRACT

The present Final Paper aimed to contribute to the debate about the Social Worker role related to the assistance with women in situations of abortion. Moreover, we aim to develop this research starting from the categories of analysis that have shown to be relevant and coherent to this investigation process; to analyze the vision and the performance of Social Workers in regards to the assistance povided to women in situations of abortion in Brazil. In addition, for this purpose, we aim to register the Professional Competences and Assignments defined by the professionals and reflect on the existence of ethical-political and professional values in the practice of Social Workers. In this way, from the bibliographic research in the annals of the 15th and 16th Brazilian Congress of Social Workers (BCSW), we analyze how the vision and performance of Social Workers is configured in the care of women in situations of abortion in Brazil, registering the skills, professional attributions and the challenges defined by the professionals regarding the existence of ethical-political and professional values, observing possible conservative attitudes on the professional practice. Thus, the adoption of the historical- dialectical materialist method allowed us to think about this problem in all the contradictory social-capitalist relations, considering the capitalism-patriarchy as an unit. Hence, the research results showed us that the interest in discussing abortion is predominantly female, with all women authors, besides that in these articles there are no detail on professional performance, but there is a concern to understand the issue of abortion as human right and in the light of the professional ethical-political project. From this analysis, it was also possible to apprehend the competences, being the accomplishment of studies that trace the socioeconomic profile of the women attended, the quality of the service provided to the population that serves as a basis for the improvement of services in the public administration entities and among the categories of professionals involved. The attributions are about the orientation regarding the rights guaranteed by Brazilian legislation, as well as the penalties provided by the penal code; educational work with women for a free and conscious choice. The challenges to guaranteeing women's sexual and reproductive rights are hindered by the conservatism of Brazilian legislation, supported by a fundamentalist federal parliament that, through laws and ordinances, makes access to abortion difficult even in the cases permitted by the 1940 Penal Code. Another challenge is to disassociate certain individual moral and religious values from Social Workers who conflict with the fundamental principles of the Code of Professional Ethics, guided by the defense of freedom, autonomy and emancipation. Thus and so, this research sought to contribute with a critical analysis on the theme of abortion for the various subjects of civil society, to raise the awareness of the professional teams that assist in legal abortion services, especially the group of Social Workers. Therefore, it is necessary to strengthen the debate on the abortion subject matter and professional practice, understanding the competences and duties in legal abortion services, detaching themselves from conservative practices, as well as expanding academic production in this area, which is still fairly discussed in the professional field, in order to give more visibility to the topic, in the perspective of meeting feminist demands for the expansion of women's rights and autonomy.

Keywords: Patriarchy. Gender. Sexual and reproductive rights. Abortion. Social work.

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LISTA DAS SIGLAS

AFM - Articulación Feminista Marcosur

AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida AMB - Articulação de Mulheres Brasileiras

AMNB - Articulação de Mulheres Negras Brasileiras BEMFAM - Bem-Estar Familiar no Brasil

BO - Boletim de Ocorrência

CBAS - Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais CEM - Código de Ética Médica

CFESS - Conselho Federal de Serviço Social CFM - Conselho Federal de Medicina

CIPD - Conferência Internacional de População e Desenvolvimento do Cairo COFEN - Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem

COVID - Coronavírus DF - Distrito Federal

FOPIR - Fórum Permanente Pela Igualdade Racial

FSCMPA - Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará HIV - Vírus da Imunodeficiência Humana

HJPB - Hospital José Pedro Bezerra IML - Instituto Médico Legal

IPAS - Instituto Pernambucano de Assistência e Saúde IST - Infecção Sexualmente Transmissível

MS - Ministério da Saúde

NTC - Novas Tecnologias Conceptivas OMS - Organização Mundial da Saúde ONG - Organização Não Governamental ONU - Organização das Nações Unidas

PAISM - Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher PAVAS - Programa de Asssitência à Vítima de Agressão Sexual PL - Projeto de Lei

PNAISM - Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher PNDS - Pesquisa Nacional de Democracia e Saúde

PSL - Partido Social Liberal

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RN - Rio Grande do Norte

SESAP - Secretaria de Estado da Saúde Pública SOF - Sempre Viva Organização Feminista

SOS CORPO - Instituto Feminista para a Democracia SUS - Sistema Único de Saúde

UBS - Unidade Básica de Saúde

UERJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte UTIN - Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

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LISTA DE QUADROS

Quadro I - Levantamento sobre o tema aborto nos artigos do 15º e 16º CBAS ________________ 54

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 13

2 DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS DAS MULHERES EM SITUAÇÃO DE

ABORTO 17

2.1 Patriarcado, gênero e relações patriarcais de gênero 17 2.2 Direitos Sexuais e Reprodutivos das Mulheres, aborto e as contribuições feministas 24 3 A QUESTÃO DO ABORTO: UM DEBATE NECESSÁRIO SOBRE O DIREITO AO

CORPO E AUTONOMIA DAS MULHERES 36

3.1 Experiência de Estágio no Hospital José Pedro Bezerra e no Programa de Assistência

às Vítimas de Agressão Sexual (PAVAS). 36

3.2 Do Código Penal de 1940 ao SUS: Avanços e retrocessos nas políticas públicas de

atenção à mulher em situação de aborto. 40

3.3 Visão e Atuação profissional das/os Assistentes Sociais nos serviços de aborto legal:

atribuições, competências e desafios ao projeto ético-político. 53

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 64

REFERÊNCIAS 68

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1 INTRODUÇÃO

Considerando que as relações sociais capitalistas e suas lutas de classes estabelecem valores com a finalidade de regular a vida social em articulação a economia e a política, que vivendo em uma sociabilidade capitalista fundada em valores mercantis e na exploração do trabalho, as classes dominantes impõem sobre a classe trabalhadora suas formas de pensar e de agir por meio da alienação nos processos de trabalho para legitimar sua dominação, a classe trabalhadora, particularmente as mulheres trabalhadoras são o grupo mais oprimido e explorado desta sociedade capitalista e patriarcal. Dessa forma, esse sistema que oprime e explora exerce sua dominação ainda mais forte sobre as mulheres, aprisionando e assassinando-as por praticarem abortos, sob um prisma moralizador da questão social e das questões de gênero. Esse mesmo sistema normativo condiciona as mulheres à esfera privada/reprodutiva e lhes negando direitos nas esferas públicas e privados.

A temática do aborto é ainda um tabu em nossa sociedade, marcada por opiniões heterogêneas que envolve diferentes discursos baseados no pensamento fundamentalista (religioso) e contraposto por discursos baseados na razão teleológica. Ademais, a posição não laica do Estado brasileiro expõe as mulheres a inúmeras formas de violência, até mesmo quando estas recorrem aos seus direitos legais, quando são discriminadas nos serviços de saúde, passando de vítimas a criminosas. É dentro dessa variedade de pensamentos que se firma a nossa pesquisa “O Serviço Social no atendimento as mulheres em situação de aborto: desafios à garantia da autonomia das mulheres”, que tem como objetivo geral analisar a visão e a atuação das/os Assistentes Sociais no atendimento as mulheres em situação de aborto no Brasil e tem como objetivos específicos registrar as competências e atribuições profissionais definidas pelos/as profissionais; refletir sobre a existência de valores ético-políticos e profissionais na prática dos/as Assistentes Sociais.

Para elaborar este estudo utilizamos o método materialista histórico dialético, haja vista que ele nos dar uma visão de totalidade sobre o real dentro da sociabilidade capitalista. Logo, vai nos dar as bases para que compreendamos o objeto de estudo a partir de uma análise crítica e de cunho político sobre a temática; que traz consigo interesses políticos entre as duas classes fundamentais de nossa sociedade: a burguesia e a classe trabalhadora, particularmente as mulheres trabalhadoras.

Dessa maneira, buscamos analisar, a partir da revisão bibliográfica nos anais do 15º e 16º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), como se configura a atuação das/os Assistentes Sociais no atendimento as mulheres em situação de aborto no Brasil, registrando as

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competências e atribuições profissionais e os desafios definidos pelos/as profissionais e refletindo sobre a existência de valores ético-políticos e profissionais na prática dos/as Assistentes Sociais, como também observando possíveis posturas conservadoras.

No que tange à descriminalização e legalização do aborto, o Serviço Social, por meio de sua entidade máxima de defesa e fiscalização profissional, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) se expressa favorável, por compreender que as mulheres são livres para decidir se querem ou não serem mães, rejeitando a tese de que a maternidade é uma determinação biológica da qual as mulheres não podem negar. Mesmo que a sociedade nos condicione a maternidade e crie o ideário de que a maternidade é a fonte de realização feminina, quando na verdade, existem tantas outras formas de realização pessoal, que não só a maternidade, são inúmeras as causas que levam uma mulher a praticar um aborto. Porém, as que mais sofrem com a clandestinidade do aborto são as mulheres pobres e negras que têm complicações por abortos mal feitos e morrem em decorrência deles.

Sobre alguns dos resultados da pesquisa, foram analisados seis artigos, onde todos são de autoria e co-autoria feminina, não havendo nenhum homem discutindo aborto nos últimos quatro anos no âmbito dos CBAS’s, período em que ocorreram o 15º CBAS em 2016, em Olinda/PE e o 16º CBAS em 2019 em Brasília/DF. A exclusividade dos trabalhos serem compostos só por mulheres podem ser explicados por dois motivos: o primeiro consiste no caráter da profissão que desde o seu surgimento é predominantemente feminino. O segundo se dá pelo fato de que no ideário popular, o aborto, assim como a maternidade são questões estritamente das mulheres, tanto em vivenciá-la quanto em discuti-las.

Adentrando a organização deste trabalho, no primeiro capítulo nos item 2.1 são abordadas as principais categorias para se entender como a negação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres estão inteiramente ligadas com a construção de uma sociedade patriarcal e capitalista, que tem por base a opressão e submissão feminina, que ancoram as desigualdades existentes nesse modelo econômico. No item 2.2 vemos ainda que a influência do fundamentalismo religioso se espraia e se instala nos espaços de poder e decisão do Estado, ao ponto de termos o congresso mais conservador desde o período da ditadura militar no país.

Não bastasse o Estado não reconhecer o direito ao aborto como uma questão de saúde pública, o congresso tem tentado tornar crime até mesmo os casos previstos pelo código penal de 1940, com portaria e proposições de emendas constitucionais que visam proibir o aborto em casos em que as mulheres engravidam de um estupro. Em contrapartida a essa reação conservadora, temos os movimentos de mulheres e feministas que lutam pelo reconhecimento do direito ao aborto como uma questão de saúde pública e como uma demanda legítima na reprodução da

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vida social e na vida de mulheres e casais quando a gravidez é indesejada. Manter o aborto ilegal não significa que ele deixará de existir, mas que ele vai ocorrer em condições razoáveis de higiene e segurança para aquelas que podem pagar e com pouca ou nenhuma higiene e segurança para aquelas que não usufruem de poder aquisitivo para pagar um por um procedimento minimamente seguro, ditando então quem terá condições de sobreviver a um aborto.

Em seu segundo capítulo, o estudo se debruçou sobre a minha experiência de estágio curricular obrigatório no Hospital Maternidade José Pedro Bezerra (Santa Catarina), no ano de 2018, o qual despertou o interesse por estudar a atuação das/os Assistentes Sociais nos serviços de aborto legal, no Programa de Assistência à Vítimas de Agressão Sexual (PAVAS), participando como ouvinte e observadora dos atendimentos das mulheres que procuram ou foram encaminhadas à maternidade para a realização do aborto legal, quando pude notar que existem uma variedade de posturas até dentro de uma mesma equipe profissional.

Neste mesmo capítulo, é abordada a trajetória do aborto do código penal ao SUS, em que os serviços de aborto legal foram estruturados, cerca de cinquenta (50) anos após a concessão do direito ao aborto em casos de gravidez resultante de estupro ou quando ela representa risco de morte à gestante e, depois, em forma de jurisprudência dando o direito ao aborto em casos de anencefalia fetal, sendo um período marcado por avanços e retrocessos.

A seguir é tratado, propriamente, dos interesses dessa pesquisa que é analisar como se configura a visão e atuação das/os Assistentes Sociais nos serviços de aborto legal. Análise esta feita a partir de pesquisa bibliográfica examinado os artigos do 15º e 16º CBAS, do eixo Serviço Social, Relações de Exploração/Opressão de Gênero, Raça/Etnia, Sexualidades, dos anos de 2016 e 2019, respectivamente. Dos quais foram extraídos seis (6) artigos científicos apresentados nos eventos de 2016 e 2019. As pesquisas são todas de autoria feminina, com vistas a discutir aborto sob a ótica dos direitos humanos e à luz do projeto ético-político profissional.

É importante esclarecer que o Serviço Social representado pelo CFESS e os movimentos de mulheres e feministas não consideram o aborto como um método contraceptivo, mas como um direito que as mulheres possam acessá-lo quando uma gravidez for indesejada e não fizer parte do seu planejamento familiar e essa for sua única opção, defendendo, dessa maneira, a liberdade de escolher a maternidade e a autonomia das mulheres sobre seus corpos, sem imposição social e determinação biológica, pois o sexo não serve apenas para a reprodução.

Esta pesquisa visa contribuir para uma análise crítica acerca da temática do aborto para os diversos sujeitos da sociedade civil, para a sensibilização das equipes profissionais que

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atendem nos serviços de aborto legal, em especial a categoria de Assistentes Sociais em discutir mais sobre aborto e sobre a atuação profissional, compreendendo suas competências e atribuições nesses serviços, se desvinculando de práticas e posturas conservadoras em seu ambiente profissional, bem como fomentar a produção acadêmica com essa questão que ainda é pouco discutida, trabalhando a visibilidade do tema no sentido de ampliação dos direitos das mulheres.

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2 DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS DAS MULHERES EM SITUAÇÃO DE ABORTO

No debate sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres em situação de aborto, este capítulo abordará como se configura o sistema de dominação-exploração das mulheres pelos homens, a partir das categorias patriarcado, gênero e relações patriarcais de gênero e como esse sistema se consolida na sociabilidade capitalista, haja vista que a sociedade patriarcal legitima comportamentos sociais que violentam, oprimem e põem a mulher em lugar de subserviência. Para explicar essas relações, será feita uma breve contextualização sobre as categorias Patriarcado, Gênero e relações patriarcais de gênero, trazendo elementos que suscitam a discussão sobre essas categorias, a partir das contribuições de várias estudiosas do tema, com destaque para as reflexões de Delphy (2009) e Saffioti (2011).

Compreendemos que a não autonomia do corpo das mulheres é reflexo do patriarcado.

Nesse sentido, para garantir os direitos sobre o corpo das mulheres e medidas que ampliem esses direitos, o feminismo cumprirá um papel muito importante em lutar pela garantia e manutenção destes e avançar no debate sobre o acesso ao aborto como um direito humano, visto como uma questão de saúde pública.

É trazido também o posicionamento do Serviço Social sobre os direitos reprodutivos, sendo favorável a legalização e descriminalização do aborto, por reconhecer que esta é uma questão de saúde pública e versa sobre a liberdade de escolha da mulher, de ter assistência e acesso aos serviços de saúde e que a atuação da profissão deve estar alinhada com a garantia dos direitos de todas as mulheres.

2.1 Patriarcado, gênero e relações patriarcais de gênero

O presente item abordará a importância das reflexões sobre gênero e patriarcado, com vistas a elucidar os limites e as possibilidades desses conceitos para análise da opressão das mulheres na realidade contemporânea. Destaca-se a compreensão de Saffioti (2011) sobre as relações patriarcais de gênero, sendo um debate fundamental para pensar a questão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres em situação de aborto na atualidade.

Na vivência cotidiana, nossas ações, na maioria das vezes, são elaboradas automaticamente, sem pensar criticamente sobre como elas irão repercutir na sociedade.

Quando nascemos já estamos dentro de uma estrutura que preexiste a nós e é por meio dela que nos são repassados os costumes, tradições, em que a nossa socialização e o modo como iremos

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nos relacionar com as outras pessoas são construídos. Assim, por meio da família nos são ensinados como ser no mundo, qual a nossa função, o que devemos ser ou fazer.

Antes mesmo de nascer já existe um molde para meninas e meninos. Dessa maneira, a partir da infância percebemos o papel que cada um deverá cumprir. Logo, somos instruídos a usar roupas, cores, brincadeiras e outras coisas que possam nos diferenciar. Aos meninos, poucas regras: devem brincar, estudar, namorar e trabalhar para ocupar os cargos importantes da sociedade. Às meninas, muitas regras: devem brincar apenas com meninas, as brincadeiras em sua maioria são de “ser mãe” é aprender a cuidar dos filhos (as), devem estudar, pois o estudo é para ter uma profissão e ter estabilidade familiar; namorar apenas para casar, pois “não fica bem” para sua reputação se tiver namorado muitos meninos (a heterossexualidade é a norma); o casamento é para constituir família e deverá ser uma “boa mãe” a ponto de sacrificar sua carreira profissional e sua vida para se dedicar aos filhos (as). À eles, liberdade. À elas, restrições e regras.

Dessa maneira, crescemos em sociedade com nossas funções postas. Na fase adulta, conseguimos perceber nitidamente que homens e mulheres não são iguais em seus direitos.

Distintos, dignos de liberdade ou não, donos de seus corpos ou não, de acordo com seu sexo.

Ora, as diferenças já são percebidas quando as meninas começam a namorar, pois elas devem manter-se “virgens” para o casamento e os meninos devem “aproveitar” bastante a vida antes de casar, ainda é uma visão disseminada na sociedade atual. Sob a falácia do casamento para sempre como objetivo de vida, do amor eterno, do marido protetor e de conhecer o maior amor da vida com a maternidade (pois, nos dizeres populares, ser mãe é padecer no paraíso), as mulheres constroem sua vida e comportamento fundados num sistema patriarcal. Não atribuindo generalizações de nenhuma parte, há mulheres que encontram sua realização pessoal em seu relacionamento monogâmico e/ou sendo mães e há mulheres que encontram a realização pessoal por meio da sua carreira profissional, sem relacionamentos fixos e/ou entre tantas outras possibilidades.

Entretanto, a questão não é a realização pessoal em si, mas o condicionamento ao qual nós mulheres somos submetidas. Todos os direitos, à eles, alguns (poucos), à elas. Os homens podem não querer ser pais, mas a maternidade é o destino esperado das mulheres, principalmente das mulheres casadas. Quando casadas, muitas mulheres acham que devem, por obrigação, ter relações sexuais com seu esposo que irá cobrar esse “direito”, pois o casamento realiza a regularização das relações sexuais. Ninguém critica pessoas casadas por terem relações sexuais, mas aos jovens solteiros não são bem vistos por praticarem o mesmo ato. Sendo assim, o casamento tem a função social de regularizar a prática sexual, a reprodução da sua prole e de

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aprisionar o corpo da mulher ao marido, bem como exige a fidelidade feminina. O casamento garante que o marido tenha controle sobre seus descendentes e a certeza de que os filhos biológicos são seus. No entanto, a fidelidade não é esperada do mesmo, mesmo em relacionamentos monogâmicos. Porém, se ela engravidar, a única opção é levar a gestação adiante, mesmo que seja indesejada, a menos que seja oriunda de uma violência sexual ou nas situações de risco de vida para a mãe e anencefalia fetal, casos previstos no código penal brasileiro nos quais são permitidos a realização do aborto.

Sendo assim, a sociedade patriarcal, onde a posse e o controle sobre o corpo feminino são tão demasiado, que crimes no Brasil já foram justificados sob a alegação de legítima defesa da “honra” e os réus absolvidos, especialmente em situações nas quais homens supostamente foram traídos por suas esposas e “lavaram a sua honra” assassinando-as. Isso nos mostra não apenas a gravidade de uma legislação machista, mas também como a mulher é objetificada à posse do marido.

Para adentrar ao assunto e compreendermos o conceito de patriarcado, precisamos entendê-lo como um processo histórico na sociedade, marcada pela divisão sexual do trabalho a partir da sociedade de caça e coleta. Assim, nesse período histórico, os homens eram responsáveis pela caça e as mulheres pela coleta, de modo que a eles restava mais tempo ocioso para atividades criativas.

Segundo Delphy (2009), o patriarcado é a dominação do homem sobre a mulher ou o poder do homem: “Patriarcado” vem da combinação das palavras gregas pater (pai) e arché (origem e comando). Essa raiz de duplo sentido se encontra em arcaico e monarquia. Para o grego antigo, a primazia no tempo e a autoridade são uma só e a mesma coisa (DELPHY, 2009, p. 174).

Nesse sentido, o termo quer dizer autoridade do pai. O pai é, pois, o primeiro contato na família e a linhagem das gerações seguintes. Logo, a dominação do homem se expressa, primeiramente, na figura do pai e, depois, na figura do marido. Sendo assim, pai e/ou marido cumprem a mesma função no que tange ao sistema que oprime as mulheres.

Ademais, para Delphy (2009) na perspectiva feminista contemporânea, as feministas rejeitam a ideia da origem de um matriarcado e outra parte delas não têm interesses pelas teorias evolucionistas, as quais são desacreditadas pelas atuais Ciências Sociais. Na definição feminista, pai ou marido ocupam a mesma posição de dominação, sendo assim, o patriarcado é fonte de objeções quanto a sua utilização para designar sistemas de opressão às mulheres, tendo em vista que se assimila o pai ao genitor, no sentido etimológico da palavra pater. Contudo, o sentido feminista dado à expressão prevaleceu. Logo, a palavra designa a dominação dos homens, sendo

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eles pais biológicos ou não.

De acordo com Saffioti (2011), o patriarcado não se trata apenas de uma relação privada, mas civil. Desse modo, as relações entre homens e mulheres são mediante contrato social, por exemplo, o casamento, no sentido de que o contrato social é político e não privado.

Segundo esta autora, o casamento estabelece a liberdade civil do homem e a sujeição da mulher, ao mesmo passo que dá direitos sexuais aos homens, onde estes têm acesso praticamente sem restrições ao corpo das mulheres, isto é, coloca as mulheres sexualmente disponíveis para os maridos, em que eles podem usufruir deliberadamente dessas relações, mantendo a monogamia feminina e estabelecendo com quem a mulher pode ter tais relações.

Ainda conforme Saffioti (2011), o patriarcado configura um tipo hierárquico de relação, que invade todos os espaços da sociedade. Assim, é possível se estabelecer mesmo sem ter a presença de um homem, pois será reproduzido, já que esta é a regra. Possui uma base material; corporifica-se; representa uma estrutura de poder baseada tanto na ideologia, quanto na violência. Para Saffioti (2011), abandonar o conceito de patriarcado seria aceitar que esse sistema impõe como natural a diferença política entre homens e mulheres. A autora tece sua análise à luz de Pateman:

representaria, na minha maneira de entender, a perda, pela teoria política feminista, do único conceito que se refere especificamente à sujeição da mulher, e que singulariza a forma de direito político que todos os homens exercem pelo fato de serem homens. Se o problema não for nomeado, o patriarcado poderá muito bem ser habilmente jogado na obscuridade, por debaixo das categorias convencionais da análise política. [...] Abandonar o conceito significaria a perda de uma história política que ainda está para ser mapeada (PATEMAN, p. 39-40, apud SAFFIOTI, 2011, p. 55).

Dessa maneira, Saffioti (2011) endossa o pensamento de Pateman, ao passo que é preciso que se desenvolva uma concepção feminista sobre o patriarcado que reforme seu significado para além das reduzidas interpretações patriarcais de seu significado. Sendo assim, com as palavras de Saffioti (2011, p. 55),

Ainda que muitas(os) teóricas(os) adeptas(os) do uso exclusivo do conceito de gênero denunciem a naturalização do domínio dos homens sobre as mulheres, muitas vezes, inconscientemente, invisibilizam este processo por meio, por exemplo, da apresentação de dados. À medida que as(os) teóricas(os) feministas forem se desvencilhando das categorias patriarcais, não apenas adquirirão poder para nomear de patriarcado o regime atual de relações homem-mulher, como também abandonarão a acepção de poder paterno do direito patriarcal e o entenderão como direito sexual.

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Além disso, a categoria gênero, sozinha, não explica a base das desigualdades entre homens e mulheres na sociedade. Mesmo que as desigualdades tenham a ver com a diferença entre os sexos, não é apenas essa a base material das opressões contra as mulheres.

As diferenças sexuais constituem as relações de gênero, que conforme Scott (1990, p.

21), este “é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder.” Geralmente, o que é masculino tem mais valor na sociedade. Para que se entenda abertamente o que é a categoria gênero, entremos no debate sobre diferenciar o mundo animal da sociedade, separar a biologia da sociologia. Desta maneira, não existe no mundo animal a categoria gênero, posto que para estes há apenas as categorias macho e fêmea como definição ou diferenciação dos sexos, dos corpos dos animais. Contudo, na sociedade a categoria gênero expressa a diferença entre o que é masculino ou feminino, homem ou mulher.

Dentre as várias formas de situar o gênero na sociedade, ele se configura como a diferença social entre os sexos. O sexo, por sua vez, trata-se da condição biológica do corpo, como nascemos na condição de machos ou fêmeas e, a partir dele, desenvolveu-se socialmente a categorização do conceito de gênero, baseado nessas diferenças. Assim, a sociedade molda o que é o ser feminino e o ser masculino. À exemplo, quando uma mulher está grávida e faz os exames necessários para acompanhar como está sua saúde e da criança que está sendo gestada em seu ventre, já a definem o que aquele ser humano será: se tiver pênis, menino; se tiver vagina, menina.

Dessa maneira, já se começa a preparar o enxoval de cor azul ou rosa. Ao menino, criam a imagem do homem de sucesso, viril, inteligente, que seja capaz de conquistar o mundo, de estudar e ser livre. À menina, criam a imagem da sensibilidade, da fragilidade, que precisa de proteção, que vai estudar, mas que vai ser uma “boa esposa” e “boa mãe”. As brincadeiras na infância também reforçam os condicionamentos sociais impostos. Ao passo que os meninos brincam de bonecos, de luta, de espadas; as meninas, de boneca, casinha e de “ser mãe”. Aos meninos não cabem as brincadeiras de cuidar dos filhos, de cuidar da casa. Essa é uma tarefa destinada às meninas. Dizem: “Ora, eles não são mulherzinhas para tais brincadeiras”. Às meninas não cabem brincadeiras que envolvam agressividade, liberdade ou capacidade de pensamento. Ora, as meninas precisam de proteção, são princesas que precisam ser salvas pelos príncipes, com os quais irão se casar. Essa mesma lógica está imbricada nos desenhos infantis e nas propagandas publicitárias das mídias sociais.

Entretanto, é importante ressaltar que tais padrões de gênero, mesmo que ainda sejam hegemônicos na atual sociedade patriarcal, vem sendo questionados historicamente pelo

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feminismo e tem produzido mudanças de comportamentos nas gerações mais recentes.

Além disso, para Louro (2003), apreender a concepção de gênero a partir, somente, dos papéis masculinos e femininos na sociedade, das regras aos quais esses membros são condicionados só estabelecerá que existe um padrão a ser seguido para determinar comportamentos sociais adequados ou inadequados para aqueles. No entanto, adotar essa análise sobre as relações homem-mulher atenua o caráter redutor e simplista da concepção.

Logo, deve-se “entender o gênero como constituinte da Identidade dos sujeitos. E aqui nos vemos frente a outro conceito complexo, que pode ser formulado a partir de diferentes perspectivas: o conceito de identidade” (LOURO, 2003, p. 24). No sentido de que não se pode tratar as desigualdades como um campo, apenas, de suas relações interpessoais, mas analisar a estrutura imposta, os discursos e as hierarquias entre os gêneros. Assim, o conceito de identidade trazido por ela é oriundo dos estudos feministas e dos estudos culturais sobre identidade. Logo, numa aproximação mais crítica dessas formulações, os sujeitos devem ser compreendidos como possuidores de identidades plurais, múltiplas, que não são fixas, que se transformam e podem ser, por vezes, contraditórias. Isto é, que ultrapassa o desempenho de papéis. Nesse sentido, “a ideia é perceber o gênero fazendo parte do sujeito, constituindo-o” (LOURO, 2003, p. 25).

Nesse sentido, Saffioti (2011) amplia essa discussão ao considerar o patriarcado como uma expressão de relações de gênero desiguais. Ela retrata o pensamento de Jung em sua obra, o qual explica essa diferença entre homens e mulheres, que é o desenvolvimento de um animus ou anima, do qual os dois são dotados, de modo que animus é princípio masculino e anima o princípio feminino. Assim, os homens são estimulados a desenvolver seu animus e não sua anima; e às mulheres, o inverso. Com isso, os homens são instigados a participar das esferas de poder, enquanto as mulheres não são ensinadas ou encorajadas a esta função. À ela é instigado apenas a desenvolver sua anima, tornando-a sensível e frágil para romper relações socialmente impostas, incapacitadas para a vida de competições, ao qual somos todos(as) submetidos(as).

Logo, essa desigualdade é favorável ao patriarcado, que explora e oprime as mulheres e usa deste determinante para produzir/reproduzir socialmente esta lógica. Isto é,

o patriarcado, quando se trata da coletividade, apoia-se neste desequilíbrio resultante de um desenvolvimento desigual de animus e anima e, simultaneamente, o produz. Como todas as pessoas são a história de suas relações sociais, pode-se afirmar, da perspectiva sociológica, que a implantação lenta e gradual da primazia masculina produziu o desequilíbrio entre animus e anima em homens e mulheres, assim como resultou deste desequilíbrio (SAFFIOTI, 2011, p. 37).

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Saffioti (2011) retoma o pensamento de Scott e suas importantes contribuições acerca das relações de gênero que estão entrelaçadas de relações de poder, que hierarquizam mulheres e homens ao longo da história da humanidade. Entretanto, Saffioti (2011) tece críticas a Scott por obscurecer demasiadamente um projeto de transformação social.

Por conseguinte, Saffioti (2011) mostra que o conceito de gênero é mais amplo que o de patriarcado, tendo em vista que o gênero acompanha a sociedade desde sua existência, enquanto o conceito de patriarcado é recente ao demarcar o período histórico de opressão dos homens sobre as mulheres. Além disso, patriarcado se refere necessariamente à opressão, à desigualdade, sendo uma das possibilidades dentro das relações de gênero, mas não a única.

Devido a vastidão do conceito de gênero, essa categoria ganhou centralidade no debate feminista, que acabou por deixar de lado a categoria patriarcado, negando ou abrindo mão e desqualificando a noção de uma ordem patriarcal de gênero. É esse exclusivismo em torno do conceito de gênero ao qual Saffioti (2011) discorda. Assim, ela questiona:

como a teoria é muito importante para que se possa operar transformações profundas na sociedade, constitui tarefa urgente que as teóricas feministas se indaguem: a quem serve a teoria do gênero utilizada em substituição à do patriarcado? A urgência desta resposta pode ser aquilatada pela premência de situar as mulheres em igualdade de condições com os homens (SAFFIOTI, 2011, p. 138).

Quais seriam os interesses em beneficiar o uso do gênero em detrimento da desconstrução de patriarcado? Esse questionamento acena para a concepção da indissociabilidade entre as duas categorias. Por conseguinte, ela ressalta que nos últimos milênios as mulheres estiveram hierarquicamente subordinadas aos homens. Nesse sentido,

“Tratar esta realidade em termos exclusivamente do conceito de gênero distrai a atenção do poder do patriarca, em especial como homem/marido, “neutralizando” a exploração-dominação masculina” (SAFFIOTI, 2011, p. 136).

Diferentemente das teorias que privilegiam a categoria gênero e o tratam como um conceito neutro, como apenas uma categoria analítica sem interesses de qualquer ordem, Saffioti (2011) afirma que “o conceito de gênero carrega uma dose apreciável de ideologia” (SAFFIOTI, 2011, p.136). Logo, sendo um conceito amplo e ambíguo, sua utilização está, justamente, na lógica de encobrir a ideologia patriarcal que tem por estrutura de poder manter a mulher inferior ao homem em todas as esferas da vida.

Conforme exposto, as diferenças transformadas em desigualdade, ancoram o sistema patriarcal e ratifica a submissão da mulher ao homem. Deliberadamente, as diferenças quando

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não aceitas pela sociedade, acabam sendo pilares para o preconceito e para a violência. É importante frisar que nenhum ser humano é igual ao outro e, desta forma, somos diferentes em relação a múltiplos fatores, tais como em classe social, gênero, crenças, raça/etnia, orientação sexual, etc. Logo, as diferenças devem ser a base para o respeito e para a tolerância, entretanto, as diferenças são transformadas em desigualdade e violência. Quando a sociedade impõe um único modo ser/viver e repreende os demais, aparece a intolerância e a discriminação. A violência contra a mulher é uma expressão dessa violência, pois a mulher é tida como inferior e por ser mulher é considerada frágil para enfrentar a violência sofrida pelos homens dentro do espaço doméstico e público.

Assim, as relações patriarcais de gênero resultam em desigualdades entre os gêneros, violências, exploração e dominação dos corpos das mulheres, de modo que o pertencimento do corpo feminino aos homens, as limitam de usufruir plenamente de seus direitos e/ou de lutar por eles.

2.2 Direitos Sexuais e Reprodutivos das Mulheres, aborto e as contribuições feministas

A opressão das mulheres tem suas bases sócio-histórico-culturais na sociedade patriarcal, atingindo não só direitos individuais, mas também coletivos, que sofrem uma ofensiva do Estado brasileiro, ainda fortemente marcado pela cultura patriarcal, desempenhando a função de negação aos direitos das mulheres, dentre eles, a não descriminalização e legalização do aborto.

Sendo a sociabilidade capitalista o lugar de produção e reprodução da vida social, onde se acirram os antagonismos de classe social, entre duas classes principais: a burguesia e o proletariado, as relações sociais são reguladas pelo Estado. Assim, o Estado tem papel fundamental na vida da população. Considerando que o Estado democrático burguês não legisla para garantir que todos tenham as mesmas possibilidades de oportunidades e de igualdade, é fundamental a existência de lutas sociais que reivindicam os direitos das classes trabalhadoras e das mulheres.

Dentro do modo de produção capitalista nos deparamos com corrente teóricas que podem ser libertárias, progressistas ou conservadoras. Esta última é usada para reforçar velhas práticas sociais que reforçam a perpetuação do atual sistema que produz desigualdades, isto é, velhos discursos que reforçam velhas práticas que não condizem com os anseios de transformação das relações de exploração e opressão. Isto não é estático e nem linear, mas um processo dinâmico, contraditório e histórico. Assim, Iamamoto (1994), diz que “a fonte de

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inspiração do pensamento conservador provêm de um modo de vida do passado, que é resgatado e proposto como uma maneira de interpretar o presente e como conteúdo de um programa viável para a sociedade capitalista” (IAMAMOTO, 1994, p.22). Dessa maneira, os conservadores evocam formas de vida que já foram dominantes, logo, válidas em determinados períodos históricos e que passam a ser também consideradas válidas neste período para a organização da sociedade.

Para o pensamento conservador,

a sociedade tende a ser apreendida como constitutiva de entidades orgânicas, funcionalmente articuladas, cujo modelo é a família e a corporação. [...] O conservador pensa à base do “nós”; o indivíduo não é uma partícula isolada e atomizada na sociedade, mas parte de unidades mais amplas, dos grupos sociais básicos. Reage a toda igualdade externa, que desconheça as particularidades individuais. Radicaliza-se a individualidade: os homens são seres essencialmente desiguais, porquanto particulares. A liberdade é subjetiva: consiste na habilidade de cada indivíduo em desenvolver-se acordo com as possibilidades e limitações de sua personalidade, com o núcleo de seu ser. O ser mais profundo do homem é sua individualidade e sua essência moral. Assim, a liberdade é levada, restritivamente, à esfera privada e subjetiva da vida, enquanto as relações “externas” e sociais devem ser subordinadas aos princípios da ordem, da hierarquia e da disciplina (IAMAMOTO, 1994, p. 24).

Adentrando ao neoconservadorismo arraigado na sociedade, como uma ofensiva aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, àquele tende a perpetuar velhos costumes e exemplos sobre a legislação e a vida privada das mulheres. Segundo Dantas (2016, p.46),

o neoconservadorismo reitera valores que incide de forma negativa e direta na vida dos/das trabalhadores/as. Há um viés de classe que sustenta a lógica neoliberal e se expressa na focalização das políticas públicas, redução dos direitos trabalhistas e ameaças à democracia. Além disso, o conservadorismo tem implicações particulares sobre as mulheres, reiterando valores que impõem à mulher uma condição social, política e ideológica inferior em relação à figura masculina.

Ao passo que, historicamente, numa sociedade capitalista, racista e patriarcal, o lugar destinado à mulher é o espaço doméstico, é importante frisar que a pauta de luta do movimento feminista é, justamente, ter as mesmas oportunidades de igualdade que os homens possuem, sejam eles o direito de estudar, votar, participar dos espaços políticos de decisão, redução das desigualdades sociais de classe, gênero, raça/etnia. Esse condicionamento feminino à esfera da vida privada expõe como o neoconservadorismo, nos dias atuais, se manifesta em retirar das mulheres sua capacidade de autonomia e de ser um sujeito partícipe das relações sociais.

A falta de autonomia força às mulheres a dependerem economicamente dos homens e molda sua forma de pensar. Ora, as mulheres não se preocuparão em assuntos políticos se estiverem atarefadas com as atividades domésticas e cuidando dos (as) filhos (as). Ela terá que

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se preocupar em executar bem sua função para mostrar a todos que é útil em algo. Para a lógica machista, esta é uma situação perfeita já que as mulheres são vistas como só emoção e que não sabem lidar com a razão. Desta maneira, o machismo se alimenta, se reproduz e se fortalece na sociabilidade do capital. Todos os seres humanos são dotados de razão. A racionalidade lhe é própria, pois são os únicos animais capazes de pensar, planejar e executar tudo aquilo ao que se propõem. Parafraseando Marx (2001), em sua analogia de comparar os seres humanos com as abelhas, onde ele diz que nem mesmo a melhor abelha se equipara ao pior arquiteto, pois somente os humanos exprimem a capacidade de planejar, de pensar, de construir, de idealizar algo e não agir por instinto, diferentemente dos outros tipos de animais.

Logo, as mulheres como seres humanos, possuem a mesma capacidade teleológica que os homens. As diferenças entre os sexos não devem determinar o lugar que homens e mulheres ocupam na sociedade. É importante ressaltar que a crítica feita ao espaço doméstico não significa que esse é um espaço odiado por todas as mulheres, mas de que elas deveriam ter o direito de escolher sobre quais devem ser os seus lugares na sociedade e respeitadas as suas escolhas. O feminismo não busca enquadrar as mulheres em outra opressão com a imposição de um lugar único destinado a todas, mas a liberdade de escolher. Dantas (2016), enfatiza que “a crítica feita pelo movimento feminista contribui para pensarmos sobre quais padrões que socialmente são imputados sobre as mulheres e em que medida essas determinações têm implicações negativas nas relações sociais dos sujeitos” (DANTAS, 2016, p. 48). Liberdade de escolha e reconhecimento dos Direitos Humanos é o que o feminismo luta, historicamente, para que todas as mulheres possam deles usufruir.

Assim, no atual contexto societário caracterizado pelo neoconservadorismo, compreendemos que a falta de autonomia das mulheres esbarra na negação de direitos, especificamente, no direito ao corpo. Os direitos sexuais e reprodutivos são os temas mais discutidos no movimento feminista no que tange à liberdade e aos direitos humanos.

Invisibilizadas na sociedade, as mulheres, durante muito tempo, não eram vistas como sujeitos de direito e até a década de 1930, não podiam exercer o direito a votar. Isto é, sem participação política, sem participação na construção das leis, sem poder para modificar o sistema, o que resultou em instrumentos normativos e legislativos machistas e sexistas que aprisionam nossos corpos, que nos subjuga a funções “inferiores” às que são destinadas aos homens e molda nosso comportamento na sociedade, inclusive nosso comportamento sexual, sem que possamos usufruir do nosso direito ao corpo, ou seja, sem gozar livre e conscientemente de nossos direitos sexuais e reprodutivos.

Segundo Corrêa e Ávila (2003), essa noção sobre direitos só veio a ser difundida no

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Brasil a partir de discussões sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres pautados a partir da influência do movimento feminista na década de 1970, que tinha como lema “nosso corpo nos pertence”. Desse modo, como apontam, Corrêa e Ávila (2003, p. 19) “no Brasil, assim como no resto do mundo, até meados de 1980, a noção de saúde integral da mulher era o conceito utilizado para articular a “questão da mulher”, aspectos relacionados à reprodução biológica e social às premissas de direitos de cidadania”.

No campo da saúde, o termo “saúde reprodutiva” evidenciado na Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1988, configurou um alargamento do conceito global de saúde à área da reprodução humana, e para além dela, a partir do surgimento e do aumento no número de casos de HIV/AIDS e com a preocupação do aumento da incidência de outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s). Assim, foram levadas à pauta da OMS e dos organismos internacionais questões como sexualidade e saúde sexual como parte da saúde reprodutiva. Dessa forma, a saúde reprodutiva deve conter os seguintes elementos básicos:

(a) que todos tenham autonomia tanto para a reprodução como para regular a fecundidade; (b) que as mulheres tenham gestações e partos seguros; (c) que o resultado da gestação seja bem-sucedido em termos do bem-estar da mãe e sobrevivência do recém-nascido. Além disso, os casais devem poder ter relacionamentos sexuais sem medo de gestações indesejadas e de contrair doenças sexualmente transmissíveis (BERQUÓ, 2003, p. 07).

Esse entendimento direcionou a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento do Cairo (CIPD-94), a qual as discussões giravam em torno do conceito de

“saúde da mulher” para um conceito maior que englobasse bem mais que o planejamento familiar, como sexualidade, reprodução, que não fosse limitada a visão neomalthusiana, que tinha por base a esterilização das mulheres pobres como forma de diminuir a pobreza e a desigualdade existentes.

Desse modo, frente à socialização das discussões sobre os direitos sexuais e reprodutivos, com mais acesso à informação e com campanhas de promoção à saúde, mudanças no comportamento sexual das mulheres frente ao regime matrimonial foram sendo notadas.

Assim, Barsted (2003), aponta que com a mudança do paradigma “as demandas por direitos relativos ao campo da sexualidade e da reprodução passaram a fazer parte do debate público no Brasil a partir de meados da década de 1970, por meio da atuação do recém- organizado movimento feminista brasileiro” (BARSTED, 2003, p. 79). Reivindicações tais como a legalização do aborto e da contracepção, ilegais em muitos países, inclusive da Europa e no Brasil, onde essa inovação era considerada uma contravenção penal nas leis brasileiras que

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até na atualidade criminaliza a prática do aborto, por meio de um sistema punitivo elaborado na década de 1940 e ainda vigente no país.

Dessa maneira, o entendimento que permeia a CIPD-94, de autonomia das mulheres em gozar livre e responsavelmente de seus direitos reprodutivos, desaguou na IV Conferência Mundial da Mulher em Beijing (1995), no qual se reafirmou o princípio da autonomia feminina em relação a saúde reprodutiva, dando margem a criação de direitos reprodutivos. Conforme Barsted (2003), essas conferências representaram um grande avanço em mostrar que é dever do Estado - nesse caso, especificamente, os Estados membros da Organização das Nações Unidas (ONU), em propiciar condições para o exercício desses direitos, incluí-lo no conjunto dos direitos humanos, bem como considerar a indivisibilidade destes.

Nesse sentido, imprescindíveis avanços referentes aos direitos sexuais e reprodutivos foram alcançados nos planos de ação das Conferências do Cairo e de Beijing, não só em aborto, onde se caracterizaram avanços deste como uma questão de saúde pública, o qual deu visibilidade aos altos índices de mortalidade materna e violência sexual contra as mulheres, mas também em caracterizar os direitos sexuais como constitutivos dos direitos humanos. Assim, Barsted (2003) considera importante que a linguagem dos direitos humanos não incorpore apenas proteção contra violações, mas englobe a titularidade afirmativa, de modo que a luta pelo aborto seja articulada com a compreensão da saúde pública a qual visa a autonomia da vontade e de decisão da mulher sobre seu corpo.

Assim sendo, na definição de novos paradigmas na Conferência do Cairo, em 1994, esta considera em seu plano de ação “que a saúde reprodutiva implica uma vida sexual segura e satisfatória e a liberdade de decidir quando e quantas vezes uma pessoa quer exercer sua capacidade reprodutiva” (BARSTED, 2003, p. 86).

De acordo com Barsted (2003), saúde reprodutiva implica liberdade, acesso à informação, a métodos eficazes e direito aos serviços apropriados de saúde; como também direito à saúde sexual, a qual tem o intuito de melhorar a qualidade de vida e as relações pessoais. Assim, o Plano de ação do Cairo manifesta a diferenciação entre sexualidade e reprodução, como também entre atenção à saúde e assistência em situação de doença. No que se refere ao aborto, os planos de ação do Cairo e Beijing inseriram em documentos oficiais da ONU, a compreensão do mesmo como questão de saúde pública. Entretanto, submete a normatividade internacional às leis nacionais. Isso, do ponto de vista da autonomia das mulheres sobre seus corpos, continuou sem grandes avanços, uma vez que tanto o Brasil como outros países continuam a criminalizar o aborto voluntário. O termo “direitos reprodutivos” foi criado pelo movimento feminista norte-americano no I Encontro Internacional de Saúde da

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Mulher, realizado em Amsterdã, em 1984, o qual foi consensuado como mais adequado e completo de saúde da mulher. Porém, apenas em 1990 o conceito de direitos sexuais é formulado e incorporado à terminologia como direito das mulheres a partir das pressões advindas dos movimentos gays e lésbicos europeus e norte-americano. Assim, o Brasil foi um dos primeiros países em desenvolvimento a utilizar a nomenclatura direitos sexuais e reprodutivos. Considerando esses avanços internacionais sobre a temática dos direitos humanos, no Brasil a luta por direitos reprodutivos no país vai de encontro à reformulação do sistema de saúde brasileiro, com a luta do movimento sanitarista por um sistema público de saúde como direito de cidadania e dever do Estado, tal como promulgado na Constituição Federal de 1988. Desta forma,

A perspectiva feminista, por um lado, validava a proposta de autodeterminação sexual e reprodutiva e, por outro, afirmava que as necessidades de saúde da maioria das mulheres deveriam ser atendidas pelo Estado, pois os limites que elas experimentavam em termos de acesso a serviços e condições de saúde eram determinados tanto pela desigualdade de poder entre homens e mulheres quanto pela desigualdade econômica e pelos níveis de pobreza (CORRÊA e ÁVILA, 2003, p. 26).

O reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos reflete os avanços no que diz respeito aos direitos humanos das mulheres, quanto ao direito de decidir livre e conscientemente sobre seu papel na sociedade, sobre o direito ao seu corpo e o poder de decisão de ser, quando ser ou não mãe. Entretanto, apesar dos avanços, o Estado brasileiro criminaliza o aborto e penaliza com aparato jurídico e com a vida, as mulheres que por ele optam. Nesse sentido,

“pensar a reprodução como possibilidade de escolha e não como destino traz um novo significado para a questão dos direitos reprodutivos” (VIEIRA, 2003, p. 151).

Como consequência do acesso aos direitos sexuais e reprodutivos temos o avanço das tecnologias contraceptivas, onde as mulheres passam a controlar mais seu corpo e, por conseguinte, reduziu-se a taxa de fecundidade. Segundo Vieira (2003, P. 157), “a taxa de fecundidade total, que era 6,2 filhos por mulher em 1950 e 5,8 em 1970, diminuiu para 4,2 em 1980 (MERRICK e BERQUÓ, 1983) e 3,5 em 1984 (BARROSO, 1988)”. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,1992), entre 1980 e 1990 a taxa de fecundidade total caiu para 2,8 em 2000, o registro foi de 2,44 (BRASIL, 2000).

Ainda conforme Merrick e Berquó (1983), há duas possíveis teorias que explicam o aumento no uso dos contraceptivos e por consequência, a queda na taxa de fecundidade. A primeira afirma que o Brasil respondeu rápido ao processo de modernização, aumentou a renda per capita, incrementou a urbanização, reduziu a força de trabalho no campo e o aumento do

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trabalho feminino. A segunda, relaciona a queda da fecundidade a duas causas estruturais que são explicadas pela intensificação do processo de proletarização, e uma causa cíclica, pela deterioração das condições substanciais de vida da população.

De acordo com Scavone (2004), apesar do avanço do debate sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, esses conceitos foram utilizados pelos organismos internacionais, questões polêmicas como a regulamentação da esterilização feminina entraram na pauta de discussões, ao qual ela tece sua crítica:

a utilização da noção de direitos sexuais e reprodutivos pelos organismos internacionais contribuiu para descaracterizar a dimensão política feminista desses direitos, cujos princípios, baseados inicialmente na ideia de autonomia e liberdade, passaram a ser utilizados como estratégia de divulgação e manutenção de métodos contraceptivos pesados, a exemplo da esterilização feminina (SCAVONE, 2004, p. 58).

Discutido com base na noção dos direitos sexuais e reprodutivos, a situação da esterilização feminina, da ilegalidade do aborto e da incrementação do uso das Novas Tecnologias Conceptivas (NTC’s), têm levado o movimento feminista e a sociedade brasileira a posições divergentes, de maneira que se criou um debate sobre a reivindicação pelo direito das mulheres utilizarem os métodos contraceptivos e conceptivos e a constatação de que as mulheres brasileiras continuam sendo alvo das políticas demográficas de cunho controlistas.

Scavone (2004) ressalta que o que está por trás desse debate é a luta pelo direito à livre escolha da maternidade.

De acordo com Scavone (2004) a esterilização feminina foi bastante consagrada como método de contracepção, pois esta opção dá às mulheres o controle definitivo de sua fecundidade, ao passo que seu caráter contraditório mostra um país profundamente desigual e alvo de políticas demográficas de controle populacional. Essa política obedece a interesses internacionais.

a difusão da contracepção moderna no país foi legitimada por essas políticas:

inicialmente, por meio de ampla e indiscriminada campanha do uso de contraceptivos orais, sobretudo no Nordeste; posteriormente, com a disseminação da esterilização feminina. Cabe lembrar que a efetivação dessas políticas atendia às exigências dos países credores de reduzir o crescimento demográfico brasileiro, no quadro dos planos de ajuste estrutural do Fundo Monetário Internacional (Scavone, et al., 1994). Este objetivo foi plenamente alcançado: durante uma década e meia de 4,5 filhos(as) por mulher, em 1980, passou para 2,5 filhos(as) por mulher, em 1996 (Word Bank, 1990;

PNDS/BEMFAM, 1997 apud SCAVONE, 2004, p. 59).

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Ainda conforme Scavone (2004), anos de uso indiscriminado da técnica de esterilização deixaram consequências irreparáveis como a esterilização, arrependimento nas mulheres ao qual seguiram com o procedimento. O que está implicitamente por trás da esterilização feminina é a condição de classe, onde várias pesquisas mostram que as mulheres com condições financeiras mais baixas são as que mais anseiam pela esterilização. Como consequência de tal prática, o Estado brasileiro passou a legislar sobre o assunto, de modo que o código penal brasileiro não fala explicitamente sobre a esterilização, entretanto, “condena a lesão corporal que provoque perda ou inutilização de função. Com base nesta legislação ampla, o Ministério da Saúde considerava a esterilização ilegal, o que não afetou sua prática, conforme demonstram estatísticas” (SCAVONE, 2004, p. 61).

Segundo Scavone (2004), em agosto de 1997, a esterilização é considerada como parte do planejamento familiar e regulamentada por lei federal ao acesso voluntário de homens e mulheres nos serviços de saúde pública no SUS, ao qual obedece aos seguintes critérios: idade mínima de 25 anos de idade para homens e mulheres; ter pelo menos dois filhos(as); o(a) usuário(a) estar informado(a) de seus riscos e benefícios; ser realizada independente do parto.

A crescente procura pela esterilização feminina e a realização indiscriminada desta se mostra como uma das maneiras “mais viáveis” por não quererem a maternidade, onde esta pode ser percebida pela ótica das relações de gênero incutidas na sociedade, de modo que as mulheres ainda são as principais responsáveis pelos cuidados aos filhos e à família. Logo, optar por não ser mãe é ir contra ao sistema que as condiciona a esta finalidade e reflete, não só na ausência de política de saúde reprodutiva que atenda às necessidades e interesses das mulheres, mas também que reduza as desigualdades sociais no país.

Assim, compreendemos que a maternidade é uma construção social, transcende a biologia e ao seu caráter puramente natural. Trata-se, pois, de algo aprendido, ensinado e construído dia a dia desde a infância. Todos os estereótipos do que é ser mãe são um constructo, que passa pelo crivo da sociedade que a legitima. Embora não seja algo cristalizado, a figura da mãe tem poucas diferenças de acordo com a sociedade onde a mulher se encontre, no entanto, em todas serão ditadas como a mulher mãe deve se comportar.

Apesar de não ser obrigatório acatar as recomendações das conferências internacionais, podemos considerar um avanço o Brasil criar a Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), a qual trata-se de uma política que

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