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O sistema tributário brasileiro e suas repercussões nos direitos de cidadania

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Departamento de Economia e Contabilidade Departamento de Estudos Agrários Departamento de Estudos da Administração

Departamento de Estudos Jurídicos

CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO

ALEXANDRE RIBEIRO MEIRA

O SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO E SUAS REPERCUSSÕES NOS DIREITOS DE CIDADANIA

Ijuí (RS) 2011

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ALEXANDRE RIBEIRO MEIRA

O SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO E SUAS REPERCUSSÕES NOS DIREITOS DE CIDADANIA

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado) em Desenvolvimento, área de concentração: Direitos Humanos, Cidadania e Desenvolvimento, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Darcísio Corrêa

Ijuí (RS) 2011

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M514s Meira, Alexandre Ribeiro.

O sistema tributário brasileiro e suas repercussões nos direitos de cidadania / Alexandre Ribeiro Meira . – Ijuí, 2011. –

158 f. : il. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Desenvolvimento.

“Orientador: Darcisio Correa”.

1. Estado. 2. Direito tributário. 3. Cidadania. 4. Dignidade humana. I. Corrêa, Darcísio. II. Título.

CDU: 321.01 34:336.2 347.73

Catalogação na Publicação

Tania Maria Kalaitzis Lima CRB10 / 1561

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

O

O SSIISSTTEEMMAA TTRRIIBBUUTTÁÁRRIIOO BBRRAASSIILLEEIIRROO EE SSUUAASS RREEPPEERRCCUUSSSSÕÕEESS NNOOSS D

DIIRREEIITTOOSS DDEE CCIIDDAADDAANNIIAA

elaborada por

ALEXANDRE RIBEIRO MEIRA

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Darcísio Corrêa (UNIJUÍ): _______________________________________ Prof. Dr. Luis Alberto Reichelt (UNIRITTER): _______________________________ Prof. Dr. Doglas Cesar Lucas (UNIJUÍ): ___________________________________

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À Rudi, minha esposa querida, cuja paciência e dedicação contribuíram para que este trabalho chegasse ao final.

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AGRADECIMENTOS

À família, pelo incentivo, apoio e compreensão, em especial a meus pais.

Ao professor Dr. Darcísio Corrêa, pela atenção, pelos ensinamentos e por acreditar no tema proposto neste trabalho.

Ao Professor Dr. Doglas Cesar Lucas, pela indicação da obra do Dr. Buffon, base maior da ideia da dissertação.

Aos amigos e colegas do Curso com quem passei grandes períodos juntos, por me proporcionar momentos felizes, que ficarão para sempre.

Enfim, a todos que, de uma forma ou outra, contribuíram para a realização deste trabalho.

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RESUMO

A pesquisa procura mostrar que o Sistema Tributário Brasileiro, ainda hoje, não gera cidadania: mostra-se injusto e em descompasso com os fundamentos, objetivos, valores e princípios da Constituição Federal de 1988 e, mais ainda, com a própria realidade existente, na medida em que as normas editadas com o escopo de gerar melhorias efetivas na vida das pessoas não são atendidas pelo Estado, que detém recursos imensos para a consecução das políticas públicas. Se há um Estado democraticamente constituído, e constituído pelo Direito, submisso à Constituição, essas políticas públicas devem ser realmente executadas. Acreditamos ser possível um estudo sistematizado que aponte rumos a nossa matriz tributária. É necessário visualizar um novo paradigma para o sistema tributário nacional, que gere cidadania e desenvolvimento, demonstrar que pode ser possível uma reformulação do sistema por uma nova leitura de suas imperfeições e problemas para se chegar a um modelo que melhor atenda aos anseios do Estado Democrático de Direito.

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ABSTRACT

The research aims to show that the Brazilian Tax System, even today, does not generate citizenship: it is shown unfair and at odds with the fundamentals, objectives, values and principles of the Constitution of 1988 and even more so with the existing reality in extent that the rules published with the aim of generating real improvements in people's lives are not met by the state, which holds immense resources to the achievement of public policy. If there is a democratically constituted state, and constituted by law, submissive to the Constitution, such policies must be actually implemented. We believe it is possible that a systematic study point directions to our head tax. You should then see a new paradigm for the national tax system, which manages development and citizenship, it may be possible to demonstrate that an overhaul of the system by a new reading of its imperfections and problems to arrive at a model that best meets the wishes of the Democratic State of law.

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LISTA DE ABREVIATURAS CF/88 - Constituição Federal de 1988

CIDE - Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico COFINS - Contribuição de Financiamento da Seguridade Social CPMF - Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras CTN - Código Tributário Nacional

FHC - Fernando Henrique Cardoso

ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias IPI - Imposto sobre a Produção Industrial

IPMF - Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras IPTU - Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana

IPVA - Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores IR – Imposto sobre a Renda

ISS - Imposto sobre Serviço Municipal

ISSQN - Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza IVA - Imposto Sobre Valor Agregado

OIT- Organização Internacional do Trabalho ONGs – Organizações Não Governamentais PEC - Proposta de Emenda Constitucional PIB - Produto Interno Bruto

PIS - Programa de Integração Social PROER - Programa de Ajuda a Bancos REFIS - Programa de Recuperação Fiscal STF - Supremo Tribunal Federal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...10

1 ESTADO NACIONAL, DIREITOS DE CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO E TRIBUTO...13

1.1 Função do Estado moderno ...13

1.2 Os direitos de cidadania como referência ética do Estado moderno...23

1.3 Direitos de cidadania e desenvolvimento ...29

1.4 A função do tributo no Estado moderno ...37

2 O SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO E SUAS CONTRADIÇÕES...50

2.1 O Estado fiscal brasileiro na modernidade...50

2.2 O problema da liberdade em face do Estado fiscal ...59

2.3 A legalidade no Direito Tributário Constitucional...72

2.4 O sistema brasileiro de isenções e imunidades tributárias...79

2.5 A influência do poder econômico internacional no Sistema Tributário brasileiro.87 3 AS REPERCUSSÕES DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL NOS DIREITOS DE CIDADANIA E NO DESENVOLVIMENTO ...95

3.1 A dignidade e os direitos humanos em face da matriz tributária desproporcional...95

3.2 Direitos fundamentais e capacidade contributiva na CF/88...101

3.3 A teoria da carga desmedida e suas implicações indesejáveis...111

3.4 O Estado de Bem-estar Social desatendido...122

3.5 Desenvolvimento, liberdade e tributo em debate ...129

3.6 Reforma tributária e alternativas existentes para um novo Sistema Tributário Nacional ...142

CONCLUSÃO...151

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INTRODUÇÃO

Entendemos relevante uma pesquisa sobre o sistema tributário brasileiro na atualidade e suas repercussões nos direitos de cidadania. Alguns doutrinadores contemporâneos dissertam sobre problemas e virtudes trazidos ao mundo globalizado na matéria tributária e suas inflexões no seio da sociedade. As estruturas estatais e societárias sofreram forte abalo frente a esse “mundo novo” que se descortinou na era da globalização. Inúmeras exigências estão sendo postas na atualidade, que contribuem para o que alguns estudiosos denominam “crise do Estado”, no que diz com a resolução de novos riscos sociais, que demandam despesas cada vez mais crescentes em contrapartida de um sistema de tributação cada vez mais injusto, que repercute na sociedade. Procuramos como ideia central do texto tentar dissecar doutrinária e faticamente estas questões relativas à tributação, no intuito de fazer com que a pesquisa possa contribuir com estudos sistemáticos na área, sinalizando melhores e mais democráticos rumos para nossa matriz tributária que atenda à justiça e à cidadania efetiva, ou seja, à devida contrapartida social que deve ser custeada pela arrecadação tributária.

A política tributária, que se mostra nitidamente voltada a tão somente arrecadar tributos, ou seja, reforçar o caixa do governo, especialmente no caso do Brasil, funciona como uma “longa manus” do Estado, no exercício do poder de interferir na vida das pessoas, através do dever de pagar tributos, direta ou indiretamente, de forma anti-isonômica e que desatende à igualdade.

Reforçamos a ideia de que o mundo em que vivemos está longe da perfeição, está impregnado de uma série de dificuldades impostas ao homem de forma historicamente descontextualizada ou como consequência da “ordem natural das

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coisas”, postura fatalista comumente utilizada no jargão popular. Há sem dúvida um poder oculto, sem face, sem nome, que paira acima da humanidade e lhe vem ceifando a melhor das possibilidades: uma vida digna, uma morte feliz.

Desde o liberalismo, como ponto de partida para este trabalho, o modelo de Estado de Bem-estar Social, atrelado às vestes deste sistema, hoje “aperfeiçoado” sob as vestes do neoliberalismo, entrou em crise. Não resolveu os problemas sociais ao longo da história e ainda, com os denominados novos “riscos sociais” necessidades atuais mais abrangentes, mais necessitados batem à porta do Estado e, consequentemente, da sociedade, autor e vítima do sistema econômico, respectivamente, ou “do fundamentalismo de mercado”, como dizem alguns.

É necessário repensarmos e rediscutirmos as alternativas, os caminhos, os rumos que, a partir da crise atual desse modelo de Estado, possam amenizar ou mesmo finalizar a doença social gerada por este sistema excludente.

Como Estado periférico que é, o Brasil não está imune a tais vicissitudes, e nossa sociedade, a par de políticas vividas dentro de um Estado Democrático de Direito, está longe de auferir liberdades reais, de vivenciar efetivamente o que lhe reservam os fundamentos, objetivos e princípios da Constituição.

O caso brasileiro nos oferece uma peculiaridade, e é dentro desta peculiaridade que este trabalho será desenvolvido: somos um país pobre, cuja pobreza é favorecida pelo embutimento de tributos no preço de bens e serviços, o que fere a liberdade e a dignidade; somos um país que se desenvolve por uma política equivocada de isenções e imunidades tributárias aos mais favorecidos (que não retornam ações sociais em face de tal favorecimento); somos a segunda maior carga tributária do mundo e um dos últimos em indicadores sociais, o que, em suma, traduz que a Constituição formal está longe do povo, contrariando o próprio preâmbulo da Carta Maior.

De plano, o amplo objetivo do trabalho é tentarmos identificar como se posiciona o Estado nacional em face da globalização e dos direitos de cidadania; como se posiciona o sistema tributário contemporâneo diante dos direitos de

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cidadania. Particularmente, desenvolveremos o trabalho em três etapas. Numa primeira, buscaremos dissertar sobre a função do Estado moderno, tomando como referência os direitos de cidadania para, num segundo momento, analisar o Estado brasileiro, com destaque para a abordagem da função social do tributo em termos de desenvolvimento no atual contexto globalizado das instituições políticas.

Numa segunda etapa, trabalharemos o sistema tributário nacional, suas contradições, sua posição em face da atualidade, alguns problemas da liberdade humana em face do Estado Fiscal e da Constituição Federal. Terá destaque a análise do equivocado sistema de isenções e imunidades e de determinadas influências negativas internacionais no nosso sistema tributário.

No terceiro capítulo trataremos da repercussão do sistema tributário nos direitos de cidadania e no desenvolvimento, nos direitos fundamentais, bem como do desatendimento do Estado de Bem-estar Social e das reformas possíveis em nosso sistema. Buscamos um sistema tributário mais equânime, de melhor distribuição de deveres e direitos em matéria tributária entre os atores sociais, que melhor possa representar justiça em termos de contrapartida social.

A dissertação, após tentar esclarecer algumas questões ligadas à perversidade de nosso sistema tributário, ainda atrelado a uma política neoliberal minimizante, que desatende as necessidades sociais no que se refere à cidadania, aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana, procura mostrar a importância da tributação para que possam realizar-se na prática os objetivos do Estado Democrático de Direito no Brasil. Cremos relevante o tema da tributação no contexto atual e suas repercussões no seio social.

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1 ESTADO NACIONAL, DIREITOS DE CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO E TRIBUTO Neste capítulo tentaremos descrever algumas funções do Estado contemporâneo, buscando fixar algumas concepções que demonstram estar este ente em crise, na simbiose que ocorre, segundo alguns doutrinadores, do processo de acomodação histórica por que passa o Estado de Bem-estar Social, até ser configurado como Estado Democrático de Direito. Na atual crise funcional-estrutural do Estado-nação será analisada a política tributária, cuja inadequação contribui fortemente nessa crise. Com relação aos direitos de cidadania, vistos como referência ética do Estado moderno-contemporâneo, efetuaremos algumas considerações dentro do tema desenvolvimento, para chegarmos ao questionamento da função contemporânea do tributo.

1.1 Função do Estado moderno

De plano cumpre dissertarmos sobre as novas funções do Estado, falarmos em Estado Nacional no contexto da globalização, no qual, segundo alguns doutrinadores, estão presentes elementos caracterizadores do enfraquecimento do Estado, enfim, da nova roupagem que por certo este há de ter para postar-se na atualidade diante das dificuldades que se lhe apresentam. Cumpre-nos ressaltar igualmente que há uma multiplicidade de terminologias utilizadas pelos inúmeros doutrinadores para designar o ente Estado: moderno, pós-moderno, contemporâneo, etc. Abordaremos neste trabalho o ente somente na sua primeira e histórica acepção, ou seja, “Estado”, quando fixado na atualidade, exceto quando a abordagem exigir postura diversa.

De regra, há consenso doutrinário e científico, como preleciona Santos (2005), de que o sistema de Estado moderno tomou contornos no Tratado de Westphalia, firmado em 1648, num contexto em que surgiam as teses do liberalismo econômico e político que adentraram os séculos XVIII e XIX. Firmava-se nas premissas de que o Estado é ente exclusivo como sujeito do Direito Internacional, de que inexiste uma legislação internacional definidora e regulatória das soberanias estatais e de que há uma ausência de poderes de polícia e de sanção de âmbito internacional e a relativização no uso de mecanismos de força e guerra.

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Ao mesmo tempo em que se definiam os contornos do Estado Nacional clássico, fortalecido no âmbito das relações internacionais, a matriz liberal-burguesa imprimia-lhe o viés não intervencionista em termos econômicos, transformando-o num Estado mínimo – Estado-polícia – mantenedor da ordem capitalista do sistema de livre mercado. Essa matriz de política não intervencionista foi, todavia, abalada com o agravamento dos conflitos de classe a partir da segunda metade do século XIX, quando se acentuou o confronto entre capital e trabalho.

Em razão da crise do liberalismo político desencadeada pelos movimentos socialistas o Estado moderno passou a assumir novas funções, obrigando-se a intervir na economia sob forma de um Estado de Bem-Estar Social, posteriormente transformado em Estado Democrático de Direito. No Estado-Protetor clássico, vida e propriedade preponderam; já no Estado-Providência, como definido por Rosanvallon (1977), o Estado vai além da perspectiva de proteção à vida e à propriedade, sem, todavia, desatendê-las, assumindo ações positivas de regulamentação das relações sociais e coletivas, em que indivíduo e sociedade são considerados indissociáveis, havendo entre eles uma relação de dependência, impondo-se uma concepção de que não há estabelecimento efetivo da liberdade se não houver condições mínimas de exercício real desse direito.

Efetivamente, há um cenário de desconforto, na atualidade, no que se refere à sociedade contemporânea, pelos paradigmas-entes Estado, Constituição e os direitos humanos. Há um descompasso entre lei e juristas, entre lei e cientistas sociais e entre todos aqueles que debatem-se nos mandros da interdisciplinariedade, no contexto idealizado por Morin.1 Na linha de raciocínio da autora, há um novo cenário que está a exigir do homem – cidadão e do próprio Estado, uma nova realidade, aproximadora dos comandos constitucionais vigentes e a realidade da Constituição, que devem nortear-se por caminhos outros que não aqueles tradicionalmente adotados pelo Direito clássico.

No esteio Estado de Bem-estar Social não basta que o direito à liberdade, por exemplo, se configure apenas no plano formal, sem assegurar os meios ideais que os indivíduos precisam para ter acesso a educação, cultura, lazer, educação, saúde, etc. Tal

1Os articulistas buscam dissertar acerca desse quadro, ou seja, de que efetivamente há um

descompasso entre regra legal, o que leva a um mau funcionamento do direito enquanto ciência normativa. Há novos paradigmas a ser repensados, e o próprio estado, dentro desse contexto normativo, deve também ser repensado. Após digressionar a cerca da própria formação do Estado moderno, impõe-se repensar o paradigma de Estado moderno, do direito, dos juristas, especialmente se os conteúdos das normativos existentes estão dentro da funcionalidade do Estado. Há uma crise do Direito, há uma crise do Estado e obviamente, há uma crise no próprio Direito Tributário, ramos do direito onde talvez mais se faça sentir a pesada mão do Estado (LUCAS, 2006).

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Estado é móvel, pois se transmuda na medida das necessidades humanas postas em sociedade, incorporando novos direitos de cidadania, como meio ambiente e direitos sociais. Enfim, o Estado pode ser chamado de “Social” quando seu modelo exige mais fontes de custeio para cobrir as demandas públicas emergentes.

Constatamos, todavia, que o Estado ainda está a serviço do capital, com balizas do liberalismo, como discorre Morais (2005), pois as elites escolhem os rumos de governo em face de suas influências, buscando sinteticamente diluir os custos de manutenção das políticas públicas com toda sociedade e se valendo do governo para obter benesses, como, por exemplo, as concessões de obras e serviços, que serão financiados por toda a sociedade. Gasta-se o mínimo, por uma condição política previamente estabelecida para esse fim, a preservação do capital por um sacrifício mínimo de dispêndio para satisfazer as necessidades sociais. O jogo de pressões entre as demandas sociais e as do capital, embora sempre ordenadas por este último, ainda se fazem presente na atualidade.

Por outro lado, segundo Morais (2005), o Estado Social sofistica-se e, por determinadas circunstâncias de ordem histórica e de transformações sociais efetivas, vai fundar-se, ou transformar-se, no processo histórico, no Estado Democrático de Direito (de um lado, Estado de Direito e de outro, Estado Social), não democrático apenas no plano da norma, de estar regulado pelo Direito, como posto na Constituição, mas imbuído pelo desiderato de buscar condições de existência digna, de meios que possam minimizar as desigualdades decorrentes do modelo econômico então dominante.

Como aponta Morais (2005), do modelo de Estado Liberal clássico, passando pelo modelo de Estado de Bem-Estar social, que buscava superar a crise do liberalismo com relação a seus riscos clássicos (doença, desemprego, terceira idade, etc.), e cujo modelo se fundava na necessidade de desenvolver políticas públicas aptas a minimizar dificuldades econômicas e sociais próprias do modelo liberal, passa-se, em menos de um século, ao Estado Democrático de Direito sem que as contradições e dificuldades do modelo anterior tenham sido superadas e assimiladas. Surgem, especificamente no caso brasileiro, novos e graves riscos sociais, ou seja, a par do crescimento assustador do desemprego, da fome, da miséria, do aumento das demandas da terceira idade, instaura-se um ambiente de muitas incertezas e ininstaura-seguranças, fatores geradores de criinstaura-se, de

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novas demandas sociais, da radicalização dos conflitos, tendo como referência ético-política o discurso dos direitos humanos, com especial ênfase para os direitos de minoria.

Das observações anteriores podemos antever que novas demandas sociais surgem, na mesma rapidez com que se transforma a vida, e mais necessidades surgem para albergar esta vida, a liberdade, a serem reguladas e mantidas pela atividade estatal. Tal atividade demanda recursos outros que não os previstos ou utilizados há pouco tempo atrás, dada à dinamicidade da vida contemporânea e os custos que isso exige.

Também nesse sentido, na linha doutrinária maior, perdendo o Estado-Nacional moderno a sua força em razão da atuação de outros entes da sociedade civil, os espaços antes afeiçoados ao Estado são deslocados a entes civis e a regulação própria do ente organizado cede controle, com reflexos no mercado, na própria política, fortalecendo-se, dentre outras, as Organizações Não Governamentais (ONGs), as empresas transnacionais, organismos reguladores do mercado financeiro. O Estado, nesta ordem, parece estar reduzido ao seu território nacional e a sua longa manus – característica peculiar do poder do Estado-Nação clássico – atrelada ao Direito se enfraquece, estabelecendo tão-somente as diretrizes mestras para a atuação dos entes da sociedade civil.

Vemos configurada, então, a partir da década de 1970, um novo movimento político em reação ao intervencionista Estado de Bem-estar, tendo como carro-chefe as políticas neoliberais comandadas pelo Consenso de Washington no intuito de enfraquecer o Estado-Nacional, de que é exemplo a privatização de empresas estatais, impondo às sociedades uma política de ajustamento estrutural, de estabilização macroeconômica, de liberalização de mercados. É o retorno às teses liberais, embora num contexto diferente em razão do processo de globalização econômica hoje predominante.

Nesse contexto, pelo Consenso de Washington o neoliberalismo procurou estabelecer balizas, como refere Santos (2005), para um enfraquecimento dos contornos do Estado-Nacional característico, mediante retomada do pensamento liberal, fortalecendo-se a sociedade civil e as relações desenvolvidas no seu interior, relações estas estabelecidas onde supostamente está ausente o Estado. Em suma, há uma nova

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perspectiva, de que o Estado, dentro da globalização, perde poder e neste espaço alguém se irá estabelecer, se alocar.

Em face da motricidade do sistema que se estabeleceu após a Guerra Fria, não somente os Estados, mas também outras instituições capitalistas mundiais, mormente ocidentais, acabaram por solapar parte do poder de organização da sociedade como entidade contratual de amparo ao Estado, assumindo outros organismos sociais parcela de ação desempenhada pelo Estado. Mas a vida social não para, possui uma dinâmica própria, e mesmo perdendo força a entidade estatal, então caracterizada pela soberania, outros entes serão erigidos para representar a sociedade, e estas entidades, por muitos denominadas de terceiro setor, exigirão do Estado uma nova dinâmica, um novo entrosamento para que a vida se desenvolva.

Recentemente, porém, paradoxalmente o mundo experimentou uma crise financeira de grandes proporções, num mundo globalizado em que o sistema econômico se viu acuado, sem poder de reação voluntária, recorrendo-se à estrutura dos Estados-Nacionais para vir em socorro de um mercado sistêmico agonizante, o qual contagiou a todas as demais estruturas da sociedade civil.

É evidente que nesse novo contexto, apesar de previsíveis as crises do capitalismo, o mercado tende a se normalizar, mas sem prescindir de forte atuação estatal. Quem sofre, em suma, perante a crise gerada pelo sistema econômico-financeiro é a mesma sociedade que, hoje transformada, noutros tempos acreditou no contratualismo como fonte de segurança.

Assume importância, por isso, o esforço de tentarmos evidenciar quais as funções do Estado moderno no atual contexto da globalização, sem a pretensão de esgotamento das possibilidades funcionais. Em razão de impasses fáticos e jurídicos, mostra-se aparentemente fácil caracterizar o enfraquecimento do Estado, tendo em vista a crise de soberania, a permeabilização das fronteiras territoriais, o declínio da política, seus elementos de representação, os partidos, o discurso dos direitos humanos, dos sindicatos, além de outros mais. Descabe aqui apontarmos cada uma das causas em profundidade, o seu âmago, uma vez que estas causas, já profundamente estudadas, são notórias em seu substrato fático, existencial. Importa mesmo é tentarmos identificar

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os pontos fracos e deles buscarmos alternativas que identifiquem uma nova estrutura estatal, com mobilidade e agilidade, devidamente adequada aos anseios da sociedade e da própria nação.

A preocupação se mostra candente nos tempos modernos, como refere Bedin (2008, p. 129), evidenciando que “a compreensão da emergência do Estado moderno é fundamental na atualidade, pois é possível identificar que esta grande instituição está passando, em decorrência das transformações dos últimos anos, por uma grande reformulação”, o que não quer dizer, todavia, que o Estado tenha deixado de ser, repentinamente, um ente agregador, condutor, organizador da vida social, mas que necessita ser reformulado, repensado nesta nova roupagem que se veste o mundo.

Segundo Morais (2005), há dificuldade, no contexto que diametraliza o fim do Estado, em verificarmos qual seria a nova roupagem a ser atribuída ao Estado, permeando suas novas funções ou atribuições que devem permanecer altivas no cenário nacional. Aponta o autor que “a desconstrução dos paradigmas que orientaram a construção dos saberes e das instituições da modernidade” (2005, p. 9), está a exigir uma plêiade de respostas de toda ordem, e tais respostas podem sobremaneira se constituir em vetores para elaborar novos rumos de assentamento dos Estados na atualidade.

É inegável ser o Estado ainda hoje uma instituição central da modernidade. Importa destacar, de outra parte, que, em razão de sua característica de poder soberano, o mesmo, no caso brasileiro, mantém forte atuação intervencionista em matéria tributária, apesar de sua relativa perda de poder enquanto Estado-Nacional, limitando fortemente direitos e garantias constitucionais. Sob a alegação de que “tributo é o preço da liberdade”, como referido por Torres (1993), ao contrário de seu apregoado enfraquecimento, no caso brasileiro, em matéria tributária o Estado ainda é intervencionista, concentrador de renda, distribuidor de privilégios odiosos (contrários à lei), de receitas que devem ser constitucionalmente partilhadas com a sociedade no contexto do Estado Democrático de Direito, e vem cada vez mais reforçando estas discrepâncias.

É também função do Estado promover um controle mais bem definido no seu entrelaçamento com os entes da sociedade civil, os entes do denominado terceiro setor,

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muitas vezes revestidos como avatares do Estado na consecução das políticas públicas, mediante controle do próprio Estado, ou exercendo funções paralelas a este, ou mesmo se opondo a determinadas ações de caráter estatal, precipuamente na assistência social, saúde, educação, segurança pública. No âmbito da tributação, o novo Estado Fiscal assume também nova partilha da receita pública proveniente dos haveres impositivos para financiar determinados entes do terceiro setor que surgem incessantemente.

Tal dinamicidade decorre justamente da transferência de base, estrutural, do modelo de Estado mínimo, liberal ou neoliberal, para o Estado praticante da solidariedade social, manu própria ou por terceiros na evocação ou condução das políticas públicas e mesmo na manutenção do “Welfare State”, este já fundido em Estado Democrático de Direito, na medida em que o poder público deve assumir a tarefa de defender a sociedade, subsumir-se à constituição e permitir que grupos sociais possam se beneficiar das benesses arrecadatórias em auxílio ao novo modelo de Estado que surge. Vemos, nesse particular, que o poder soberano clássico cede espaço para o Estado solidário, tanto no plano interno como no externo e tal característica parece assumir contornos de definitividade.

Uma nova função do Estado em países democráticos de direito, mormente no Ocidente, é fazer com que tanto a liberdade quanto à solidariedade componham melhor espaço enquanto cede o poder soberano classicamente desenhado e até então aceito, desde que dentro da nova ótica da democracia efetiva.

Esta alternativa em prol da função social é apanhada por Morais (2005, p. 16), ao tratar da crise estrutural do Estado e mesmo do “fim do Estado de Bem-estar Social”, ressaltando que, diante das perspectivas do enfraquecimento do modelo clássico de Estado, é necessário encontrar uma alternativa, uma nova postura desse “novo Estado” que surge e que terá novas funções em sua dinamicidade institucional. Trata-se, sem dúvida, de um processo de adequação do ente aos novos tempos.

Vislumbramos uma nova postura estatal, uma ação mais efetiva, negociadora com entes da sociedade civil, um novo modelo de poder público que robusteça a comunidade solidária com a tarefa de incorporar os grupos sociais aos benefícios e obrigações da sociedade contemporânea, um poder ordenador que deve ser contrastado pela

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“solidariedade”, atribuindo-se um caráter solidário ao poder estatal que substitua o tradicional conceito de soberania e que proporcione ao Estado imbuir-se na efetiva superação das desigualdades e na promoção do bem-estar social, interna e externamente.

A par dessas transformações, há evidência de um

[...] quarto elemento proposto por alguns doutrinadores, o finalístico, como função a ser cumprida, já que não conseguem dar conta da complexidade das (des)estruturas institucionais que se sobrepõem hoje. Ao invés da unidade estatal própria dos últimos cinco séculos, tem-se uma multipolarização de estruturas, ou da falta delas. (MORAIS, 2005, p. 15).

Havemos de analisar, sem dúvida, neste contexto atual, como se portará o Estado e quais serão as consequências desse processo de abertura e de leitura não dogmatizada da realidade, ou seja, dentro do caráter finalístico proposto, voltado à efetivação de um Estado de Bem-estar Social.

Morais (2005) aponta algumas diretrizes elementares nesse sentido: a efetiva democratização das relações sociais por uma gestão participativa com adequação das políticas públicas em regime de parceria com o Terceiro Setor (gestão participativa e integrativa); uma gestão extraterritorial no sentido de atuação conjunta aos organismos internacionais em prol de estabelecimento de políticas de auxílio aos países menos favorecidos (gestão participativa); uma maior flexibilização das relações impositivas estabelecidas pelo mercador financeiro, restando esta invertida por uma gestão impositiva por parte do Estado sobre os organismos dominadores do mercado econômico; a efetivação, uma vez por todas, das premissas das Constituições democráticas na construção e na manutenção realística do Estado de Bem-estar Social (gestões participativa, integrativa e impositiva).

Viabilizar ações de Estado de forma integrada com os entes do Terceiro Setor em favor das cada vez mais exigentes e necessárias políticas sociais e de meio ambiente constitui apenas uma das muitas novas funções de que se fala, de forma a permitir alternativas passíveis de rearticulação dos espaços públicos. Tanto ao Estado quanto à sociedade civil cabe a tarefa de tornar efetivo esse espaço de articulação participativa.

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Nesse contexto, sem dúvida, as estruturas institucionais do Estado, como postas até agora, são insuficientes para sustentarmos um poder político que responda e assegure um projeto já fundado na concepção dos direitos humanos, mas engajado efetivamente numa sociedade justa e solidária dentro do Estado Democrático (e Social) de Direito.

Superadas estas proposições, é certo que, ao lado e mesmo à frente da crise do Estado de Bem-estar Social, quiçá dirigido pelo fundamentalismo econômico, a incerteza e a insegurança, apregoadas por Bauman (1999) como próprias da atual sociedade líquido-moderna (a permeabilização gerada pela globalização nas estruturas dogmatizadas da família, do Estado, da religião, da política, etc.), se difundem também na economia, numa crise financeira sem precedentes já neste século XXI, aumentando a já crescente incerteza, pairando a desconfiança também nesse setor. O que fazer?

Como admitir o fracasso de um modelo assentado nos ditames da economia? Novamente, diante da incerteza e da desconfiança nos agentes privados em crise, recorre-se ao Estado, sendo este chamado não a resolver a incerteza e a desconfiança, mas a estancar mais uma entorse econômica gerada pelo capital. Vemos, então, que todas as gorduras (receitas tributárias não contabilizadas sob forma de incentivos fiscais, subsídios inaceitáveis ou orçamentariamente desvirtuados) existentes nas administrações e governos mundo afora, aparecem (antes não apareciam para custear políticas públicas básicas, de forma justa), para salvar o capital até que uma próxima crise advenha. Tal evidência se fez sentir recentemente, em face da última turbulência econômico-financeira mundial.

Sem dúvida, há dinheiro para salvar o capital financeiro, mas não há para salvar a vida humana, a miséria humana vivida na África, nos países periféricos, para estancar o problema da droga que assola o mundo. Um novo modelo, por certo, é urgente, seja ele constituído pelo Estado ou não, que possa ser chamado a resolver de forma mais acentuada e eficaz estes problemas.

A crise financeira atual nos mostrou que certos dogmas aceitos na economia não contribuem para minimizar os problemas sociais, antes aumentam a distância de sua resolução na atualidade e que até mesmo poderiam, ao ser solucionados,

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evitar novos colapsos na economia, como já proposto alhures por Sen (2000).

Morais (2004) aponta para um trabalho desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), por um grupo de intelectuais de todos os matizes políticos, exposto na obra “Dimensão Social da Globalização”, buscando possíveis soluções para o mundo atual, globalizado, no sentido de que esse processo ainda candente de globalização se funde em valores universalmente compartilhados, de respeito aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana, que dê outra conotação ao termo “globalização”, de forma que esta seja mais justa, solidária, integradora, democrática, que ofereça oportunidades reais ás pessoas em torno de uma vida digna e feliz, assim resumidas na obra:

- um enfoque centrado nas pessoas – a pedra angular de uma globalização mais justa é a satisfação das demandas de todas as pessoas, no que diz respeito aos seus direitos, identidade cultural e autonomia, o acesso a um trabalho decente, com uma plena participação nas comunidades locais as quais vivem;

- um Estado Democrático e eficaz – o Estado deve ser capaz de administrar sua integração na economia global, assim como proporcionar oportunidades sociais e econômicas, além de garantir a segurança;

- um desenvolvimento sustentado – a busca de uma globalização justa deve sustentar-se em dois pilares, independentes e que se reforçam mutuamente: o desenvolvimento econômico e social e a proteção ao meio ambiente em escala local, nacional, regional e mundial;

- mercados produtivos e igualitários – é necessário dispor de instituições coerentes, que promovam oportunidades e incentivem empresas em uma economia de mercado que funcione adequadamente;

- regras justas – as regras da economia global devem oferecer a todos os países igualdades de oportunidades e de acesso, assim como devem reconhecer as diferenças em relação às capacidades e necessidades de desenvolvimento de cada país;

- globalização solidária – existe uma responsabilidade a ser compartilhada em relação à assistência dos países e indivíduos excluídos ou desfavorecidos pela globalização. A globalização deve contribuir para remediar as desigualdades que existem entre os países e dentro deles, bem como erradicar a pobreza;

- uma maior responsabilidade entre as pessoas – os atores públicos e privados devem ter capacidade de influir sobre os resultados da globalização e ser democraticamente responsáveis pelas políticas que aplicam e medidas que adotam;

- associações mais comprometidas – São numerosos atores que intervém na realização dos objetivos sociais e econômicos globais (organizações internacionais, governos, parlamentos, empresas, sindicatos, sociedade civil, etc.). O diálogo entre eles representa um instrumento democrático fundamental para criar um mundo melhor. (MORAIS, 2004, p. 100).

É evidente que o anteriormente proposto apenas reflete em poucas linhas as novas atribuições dos Estados (ou ações que abrandariam a crise atual), mas parece ser certo que o “novo Estado” deve fundar-se em valores de efetiva solidariedade social.

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Sem dúvida, se essas resoluções fossem transformadas em propósitos efetivos, estaríamos diante de um “novo mundo”, rompendo com as estruturas formadoras de crise – o próprio Estado e seu contrato social –, ou mesmo abrandando-as, flexibilizando-as, sem desacreditarmos que a própria transformação do homem pode levar a outras e tantas necessidades, anseios, novas crises, novas incertezas e novas esperanças, solapando de vez a desconfiança no futuro, na possibilidade de que haja um mundo melhor para todos.

Por derradeiro, talvez essas proposições da OIT nunca venham a ser implementadas na prática. Mas, enquanto utopias, podem bem representar o que está sendo proposto neste item da dissertação, podendo ser acolhidas como representações das “novas funções do Estado”.

1.2 Os direitos de cidadania como referência ética do Estado moderno

Partimos do pressuposto de que, em se falando em cidadania como exercício pleno dos direitos sociais no espaço público, espaço de reivindicações, participativo, propositivo, tais direitos vêm voltados para as ações direcionadas em prol da dignidade humana, que, no caso brasileiro, se constitui num dos pilares da Constituição Federal de 1988 (CF/88).

Há na cártula formalizada uma série de proposições que exigem uma nova postura estatal em relação ao tema cidadania, um norte, um conteúdo ético-moral (como previsto no art. 1º, inciso III), porém com eficácia plena, uma norma jurídico-positiva dotada de valor fundamental. Todos os direitos fundamentais previstos na Cártula são valores que devem ser materialmente executados pelo Estado Democrático de Direito, sempre norteados pela máxima de que, havendo Constituição, o Estado existe em função da pessoa humana e não somente em função do Direito. Neste sentido se direcionam os direitos de cidadania, numa vivência dentro do espaço público para implementação efetiva, integrativa, dos direitos fundamentais.

Corrêa (2006) digressiona sobre o conceito moderno de cidadania, cujo nascimento se atrelou à questão do Direito, assim como uma das primeiras noções de contratualismo. Surge como uma garantia de direitos mínimos advindos das lutas

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camponesas – cidadania vinculada às relações de trabalho no mundo rural -, do que advém a ideia de que a cidadania está fortemente atrelada à questão dos direitos humanos.

Falamos em direitos civis, especialmente no direito de liberdade (liberdade econômica, liberdade de trabalho), sendo inicialmente tais direitos individuais colocados em oposição à interferência do Estado. Falamos em cidadania civil como condição de universalização da liberdade, antes atrelada à condição servil no sistema feudal.

Estipula o autor como sendo está a gênese histórica da cidadania: uma igualdade humana básica de participação na sociedade que se materializa pela aquisição de direitos. Direito e participação são elementos do conceito de cidadania, noção que se choca em face do sistema desigual então existente na sociedade formada por classes sociais díspares em igualdade.

Com o crescimento influente da burguesia e seus anseios de liberdade, já se fala em Direito como base jurídica ordenadora da sociedade, premissa que caracteriza que “todos são iguais juridicamente”, ou seja, são sujeitos de direitos iguais, mas em choque com a realidade social, desigual no campo econômico.

Podemos dizer que desde o seu nascimento, a noção de cidadania moderna se formou em meio à crise perpetrada pelo sistema feudal, entre servo e senhor, fruto da desigualdade existente, tendo como elementos centrais a igualdade e a liberdade no plano formal, problema que vai nos acompanhar até os dias de hoje, uma vez que no capitalismo a pobreza, desde os auspícios desse sistema – quando ainda em franca oposição ao social - era aceita como necessária.

Aceitava-se, portanto, o sistema econômico desigual como justo, embora se afirmasse o princípio da igualdade no campo jurídico-político. A pobreza era vista como parte do sistema social apesar de se condenar socialmente o estado de indigência. A igualdade reduzia-se ao plano formal do Estado de Direito.

A cidadania em seu status civil universaliza os direitos de liberdade individual no século XVIII; os direitos políticos são universalizados ao longo do século XIX, seguindo-se

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daí uma conotação mais geral de cidadania, ou seja, não apenas restrita aos direitos individuais, visto que os direitos sociais passam a se instaurar no final do século XIX, consolidando-se nas primeiras décadas do século XX na forma de direitos econômicos, sociais e culturais, fruto de uma participação política mais efetiva na sociedade.

Sob esse aspecto, segundo Corrêa (2006), a cidadania enquanto pressuposto dos direitos humanos caracteriza-se na forma de luta por espaços políticos na sociedade a partir da identidade de cada sujeito. As conquistas iniciais propiciadas pela burguesia no campo dos direitos civis e políticos foram assimiladas como uma conquista de toda humanidade, enquanto os direitos no campo concreto das condições materiais de existência resultaram da luta dos trabalhadores, inspirados nos ideais socialistas apregoados na segunda metade do século XIX. A cidadania, com isso, passa a significar a realização democrática de uma sociedade na qual todos tenham acesso ao espaço público de vida digna, o que exige um processo de articulação política em prol de uma plena inclusão social pela materialização de tais direitos.

Em sua dimensão jurídica, a cidadania representa o vínculo jurídico da pessoa com o Estado, transformando-a em titular de direitos e deveres no interior de uma comunidade política, na qual alcança, pela nacionalidade, o status de pertencimento à nação, sob a proteção jurídica do Estado.

Já a dimensão política da cidadania refere-se ao processo de construção efetiva, por parte de todos os cidadãos, dessa igualdade formalmente garantida no plano jurídico para que o acesso ao espaço público se traduza em igualdade real para todos os membros integrantes da comunidade política. A participação efetiva no espaço público pela vivência dos direitos humanos é a marca principal de um conceito dinâmico de cidadania a partir do qual se possa construir uma igualdade de condições em termos de plena realização do ser humano, respeitadas as diferenças individuais e culturais em cada comunidade.

Como podemos verificar, ainda permanece a noção de conflito, de crise, uma vez que o processo de construção da cidadania se debate entre as forças que regem a diferença e a igualdade num sistema de mercado em que as forças econômicas e politicamente dominantes geram crescentes mecanismos de exclusão social. O próprio

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Estado capitalista expressa e traduz essa relação de forças. Nas palavras de Corrêa (2006, p. 221), ele é entendido como

a representação idealizada do espaço público que, sob forma jurídica, isto é, como dever ser juridicamente qualificado, se materializa em aparatos repressivos, simbólicos e econômicos, os quais expressam e legitimam institucionalmente a relação de forças dos poderes sociais.

Com relação aos direitos humanos, ainda segundo o mesmo autor, eles são “uma construção/representação simbólica concreta (concreta no sentido de aparecerem historicamente embutidos nas diversas Declarações constitucionais) e idealizada (no sentido de não serem necessariamente aplicados na prática) do espaço público-estatal”, de forma que, em se falando de Estado-constituição, Estado-poder, cuja condução é impulsionada pelo poder político sob a influência das forças organizadas da sociedade, há sempre, mesmo num Estado Democrático de Direito, a necessidade de “uma auto-justificação legitimadora do exercício desse poder.” (CORRÊA, 2006, p. 221).

E vai além o autor referindo que o Estado capitalista contemporâneo, para ser compreendido, necessita ser visto dentro dessa perspectiva ou dimensão simbólica, uma representação idealizada - e nem sempre concretizada, como hoje ainda é, mormente no caso brasileiro -, do espaço público. Neste sentido, como discurso, Estado-simbólico, Estado-idealizado, devem ser compreendidos os direitos humanos (CORRÊA, 2006).

Isso quer dizer que Estado e Direito, no plano formal, no plano teórico, não podem prescindir dos valores sociais para serem legitimados, justamente porque Estado e Direito são construções teóricas baseadas (ou sedimentadas, ou conformadas) em construções históricas e sociais, nas quais residem precípua e respectivamente cidadania e direitos humanos.

Enfatiza o autor que essa representação simbólica do espaço público pode estar a serviço tanto da liberdade quanto da dominação, ligada que está, como processo, ao embate das lutas de classes, de sociedade vs poder, dialética que se repete até nossos dias (CORRÊA, 2006).

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Em síntese, da explanação enfatizada resulta que a representação simbólica de espaço público só terá sentido se materializada em medidas concretas, em políticas públicas que surgem da necessidade social, das pressões sociais, dos poderes em conflito, da relação entre dominante e dominado em termos de interesses, sejam eles políticos, econômicos e hoje financeiros, em confronto com segmentos excluídos (mas organizados) da sociedade.

Essa dialética não é estanque, é móvel; é permanente o conflito de interesses das mais variadas matizes, de forma que a concretização dos direitos humanos depende do que for erigido a partir dessa relação de poderes, o que demanda muito esforço de ambos os contrários, segundo seus interesses. O ser humano deixa de ser visto exclusivamente como sujeito-jurídico-cidadão, com “direito a ter direitos”, e passa a ser “sujeito político”, razão pela qual a cidadania assume as vestes de uma questão eminentemente política.

Daí que o exercício da cidadania enquanto construção que advém dos conflitos dialéticos encontra nos direitos humanos um referencial de valor, uma pedra de toque, um vetor de existência para conduzir o debate entre as forças que compõem o Estado (no Estado capitalista como representação ideológica legitimadora do poder institucionalizado e como referencial utópico-transformador para os excluídos, discriminados, minorias que se conformam dentro do espaço público). Do afirmado decorre que

[...] os excluídos, os oprimidos e discriminados de qualquer espécie são sujeitos políticos fundamentais de cuja conscientização e organização articulada dependerá a reconstrução do espaço público estatal fora da lógica do lucro e da mais valia. No atual momento de crise dos modelos globais de sociedade é preciso fazer com que o novo “horizonte de sentido” no campo do simbólico possa vir acompanhado de um igualmente novo projeto político capaz de provocar a superação dialética das contradições vigentes. Eis o grande desafio para os que acreditam ser possível a construção de uma cidadania capaz de oportunizar a todos o acesso ao espaço público. (CORRÊA, 2006, p. 232).

Observemos que tradicionalmente se tem sustentado que as relações entre Estado e Sociedade podem ser compreendidas a partir das ideias de espaço público e espaço privado, numa separação absoluta entre o político e o econômico como fruto do entendimento proposto pelo liberalismo ou seu sucessor, o neoliberalismo. No

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entendimento aqui assumido, o espaço público não é apenas um cenário no qual se deslocam o Estado, as ações estatais, os fazeres institucionais, de cima para baixo, excluindo o cenário econômico-financeiro, pois a cidadania em seu sentido mais abrangente inclui igualmente as condições materiais de existência na construção política do espaço público referenciado nos direitos humanos e na dignidade humana.

Com relação a essa construção do espaço público, Reis e Leal (2006, p. 1522) esclarecem:

O Estado contemporâneo encontra-se dividido entre tarefas e exigências dificilmente conciliáveis (regular o mercado e as relações de produção no sentido de humanizar mais o capitalismo e garantir os direitos humanos e fundamentais) e, nessa medida, frequentemente, as políticas governamentais refletem ambiguidade. Decorre disso a emergência frequente de uma crise de legitimação das instituições representativas – a começar pelas estatais-, fruto de que a intervenção maior do Estado e a expansão de seus aparelhos não são acompanhadas de nenhum aprofundamento de participação política e democrática.

Ocorre que a realidade tem demonstrado mais uma vez, desde os primórdios do liberalismo, que as políticas públicas, principalmente no caso do Brasil, são conduzidas pelos ditames dos interesses econômico-financeiros, que se sobrepõem aos interesses sociais. Muitos direitos fundamentais previstos na Constituição não são implementados realisticamente, ou seja, existem como justificadores do Estado Democrático de Direito no plano da norma, mas sem alterar o perfil de desigualdade social existente na prática. O afirmado pode ser exemplificado pela compressão salarial, pelo desemprego, pela ausência de políticas efetivas na saúde, na segurança pública, na educação, na previdência, na questão ambiental, exigências cada vez mais presentes na atualidade.

Tal situação se materializa, evidentemente, porque a burocracia estatal, o emperramento, as benesses políticas, a política de imunidades, de isenções tributárias odiosas, promovem o esgotamento das negociações entre diferentes setores da sociedade. E o governo imobilizado, seja ele desta ou daquela matriz ideológica, é levado à judicialização dos conflitos2, como preconizado por Sorj (2004). É como se o Estado

2 O fenômeno da judicialização dos conflitos ocorre quando as obrigações devidas pelo

Estado, por um de seus aparelhos, o governo, ou administração pública, deixa de cumprir com suas obrigações inerentes, contraprestativas, obrigando a parte lesada a ingressar no Poder Judiciário. O exercício do poder, deixando de prestar, gera incerteza, desigualdades, e são obrigados a aceitar as situações de igualdade e incerteza diante do processo judicial (SORJ, 2004).

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fosse suprido por um de seus aparelhos menores no sistema montesquiano - o Poder Judiciário -, de forma que este impõe, pelo processo, a execução de obrigações que são do Estado.

É por isso que insistimos que os direitos de cidadania, principalmente no caso brasileiro, devem servir de referencial ético ao Estado, de forma que o espaço público da discussão, dos embates, das pressões, das deliberações, das execuções e das avaliações das políticas públicas postas em ação, e que estão previstas na Constituição, não percam seu poder de emancipar, de formar ideias, de estabelecer pressões para que as previsões normativas então postas sejam realizadas, o que, em outros termos, significa o exercício pleno da democracia consubstanciada na vontade popular.

Não basta, como visto no processo histórico recente (e incipiente) de nossa democracia formal implementada pela CF/88, ainda distante do povo realisticamente, que este ou aquele discurso político represente o Estado Democrático de Direito, no exercício do sufrágio, sem efetivar políticas públicas que atendam e permitam o exercício pleno, ou otimizado, da cidadania, a qual se dá pelo cumprimento dos parâmetros efetivos dos direitos fundamentais, humanos, pelo atendimento dos paradigmas da dignidade humana na prática e não apenas admitindo a letra da Lei Maior. O exercício pleno desses direitos na arena do espaço público, mediante participação da sociedade e do Estado (governo), é que devem encerrar o debate acerca da cidadania e de sua vivência.

1.3 Direitos de cidadania e desenvolvimento

No item anterior discorremos sobre os direitos de cidadania, os quais devem ser observados e preservados na agenda que move o espaço público contemporâneo, de forma a permitir a implantação de políticas públicas efetivamente centradas na pessoa humana, balizadas pelas diretrizes da cidadania e dos direitos humanos.

Modernos doutrinadores defendem que a redução das desigualdades sociais é imprescindível. Os objetivos são claros, mas se faz necessário implementar um modelo de desenvolvimento socialmente justo, economicamente viável e ambientalmente sustentável.

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Neste patamar, é crucial que as políticas públicas capitaneadas pelo Estado sejam divididas com a sociedade civil, organizações não governamentais e empresas, cada qual com seu ônus dirigido a uma forma de desenvolvimento diversa da que vem ocorrendo, mediante discussão e participação coletiva dentro do espaço público.

Percebemos que a lógica atual se mostra invertida, de certa forma, pois é o Estado que passa a existir em função da pessoa humana e não esta em função daquele, como se firmou nas políticas liberalizantes do contratualismo, quando o cidadão, já temerário em relação à proteção divina, entrega ao Estado a sua representação, desde que abrisse mão de certos direitos políticos.

Corrêa (2006), citando Marshall e outros, refere que os direitos civis surgiram no século XVIII; os políticos, no século XIX e os econômico-sociais, no século XX. E os direitos sociais, com estreita ligação com os direitos políticos, exigem cada vez mais participação das comunidades no espaço público, sem abrir mão dos demais direitos. Isto significa governo intervindo em conflitos, sindicatos intervindo em governos, do que advém uma fonte geradora de discussão conjunta de políticas públicas em favor da sociedade, não de cima para baixo, mas de baixo para cima, como preconiza Corrêa (2006).

Não se trata do Estado agindo em proteção ao cidadão e à instituição em face do paradigma liberal do contrato social, mas o cidadão participativo e propositivo fazendo valer as estruturas normativas, sem abrir mão de direitos já consagrados no liberalismo. A norma jurídico-positiva então erigida como norte das ações do Estado Democrático de Direito, nesse contexto, dentro do espaço público, se condensa como cidadania quando há efetivo relacionamento Estado-cidadão, Estado-entes da sociedade civil.

Nesse contexto, como direitos de cidadania a serem canalizados para o estudo do desenvolvimento estão todos aqueles formalmente previstos nas Constituições, sejam civis, políticos, econômico-sociais e coletivos, enfim, direitos que foram implementados para melhorar a vida das pessoas, mas que, a par das políticas baseadas no modelo liberal ou neoliberal, em que o interesse econômico-financeiro prepondera sobre o interesse social (aquele já exigido pelas pressões exercidas dentro do espaço público), não são implementados.

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Em se tratando de cidadania, entendemos necessário que a agenda constitucional possa ser de fato implementada, mas sob um outro ângulo, uma outra perspectiva que não a existente no mundo, centrada nos dividendos econômicos, ora aumentando, ora diminuindo ações de Estado destinadas a melhorar a vida das pessoas, tanto no plano interno do Estado-nação quanto no plano externo das políticas globais de desenvolvimento. Essa nova ótica vem assim enfatizada por Sen (2000, p. 18-19):

O desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. O enfoque nas liberdades humanas contrasta com as visões mais restritas de desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento com crescimento do Produto Nacional Bruto, aumento das rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social. O crescimento do PNB ou das rendas pessoais pode ser muito importante como um meio de expandir as liberdades desfrutadas pelos membros da sociedade. Mas as liberdades dependem também de outras variantes, como as disposições sociais e econômicas (por exemplo os serviços de educação e de saúde) e os direitos civis (por exemplo a liberdade de participar de discussões e averiguações públicas).

O autor citado assevera que o desenvolvimento requer que removamos todas as formas de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades, destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos (que não realizam na prática os direitos previstos na Constituição) e a interferência excessiva de Estados repressivos, e ainda a própria negação de serviços assistenciais legítimos.

Como visto, as liberdades substantivas incluem a participação nas agendas de governo relativamente às políticas públicas, a oportunidade de receber educação básica e assistência médica estão entre os componentes constitutivos do desenvolvimento.

Estes elementos devem ser rediscutidos dentro do espaço público democrático, de forma integrada, pelos atores que compõem a sociedade civil organizada e pelo governo. Este último deve sempre nortear suas ações no sentido da sociedade, das pressões exercidas por esta pelo cumprimento das agendas valorativas fundamentais adredemente elaboradas pelo Poder Legislativo (constituinte) originário. O homem é fim da atividade estatal. O Estado tem o dever de assegurar ao indivíduo seu direito de existir com dignidade e de protegê-lo das ações da própria sociedade e da inércia do Estado, conforme o caso.

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contribuem para o desenvolvimento ou a promoção da industrialização. Estes direitos de cidadania contribuem para o processo de desenvolvimento com crescimento econômico, conforme Sen (2000), ao afirmar que as liberdades não são apenas fins primordiais do desenvolvimento, mas também os meios principais. As mais diferentes liberdades, dentre elas a liberdade política, na forma de liberdade de expressão fruto de discussão no espaço público, ajudam a promover a segurança econômica. Também as oportunidades sociais discutidas facilitam a participação econômica.

Mediante oportunidades sociais adequadas, os indivíduos podem de fato traçar seus rumos e ajudar uns aos outros, numa simbiótica solidariedade social que sequer exige “engenhosos programas de desenvolvimento”, preocupação dos que possuem o interesse econômico como primordial, porque envolvem custos para cobrir os novos riscos sociais. Neste sentido cidadania e desenvolvimento estão intimamente ligados. Sen (2000) discorre que o processo de desenvolvimento que melhor se adeque a determinada comunidade pode ser discutido tanto na comunidade científica, profissional, quanto em discussões e debates públicos.

No que se refere à crise da cidadania nacional, Corrêa e Zeifert (1991) evidenciam que o processo de globalização econômica permeabiliza as fronteiras do Estado-nação, antes considerado como o local exclusivo de exercício do processo de construção política dos direitos de cidadania, de forma que a crise dos Estados nacionais, apontada no capítulo primeiro deste trabalho, vem igualmente acompanhada por uma crise do conceito clássico de cidadania, na medida em que esta ultrapassa os limites territoriais do Estado-nação.

O próprio fenômeno global influi no cidadão, no seu comportamento, nas suas ações, desencadeadas pelo avanço desenfreado da tecnologia, da instalação da sociedade em rede estudada com afinco por Castells3 (1999), na obra A Sociedade em Rede, da influência do capital financeiro e do enfraquecimento das identidades culturais,

3 Nesta obra, Castells (1999)nos revela o paradigma da tecnologia da informação, o contexto social e

a dinâmica da transformação tecnológica na era da globalização, bem como o funcionamento da economia e o domínio do capital financeiro, deixando evidente que cada vez mais, nesta era de globalização, informatizada, em rede, as discussões refogem ao plano do espaço público no qual deve se estabelecer o debate participativo, propositivo, nas relações entre Estado e sociedade civil, podendo-se antever que o debate poderá carecer de legitimidade pela atuação da rede, fora do âmbito da localidade, onde se estabelecem as relações legítimas através do debate.

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das relações de trabalho e do espaço de participação. Sem dúvida, este estado de coisas leva forçosamente à verificação de uma nova roupagem para a cidadania clássica, centrada no Estado nacional soberano, jurídica e geograficamente delimitado, para um universo amplo, sem fronteiras, ilimitado, baseado numa nova linguagem, a informacional em rede. A questão é saber se esta nova estrutura de diálogo, de participação em rede, pode comportar a noção contemporânea de cidadania.

Falamos hoje em um cidadão do mundo, desterritorializado, presente em toda parte e informado por comunicações instantâneas, e tal estado exige do homem uma nova postura em termos de espaço público, uma nova concepção de sociedade democrática a reivindicar uma nova cultura política mundial.

Nesse sentido, é evidente que o homem, a par de desenvolver sua vida nas fronteiras físicas do Estado, transita pelo mundo conhecendo toda uma gama de transformações étnicas, culturais, sociais e, por que não dizer, das estruturas jurídico-normativas dos países mais desenvolvidos, da estrutura tributária de cada um e dos retornos que dão à população em termos de políticas públicas.

Podemos verificar ainda hoje, por exemplo, a radical diferença entre o modo de vida da quase totalidade dos africanos, franqueado na pobreza, à exceção da África do Sul, e o modo de vida das pessoas que vivem nos países hegemônicos e ricos. Sabe-se também que nos países asiáticos a pessoa humana é sufragada em horas de trabalho com parcos direitos sociais disponíveis, o que evidencia que no Oriente os direitos humanos são quase inexistentes, ainda que tais sentimentos tomem por base o paradigma ocidental, a ótica capitalista, sendo necessária uma nova abordagem, multicultural, nessa metade de mundo, da noção de direitos humanos, como proposto por Panikkar (2004).4 A eliminação dessas diferenças (ou mesmo sua relativização), caracteriza um desafio contemporâneo, a passar pela reconstrução do diálogo, o que

4 Panikkar (2004) questiona se a noção de direitos humanos seria uma condição ocidental. O

articulista indiano nos leva a abordar a discussão dos direitos humanos numa perspectiva multicultural, abrindo a visão de mundo ocidental acerca de tais direitos, o que leva, a partir do pluralismo e do interculturalismo, a repensar o paradigma moderno dos direitos humanos na prática e teoricamente, não centrado na diversidade ou universalidade (paradigmas mais comuns de abordagem, centrados no fator humano, racionalidade humana), sem levar em conta o metafísico e o divino, paradigmas orientais. Deve-se buscar um ponto de convergência, de eliminação de diferenças pela aceitação delas entre os diálogos a serem estabelecidos entre as duas concepções, ocidental e oriental.

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pode ser salutar para o fortalecimento da cidadania no mundo todo e fator de melhor desenvolvimento.

Neste sentido, Corrêa e Zeifert (2006, p. 44) discorrem que “o atual desafio da democracia é encontrar força em processos alternativos que promovam novas concepções de cidadania, que vão além dos problemas econômico-políticos desencadeados pelo processo excludente iniciado com a globalização capitalista.”

O anteriormente afirmado não significa que haja um padrão internacional preparado para construir um novo modelo de cidadania, mas é certo que este novo homem, desenraizado, com nova percepção de política, de direitos, de valores, está a exigir um novo modelo de democracia. Ele se imiscui entre tantos outros cidadãos na busca por um novo paradigma.

Ocorre que na democracia brasileira há profundas transformações pelas quais já passaram as democracias europeias e que, por exemplo, evidenciam a distância da Constituição, de seus valores e princípios, com relação ao exercício de cidadania, de vivência dos direitos humanos, de auferimento de direitos subjetivos consagrados na Carta em que se assenta o Estado brasileiro e que rege a conduta de seu aparelho, o governo. Há direitos humanos que antecedem os direitos fundamentais positivados e que permitem sejam cotejados um a um no exercício da vida dentro das fronteiras Estado. Neste sentido é preciso aprofundar e articular um novo processo de democracia dentro do próprio Estado nacional (no relacionamento deste Estado com setores da sociedade civil, política ou econômico-financeira) e daí para os planos regional e global.

É evidente que, ao falarmos em processo de construção política, estamos falando de direitos de cidadania. A célula menor deste processo, o cidadão, como cidadão do mundo, deve nortear-se por uma nova visão de mundo, nem sempre centrada exclusivamente no padrão capitalista e suas tendências em relação à proteção do capital em detrimento do social.

Mas este homem integrativo, participativo, requer uma nova concepção de cidadania, de envolvimento com direitos humanos, de paz, de justiça, de igualdade efetivas, de proteção ambiental, de saúde, de educação e segurança efetivas, de

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