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Terra incognita : liberdade, espoliação: o software livre entre técnicas de apropriação e estratégias de liberdade

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Academic year: 2021

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INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

DOUTORADO EM SOCIOLOGIA

Terra incognita: liberdade, espoliação.

O software livre entre técnicas de apropriação

e estratégias de liberdade

FRANCISCO ANTUNES CAMINATI

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Dedico esse trabalho aos sonhos de liberdade

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AGRADECIMENTOS:

TODO MEU RESPEITO E GRATIDÃO:

À FAPESP E AO POVO DO ESTADO DE SP, por apoiarem este trabalho de pesquisa durante 5 anos.

AO IFCH E À UNICAMP, A TODOS OS PROFESSORES, FUNCIONÁRIOS E COLEGAS; E A TODA COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA E DE BARÃO GERALDO, por proporcionarem um verdadeiro encontro com o mundo.

AO PROFESSOR PEDRO PEIXOTO FERREIRA pelo apoio decisivo na reta final e na defesa. AO PROFESSOR LAYMERT GARCIA DOS SANTOS por incentivar meu trabalho desde o início e pelas experiências de pensamento e pelos experimentos de criação que realizamos juntos.

AOS PROFESSORES: IMRE SIMON (in memoria) e MAURO W. B. ALMEIDA pela participação no exame de qualificação que marcou a passagem da pesquisa de Mestrado para Doutorado (2007); RICARDO ANTUNES e SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA por participarem do segundo exame (2011) que, anos depois, habilitou a realização da defesa.

AOS PROFESSORES: SÉRGIO SILVA, NÁDIA FARAGE, VANESA LEA, RENATO ORTIZ, MARIA FILOMENA GREGORI, MARCELO RIDENTI, OSWALDO SEVÁ, OMAR RIBEIRO e JORGE TÁPIA.

AOS COLEGAS E PARCEIROS DO GRUPO DE PESQUISA CTeMe; DA REDE LATA – LABORATÓRIO DE ANTROPOLOGIA, TERRITÓRIO E AMBIENTE; E DO LABORATÓRIO DE CARTOGRAFIA DO CERES.

À RÁDIO MUDA E AO COLETIVO SARAVÁ.ORG – por proporcionarem, a partir da superação da especialização técnica e da propriedade sobre o saber, experiências de cruzamento de conhecimentos e de práticas voltados para a transformação social e invenção de novos mundos, que foram a escola política de mais de uma geração.

AO POVO A'WUÊ UPTABI DA ALDEIA WEDERÃ, E A TODAS AS ALDEIAS DA T. I. PIMENTEL BARBOSA-MT; À CASA DE CULTURA TAINÃ e À REDE MOCAMBOS; À FÁBRICA RECUPERADA FLASKÔ; E À POPULAÇÃO DA RESEX ALTO DO RIO JURUÁ, por mostrarem que existem outros mundos e, principalmente, outros modos de viver e de construir o mundo. AOS COLEGAS DO ISA PHD LAB MOSCOW 2008: Vishal Jadhav, Asuka Kawano, Zharaa McDonald, Claudia Mullen, Lou Antolihao, Daniel Woodman, Anna Chursina, Tanya Butnor, Vera Bobkova, Alla Vaselova e Holland Wilde; OS COORDENADORES DO LABORATÓRIO: Isabela Barlinska, Nikita Pokrovsky, Tatiana Venedictova, Maria Soukhotina, Valentina Shilova, Stephen Brier, Marcel Fourneir e Michael Burawoy; E À INTERNATIONAL SOCIOLOGICAL ASSOCIATION e À FUNDAÇÃO FULLBRIGHT por possibilitarem minha participação nesse interessante projeto. AOS ORGANIZADORES E PARTICIPANTES DOS EVENTOS: “Mídia, Tecnologia e Liberdade” (SESC-SP, 2010); “Direitos, Culturas e Conflitos Territoriais na Amazônia” (UFPR, 2010); “Software Livre – Filosofia e Prática” (UNICAMP, 2011); “II Seminário do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar: Sociedade e Subjetividade” (UFSCar, 2011); "'ESC – Espectro, Sociedade

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e Comunicação” (UNICAMP, 2011); “Outros Mapas: Cartografia e Pesquisa Social” (FUNDAJ, 2012); “Oficina de Trabalho: Redes de Educação à Distância Como Instrumento de Proteção Da Amazônia” (CENSIPAM, 2012).

À MINHA FAMÍLIA, AOS AMIGOS E AOS VIZINHOS DE SANTOS, GUARUJÁ, SÃO PAULO, NOVA ODESSA, LUCÉLIA, PRUDENTE, SÃO CARLOS, CAMPINAS, BRASÍLIA E MATO GROSSO.

***

Algumas pessoas merecem agradecimentos especiais pois, por motivos diversos e em alguns casos mesmo sem saber, foram fundamentais para a realização deste trabalho:

Augusto Postigo, Fábio Candotti, Paulo Tavares, Pedro Peixoto Ferreira, Paulo José Lara, André La Salvia, Samuel Leal, Rafael Diniz, Silvio Rhatto são grandes amigos e foram os principais parceiros e interlocutores durante a pesquisa.

Rafael Diniz e Silvio Rhatto merecem um agradecimento a mais pela iniciação tecnológica no Software Livre via seu submundo – tivessem sido outros os primeiros guias, certamente não teria me interessado tanto pelo tema e certamente os caminhos tomados seriam outros

Rafael Gomes Banto Palmarino pelas indicações bibliográficas que a universidade branca

simplesmente não poderia fornecer; pelas conversas libertadoras sobre racismo, descolonização e tecnologia; e pela manutenção da plataforma wiki onde estão publicados alguns anexos da Tese Maria Christina Faccioni, Secretária do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, por sempre resolver tudo com habilidade, agilidade e competência impressionantes, mesmo diante do excesso de trabalho que a lógica do produtivismo acadêmico e do sucateamento das condições de trabalho na Universidade impõe. Estendo o agradecimento a todas as secretárias e secretários da

Pós-Graduação e dos Departamentos do IFCH, que desempenham uma função tão importante quanto pouco valorizada por parte da Instituição.

Paty Carrión, Fabricio Astudillo e Quiliro Ordoñez, pelo apoio e amizade durante a realização de pesquisa de campo em Quito (Equador); Alexandre Oliva e a rede da FSFLA foram fundamentais para o estabelecimento dos contatos certeiros para a viagem e para a pesquisa. À Paola Miño agradeço pela indicação do Encontro de Cultura Livre da FALCSO. À Catherine Walsh agradeço pela entrevista inspiradora. A Santiago Cordovilla, Javier López Narváez e Marcelo Bonilla, agradeço pelas entrevistas e por apresentarem, respectivamente, a Subsecretaria de Tecnologia da Informação, o Ministério da Cultura e a Escola de Constitucionalismo e Direito do Instituto de Altos Estudos Nacionais.

Cipassé, Severiá Idiorê, Clara Rewai'õ, Caimi Waiassé, Leandro Parinai'á, Andréia, Wanderley e especialmente aos anciãos Wazaé, Cidaneri, Maurício e Fernanda (in memorian), e demais moradores de Wederã; Eurico, Josimar, Benedito, Jorge Protodi, Johny, Jamiro e demais moradores de Etenhiritipá, e a todos e todas que vivem, praticam, continuam, levam adiante e expandem o sonho de liberdade e de resistência dos antigos.

Nilsão, Seu Luiz, Benê, Benezinho (in memorian), Rogério Morcego,Priscila, Benetti, Santos, Suely (eventos), Suely (biblioteca), Muchacho, Júnior, Dunguinha, Seu Geraldino, Seu Marcelino

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terceirizadas da faxina. Família Carniça e todas as agremiações da Copa Muchachão. Os antigos Verdinho do Ataliba Nogueira e todos e todas que, além de manterem a UNICAMP de pé e na ativa, transformam-na em um lugar muito mais humano.

Fernando Farah Torres, Raphael Cessa, Rafael Cruz e Freire, Caio Bosco (e Cerebral), Andressa Passetti, Cássio Quitério, Fernando Bragança Mukeka, Thiago Galletta, Bruno Amaro, Carlos Filadelfo de Aquino, David Coturnada, Raul Ortiz, Gustavo Alemão, Gabriel Fontan, Ricardo Terner, Dj Paulão, Chirs, Samuel Leal, Didi Helene, Mendigo, Luiz Fernando Lima e Silva, Fábio, Maitê, Juba, Bruna, Letícia, Roberto Rezende, Piru, Ana, Odete, Ricardo Zollner, Morita, Daniel Manzatto, Roxo, Hidalgo, Alice, Elisa Ximenes, Paulinha Saes, Lauren... por estarem sempre por perto, mesmo quando longe, fazendo aquilo que só os amigos fazem.

Famílias Hasegawa e Itikawa, como todo meu respeito e gratidão. Vó Rosa, Tio Antonio e Tia Cecília Volpim, Tia Dita, Marcio, Cá, Deja, Carol, Ricardo, Renata, Pai, Mãe, Nando e Telma, obrigado por tudo! Vocês fizeram toda a diferença desde sempre.

Duas pessoas merecem agradecimentos ainda mais especiais:

Fernando Antunes Caminati, meu irmão, que desde sempre me estimulou a conhecer o mundo; e foi decisivo em alguns dos momentos mais difíceis da caminhada.

Aline Yuri Hasegawa foi certamente a pessoa mais importante nesse processo. Guerreira, esteve sempre ao meu lado me mostrando que com trabalho, humildade e amor vencemos qualquer coisa, juntos.

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Irrealizáveis nessa ordem social, realizáveis numa outra, essas propostas, que constituem apenas uma consequência natural do desenvolvimento técnico, servem à propagação e formação dessa outra ordem... BERTOLD BRETCH Discurso sobre a função do rádio 1932

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RESUMO:

Esta Tese apresenta os resultados de uma pesquisa de Sociologia da Tecnologia que aborda as inovações tecnológicas, as implicações geopolíticas e as possibilidades ecológicas do Software Livre. A pesquisa explorou o papel operatório das ideias e das práticas de liberdade e de abertura associadas, respectivamente, aos conceitos de Free Software e de Open Source. O objetivo foi analisar a ambivalência da relação que, ao longo de sua evolução histórica, o Software Livre estabeleceu com o Mercado: num primeiro momento, confrontou-o para garantir a possibilidade de liberdade, posteriormente, aliou-se para fortalecer e expandir essa liberdade. O objetivo era investigar até que ponto a liberdade pode se expandir através dessa aliança com o mercado, e quais as consequências para expansão ou retração do meio técnico e informacional compartilhado através dela. Com o intuito de demarcar conflitos e limites precipitados pela conciliação do Software Livre com tecnologias que restringem liberdades e com regimes de apropriação que remetem a relações de espoliação, e de proporcionar o entendimento da característica que está por trás da aparente convergência sinergética entre uma nova forma de liberdade inaugurada pelo SL e uma nova forma de apropriação praticada por um capitalismo open source, a Tese apresenta o conceito de Terra Incognita. Foi realizado um estudo de caso sobre a NOKIA e o modo como constituiu e mobilizou uma comunidade de trabalho em rede para desenvolver de maneira colaborativa o sistema operacional e os programas de uma linhagem de smartphones através dos projetos Maemo e MeeGo. Além disso, através de pesquisa de campo realizada no Equador; da memória da participação na elaboração e na implementação de políticas públicas no Brasil; e de uma experiência de colaboração tecnológica com o Povo Xavante da Aldeia Wederã (T.I. Pimentel Barbosa, MT) na instalação de um laboratório de processamento audiovisual em Software Livre na escola da Aldeia, são analisadas as implicações geopolíticas da “liberdade de não pagar” – uma consequência e não um imperativo do modo de distribuição do Software Livre – que permite que países de Terceiro Mundo, no caso, da América do Sul, se apropriem do Software Livre em projetos de “Soberania Tecnológica”. Os resultados alcançados apontam para a descrição de técnicas que mobilizam o open source como uma linguagem para a prática de uma apropriação sem propriedade; e da radicalização política do Software Livre pelo encontro de sua liberdade com as realidades e problemas locais nas experiências sul-americanas, encontro este que permite uma extrapolação de seu sentido político para além de uma questão tecnológica, comportando uma concepção de meio comum que remete a informação à terra e é, portanto, ecológica.

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ABSTRACT:

This thesis presents the results of a Sociology of Technology research encompassing technological innovation, geopolitical implications and the ecological possibilities of Free Software. The examination explores the operational aspect of ideas and material practices regarding freedom and openness related, respectively, to the concepts of Free Software and Open Source. This effort was made in order to analyze the ambivalent relation between Free Software and the Market, built on a contradictory basis: at first Free Software confronted the Market to defend freedom; but later was able to forge an alliance with the same Market, to build up and expand freedom. The objective is to investigate how far freedom can be expanded within such an alliance and which consequences the expansion of technical and informational environment shared through a Market-controlled freedom might suffer. It is presented the concept of Terra Incognita, as a way of bounding the limits and conflicts arising from conciliating Free Software and freedom restrictive technologies, as well as collaborative communities with appropriation regimes based on spoliation relations. Terra Incognita serves also as way of understanding what lies behind the apparent synergistic convergence between a new kind of freedom, launched by Free Software, and a new kind of appropriation, practiced by an Open Source Capitalism. A case study on NOKIA's mobilization of a networked community to foster collaborative development of the operational system and several softwares for smartphones in the projects Maemo and MeeGo. Besides, through field research in Ecuador; the memoir of the professional participation in public policy implementation in Brazil; and collaborative experience of installing a Free Software audiovisual lab with the Xavante people in the Wederã village (Pimentel Barbosa Indigenous Territory, Mato Grosso, Brazil), this thesis analyses the geopolitical implications of the “freedom of not to pay” – meaning that in Free Software distribution not paying is a consequence, not an essential attribute – which allows Third World countries to use Free Software as a means of enabling projects of “Technology Sovereignty”. All the results combined point out to the usage of open source as a language to the practice of appropriation without property, also they bespeak the political radicalization of Free Software when its freedom meets reality and social issues sort out in the South American societies. By such an encounter, it is possible to extrapolate the whole meaning of Free Software beyond technology, to a new conception of common environment, comprising information, knowledge and land, hence being itself ecological.

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SUMÁRIO:

APRESENTAÇÃO...25

1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA TERRA INCOGNITA 1.1 Alguns aspectos do processo de emergência do SL e de seu conflito imanente...39

1.2 Fazendo do SL um objeto da Sociologia da Tecnologia...56

2 LIBERDADE E ABERTURA 2.1 A Liberdade do SL (Freedom as in Free Software)...89

2.2 Consequências não intencionais I: GNU/GPL...116

2.3 Consequências não intencionais II: O ecossistema do Linux e a emergência do Open Source...135

2.4 Terra Incognita: Ambiguidade e Contradição...150

3 TÉCNICAS DE APROPRIAÇÃO: TRABALHO, VALOR, REDES DE INOVAÇÃO 3.1 Como se ganha dinheiro com Software Livre?.…...169

3.2 Apropriação 2.0: Apropriação sem propriedade...177

3.3 Trabalho em rede: Inovação...183

3.4 Valor como efeito colateral: A Espoliação do Comum como Liberdade...196

3.5 Um case de sucesso, rastros de um conflito...213

3.6 Capital Humano, Liberdade e Servidão Voluntária...239

3.7 Estranha Síntese, Impensável Conjunção, inominável realidade...247

4 SOFTWARE LIVRE NA AMÉRICA DO SUL 4.1 A liberdade de não pagar como Soberania Tecnológica...259

4.2 Estudo de Caso I: Colaboração Wederã – Como lidar com o Waradzú...274

4.3 Estudo de Caso II: Software Livre no Equador...299

BIBLIOGRAFIA...315

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FIGURAS:

1 «Ji Shin Noben Map», Mapa, Japão, (1855)...37

2 «Political Overlaps» Diagrama de Hung Chao-Kuei, FSF (2001)...87

3 «Community Involvement Diagram» (JAAKSI, 2008)...167

4 «Selected IBM Revenues, 2000-2003» (BENKLER, 2006)...174

5 «Inside-Out Roadmap» (JAAKSI, 2008)...184

6 «The best of breed gets promoted» (Gil, 2008)...189

7 «Where Open Source is deployed?» (Gil, 2008) ...191

8 «Duplo Engajamento: Trabalho-Vida» (Jaaksi, 2007) Fonte: Ian McKellar – Berlin, 2008...240

9 «Follow me, I got the key» (JAAKSI, 2008)...249

10 «SailfishOS Girls: Unlinke?» Barcelona, 2013...252

11 «Armazém de computadores obsoletos da UFAM» Manaus, 2005...257

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SIGLAS, ACRÔNIMOS E ABREVIAÇÕES:

BSD: Berkley Software Distribution

CC: Creative Commons

DRM: Digital Rights Managements EB: Exército Brasileiro

FISL: Festival Internacional de Software Livre FOSS: Free and Open Source Software FSF: Free Software Foundation

FSFLA: Free Software Foundation Latin America GCC: GNU Compiler Collection

GNU: GNU is Not UNIX GPL: General Public License

GPSL: Grupo Pró-Software Livre da UNICAMP ITI: Instituto de Tecnologia da Informação

OMPI: Organização Mundial da Propriedade Intelectual OS: Open Source

OSI: Open Source Initiative

P2P: peer to peer (produção, comunicação e troca realizada entre pares) SL: Software Livre

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APRESENTAÇÃO

Esta Tese apresenta os resultados de uma pesquisa de Sociologia da Tecnologia que aborda as inovações tecnológicas, as implicações geopolíticas e as possibilidades ecológicas do Software Livre. A pesquisa consistiu em uma investigação sobre a evolução das relações do SL com o mercado, suas implicações para a expansão ou retração da liberdade tal como informada pelos novos meios livres e pela prática de compartilhamento de conhecimento, e suas implicações geopolíticas a partir da especificidade dos desdobramentos locais dessas relações na América do Sul.

Foram dois os eixos que guiaram o trabalho.

Em um deles, busca-se o entendimento do papel operado pela confusão entre os conceitos de abertura e de liberdade, associados respectivamente aos conceitos de Open Source e de Software Livre, na manutenção de uma condição de ambivalência na qual o SL precisa reagir ao mercado para garantir a liberdade, podendo se aliar ao mercado para expandir a liberdade.

No outro, volta-se para experiências recentes de políticas públicas propostas e praticadas por Brasil e por Equador e para o modo como o software livre foi (e vem sendo) apropriado e atualizado localmente. Por um lado, investigou-se os efeitos de um decreto presidencial que estabelece a opção estratégica e a preferência de uso pelo software livre no âmbito da administração pública estatal no Equador. Por outro, analisa-se os resultados de uma experiência de colaboração para instalação de um laboratório de edição audiovisual em software livre em uma aldeia indígena (Xavante) no Brasil buscando entender a especificidade do papel desempenhado pelo software livre nesse processo.

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A evolução das relações entre SL e mercado foram acompanhadas,

perseguidas e analisadas a partir da exploração das ambiguidades, contradições e

convergências entre as práticas associadas aos conceitos de Software Livre e

Open Source, e do papel que operam tanto na conversão do que foi projetado

como estratégia e como prática de liberdade em um proeminente modelo de negócio, quanto na continua afirmação e expansão da liberdade no ambiente digital apesar dessa conversão e, também, tirando proveito dessa conversão – às vezes simultaneamente. Buscou-se, portanto, compreender o modo de operação que concilia eficácia técnica e contradição política através da constituição de uma zona de resolução de tensões e de ressonâncias, na qual práticas e interesses antagônicos convergem e, aparentemente, se potencializam.

Esta convergência toma forma no compartilhamento de conhecimento técnico e de tecnologia, que se constitui como um verdadeiro ecossistema de relações de produção e de troca de abrangência global. Contudo, este

compartilhamento ocorre em meio a contradições e conflitos, pois trata-se de um

ecossistema que comporta que a liberdade do SL conviva com práticas de espoliação de meios e de recursos comuns, e que a expansão da liberdade associada à produção, reprodução e criação de meios livres de alguma forma co-exista e, mais importante, co-evolua com uma apropriação intensificada de um trabalho precarizado, coletivo, dividual, disperso e diluído. Um trabalho realizado em rede.

Com efeito, são analisadas experiências que forjam técnicas de apropriação que produzem valor a partir da mobilização de redes de inovação cujas formas de engajamento e associação são cada vez mais difíceis de serem entendidas como trabalho, entre outros fatores, por desafiarem tecnicamente a noção de indivíduo como referência para demarcação e medição da atividade laboral; e por aproveitarem de maneira gratuita do acesso privilegiado aos produtos de trabalho precário e de atividades genéricas de uso que produzem valor mas não são percebidas ou realizadas como trabalho, e até mesmo aquelas que são realizadas

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como liberdade.

Para a realização desse estudo, foi acompanhada uma experiência de produção colaborativa e de aproveitamento do trabalho em rede praticada por uma empresa, a NOKIA, em conjunto com comunidades, Maemo e MeeGo, para o desenvolvimento dos sistemas e aplicativos de software para uma linhagem comercial de smartphones1. Esta experiência forneceu também um ponto de vista

para o acompanhamento do que foi a emergência avassaladora do mercado mundial da indústria mobile, da importância das tecnologias open source para essa indústria – vide o sucesso do Android – e, ao mesmo tempo, dos limites de uma estratégia econômica baseada nos princípios do open source – vide a própria espantosa perda de mercado sofrida pela NOKIA, e o desmanche de quase todas suas operações open source decorrente de sua guinada na direção da MICROSOFT2.

Numa tentativa de garantir uma perspectiva cruzada, ou de como este arranjo baseado na co-existência e na co-evolução em meio a contradições e conflitos também pode funcionar a favor da liberdade, são analisadas experiências que, de maneira robusta e portadora de grande potencial de expansão, se relacionam com e através deste ecossistema compartilhando do conhecimento, do desenvolvimento técnico e da inovação resultante, em uma perspectiva do meio como bem comum. Na qual o compartilhamento é considerado condição de liberdade e substitui a concorrência como impulso dinamizador da produção de valor e de riqueza.

A especifidade dos desdobramentos locais dessa relação serão buscados a partir do modo como o software livre se popularizou na América do Sul, ou seja, a partir da extrapolação de seu sentido político e da radicalização de suas premissas políticas quando estas encontram as culturas, os problemas e as

1 Conhecida como N series, atualmente extinta, cujos últimos lançamentos foram os modelos N900, N950, N9.

2 A opção do abandono do open source pela NOKIA é abordado no capítulo 3 [TÉCNICAS DE

APROPRIAÇÃO]. Um conjunto de links que informam e repercutem esse acontecimento, bem como a guinada da NOKIA em direção à MICROSOFT foi reunido no ANEXO WK-13.

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realidades locais. Brasil e Equador são escolhidos como campos privilegiados para esse estudo devido à natureza de políticas públicas forjadas por seus respectivos Estados e devido à criatividade e à inventividade dos desdobramentos que as sucederam quando apropriadas e absorvidas em contextos locais.

A liberdade de não pagar por licenças de uso e por royalties, uma consequência e não um imperativo das licenças copyleft do software livre, e as possibilidades de desenvolvimento técnico a partir das demandas culturais e econômicas locais, acrescentam uma dimensão geopolítica à problematização da liberdade em meio à informação. Pois, muito mais que apenas uma questão de preço, como também argumentam os defensores do SL, é justamente pela possibilidade da tradução do acesso livre por acesso gratuito, que uma relação mais balanceada entre o desenvolvimento tecnológico do Norte e a apropriação local permitida aos países do Sul Global pelas leis e dispositivos de propriedade intelectual, passa a ser possível de ser imaginada, almejada e, por que não, criada. Este é um efeito mais profundo, que talvez ainda nem tenha se realizado para além de um potencial, mas o que interessa, é sua implicação geopolítica: o modo como o SL fornece uma linguagem para a política no que concerne o desenvolvimento e a soberania tecnológica, o acesso às novas tecnologias e sua distribuição internacional.

Através do processamento dos resultados de um projeto realizado em parceria com um Ponto de Cultura instalado em uma Aldeia Indígena Xavante – Wederã (T.I. Pimentel Barbosa, MT) – é analisado o potencial de liberdade do SL quando apreendido e incorporado como meio para superar condições históricas de adversidade tecnológica – tanto no que se refere ao acesso a meios técnicos, quanto no que se refere ao acesso e à apreensão dos conhecimentos técnicos associados a eles e que são requisitos fundamentais para a interação e interlocução com e através desses meios técnicos. Aqui, reflito sobre o papel do SL como diferencial de esforços de superação de cenários de exclusão/fronteira digital. Em seguida abordo o modo particular no qual o SL foi remetido à cultura

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local e o modo como encontrou e potencializou uma antiga estratégia de liberdade.

No que concerne ao sentido político adquirido pelo SL, ou produzido a partir dele na América do Sul, mais interessante que se perguntar qual liberdade ou qual tipo de liberdade pôde se associar à liberdade do SL, é buscar entender como a apreensão/incorporação particular do SL na América do Sul abriu novos campos de atuação política. Tanto no sentido em que velhas lutas puderam se expressar por novos meios e estabelecerem alianças com redes antes totalmente disparatadas, quanto no sentido em que uma nova linguagem pôde ser mobilizada para enfrentar os problemas contemporâneos e disputar seus desdobramentos e consequências futuros.

***

Esta Tese está dividida em 4 capítulos:

O primeiro [CONSIDERAÇÕES ACERCA DA TERRA INCOGNITA] apresenta o objeto e a problematização geral da tese, com especial atenção ao conceito de Terra Incognita. Em seguida, descreve a trajetória da pesquisa e modo como seu objeto foi demarcado e a investigação realizada.

O segundo [LIBERDADE E ABERTURA] tem como objetivo definir e diferenciar os conceitos de open source e de software livre, para problematizar suas diferenças e as implicações políticas que cada um acarreta. No entanto, não se trata de tentar mostrá-los como duas realidades distintas para isola-las. Ao contrário, o objetivo será o de ver que tipo de reciprocidade que as práticas imbuídas nestes conceitos estabelecem entre si, interessado em entender: como se complementam e como se contrariam; quando há choque e competição; e quando há convergência e sinergia.

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liberdade que pode ser definido a partir do Software Livre. Em seguida, é abordada a importância da criação da licença GPL enquanto consequência não-intencional do movimento, e é analisada sua função estrutural para o estabelecimento de um ecossistema favorável à produção colaborativa e para expansão virótica das redes de produção. Ainda explorando o sentido da ideia de consequências não-intencionais, abordo a criação do Linux e a emergência de um modelo de negócios associado ao software livre, buscando compreender as relações entre hackers e o mercado a partir da criação do conceito de Open Source. Por fim, descrevo as zonas de ambiguidade entre o software livre e open

source para pensar seu papel operatório na constituição da margem de contradição que permite que um modelo de negócio de sucesso impulsione e

propague um movimento de defesa de liberdades, e vice versa; e na problematização dos dilemas políticos que decorrem do papel fundamental que a ambiguidade, a indistinção e a confusão de sentido desempenham nessa lógica operatória.

O terceiro capítulo [TÉCNICAS DE APROPRIAÇÃO: TRABALHO, VALOR, REDES DE INOVAÇÃO] tem como objetivo descrever as técnicas de apropriação que se projetam sobre as formas contemporâneas de produção de conhecimento prestando especial atenção para o papel das articulações em rede, nas quais observamos um trabalho de tipo dividual. Para isso, são analisadas as relações de trabalho, de compartilhamento e de apropriação estabelecidas através da linguagem do open source entre uma empresa de atuação global, a NOKIA, e comunidades de colaboração, Maemo e MeeGo. O material de análise é extraído de um estudo de caso sobre o desenvolvimento de uma linhagem de computadores móveis, que culminou no lançamento de um smartphone com sistema operacional baseado em software livre. Buscarei descrever a ocorrência do aproveitamento econômico de um tipo de trabalho dividual, disperso, diluído e quase imperceptível, um trabalho de inovação realizado em rede e por uma rede. E tentarei indicar quais conflitos essa nova forma de produção de valor enseja e

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faz precipitar.

Na primeira e na segunda parte deste capítulo, apresento os primeiros modelos de negócios associados ao SL, os quais baseavam-se principalmente na prestação de serviços associados ao código disponibilizado livremente, e a passagem para um outro modelo de negócio que se volta para o aproveitamento da capacidade de produção de invenção e de inovação. Na terceira parte, a partir de slides e outros materiais de divulgação e de mobilização de colaboradores produzidos pela NOKIA, analiso a relação entre um trabalho de tipo específico, o trabalho em rede, e a produção de inovação. Na quarta, problematizo este modelo de produção a partir de um enunciado que afirma que o valor é produzido como

“efeito colateral” do uso de tecnologias e do engajamento em redes de

colaboração, e analiso este aproveitamento a partir do conceito de apropriação por espoliação. Na quinta parte, faço um esforço na busca de expressões de conflito em meio a este processo, e na sexta tento entender como se dá a mobilização do trabalho neste modo de produção. Por fim, termino mostrando alguns limites e incongruências da “estranha síntese” entre liberdade e espoliação que são a base de um capitalismo aberto e suave que pratica apropriação sem propriedade.

No quarto capítulo [SOFTWARE LIVRE NA AMÉRICA DO SUL] analiso as experiências de apropriação do software livre no Brasil e no Equador enquanto tecnologia e enquanto linguagem para a política. Aqui trata-se da problematização do papel central que a possibilidade do não pagamento de licenças de uso desempenhou nesse processo; e de como essa liberdade de não pagar pode e deve ser percebida como um instrumento fundamental para a conquista de soberania tecnológica. As consequências desse tipo de apropriação são processadas através de suas implicações geopolíticas, a partir da reflexão sobre o papel dos dispositivos de propriedade intelectual na regulação dos fluxos de conhecimento e de capital entre os países do Norte e do Sul, e da função que desempenham no controle e na gestão da distribuição e do acesso a conhecimentos e tecnologias que, mais que estratégicas, são fundamentais para

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que se participe das novas modalidades de socialidade contemporânea.

Na sua primeira parte, apresento a ideia de liberdade de não pagar, tratando a gratuidade como uma consequência e não um imperativo do software livre, a qual considero que é dotada de um potencial que, na América do Sul, é mobilizado em projetos de Soberania Tecnológica. Em seguida, analiso uma experiência local de apropriação tecnológica realizada em parceria com a comunidade Xavante da Aldeia Wederã na instalação e na ativação de um laboratório de edição audiovisual em software livre, no âmbito da execução de um projeto de Ponto de Cultura, buscando entender qual a contribuição específica que o software livre implicou para o projeto de preservação e desenvolvimento de uma comunidade tradicional. Na última parte, apresento e analiso dados de pesquisa de campo realizada no Equador, reconstituindo, em alguns de seus aspectos, a criação e a definição do escopo de atuação a Subsecretaria de Tecnologia da Informação e do decreto 1014, ambos voltados para estruturas e executar uma política de adoção de software livre em escala nacional. Além disso, a partir de entrevistas com ativistas e pesquisadores locais, faço uma avaliação da evolução e da repercussão dessa experiências medidas a favor do SL instituídas pelo governo desde 2008. Por fim, realizo uma experiência de aproximação política do conceito de software livre com o conceito de sumak kawsay, tentando explorar as ressonâncias políticas entre uma liberdade experimentada na relação com a informação e do bem-viver experimentado em uma relação com a terra.

Anexado à Tese, um pequeno arquivo da passagem de Richard Stallman por Campinas, em 2009, composto por um breve descrição geral de sua estada e a transcrição de uma entrevista realizada na Rádio Muda.

Por fim, em uma plataforma wiki (externa ao texto da tese) está publicado um repositório digital de arquivos e links construído ao longo do processo de escrita da Tese como uma ferramenta de apoio e de gestão de dados e de materiais de referência.

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linguagem através da plataforma wiki – que foi um importante instrumento de trabalho e de criação, o qual acredito que é dotado de um potencial ainda pouco explorado pelas Ciências Sociais – e, por outro, proporcionar outras possibilidades de processamento, e mesmo de evolução, para a Tese através das conexões abertas pelos materiais e dos cruzamentos possíveis que a rede informada pela reunião deles em um repositório on-line pode proporcionar.

Ao longo da Tese são feitas referências aos “ANEXO WK”, escritas desse modo, em caixa alta, sempre acompanhando o número do respectivo arquivo. Os ANEXO WK podem ser acessados através do seguinte endereço:

http://caminati.wiki.br/WK/WK

Este link dá acesso ao nível raiz do repositório, para acessar diretamente um dos arquivos, basta incluir o número do arquivo indicado no final deste endereço3.

3 Por exemplo, no caso de uma referência ao ANEXO WK-01, o endereço para acesso direto é:

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1. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA

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1.1

ALGUNS ASPECTOS DO PROCESSO DE EMERGÊNCIA

DO SL E DE SEU CONFLITO IMANENTE

O Software Livre é um fenômeno sócio-técnico recente que data do início dos anos 1980. Sua difusão em escala global é mais recente ainda, consolidou-se a partir do final dos anos 1990, sobretudo devido ao sucesso técnico e comercial de seus produtos. Criado como uma resposta política pragmática ao que se delineava como o cercamento do conhecimento no meio informacional, desde o início o SL se constitui como um movimento social cuja principal característica é a articulação inextricável entre prática tecnológica e eficácia política.

A liberdade almejada, conquistada e defendida pelo SL, a liberdade dos usuários4 de computadores, era uma liberdade mediada tecnicamente:

experimentada em um novo contexto social em que a técnica deixa de ser um objeto da política para emergir como o próprio meio de sua ação/execução; um novo contexto social, em que a mediação técnica é condição para a política5.

4 O conceito de usuário pode ser um tanto controverso, pois pode adquirir sentidos diversos: pode tanto significar uma redução na capacidade de interação com os computadores, quanto uma relação plena de interação que se confunde com o próprio desenvolvimento técnico. No contexto do início dos anos 1980, contexto de origem do SL, o ato de usar um computador constituía uma ação que denotava uma relação completamente diferente do que a mesma ação denota hoje. Antes restrito aos laboratórios e as mãos de especialistas, com interfaces gráficas rudimentares, os computadores ainda estavam mais associados à produção do que ao consumo e, por isso, usar um computador era praticamente sinônimo de programar. Dado o atual estado da arte das tecnologias de informação, do ponto de vista técnico, essa relação contínua entre uso e desenvolvimento, devido ao alto grau de avanço da tecnicidade, é possível em uma intensidade ainda maior. Contudo, esse tipo de relação é evitado a todo custo pelas tendências do mercado e pelas empresas que concentram gigantescas fatias do mercado mundial e que ditam os rumos da produção técnica, que se esforçam ao máximo para reduzir a experiência de computação ao trabalho alienado, ao entretenimento ou ao consumo. A redução da experiência de uso das tecnologias – através da categoria de usuário (que deriva da condição de acesso e de conexão a meios tecnológicos) – corresponde à supressão de categorias como a de pessoa, cidadão, povo. Contudo, é justamente no sentido da preservação da liberdade para que seja possível uma relação de uso baseada numa interação/interlocução de tipo complementar, na qual uso e desenvolvimento não estejam separados, mas fluindo em conjunto, que foi criado o SL.

5 Por novo contexto aqui deve-se entender o período histórico de viradas, transformações e rearranjos informados pelos colapsos e crises da modernização (Kurz, 1992); pelas mutações pós-modernas (Latour, 1994; Harvey, 1993; Guattari, 1995); pelo avanço do neoliberalismo (Wiebel, 1998; Harvey, 2008; Andrade, 2009); pela virada cibernética e a emergência de um mundo ciborgue (Haraway, 1987; Hayles, 1999; Santos, 2003; Chopra & Dexter, 2007), pela presença e colonização da paisagem por meios digitais

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Um aspecto característico da proposta e da prática política do SL é que a defesa da liberdade era afirmada, viabilizada e garantida tecnologicamente por softwares e por um inteligente modo de produção baseado em redes globais de colaboração e no compartilhamento de tecnologias livres. Não se tratava, portanto, somente da proposta de aproveitamento de algum potencial de um meio com o objetivo de promoção da liberdade (ou do uso de um meio associado a uma ideologia de liberdade), tratava-se de um software sujeito de liberdade; da constituição de um meio livre cuja liberdade é pré-condição para a própria possibilidade de liberdade neste novo contexto. Daí que não se fala em programadores e programadoras livres, ou usuários e usuárias livres, mas: programas livres – Software Livre. E nesta articulação, que pode ser considerada a grande inovação política do SL, a questão da liberdade foi inscrita no corpo do código informacional, fazendo do desenvolvimento tecnológico uma linguagem e um lugar para uma emergente política.

No entanto, é importante notar e destacar dois aspectos fundamentais desse tipo de articulação entre tecnicidade e política, na qual técnica e política são duas dimensões indissociáveis. Primeiro, se há uma objetificação da liberdade – sua transferência para uma terceira parte, para uma dimensão ou realidade estritamente técnica – isso implica necessariamente em algum tipo de alienação. A ocorrência dessa alienação constitui, entretanto, parte importante do segredo do sucesso do SL, pois é responsável por seu potencial de evolução técnica: de fazer a liberdade evoluir através do desenvolvimento tecnológico, através do aproveitamento do avanço técnico realizado em rede. Segundo, que a criação do SL também indica a emergência de um novo meio para a fruição e para a disputa

que geram sempre novos meios (Mackenzie, 2006; Sterling, 2004); pelo ressurgimento do conceito de

commons associado à produção cultural e de conhecimento inscritas no meio digital (Boyle, 2008); pela

emergência política da Terra através dos conceitos sul-americanos de pachamama e de bem-viver que procuram inventar novas alternativas de desenvolvimento baseadas num princípio de equilíbrio integrado no modo de se relacionar com o meio, de gerir suas riquezas e de conviver coletivamente (Morales, 2008; Walsh, 2009, 2010; Gudynas & Acosta, 2012); e, também, da virada geopolítica precipitada pela crise financeira iniciada em 2008 (Karachalios & Ernest, 2010).

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da liberdade. Indica, portanto, uma nova forma de liberdade ao mesmo tempo viabilizada e limitada por uma mediação técnica cada vez menos separada, e possível de ser separada, da vida social. Implicando na fusão entre técnica e política que, por sua vez, denotam a fusão entre tecnologia e vida social.

A respeito da abrangência e dos efeitos da emergência de uma realidade social cada vez mais fundida com seu próprio meio (ou de uma realidade tecnicamente mediada), é valido recorrer a uma passagem de Samir Chopra e Scott Dexter (2007; p. 145) na qual, mobilizando a antropologia ciborgue de Donna Haraway (1987) para falar de uma “nova era tecnológica” e da produção de um

“mundo ciborgue”, definem de maneira muito interessante a função política e

metafísica do SL neste novo contexto:

As implicações filosóficas do Software não são apenas sociais e políticas, mas também metafísicas. O código canaliza a engenhosidade e intenção humana para produzir um novo mundo híbrido – o mundo ciborgue. O código ao mesmo tempo cria e destrói distinções, reformulando (reworking) nossas ontologias e, portanto, demandando uma revisão de nossa política. O código pode tanto fazer avançar quanto neutralizar imperativos políticos: nesse contexto, o software livre (free software) não é somente uma questão de manejar a tecnologia, mas de determinar os contornos de nossa própria natureza (our selves) e das políticas que escolhemos. Tecnologia e política se tornam inseparáveis quando entidades tecnologizadas são atores políticos e objetos de nossa filosofia política. Uma nova filosofia política para essa era tecnológica deve refletir o borramento das fronteiras (blurring of boundaries), e as novas obscuridades que a tecnologia induz. O potencial libertário/liberador (liberatory) do software livre reside em

seu potencial de enfrentar (address) estes efeitos6.

6 “Software's philosiphical implications are not only social and political but also metaphysical. Code

channels human ingenuity and intention to produce a new, hybrid world – the cyborg wolrd. It both creats and destroys distinctions, reworking our ontologies and therefor necessitating a revision of our politics. Code may both advance and counteract political imperatives: in this context, free software is not just a question of managing technology but of determining the contours of our selves and the politics we choose. Technology and politics become inseparable when technologized entities are political actors and objects of our political philosophy. A new political philosophy for this technological age must reflect the blurring of boundaries, and the new obscurities, that technology induces. The liberatory potential of free software lies in its potencial to address both thesse effects.”

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Esta fusão dos domínios da tecnicidade e da política marcou o processo de evolução do SL com uma característica peculiar que pode mesmo ser considerada paradoxal. Tal característica, que foi estratégica para disparar seu processo de evolução, e ainda o é para a continuidade de sua evolução, deriva do fato de que o sucesso político do SL favoreceu e resultou no desenvolvimento de produtos e de processos de produção que apresentaram vantagens técnicas em relação ao que se consolidou como o modelo hegemônico de produção de software, o

modelo proprietário7, e que, por sua vez, estas vantagens técnicas logo foram

traduzidas em vantagens competitivas no mercado. De modo que aquilo que havia sido forjado como uma estratégia de liberdade construída para responder a uma situação limite imposta pelo mercado – o cercamento, a necessidade do fechamento do código – passasse a fornecer ao mercado novos modelos de produção e novos modelos de negócios mais flexíveis em relação à propriedade intelectual.

Acontece que, ao longo da evolução de sua luta, o SL conseguiu forjar e, mais importante, colocar em prática, uma contra-resposta ao mercado, endereçada ao mercado, que buscava evitar a possibilidade de um tipo específico de apropriação (aquela baseada na aplicação de dispositivos de propriedade intelectual), que afirmava uma nova forma de liberdade (aquela baseada na colaboração e no compartilhamento) que, no entanto, não era necessariamente

anti-mercado. Uma inteligente e pragmática oposição não-excludente garantida

por um uso esperto e não convencional das leis de direitos autorais8, realizado

7 Aquele baseado no fechamento do código, que para auferir lucro e renda sobre software precisa separar o código de seu processo social de criação e impedir sua livre circulação e seu livre compartilhamento. 8 Cristopher M. Kelty (2008:2) fala de “um uso esperto e não convencional dos direitos de copia”. Um uso

que subverte o sentido original da lógica dos direitos de cópia que, sem os anular ou os invalidar, coloca em prática uma adaptação que não limita a cópia nem restringe a generalização da reprodução de um bem para realizar seu valor. Justamente o contrário: um uso esperto (poderia até mesmo chamar de malandro –

clever), pois que inverte o sentido corrente de sua aplicação para garantir e, mais importante, proteger a

generalização de prática da cópia e do compartilhamento de informação e conhecimento. Proteção à cópia e ao ato de copiar ao invés da proteção contra a cópia.

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através do que pode ser considerado o grande hack do movimento do Software Livre: a criação da licença GNU/GPL baseada no conceito de copyleft (DELANDA, 2001).

Por ser de tipo não-excludente, a oposição feita ao mercado através do

copyleft da GNU/GPL com o intuito de defender e garantir a liberdade do

conhecimento, pode, mesmo que não intencionalmente, favorecer também o mercado. Ao forjar as condições de possibilidade para a garantia e expansão da liberdade do conhecimento, o SL conseguiu, ao mesmo tempo, favorecer – mesmo que não intencionalmente, e mesmo que, posteriormente, muitas vezes com este objetivo declarado – o próprio mercado ao ampliar os espaços e condições de possibilidade de práticas de livre mercado para a produção de software.

Trata-se de uma estranha opção estratégica que projeta um certo engajamento com o contraditório, ou uma espécie de aliança com o inimigo: a qual, em um primeiro momento, pode aparecer como tática de sobrevivência, como contingência, e que deve ser avaliada pela medida do quanto, posteriormente, se torna condição para sua existência. Obviamente, trata-se sempre de saber aproveitar o que o ambiente comporta e oferece tanto para superar adversidades, quanto para evoluir. E, também, de saber faze-lo funcionar a seu favor mesmo quando funciona em alguma outra direção, ou quando está projetado para combater e extrair recursos de seu próprio movimento. Ou seja, quando funciona na direção contrária.

Dessa forma, o compartilhamento de conhecimento pôde, por um lado, se contrapor à acumulação de capital, ao limitar a sua realização através dos regimes de cercamento aplicados sobre a produção de conhecimento (BOYLE, 2008) e sobre a aplicação/conversão desse conhecimento em tecnologias; e, também, por criar novas condições e relações de produção que seguem outras lógicas que não a da propriedade privada. Ao mesmo tempo que, justamente por seguir e ensejar outras lógicas de produção, e por serem estas outras lógicas mais eficientes para

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a produção de inovação técnica, possibilitou também o surgimento de novos modelos de negócio e de produção que se beneficiam do conhecimento compartilhado e do ecossistema informado pela prática do compartilhamento de conhecimento, sobretudo no que concerne à invenção e à inovação técnica.

Defendo que essa característica paradoxal precisa ser entendida/processada em termos da resposta que sua pragmática9 – seu modo de

atualização, de existência e de reprodução – comporta e oferece em sua relação ambígua com o mercado. Para tanto, esta Tese apresenta e aplica o conceito de

Terra Incognita com o intuito de proporcionar o entendimento desta característica

que está por trás da aparente convergência sinergética – que alguns consideram até mesmo simbiótica10 – entre uma nova forma de liberdade inaugurada pelo SL e

uma nova forma de apropriação praticada por um capitalismo open source, a qual buscaremos abordar como um conflito imanente do processo de emergência do SL enquanto tecnologia e enquanto movimento social.

O uso deste conceito foi apropriado de um termo usado na computação para designar zonas obscuras e ininteligíveis do código de um programa: sequências de código que não funcionam ou que funcionam sem que se conheça os motivos, sem que se entenda o porquê11. Esta utilização, por sua vez, já era

uma apropriação de um antigo termo cartográfico usado para designar territórios

9 Normalmente, a ideia de pragmatismo é associada mais ao OS do que ao SL com o intuito de diferenciar suas abordagens em relação ao grau de politização: o SL seria um movimento mais político, enquanto o OS um movimento mais pragmático – pois mais focado em resultados práticos, menos interessado em política. Discordo dessa tentativa de caracterização do OS como um movimento apolítico (os motivos serão desenvolvidos mais adiante), e utilizo o conceito de pragmática associado ao SL pois, apesar de seu alto grau de politização, a orientação prática e funcional de suas estratégias, ações e meios é sempre tão importante quanto os aspectos políticos de sua filosofia. Através da justificativa de Richard Stallman para a aplicação do Copyleft, é possível entender melhor a dimensão pragmática do método que fundamenta a prática do SL. O próprio título do texto já é bastante revelador: “Copyleft: Idealismo Pragmático”. E seu conteúdo demarca de maneira clara qual tipo de relação está sendo proposto para seus conceitos e práticas políticas: 'Se você quer realizar algo, idealismo não é o bastante – você precisa escolher um método que

funcione de verdade para atingir o seu objetivo. Em outras palavras, você precisa ser ``pragmático''.' (Aspas do original). Cf. : http://www.gnu.org/philosophy/pragmatic.html acessado em 16/08/2012).

10 Como é o caso de Yochai Benkler (2006), como veremos com mais detalhes no terceiro capítulo [TÉCNICAS DE APROPRIAÇÃO: TRABALHO, VALOR, REDES DE INOVAÇÃO]

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ou regiões desconhecidas ou descontínuas em mapas – e, por isso, aparece aqui em sua forma original, em latim (e, sendo assim, sem acento)12.

A inspiração para a aplicação da expressão Terra Incognita enquanto um conceito foi despertada pelo encontro com sua utilização, em sua versão em inglês, here be dragons, como o subtítulo do blog de Mark Shuttleworth13 e, em

seguida, como o nome de uma empresa de investimento de risco (Venture Capital) fundada por ele na África do Sul, no ano 200014. Shuttleworth é um proeminente

desenvolvedor e investidor sul africano que é fundador, entre outras empresas, fundações e iniciativas, do Projeto UBUNTU15 – um dos mais importantes projetos

de SL do mundo. Este projeto é responsável pelo desenvolvimento de uma das mais difundidas distribuições do sistema operacional GNU/Linux – a distribuição que utilizo no computador para escrever esta tese.

A escolha da expressão here be dragons para apresentar seu blog, através do qual compartilha suas opiniões sobre diversos temas e alguns aspectos de sua trajetória pessoal, e, também, para batizar uma empresa de investimento de risco, possuía uma relação um tanto sutil com o projeto UBUNTU, quase nula. Justamente por isso, mostrou-se bastante reveladora.

Ocorre que o culto à pessoa e aos feitos de Shuttleworth16, desvinculados

de um conhecimento amplo sobre a abrangência de sua atuação econômica, desempenhava importante papel na mobilização de novos membros para a comunidade de desenvolvimento do UBUNTU, e mesmo para a criação de uma

12 Os territórios desconhecidos eram muitas vezes representados pela imagem de dragões, vide FIGURA 1, e eram consideradas regiões providas de potencial para futuras descobertas e de riscos inimagináveis; ao mesmo tempo, zonas de poderes e de perigos: podiam tanto proporcionar novas fontes de exploração de riquezas, quanto implicar em ameaças. Para dados complementares, inclusive sobre a FIGURA 1, consulte o Anexo WK-01.

13 Cf. : http://www.markshuttleworth.com/biography . 14 Cf. : http://www.hbd.co.za/ .

15 Para informações complementares sobre o Projeto Ubuntu e para o sentido da palavra africana Ubuntu – proveniente do idioma Nguni, do tronco linguístico Bantu –, consultar o ANEXO WK-04.

16 Como o fato de ter integrado uma missão espacial como turista (sendo o primeiro africano a ir ao espaço), e ter selecionado os primeiros desenvolvedores para trabalharem no Projeto UBUNTU após uma viagem de barco à Antártica, na qual passou 6 meses offline lendo e estudando os arquivos das listas de e-mails da comunidade DEBIAN.

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aura e atmosfera de inovação e de confiança em torno de seu projeto – que, de certa forma, também eram transferidas para o SL como um todo.

A distribuição UBUNTU teve destacado papel na disseminação do uso do sistema operacional GNU/Linux entre os chamados usuários finais17, pois foi

projetada para acompanhar o ritmo das soluções tecnológicas dos fabricantes de hardware, e para o aprimoramento do sistema GNU/Linux em termos de sua

usabilidade18 – sobretudo através do desenvolvimento de interfaces gráficas

amigáveis que facilitam a instalação, a configuração e a atualização do sistema.

Esta relação sutil entre reputação individual, atividade econômica e potencial de ativação de redes e de mobilização de trabalho comunitário, indicava um novo tipo de modelo de negócio e mesmo de um novo tipo de modo de produção que se constituía como um ecossistema em que a produção é realizada de maneira aberta, distribuída e difusa. Neste, as fronteiras entre os negócios (business) e a liberdade aparecem como zonas cinzentas, como indecisão. Há confusão e sobreposição por todos lados. Por vezes é difícil demarcar o tipo de recurso que se está mobilizando para produzir e o tipo de relação de produção ao qual se está engajando – se junto a um regime comunitário; se junto a um regime comercial; se ligado a ambos; ou se na passagem de um para o outro.

Desde sua criação, a distribuição UBUNTU é produzida através de uma complexa rede sócio-econômica, que combina o aproveitamento do trabalho da comunidade DEBIAN19, desenvolvimento comunitário UBUNTU e prestação de

17 Chamo de usuários finais, numa tradução direta do termo inglês end-users, aqueles usuários que não são hackers, nem portadores de conhecimento técnico complexo, e que, talvez mais importante, não estão interessados em desenvolver este conhecimento para ter que utilizar computadores, nem de se envolver ativamente no desenvolvimento dos programas.

18 Usabilidade aparece como tradução-direta do termo usability, do inglês. Seu sentido pode ser o de: capacidade de ser usado, de ser mais fácil de ser usado e de ser mais útil. Usabilidade, portanto, tanto como capacidade quanto qualidade do ato de utilizar. Numa proporção na qual quanto maior a usabilidade maior a capacidade de ser utilizado. As implicações da relação entre uso e capacidade de utilização e a evolução da tecnicidade serão analisadas com maior atenção no CAPÍTULO 2 [LIBERDADE E ABERTURA].

19 A distribuição DEBIAN é considerada a mais importante distribuição comunitária do universo do SL. É muito bem organizada, possui um contrato social, sua própria definição de software livre, e a firme posição de não incorporar software não-livre em seus pacotes (Cf.: http://www.debian.org/). Se, por um lado, esta estrutura comunitária não primava pela velocidade e pela agilidade no acompanhamento das

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serviços realizados por uma empresa, a CANONICAL20 – sua principal

mantenedora. Um tipo de rede que, como veremos sobretudo no capítulo 3, se generalizou como um padrão bem sucedido de produção open source.

A razão da utilização do conceito de Terra Incognita nesta Tese visa, portanto, demarcar uma zona de ambiguidade pragmática e retórica, e, por conseguinte, técnica e política, inerente às práticas de produção de conhecimento mobilizadas em torno dos conceitos de Free Software e Open Source em suas relações com o mercado. Esta zona de ambiguidade constitui-se a partir de uma dualidade imanente ao SL, com a qual as duas acepções buscam lidar de maneiras particulares: seu modo dual de existência enquanto tecnologia e enquanto movimento social.

Para estruturar esse conceito, parte-se da constatação de que os conceitos de Free Software e Open Source podem designar conjuntos idênticos de códigos ao ponto de seus nomes tornarem-se sinônimos; e, também, e em muitas ocasiões ao mesmo tempo, estarem associados a práticas sociais que são contraditórias ao ponto de se tornarem incompatíveis. E, ainda, que a oposição mais evidente que se pode estabelecer em relação a ambos, um inimigo que se pode eleger como comum, dificultando o contraste entre suas práticas e seus conceitos, é o Software Proprietário – aquele baseado no regime de propriedade exclusiva e no cercamento da informação – em relação ao qual toda a estratégia do SL foi criada.

O que interessa e se busca evidenciar aqui é, portanto, o papel fundamental que a ambiguidade opera, através das confusões entre ideias e práticas de

inovações dos fabricantes de hardware – que ademais correspondem mais a uma lógica da obsolescência programada do que a verdadeiras inovações técnicas –, por outro, apresentava grande estabilidade em seu funcionamento. A distribuição UBUNTU aproveita a arquitetura de dados da distribuição DEBIAN – inclusive utilizando a mesma estrutura de repositório de arquivos para atualização e instalação de aplicativos, o sistema apt-get, e esta opção estratégica permitiu que o desenvolvimento da distribuição UBUNTU partisse de um ponto já bastante desenvolvido, aproveitando da ampla base de usuários e colaboradores DEBIAN e sua linguagem de interação, uso e desenvolvimento comunitário. Além disso, e talvez o que seja o mais importante, permitiu que desenvolvedores da comunidade DEBIAN fossem contratados para trabalhar em suas fileiras e se integrassem ao novo projeto com agilidade.

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liberdade e de abertura, na eficácia técnica e política tanto do software livre quanto

do open source. E aqui reside um ponto chave: não se trata de uma simples denúncia de como o open source deturpa ou coopta o software livre; trata-se sobretudo de entender como a ambiguidade funciona para os dois lados, tanto para o open source quanto para o software livre, e quais limites este funcionamento traz especificamente para cada um deles.

A confusão entre a mobilização dos conceitos de liberdade e abertura tem sua maior expressão, sem dúvida, no termo FOSS, que, em suas diversas variações, os unifica numa sigla só21. Esta confusão será descrita como condição

para a articulação inextrincável entre a expansão do software livre enquanto movimento social e luta pela liberdade, e a expansão do open source enquanto um modelo de produção e de negócios mais eficiente, pois mais ágil em seu modo de gestão do trabalho de cooperação – redução dos custos transacionais da produção, como aponta Yochai Benkler (2005).

Esta ambiguidade estrutural, que nutre um conflito imanente, informa o que chamo de margem de contradição, e a analiso como um fator que impulsionou e continua impulsionando tanto a evolução técnica de softwares que são open source mas não são livres (favorecendo e permitindo sua aplicação em técnicas de apropriação que, via espoliação ou precarização, se apropriam do trabalho cooperativo das redes), quanto à propagação da filosofia política do software livre através desses mesmos códigos (permitindo a elaboração e execução de estratégias de liberdade que conseguem apreender e aproveitar as vantagens técnicas mesmo quando produzidas em regimes voltados para a apropriação e associadas a práticas de não-liberdade).

Trata-se, portanto, de um arranjo sócio-técnico complexo e peculiar que

21 A sigla FOSS é o acrônimo de Free and Open Source Software. Uma de suas variações incorpora um L, tornando-a FLOSS, numa alusão ao termo libre, de origem latina, para demarcar que o free significa livre e não grátis (um dos sentidos possíveis na língua inglesa). Outras variações colocam o L entre parênteses: F(L)OSS; ou inserem uma barra entre o F e o O para indicarem uma diferenciação entre os dois conceitos: F/OSS.

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pelo novo e diferente tipo de fisicalidade22 de sua fonte material, ou natureza

informacional de seu meio, permite que a propriedade se torne comum e que o comum se torne propriedade sem que haja uma relação clara e evidente de rivalidade. Fazendo emergir paisagens estranhas à percepção que desafiam nossa capacidade de compreensão ao minarem alguns de nossos mais importantes instrumentos teóricos e conceituais como, por exemplo, no caso das técnicas de apropriação capitalista que prescindem de relações explícitas de propriedade sobre os meios, e que, portanto, praticam apropriação sem

propriedade.

Por isso a opção metodológica de forjar um conceito que desse conta, ao mesmo tempo, do contraste, da ambiguidade, da contradição e da confusão. Uma vez que se busca o delineamento dos limites – nem sempre estáveis e evidentes – entre as práticas de liberdade e as de apropriação. Daí, também, a ênfase, ao longo da pesquisa, na perseguição de acontecimentos que indicam como os conflitos são precipitados, evitados, contidos e resolvidos. E no questionamento crítico da sinergia entre liberdade e apropriação capitalista via espoliação (HARVEY, 2003).

A aplicação desse método e os delineamentos dos conflitos acompanhados e perseguidos durante a pesquisa, apontam para disputas e choques em torno da liberdade e da espoliação do comum. Ou seja, apontam para certos limites da co-existência e da co-evolução entre as práticas de liberdade e as novas técnicas de apropriação forjadas para, através de um capitalismo open source, viabilizarem a apropriação realizada sobre as riquezas produzidas pelas redes de colaboração a partir de seu modo específico de produção (BENKLER, 2005, 2006; BAUWENS,

22 A ideia de um novo e diferente tipo de fisicalidade foi originalmente proposta por Bruce Sterling (2004) para designar as novas modalidades de relacionamento possíveis entre humanos e objetos proporcionadas pelo cruzamento das tecnologias de processamento, armazenamento e transmissão de dados digitais – sobretudo pelo avanço do desenvolvimento e da adoção das tecnologias móveis e de mobilidade. Adrian Mackenzie (2006, p. 172) retoma essa ideia para destacar que o modo como o software é produzido, circula e é consumido, implica em uma certa perda de sentido desses termos e do próprio quadro (framework) de análise baseado na ideia de produção, circulação e consumo. Atividades cujas fronteiras estão cada vez mais borradas e difíceis de serem identificadas e delimitadas entre si.

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2007, 2008A, 2008B).

Estes conflitos, limites e seus limiares, encarnam aquilo que, como apontou Konstantinos Karachalios (2010), pode ser caracterizado como a contradição central da economia política da informação, cuja expressão mais precisa pode ser encontrada no célebre aforisma cunhado por Stewart Brand em 1984: “A

informação quer ser livre. A informação também quer ser cara”23.

A primeira vez em que Brand apresentou este aforisma foi em uma histórica conferência realizada em 1984 – Hackers' Conference24 –, cuja importância

consiste em ter sido uma das primeiras a reunir explicitamente, e sob essa denominação, hackers. A versão completa, reproduzida a seguir, foi publicada poucos anos depois em um livro sobre o Media Lab do MIT (1987: 202) :

A informação quer ser livre. A informação também quer ser cara. A informação quer ser livre, pois tem se tornado cada vez mais barata para que se distribua, copie e recombine – muito barata para ser medida. Ela quer ser cara, pois pode ser infinitamente valiosa para seu destinatário. Esta tensão não irá desaparecer. Ela leva a um violento e interminável debate sobre preço, copyright, propriedade intelectual, a retidão moral da distribuição casual, pois cada rodada de novos dispositivos torna a tensão ainda pior, não melhor25.

A tradução do termo free por livre pode gerar controvérsias neste caso, pois, como o contraponto é feito a partir da afirmação de que a “informação

também quer ser cara”, pode-se argumentar que se trata da ideia de gratuidade e

não da ideia de liberdade. Opto pelo uso do termo livre nesta tradução pois o

23 Para uma interessante análise dessa questão, com referências para diversas apropriações e utilizações do aforisma de Stewart Brand, ver o arquivo digital organizado por Roger Clarke:

http://www.rogerclarke.com/II/IWtbF.html .

24 Para informações complementares e referências específicas sobre essa conferência, consultar o ANEXO WK-14.

25 “Information wants to be free. Information also wants to be expensive. Information wants to be free

because it has become so cheap to distribute, copy, and recombine - too cheap to meter. It wants to be expensive because it can be immeasurably valuable to the recipient. That tension will not go away. It leads to endless wrenching debate about price, copyright, 'intellectual property', the moral rightness of casual distribution, because each round of new devices makes the tension worse, not better.”

Referências

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