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A influência do poder econômico internacional no Sistema Tributário brasileiro

A premissa básica desse item é tratar da influência do poder econômico internacional no sistema tributário brasileiro, assim como já constatada a influência dos interesses econômico-financeiros do Estado, de certos entes da sociedade civil (grandes empresas, transnacionais), que mantêm o distanciamento da realidade tributária do senso do justo e as premissas constitucionais em substância.

Acerca das influências estrangeiras em nosso sistema, Torres (1991) refere a história da liberdade fiscal na cultura luso-brasileira, de que esta não pode ser compreendida sem o exame da influência estrangeira, especialmente a partir da metade do século XVIII, ante a difusão dos ideais do liberalismo. Em nossa sociedade, economia e cultura são fortemente influenciadas pelos ventos que sopram dos EUA e Europa. Segundo este autor, há certamente uma influência, não só no campo do Direito Tributário: “não se cuida de mera cópia ou imitação dos modelos estrangeiros, mas de comunicação e integração com ideias em trânsito nas nações cultas e plenamente adaptáveis ao modelo histórico.” (TORRES, 1991, p. 57).

As influências contaminam sistemas, antes em face da Escola Eclética, da Filosofia prática iluminista, capitalista e liberal. O Direito Tributário, como ciência autônoma, não assume faceta diversa. Ainda se fala em tal permeabilidade de sistema, mais acirrado ainda na era da globalização, em que residirá, mais precisamente, a dissertação do tópico.

No cenário da globalização, a sociedade e os mercados, o Estado, e suas políticas, entram em crise. De fato há uma realidade ainda não desvendada. Qual será a função do tributo no contexto da planetarização social e econômica?

Nogueira (2000) disserta que ao longo da história há pressões exercidas sobre os mercados econômicos, quer mudanças do centro para a periferia, ou em sentido contrário, produzindo fenômenos de exclusão, compressão ou difusão.

No mundo globalizado, no qual o Estado é de certa forma pulverizado pelas influências mundiais em todos os elementos, impõe-se, no presente trabalho, analisar a convergência dos efeitos desse novo contexto mundial no fenômeno da tributação.

O que se cuida de tratar, então, é o avanço da globalização sobre o terreno tributário, esclarecendo as funções do tributo nesta seara. O enfraquecimento do Estado-nação manifesta-se também no terreno tributário. Uma manifestação concreta de tal característica é o avanço sem fronteiras das empresas transnacionais, empresas poderosas que efetuam todo tipo de pressão para ter amenizada sua carga tributária ou mesmo para se beneficiar de privilégios tributários.

Nada mais é tal atitude senão a movimentação mundial das forças que compõem o capital (como fator de produção), pelo domínio do capital financeiro, do capital especulativo, móvel, efêmero, conforme forem as oscilações na bolsa de valores, que exigem do fator trabalho uma especialização muitas vezes não encontrado nos países periféricos. Segundo Martin e Schumann (1998, p. 69), esta evidência se torna clara quando

nas bolsas e nos escritórios dos bancos e seguradora, nos fundos de investimentos e de pensões, um novo tipo de classe política chegou ao palco de um poder avassalador do qual nenhum governo, nenhuma empresa e muito menos o cidadão e contribuinte normal poderá escapar. Negociantes de títulos cambiais e ações movimentam um fluxo crescente de capitais de investimento, em escala global, e com isso podem decidir sobre o destino de nações inteiras – em grande parte sem qualquer controle estatal.

Efetivamente, as empresas transnacionais, que operam na mobilidade, sem fronteiras, possuem uma célula de comando, normalmente agregada às movimentações da bolsa de valores e podem influir sobremaneira nos governos, trazendo consequências desastrosas para o Estado. Grandes somas de dinheiro são distribuídas a políticos comprometidos que exercem influência no parlamento e, por conseguinte, interferem no processo de elaboração das leis.

Há tempo o Brasil já experimenta tais consequências, desde o projeto JARI, implantado em plena selva amazônica, que deteriorou o meio ambiente, fomentou desemprego, prostituição, de forma que o Estado arcou com as despesas e problemas sociais graves para cobrir o fracasso do projeto.

As montadoras de automóveis constituem outro exemplo, na sua mobilidade dentro dos países periféricos, correndo atrás sempre de uma política tributária que lhes forneça menos encargos, sob o discurso do desenvolvimento econômico e promoção do emprego (especializado, dado o grande grau de automação destas indústrias) e não da espécie de emprego de que dispomos, formada em grande parte por mão de obra não especializada.

Como característica mundial, os Estados ditos “periféricos”, como os da América do Sul, ante a carência de recursos para consecução de suas políticas, buscam novos investimentos no mercado, sejam oriundos de capitais especulativos ou não; buscam reter investimentos já implantados no país, oferecem facilidades tributárias nos três níveis federativos.

Ora, tais níveis de facilidades acabam por gerar uma competição externa, entre transnacionais, para operar em tais mercados emergentes, quer associando-se a empresas nacionais (como é o caso do mercado de alimentos), quer trazendo

fábricas “enlatadas”, prontas, de fora, em que nenhuma mão de obra nacional é utilizada.

Algumas características deste mercado globalizado podem ser exemplificados de forma genérica, por gerar: tendências de redução das cargas tributárias nacionais, não extensíveis a empresa nacional (fere capacidade contributiva e isonomia – igualdade); transferências de recursos para paraísos fiscais (evasão de divisas e impossibilidade de tributação nacional); planejamento tributário internacional; tratados internacionais, com cláusula de isenção e ou imunidade (para exploração de certos bens ou serviços); e o nomadismo fiscal.

Enriquecendo, é de lembrar a providência recente do governo brasileiro de repatriar capital depositado nos paraísos fiscais, sem a incidência de tributos. Facilita-se a saída desse capital, ante a parca fiscalização, e facilita-se a entrada desse capital sem tributação.

A repercussão nas políticas públicas tendentes a serem financiadas pelos tributos e que sustentam o Estado-providência ou de Bem-estar Social, cujos encargos são crescentes para enfrentar os novos riscos sociais, são enormes, pois não se trata de pequenas somas de dinheiro desviado. A própria política desenvolvimentista do país resta prejudicada, programas de emprego e de previdência social (desemprego, amparo a velhice) são atrasados ou mesmo nem implementados ante a ausência de recursos.

É evidente que não há dados seguros da influência nefasta destas incursões estrangeiras, mas podemos vislumbrar seus efeitos por antevisão de que princípios tributários estão sendo desrespeitados, e pelos efeitos, já que isenções e imunidades provocam exclusão do crédito tributário para privilegiados e alguém vai pagar esta conta: como sempre, o cidadão.

Também se pode importar exemplo dessa influência pela redução dos direitos sociais, mormente na Alemanha, um dos países mais desenvolvidos do continente europeu, como esclarecem Martin e Schumann (1998, p. 98-99):

O mesmo e conhecido roteiro está sendo seguido pela Alemanha na desmontagem do Estado de Bem Estar Social, que costumava manter dentro dos limites toleráveis as disparidades sociais, mediante tributação progressiva. Corte por corte, a coalização conservadora-liberal do governo obedeceu às exigências do setor industrial e bancário quanto à reformulação do sistema tributário. Por duas vezes, em curto intervalo, foi reduzida a alíquota do imposto de renda das pessoas jurídicas, proporcionando lucros adicionais às grandes empresas. Também a incidência máxima foi reduzida a 5%. Bruscamente, o número de vantagens em abatimentos na declaração anual de renda foi aumentando para os autônomos. Com isso, o peso dos encargos da unificação alemã recaiu sobre os menos abonados, em particular sobre a classe média assalariada e todos os que pagam impostos de consumo. O resultado é óbvio: quando Helmut Kohl assumiu o mandato de chanceler em 1983, as empresas e os autônomos arcavam com 13,1% do total da carga tributária. Treze anos depois, essa participação havia sido reduzida para 5,7%, metade da metade .

Outro exemplo atual, mais presente nesta era de globalização, é o das denominadas praças financeiras “off-shore”, ou “paraísos fiscais”, no qual bancos, seguradores e fundos de investimento canalizam recursos de seus clientes para estes paraísos fiscais, longe do alcance do poder tributário do Estado. Tais “praças” praticam tributações quase inexpressivas em relação à praticada no país-berço do capital que emigrou.

O fenômeno não é exclusivo dos países periféricos, mas um fenômeno mundial. Ocorre, porém, que os Estados mais ricos detêm uma gama de recursos de fiscalização disponíveis para coibir essas práticas, o que não ocorre, por exemplo, no caso brasileiro.

A legislação brasileira nesta área também é fraca, pois depende de autorização judicial para vencer o sigilo que é atribuído a este capital expatriado. Esse sigilo, rigoroso, permite também que o dinheiro proveniente do tráfico internacional (ou nacional) seja expatriado e protegido nos paraísos fiscais.

Outro exemplo advém dos denominados “preços de transferência”, que correspondem à mensuração monetária (preço) de um produto ou serviço, alterado para mais ou para menos em operações internacionais de compra e venda, por um agente econômico capaz de controlar os dois lados da operação, geralmente a serviço de empresas transnacionais, coligadas, etc. Trata-se de mercado paralelo, de déficit fiscalizatório tributário.

Nesse terreno da influência internacional, reside o planejamento tributário internacional, cujas regras de direito não são claras para os países onde ocorrem transações internacionais.

Torres (2001, p. 56) refere, em relação ao planejamento tributário, determinadas práticas importantes: “a) transferências de sede social ou administrativa para o exterior; b) reorganizações societárias internacionais (fusões, cisões, incorporações); c) subcapitalização de empresas; d) transferências de ativos para o exterior ou no exterior”, práticas que são desconhecidas pelos agentes econômicos nacionais ou mesmo inalcançáveis pela legislação nacional em matéria tributária.

Nesta mesma ordem há acordos internacionais que contêm cláusulas exonerativas em matéria tributária, que se sobrepõem à regra da lei tributária interna, nos termos do Código Tributário Nacional, quando internalizados pelo Código Tributário Nacional e pelo parlamento autorizador.

Não é o objetivo deste tópico propriamente exemplificar exaustivamente sobre cada uma destas espécies nocivas ao sistema tributário pátrio, que ferem de frente princípios tributários como a capacidade contributiva, a isonomia, a igualdade, a uniformidade, etc., que, reflexamente, permitem menor arrecadação ao Estado Democrático, tal qual exige seja conduzido segundo a Constituição, que ferem fundamentos (solidariedade, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho – art. 1º, I, II, III e IV, CF/88) e objetivos fundamentais, como construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e reduzir desigualdades.

Igualmente são desobedecidas regras afetas ao art. 4º da CF/788, o qual exige que o Brasil, nas relações internacionais, se paute pelos princípios da independência nacional e da prevalência dos direitos humanos.

No mundo globalizado, há duas importantes funções do tributo, conforme Nogueira (2000, p. 4):

A primeira refere-se ao humanismo (utilização do instrumental tributário para viabilizar uma sociedade voltada para o homem. Na segunda, o mesmo papel é proposto com objetivos mais ambiciosos, o de tornar a globalização também uma esfera de concretização dos valores humanistas em escala planetária.

Destarte, como podemos mensurar até esse ponto, as influências internacionais, no terreno tributário, concretizadas quer por governos estrangeiros ou por empresas transnacionais, acordos bilaterais, etc., a par de gerar desenvolvimento econômico (ou crescimento) puramente no enfoque economicista- financeiro, se mostram, à primeira vista, nocivas ao sistema arrecadatório brasileiro, sobrecarregando os nacionais, devendo ser objeto de rígida fiscalização.

Aliás, no tópico verifica-se que nestas facetas o cidadão, célula menor da sociedade, fica alijado da participação e da fiscalização destas transações econômico-políticas, o que fere de plano os direitos de cidadania.

Nogueira (2000, p. 5) traz ainda uma nova faceta quando refere que a burguesia, classicamente, no modelo liberal e neoliberal, sempre auferiu privilégios, recaindo o peso da tributação com maior veemência na população assalariada, nos mais frágeis politicamente:

a história mais uma vez se repete em sua caprichosa dialética. Agora é a vez do burguês carregar o peso. Deverá, na nova lógica da globalização, juntar-se aos demais contribuintes para que os “jogadores globais” (a nova classe) possam usufruir de seus privilégios. Já não lhes serve o domínio (ou controle) do Estado-nação, impotente diante dos novos senhores do mundo. Este fenômeno é particularmente evidenciado no Brasil, com o aumento da carga tributária na classe média, quanto aos tributos diretos. E vai além o autor, ao afirmar que:

na gestação da nova ordem planetária, nossa percepção é de que esse estado de coisas (ou seja, um espaço livre para a dominação dos internacional dos mercados, dos recursos naturais e tecnológicos, bem como da informação/ informatização), está a exigir a reformulação do tributo para atender a nova função. [...] Aquilo que não se conseguiu resolver a contento, através da tributação, no Estado clássico (Estado-nação), pode agora sê-lo por intermédio de instituições globais (ONU e suas agências) e regionais. (NOGUEIRA, 2000, p. 6).

Postas estas considerações, e consignado que um dos efeitos da globalização é o deslocamento da base econômica e a ruptura da ordem jurídica tradicional, há efetivamente uma migração das economias dos Estados-nação para integrar os espaços regional e planetário, de forma que, em se tratando de Estados estruturados com base no Direito, basicamente Estados Democráticos de Direito, um novo ordenamento jurídico parece ser urgente, ainda mais no campo da tributação, de forma a evitar a velha e desgastada transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos, estes cada vez em menor número proporcionalmente à maioria assalariada da população.

Os estudos mostram que, a par do domínio econômico-financeiro exercido pelos Estados dominantes e sua penetração na fluidez dos países de menor potencial defensivo, ou dependentes, carentes de bens e recursos, bem como de seus representantes ora denominados “world players”, especializados, capitalizados financeira e tecnológicamente, tendem a expandir seus negócios onde lhes for mais conveniente, é extremamente nocivo se não for rigidamente controlado.

E se mostra viável antever – assim já ocorre – que tais negócios venham a ser realizados nos países que, a pretexto de obterem vantagens econômicas, permitem certas facilidades tributárias que ofendem princípios consagrados, totalmente contrárias, tais políticas, à população que paga suas obrigações fiscais e tributárias, à empresa nacional, e à própria execução do Estado de Bem-estar Social, ainda executado e presente no Estado Democrático de Direito.

Mostram-se injustas tais políticas na medida em que a sociedade territorial, nacional, e as empresas nacionais, dentro do dever fundamental de pagar tributos, acabam por financiar os programas sociais, sem a participação dos entes internacionais – que auferem grandes parcelas de lucro a serem direcionados às suas matrizes. E por serem altamente especializados os níveis de serviços exigidos, muitas vezes não estão disponíveis a modificar em monta o problema do desemprego; por serem voláteis no mercado, enquanto viáveis economicamente; levantam “âncoras” segundo as regras do mercado financeiro, deixando ao Estado toda sorte de necessidades sociais a serem solucionadas.

3 AS REPERCUSSÕES DO SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO NOS DIREITOS DE CIDADANIA E NO DESENVOLVIMENTO

Neste último e mais extenso capítulo o estudo se dirige a levantar algumas questões relativas às repercussões do sistema tributário brasileiro nos direitos e garantias fundamentais, na dignidade humana, no desenvolvimento e nos princípios tributários específicos como a capacidade contributiva e o princípio da proporcionalidade. Trata-se de confrontar o regime tributário brasileiro com a nova concepção de Estado na atualidade. Cuida-se primeiramente em analisar a densificação do princípio da dignidade da pessoa humana para, na sequência, analisar a adequação da carga fiscal à capacidade contributiva do cidadão, tendo em vista a concretização dos direitos fundamentais.

3.1 A dignidade e os direitos humanos em face da matriz tributária despropor-