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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Rita de Cássia Aguiari Barbosa

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Academic year: 2019

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PUC-SP

Rita de Cássia Aguiari Barbosa

COMUNIDADE CANÇÃO NOVA E PADRE FÁBIO DE MELO: O CATOLICISMO REPROGRAMADO

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

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PUC-SP

Rita de Cássia Aguiari Barbosa

COMUNIDADE CANÇÃO NOVA E PADRE FÁBIO DE MELO: O CATOLICISMO REPROGRAMADO

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Ciências Sociais, sob a orientação da Professora Doutora Eliane Hojaij Gouveia.

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Banca Examinadora

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Aos meus pais Nelson e Ruth, ao meu irmão Tiago e à minha cunhada Maíra, pelos exemplos de vida e pelo apoio incondicional na minha difícil construção.

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À minha orientadora, Profa. Dra. Eliane Hojaij Gouveia, que desde o primeiro ano da graduação me acompanha, me apoia e me orienta, não somente nos trabalhos acadêmicos, mas em tantos outros aspectos essenciais da vida.

À Profa. Dra. Teresinha Bernardo, pela alegria que transmite e por ter contribuído com reflexões para esta dissertação.

Ao Prof. Dr. Luís Mauro, por aceitar, desde o início da minha graduação, me orientar e partilhar observações preciosas.

A toda minha família, que no dia a dia me incentiva e me dá força.

A Rosana, Vanderlei, Rita e Flávio, pela convivência amorosa.

Aos meus queridos amigos Milena, Daiane, Andrés e Alexandre, pelas conversas agradáveis, pelo pensar conjunto e pelo carinho.

Às queridas Laís, Marina e Camila, companheiras neste empreendimento desde a graduação.

A todos os membros da comunidade Canção Nova e fãs do padre Fábio de Melo, que aceitaram contribuir com suas experiências de fé.

À Vivi, que sempre ajuda a deixar tudo em ordem e me incentiva no dia a dia.

Aos meus colegas de trabalho do Ceasa, que com seus exemplos simples de vida, me ensinam a entender mais sobre a difícil tarefa de viver.

A Kátia e Rafael, pela atenção, paciência e orientação na secretaria.

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Sociais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.

RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo avaliar as transformações sofridas pela Igreja Católica nas últimas décadas, em especial a partir do emprego dos meios de comunicação de massa nesta instituição. Para tanto, discute as disputas simbólicas do campo religioso e a tentativa de formação e fixação de novos habitus do ser católico. A fim de compreender esse processo, a produção midiática católica foi analisada, destacando-se o movimento carismático e um de seus maiores expoentes no Brasil: a Comunidade Canção Nova. Com base em histórias de vida temáticas de fiéis, discutiram-se sua organização, suas necessidades e demandas, bem como sua produção televisiva. As Comunidades de Vida e Aliança Canção Nova também foram estudadas, para demonstrar a relação de dependência entre a expansão midiática da comunidade e o trabalho dos fiéis que aderem ao estilo de vida comunitário. Nesse contexto, destacou-se uma das principais lideranças católicas do momento, Padre Fábio de Melo, cuja produção midiática, literária e musical foi examinada com o intuito de apresentar novos discursos e figuras da Igreja Católica. Pretendeu-se, assim, contribuir para uma reflexão ampla a respeito dos novos percursos trilhados pelo catolicismo brasileiro e sobre seus impactos nas experiências simbólicas dos fiéis.

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.

ABSTRACT

This dissertation aims at evaluating the transformations undergone by the Catholic Church in recent decades, particularly concerning the use of means of mass communication by this institution. For this reason, it discusses the religious field symbolic disputes and the attempt of training and fixing a new habitus of being Catholic. In order to understand this process, the Catholic media production was analyzed, especially the Charismatic Movement and one of its greatest exponents in Brazil: “Comunidade Canção Nova” (New Song Community). Based on believers’ life stories; its organization, needs and demands as well as its television production were discussed. “Vida” (Life) and “Aliança” (Alliance) Canção Nova (New Song) Communities were also studied to demonstrate the dependence relation between the expansion of community media and the work of their believers who accepted communal lifestyle. In this context, one of the main Catholic leaders of the moment was highlighted, Father Fábio de Melo, whose media, literary and musical production was examined in order to introduce new words and figures of the Catholic Church. Thus, these studies intend to contribute to a broad discussion about the new ways trodden by Brazilian Catholicism and its impact on its believers’ symbolic experience.

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INTRODUÇÃO...09

1. CATOLICISMO E COMUNICAÇÃO...17

1.1. Mídias Eletrônicas e a Construção do Habitus Religioso Contemporâneo...17

1.2. Catolicismo na Mídia: a Escolha da Comunidade Canção Nova...26

2. COMUNIDADE CANÇÃO NOVA: ORIGENS, ATUAÇÃO, RECEPÇÃO...33

2.1. Canção Nova: fundação, organização e o “chamado” das Comunidades de Vida e Aliança...33

2.2. O Sistema Canção Nova de Comunicação...52

2.3. A Recepção dos Fiéis Canção Nova...69

3. PADRE FÁBIO DE MELO E A SINALIZAÇÃO DO NOVO...77

3.1. Campo Religioso Católico em Disputa...77

3.2. Conhecendo Fábio de Melo...86

3.3. Produção Bibliográfica e Musical de Fábio de Melo: construindo uma nova tipologia...95

CONSIDERAÇÕES FINAIS...108

BIBLIOGRAFIA...112

ANEXO I Modelo de ficha de monitoramento dos programas...120

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INTRODUÇÃO ____________________________

“A questão da alteridade aqui é central; ela sempre o foi para a antropologia, mas deixa-se desdobrar mais claramente hoje: o antropólogo deve, efetivamente, identificar outros (aquele que ele estuda) e questionar-se sobre a relação deles com a alteridade, sobre a maneira pela qual eles próprios concebem sua relação com o outro, próximo ou distante”.

AUGÉ, Marc. A Guerra dos Sonhos. São Paulo: Papirus, 1997.

Motivações da Pesquisa

Escrever uma dissertação de mestrado nos faz conviver com sentimentos de alívio e de angústia. Alívio por saber que a pesquisa já caminhou o suficiente para poder partilhar com a comunidade acadêmica as conquistas e desafios; angústia porque permanece sempre a sensação de que talvez não se esteja completamente preparado para concluir um longo processo de reflexão. No entanto, um antropólogo deve entender que a sensação de angústia acompanha o Homo Sapiens Sapiens, sendo ela a grande responsável por transformações em seus caminhos.

Pode-se dizer que este texto foi guiado por tal angústia. Com doze anos de idade comecei a participar das atividades oferecidas aos jovens na Catedral Santo Antônio, igreja matriz de Osasco. Nesse tempo, pude perceber claramente a mudança de postura das lideranças e dos colegas da Igreja, conforme a Renovação Carismática Católica1 chegava à cidade: instituía-se, lentamente, uma moral mais rígida, uma conduta preservada, cantos e danças inovadoras, curas por meio de orações e amplo uso dos meios de comunicação para divulgar a mensagem cristã. Foi então que a Rede Canção Nova chegou à cidade e muitos fiéis da matriz passaram a contar com o canal para o constante reavivamento de sua fé.

Paralelamente à constatação dessas questões em meu dia a dia, ingressei no curso de Ciências Sociais na PUC-SP. Logo tive contato com a professora Eliane Hojaij Gouveia, que me apresentou a discussão acadêmica a respeito das

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transformações do catolicismo e o uso das mídias. Obtive então a oportunidade de participar do projeto do Núcleo Religião e Sociedade, intitulado “Pluralismo Religioso e Mídias Eletrônicas”. Por intermédio do programa de Iniciação Científica PIBIC/CEPE/PUC-SP/CNPq, por dois anos (de julho de 2006 a julho de 2008) realizei pesquisas sobre o catolicismo e sua relação com as mídias. A pesquisa centrou-se no canal da Rede Canção Nova, em sua construção, suas influências e demandas. Também avaliei o impacto desse canal nos jovens que aderiam ao complexo, o que me possibilitou analisar a formação das comunidades de vida e aliança. Posteriormente, ao realizar o Trabalho de Conclusão de Curso, mantive o mesmo objeto de pesquisa, dando ênfase à comparação entre a Rede Canção Nova e outro canal também católico, a Rede Vida de Televisão.

Porém, as questões que motivaram aquela pesquisa permaneceram, motivo pelo qual optei por aprofundá-las na dissertação de mestrado. Dessa forma, passei a dar ênfase às transformações ocorridas na última década no interior da própria Comunidade Canção Nova, momento em que se fortaleceu e se concretizou, conduzindo-nos à reflexão sobre o papel de uma de suas principais lideranças, Padre Fábio de Melo. Trabalhar o catolicismo por esse viés permitiu, pois, relacioná-lo diretamente às transformações da sociedade brasileira, indo ao encontro das necessidades apresentadas pela população em um tempo de vasta competição, individualização e insegurança.

Nesse sentido, foi possível organizar uma visão apurada do papel da instituição católica, bem como avaliar quais são os principais conflitos vividos pelas organizações religiosas. Sem dúvida, refletir as mudanças do meio religioso propicia pensar as mudanças sociais em geral, já que a religião é construção e fruto da sociedade em que está inserida.

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Metodologia

A utilização de um método é fundamental, por tornar a experiência consciente e funcionar como instrumento de mediação entre o real e o refletido, de forma a possibilitar a organização do conteúdo manifesto da pesquisa.

Esta pesquisa pretendeu estabelecer uma interface entre as técnicas qualitativas e quantitativas, dando, porém, maior ênfase ao método qualitativo. Segundo Haguette (1990), esse método enfatiza as especificidades de um fenômeno em termos de suas origens e de sua razão de ser. Acrescenta-se ainda que o referido método nos permite fazer a utilização eficaz de uma importante fonte secundária; afinal, ele se caracteriza por ter representatividade, o que nos propicia generalizar.

Dentre as possibilidades de que as técnicas qualitativas dispõem, deu-se maior ênfase à história oral, na modalidade história de vida temática, atentando-se às exigências desta. Importa acrescentar que a história de vida está preocupada com a fidelidade das experiências e interpretações do autor sobre seu mundo, portanto meu papel de pesquisadora no momento de entrevista foi o de dialogar com o entrevistado sobre os fatos que requeriam esclarecimentos, tentar confrontar a história contada com outros tipos de material, além de ouvir com calma, atenção e paciência, a fim de não interferir diretamente nos fatos narrados.

As histórias de vida também contribuíram para fornecer pequenas “pistas” de outros aspectos do estudo até então ocultos, podendo sugerir novas variáveis, outras questões e diversos processos que, muitas vezes, podem conduzir a uma reorientação da área. Por exemplo, constatou-se a importância do padre Fábio de Melo no cenário católico e no crescimento da Canção Nova, observando-se a produção do canal, paralelamente aos relatos dos fiéis que, aos poucos, passaram a colocá-lo como figura central em seus processos de conversão e fixação da fé. Além disso, foi possível perceber que a história de vida pode dar sentido, como lembra Haguette (1990), à noção de “processo”, uma vez que tal tipo de história lança mão da memória como fator dinâmico na interação entre passado e presente, fugindo ao aspecto estático de documentos ou meras análises formais.

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apresente possíveis falhas, porque se funda na memória do depoente e toda memória é falha, é coerente pensar que o pesquisador não está lá para contestar os relatos do entrevistado. Obviamente, as histórias são analisadas de preferência por meio do confronto com outras fontes, como documentos e materiais científicos; contudo, cabe ao pesquisador compreender e aceitar os relatos, partindo do pressuposto da verdade, uma vez que o componente ideológico não permeia só a história de vida, mas todo tipo de informação coletada. Cumpre ressaltar também que elas são analisadas em conjunto.

Como lembra Weber na obra Economia e Sociedade (1999), os limites entre uma ação com sentido e um comportamento reativo – ou seja, não relacionado com um sentido visado pelo agente – são inteiramente fluidos. A possibilidade de reviver uma ação é importante para a compreensão, mas não é condição absoluta para a interpretação do sentido – “não é preciso ser César para compreender César” (WEBER, 1999, p. 4).

Além disso, a história de vida permite dar voz ao receptor. Segundo Leal (1995), a significação se dá no social e este social não é homogêneo, de forma que dar voz ao receptor é lembrar que ele está vivo e dá significado aos símbolos comunicação. A autora ainda expõe que, nesse contexto, não se pode desvincular o receptor de seu espaço social de recepção – no caso da Canção Nova, a própria casa ou mesmo o ambiente de trabalho quando acompanhada pela internet – uma vez que esse espaço faz parte da construção de significado do receptor.

Nesse sentido, a escolha dos entrevistados foi em parte randômica - com membros indicados pela Canção Nova ou pessoas encontradas nos trabalhos de campo - e parte foi intencional, realizada com pessoas conhecidas, residentes em Osasco, as quais motivaram a pesquisa.

Quanto a um possível roteiro, nada foi elaborado previamente. Na realidade, todas as histórias de vida começaram depois da explicação do tema de pesquisa e com algum questionamento sobre o momento em que a Comunidade Canção Nova ou o Padre Fábio de Melo passaram a fazer parte da vida dos entrevistados, os quais encaminharam a entrevista sozinhos.

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tornar aquele momento cansativo. Não foi necessário um novo encontro com os entrevistados, uma vez que todas as questões foram abordadas no primeiro encontro. Também é importante mencionar que todas as histórias de vida foram gravadas, transcritas e conferidas a fim de fazer o confronto de fidelidade. Ao todo, foram realizadas dezesseis histórias de vida.

Outro ponto essencial na discussão metodológica foi a empreendida para organizar o monitoramento dos programas televisivos. Optei por gravar os programas acompanhados durante um mês, preenchendo uma ficha para cada um deles (Anexo I). Nessas fichas, procurava qualificar e destacar os pontos principais dos programas produzidos pela Canção Nova. As imagens foram recolhidas destacando-se o enredo e descrevendo movimentos, mensagens e fotos, com voz ou sem voz, sendo possível constatar que não havia necessariamente uma compatibilidade entre imagem e mensagem. Dessa forma, com base no monitoramento sistemático da programação escolhida, elaborou-se, primeiramente, um relato de estilo “tele-etnográfico” da programação para posterior análise crítica.

Após essa primeira fase de contato com a programação da Canção Nova, fez-se a escolha de quatro programas para monitoramento sistemático, juntamente com a orientadora, uma vez que se considerou que eles representavam a estrutura geral do canal. Tal escolha, sempre elaborada em discussão com a orientadora, resultou em uma tipologia, com o objetivo de organizar os focos de análise da dissertação2. Os programas foram divididos em Estilo Autoajuda, Estilo Garagem, Estilo Balanço Financeiro e Estilo Shop Tour, e serão aprofundados no segundo capítulo.

Foi também analisada a obra de Fábio de Melo, tornando-a fonte documental, significativa para o estudo da RCC. Os nove livros publicados foram lidos e analisados para construção do terceiro capítulo. Além disso, dos doze CDs lançados pelo padre, foram escolhidos cinco para análise, levando-se em conta sua importância na formação do discurso e do sucesso entre os fiéis. São eles: “Humano Demais” (2005), “Filho do Céu” (2007), “Vida” (2008), “Eu e o Tempo” (2009) e “Iluminar” (2009).

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A análise dessa produção também resultou na construção de uma tipologia voltada para a literatura que teve como foco os principais temas trabalhados por Melo em sua obra, destacando-se o “Cotidiano” e o “Avesso”, ambos investigados a fundo no mesmo capítulo.

Ademais, realizar a observação participante em alguns locais de referência foram de suma relevância para a pesquisa. Citam-se entre eles: a sede da Comunidade Canção Nova, em Cachoeira Paulista (SP); a sede da Comunidade Canção Nova na cidade de São Paulo, no bairro da Liberdade; shows organizados pela comunidade em São Paulo; shows do Padre Fábio de Melo em São Paulo e no Rio de Janeiro; tardes de autógrafo do Padre Fábio de Melo; gravações de programas e pregações com Fábio de Melo e, por fim, a observação participante no 1º Cruzeiro Católico “Navegando com Nossa Senhora”, que também contou com a presença do padre. Todos os contatos foram significativos, pois visaram contemplar uma descrição etnográfica do espaço e tempo religioso, bem como estabelecer redes de sociabilidade para realização de histórias de vida.

Também foi essencial o monitoramento dos principais sites referentes ao tema Religião e Comunicação, os quais foram selecionados com base em buscas na internet e filtrados conforme os interesses da pesquisa. Fundamentando-me nos sites, foi possível obter informações sobre os principais eventos de massa organizados pela Canção Nova, bem como ter acesso às mais recentes produções, tanto da Canção Nova quanto do Padre Fábio de Melo. Além disso, por meio da visita a blogs, novos contatos foram estabelecidos para realização de histórias de vida com os fiéis.

Paralelamente a todo esse processo, o levantamento bibliográfico e a leitura sistemática foram valiosos para dar impulso às reflexões aqui empreendidas. Entre outros, autores como Bourdieu, Weber, Barbero e Bauman contribuíram para a formulação dos questionamentos básicos da pesquisa. Acrescentam-se ainda as anotações do diário de campo, fundamentais para alavancar questionamentos.

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Estrutura Da Dissertação

Toda dissertação é pensada com o intuito de contribuir para a reflexão das construções humanas e suas implicações. Nesse sentido, acompanhando Geertz (1989) e sua apropriação de Weber, pude debruçar-me na busca do entendimento, pensando o homem como um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, de forma que a ciência possa ser construída de maneira interpretativa, em busca de significado.

Assim, esta dissertação está dividida em três capítulos, a saber:

O primeiro capítulo, “Catolicismo e Comunicação”, versa sobre as transformações sofridas pelo catolicismo de vertente carismática e seu papel nas mídias eletrônicas. Para tanto, o capítulo apresenta dois eixos significativos para que se possa conhecer mais a respeito do tema: o primeiro resgata a literatura clássica referente ao assunto discutido, por meio de autores como Bourdieu e Thompson, a fim de localizar o campo religioso e seu diálogo com os meios urbanos. A noção de habitus, elaborada por Bourdieu, se faz essencial nesse trajeto para dar conta da compreensão das ações sociais dos fiéis religiosos, destacando o caráter simbólico dos bens sociorreligiosos distribuídos via mídias eletrônicas.

O segundo eixo discute o contexto no qual a Igreja Católica passou a aderir aos meios de comunicação, mostrando o surgimento da RCC e dos principais grupos que lideraram o processo. E foi justamente essa análise que trouxe para o campo de pesquisa a Comunidade Canção Nova e sua produção midiática, apresentando-se como forte expoente do catolicismo contemporâneo.

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produção televisiva da Canção Nova, baseando-se na tipologia dos programas. A recepção dos fiéis também foi discutida a fim de aprofundar a análise.

O estudo da comunidade Canção Nova permitiu identificar uma nova liderança, que, em alguns aspectos, colabora, e em outros, destoa do seu projeto original: Padre Fábio de Melo. Considerou-se relevante identificar os caminhos de sua trajetória, visto que tem apresentado novas perspectivas para o catolicismo midiático. Nesse sentido, ele é o centro do terceiro capítulo, que opera em dois eixos centrais.

O primeiro localiza as disputas do campo religioso católico, apresentando como principais expoentes Padre Marcelo Rossi e Padre Fábio de Melo. Ao compor o campo e comparar os discursos das lideranças, fica claro em qual sentido Padre Fábio destoa ou colabora com os principais grupos católicos.

O segundo eixo do capítulo versa sobre o padre Fábio de Melo em si. Faz-se uma breve narrativa de sua história, bem como a análise de sua produção em livros e áudios, com o objetivo de demonstrar sua linha de ação e preocupações centrais enquanto liderança católica. Aqui, uma nova tipologia foi construída, agora delineando as principais temáticas abordadas pelo padre. Com o intuito de acompanhar a repercussão diferencial do padre Fábio de Melo entre o público, recorreu-se às histórias de vida dos fiéis que acompanham suas ações. Considerando-se essas histórias, recuperaram-se as possibilidades de exame do círculo das ações cotidianas ligadas a um fim, observando o processo de construção de novos habitus como princípio gerador de possibilidades. Os blogs, sites e encontros de fãs do padre foram essenciais para a compreensão dos impactos dessa liderança.

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CAPÍTULO 1: CATOLICISMO E COMUNICAÇÃO

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A fim de refletir as transformações do catolicismo em contextos urbanos, faz-se esfaz-sencial pensar, primeiramente, no papel que as religiões assumem na sociedade, bem como os principais meios de atuação delas. Ponderando sobre isso, este capítulo tem como objetivo resgatar parte da reflexão elaborada pelas Ciências Sociais em torno da construção simbólico-religiosa. Além disso, ao refletir sobre os instrumentos de ação religiosa, destacam-se os meios de comunicação e os motivos para a vasta adesão a esse processo, inserindo-se aí a Igreja Católica, ao se dar ênfase às suas ações, diante das transformações propostas pela modernidade3.

1.1. Mídias Eletrônicas e a Construção do Habitus Religioso Contemporâneo

Weber (1999), ao refletir a respeito da religião, explica que ela funciona não só como provedora do sentido final da vida, mas como orientadora das ações sociais individuais e coletivas. Além disso, o autor determina que a religião, ao atuar na definição das ações sociais individuais, fornece aos agentes o procedimento ético e legítimo de ação em um determinado espaço social4. Na obra Economia e Sociedade, afirma Weber:

“A ação ou o pensamento religioso ou „mágico‟ não pode, portanto, ser apartado do círculo das ações cotidianas ligadas a um fim, uma vez que também seus próprios fins são, em sua grande maioria, de natureza econômica” (WEBER, 1999, p. 279).

3 Assim como Bauman (1999), considera-se modernidade um período histórico que começou na Europa Ocidental no século XVII com uma série de transformações socioestruturais e intelectuais profundas que atingiu sua maturidade, primeiramente como projeto cultural, com o avanço do Iluminismo, e depois como forma de vida socialmente consumada, com o desenvolvimento da sociedade industrial. É, portanto, diferente de modernismo, que é uma tendência intelectual (filosófica, artística e literária) que alcançou sua força integral no início do século XX.

4Afinal, a legitimidade de uma ordem pode estar garantida de modo religioso “pela crença

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Geertz (1989), por sua vez, define a religião como um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas e duradouras disposições e motivações nos homens mediante a formulação de conceitos de uma ordem de existência geral, vestindo as concepções com forte ar de fatualidade, de modo que as motivações pareçam realistas.

O mesmo autor ainda esclarece que, para o antropólogo, a importância da religião está na capacidade de servir - tanto o indivíduo como um grupo - de um lado, como fonte de concepções gerais, embora diferentes, do mundo, de si próprio e das relações entre ambos; e de outro, como modelo para as atitudes. Diz o autor:

“O estudo antropológico da religião é, portanto, uma operação em dois estágios: no primeiro, uma análise do sistema de significados incorporado nos símbolos que formam a religião propriamente dita e, no segundo, o relacionamento desses sistemas aos processos sócio-estruturais e psicológicos” (GEERTZ, 1989, p. 91).

De maneira geral, apesar de muitas correntes teóricas já terem apresentado a secularização do mundo, é mais do que certo que a religião nunca deixou de assumir um papel significativo na formação das sociedades. De acordo com Machado (1996), a religião, mesmo perdendo sua função pública de legitimar a ordem social, mantém um papel considerável na esfera privada, formatando a solidariedade comunal que contrabalança tendências ao anonimato e ao hiperindividualismo da sociedade capitalista moderna.

Bourdieu também revela a importância da religião em sua obra. No livro “A Economia das Trocas Simbólicas” (2005), o autor comenta que a estrutura dos sistemas de representações e práticas religiosas próprias aos diferentes grupos ou classes contribui para a perpetuação e para a reprodução da ordem social.

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empresa religiosa com dimensões econômicas que não pode se confessar como tal e que funciona em uma espécie de negação permanente daquela dimensão.

Nesse debate insere-se a questão do mundo social, constituído por Weber ao tratar do conjunto das ações sociais. A ação social é definida pelo autor como a interação entre comportamento e expectativa de comportamento e, a cada ação, colocam-se em prática elementos do aprendizado que se tem no dia a dia das relações sociais.

Também na obra “Economia e Sociedade” (1999), Weber expõe que a ação social, como toda ação, pode ser determinada de modo racional referente a fins e a valores, de modo afetivo ou de modo tradicional. É possível aferir que as religiões na modernidade operem por todos esses aspectos, desde a formação de comportamentos por expectativas em relação ao comportamento de outros, passando pela ação consciente de um valor religioso, pelo estado emocional atual ou mesmo por causa do costume arraigado em um determinado grupo.

Dessa forma, as ações sociais caracterizam-se pela progressiva habituação dos comportamentos imediatos aos comportamentos futuros, o que permite concluir que a maior parte das ações não é calculada, mas sim, se dá de maneira mecânica, regida por um princípio estruturador das ações, percepções e comportamentos. Conforme Martino (2003), a cada ação colocam-se em prática elementos do aprendizado que temos no dia a dia das relações sociais. Assim, o aprendizado da ação prática não é fruto de uma única instituição ou relação, de forma que viver em sociedade significa um aprendizado diário de práticas e ações que interiorizamos; e, uma vez interiorizados, esses comportamentos tendem a se reproduzirem no cotidiano, de forma cada vez menos consciente.

E é justamente a incorporação progressiva da maior parte das ações cotidianas que faz com que elas percam a sua condição de práticas estruturadas, tornando-se práticas naturais. Tal propositura lembra Bourdieu (2005), quando este trata da questão do habitus, conceito essencial para a compreensão do campo religioso. Wacquant (2004) assim o define:

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depositada nas pessoas sob a forma de disposições duráveis, ou, ainda, capacidades treinadas e propensões estruturadas de pensar, sentir e agir de um determinado modo, as quais então as orientam em suas respostas criativas às restrições e solicitações do meio em que se encontram.” (WACQUANT, 2004, p. 12).

Miceli (2005), estudioso da obra de Bourdieu, ao comentar a noção de habitus, afirma que a passagem das estruturas constitutivas de um tipo singular de contexto ao domínio das práticas e representações faz intervir a mediação exercida pelo habitus. Pelas palavras de Bourdieu, habitus refere-se, portanto, a

“Sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, quer dizer, enquanto princípio de geração e de estruturação de práticas e de representações que podem ser objetivamente „reguladas‟ e „regulares‟ sem que, por isso, sejam o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu objetivo sem supor a visada consciente dos fins e domínio expresso das operações necessárias para atingi-las e, por serem tudo isso, coletivamente orquestradas sem serem o produto da ação combinada de um maestro” (BOURDIEU apud MICELI, 2005, p. XL).

Com base nas referências citadas, observa-se que o habitus é uma disposição durável, uma propensão, uma inclinação, ou seja, uma estrutura estruturada tendendo a agir como estrutura estruturante. Dessa forma, as práticas resultam, como lembra Miceli (2005), da relação dialética entre uma estrutura e uma conjuntura entendida como as condições de atualização deste habitus e não passam de um estado particular da estrutura. O habitus constitui, portanto, um princípio gerador que impõe um esquema durável e suficientemente flexível, a ponto de possibilitar improvisações reguladas.

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Dessa forma, o habitus funciona como o princípio gerador e regulador das práticas cotidianas, além de fornecer, ao mesmo tempo, princípios de sociação e de individuação. Conforme explica Wacquant:

“Sociação porque nossas categorias de juízo e ação, advindas da sociedade, são compartilhadas por todos aqueles que se sujeitarem a condições e condicionamentos sociais semelhantes; individuação, porque cada pessoas, por ter trajetória e localização únicas no mundo, internaliza uma combinação inigualável de esquemas. Por ser ao mesmo tempo estruturado (por meios sociais do passado) e estruturante (das representações e ações presentes), o habitus opera como o princípio não-escolhido de todas as escolhas” (WACQUANT, 2004, p. 15).

Desse modo, depreende-se que o habitus se forma por uma exposição a uma ambiência, de forma a permitir a inteligência prática, uma vez que, por meio dele, adquirem-se os esquemas de percepção. Por essa razão, o habitus, depois de incorporado, é uma maneira de ver o mundo e de dividi-lo em categorias, a fim de que a objetividade interiorizada se torne exteriorizada, gerando práticas. Exemplo de tal ocorrência pode-se observar quando o conceito de habitus é aplicado ao exame do religioso estruturado pela instituição religiosa e incorporado pelo fiel, constituindo-se, ao mesmo tempo, causa da ação e elemento justificador de uma situação contemporânea. Nas palavras do autor:

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A obra de Bourdieu5 demonstrou que a ambiência acima citada se dá especialmente nos ambientes familiares, escolares e profissionais. No entanto, observa-se, cada vez mais, a forte influência da mídia nesse processo. Antes de tratar tal temática tomando por referência o exemplo da mídia religiosa católica, vale abordar brevemente a definição de campo para o autor, haja vista tais conceitos – habitus e campo – encontrarem-se indissociáveis em sua obra.

Quando Bourdieu fala em campo, o define como espaços delimitados no interior da sociedade, espaços de disputas que não ocorrem em plano consciente, mas de maneira simbólica.

“Um campo, e também o campo científico se define entre outras coisas através da definição dos objetos de disputas e dos interesses específicos que são irredutíveis aos objetos de disputas e aos interesses próprios de outros campos. (...) para que um campo funcione, é preciso que haja objetos de disputas e pessoas prontas para disputar o jogo, dotadas de habitus que impliquem no conhecimento e no reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos de disputas, etc” (BOURDIEU, 1983, p. 89).

O que se nota é que um campo tem autonomia relativa em relação à sociedade, pois ele possui fronteiras, uma lógica de funcionamento e regras próprias. No campo se estabelece um conjunto de relações sociais expressas e praticadas por atores sociais que ocupam posições objetivas de poder de maneira hierarquizada; e é essa hierarquia que gera legitimidade, formando dominantes e dominados. Para Bourdieu, compreender a gênese social de um campo, ou seja, a crença que o sustenta, as coisas materiais e simbólicas que nele se geram, significa explicar os atos dos produtores do campo bem como as obras por ele produzidas. Além disso, tal compreensão colabora para identificar a posição dos agentes no espaço social e a distribuição de poderes. Dito pelo autor:

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“A posição de um determinado agente no espaço social pode assim ser definida pela posição que ele ocupa nos diferentes campos, quer dizer, na distribuição dos poderes que atuam em cada um deles, seja, sobretudo, o capital econômico nas suas diferentes espécies -, o capital cultural e o capital social e também o capital simbólico, geralmente chamado prestígio, reputação, fama, etc. que é a forma percebida e reconhecida como legítima das diferentes espécies de capital. Pode-se assim construir um modelo simplificado do campo social em seu conjunto que permite pensar a posição de cada agente em todos os espaços de jogo possíveis (dando-se por entendido que, se cada campo tem a sua lógica própria e a sua hierarquia própria, a hierarquia que se estabelece entre as espécies do capital e a ligação estatística existente entre os diferentes haveres fazem com que o campo econômico tenda a impor a sua estrutura aos outros campos” (BOURDIEU, 2009, p.135).

Tomando como fundamento a exposição dos conceitos de habitus e campo, é possível depreender que a ação prática é resultado direto do encontro de um habitus com uma situação, ou seja, um campo, e, nesse campo, cada um comparece com o seu capital simbólico, podendo (ou não) exercer o poder simbólico: aquele poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem.

Dessa forma, estudar as formas de ação e constituição do campo religioso católico, seus agentes e a distribuição de poderes, permite vislumbrar uma análise crítica do processo, bem como o entendimento das formas de fixação do habitus religioso católico na contemporaneidade.

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Barbero (1997) é um dos autores que reflete com propriedade a modernidade e os novos modos de “estar junto” na sociedade contemporânea, sendo ele um exímio estudioso das mídias eletrônicas. Para ele, as transformações da sensibilidade são produzidas pelos acelerados processos urbanos de modernização e pelos cenários da comunicação que, em suas fragmentações e fluxos, conexões e redes, apresentam uma cidade virtual. Percebe-se, então, que a dinâmica urbana demonstra que a cidade moderna já não é apenas um espaço ocupado ou construído, mas é também um espaço comunicacional que vincula diversos territórios e conecta-os, por sua vez, com o mundo. Assim, Barbero chama atenção para o seguinte fato:

“Se as novas condições de vida na cidade exigem a reinvenção dos laços sociais e culturais, são as redes audiovisuais que efetuam, por meio de sua própria lógica, uma nova diagramação dos espaços e intercâmbios urbanos” (BARBERO, 1997, p. 215).

A televisão, a internet e o rádio são os principais meios que conectam cotidianamente as pessoas com o que se passa na cidade, envolvendo-as com os fatos mais diversos, de forma que “a cidade informatizada não necessita de corpos

reunidos, mas sim de corpos interconectados” (BARBERO, 1997, p. 216).

Outro autor, Thompson, em “A Mídia e a Modernidade” (1998), também procura fazer uma análise sociológica da mídia, a fim de demonstrar as formas de interação que ela cria entre os indivíduos6. Assim como Barbero, o autor reitera que a mídia marca a modernidade, uma era em que as formas simbólicas extravasam os locais compartilhados da vida cotidiana e na qual a circulação das ideias não está mais restrita ao intercâmbio de palavras em contextos de interações face a face.

O poder cultural ou simbólico, denominado por Thompson de quarto poder, nasce da atividade de produção, transmissão e recepção do significado das formas simbólicas. O mesmo autor salienta que existem diversas instituições que assumem

6 Thompson (1998) chega a rever o argumento da centralidade dos meios de comunicação por considerá-lo muito pretensioso, mas continua afirmando que o desenvolvimento da mídia vem entrelaçado de modo fundamental com as principais transformações institucionais que modelaram o mundo moderno, propondo-se a traçar o que ele denomina

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um papel particular na acumulação dos meios de informação e comunicação. Dentre elas, mencionam-se as instituições religiosas que se dedicam essencialmente à produção e à difusão de formas simbólicas associadas à salvação, aos valores espirituais e às crenças transcendentais. Destacam-se também, para o autor, as instituições da mídia que se orientam para a produção em larga escala e para a difusão generalizada de formas simbólicas no espaço e no tempo.

Os diversos meios de comunicação religiosos católicos mesclam esses dois tipos de instituição, utilizando as instituições midiáticas para difundir as formas simbólicas associadas à salvação.

Pode-se perceber que é impossível ignorar nos dias de hoje a acelerada expansão dos suportes imagéticos, sobretudo os da televisão que, como produtora e difusora de imagens, cria e divulga sua representação sobre as diferentes culturas.

Como já comentado, observa-se que, nas últimas décadas, os movimentos religiosos, especialmente os cristãos, não ficaram para trás nesse processo de inovação comunicacional. Ao contrário, cada vez mais eles investem na utilização em larga escala dos meios eletrônicos de comunicação, que não somente funcionam como meio de divulgação, mas também como principal instrumento na batalha simbólica pelos fiéis. O uso ostensivo de tais meios tornou-se condição fundamental de existência e manutenção das atividades religiosas da sociedade atual, formando um complexo em uma relação de dependência que pode até passar despercebida no dia a dia.

Quanto às questões referentes aos bens, refletindo com Bourdieu, depreende-se que existem duas espécies de bens: os simbólicos, ou seja, referentes à espiritualidade; e os materiais, dos quais dependem as instituições. Há, portanto, uma troca: a instituição oferece os bens simbólicos, recebendo em troca bens materiais que permitem sua subsistência e expansão. Ao tratar do poder simbólico exercido pelos sistemas de comunicação, o autor destaca:

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estruturantes de comunicação e de conhecimento que os „sistemas simbólicos‟ cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber, para a „domesticação dos dominados‟” (BOURDIEU, 2009, p. 11).

Os meios de comunicação religiosos, pois, fazem crer, sem impor sua doutrina, na evidência das posições doutrinárias sem necessariamente explicitá-las, de forma que há uma busca por parte das instituições pela legitimação perante a sociedade, por intermédio da divulgação de suas ideologias.

Assim, verifica-se que a religião, cada vez mais desterritorializada e fragmentada, é exposta ao embate técnico com a modernidade de tal forma que vive o ambiente propício para uma imensa variedade de respostas institucionais e individuais a essas transformações. Os diversos grupos religiosos se articulam de modo a responder ou de maneira a negar o moderno, ou mesmo mesclando as possibilidades da modernidade com a mensagem religiosa, para construir uma nova forma de ação social religiosa.

Como propõe Bauman (1999), em termos práticos, o poder se tornou verdadeiramente extraterritorial, podendo se mover com a velocidade do sinal eletrônico, reduzindo o tempo requerido à instantaneidade. Nesse sentido, faz-se urgente a compreensão da mídia religiosa para o entendimento das estruturas do campo religioso atual, de forma que o caso do catolicismo se apresenta pertinente nessa questão.

1.2. Catolicismo na Mídia: a Escolha da Comunidade Canção Nova

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setores privado e empresarial, vem se desenvolvendo no campo tecnológico e informacional, razão por que a Igreja Católica não poderia estar fora de um movimento de consequências tão profundas. A afirmação de Della Cava e Montero (1991) ajuda na compreensão:

“Sendo historicamente um „produtor de cultura‟ e, como é típico da maioria das „nações católicas‟, um produtor privilegiado, dificilmente ela poderia ter-se mantido um espectador passivo frente a esse processo” (DELLA CAVA e MONTERO, 1991, p. 12).

A fim de aprofundar a reflexão a respeito dessas modificações estruturais do catolicismo, além de Della Cava e Montero (1991), autores contemporâneos, como Carozzi (1994), Mariz (1999, 2003, 2004, 2009), Souza (2005), Almeida (2001, 2004) e Dávila (2005, 2009) são essenciais.

Iniciar o debate com Carozzi (1994) e a discussão sobre os processos de conversão é um bom caminho para atinar com as investidas do catolicismo no setor comunicacional. No artigo “Tendências no Estudo dos Novos Movimentos Religiosos na América: Os Últimos 20 Anos” (1994), a autora explica que o processo de conversão se tornou central na sociologia da religião, em virtude da preocupação dos meios de comunicação de massa e da imprensa não científica com a suposta utilização de métodos de lavagem cerebral pelos novos movimentos religiosos para forçar a conversão e também porque, em uma sociedade secularizada, muitos pensam que as pessoas que efetivamente experimentaram a religião como algo central em suas vidas teriam sofrido algum tipo de “metamorfose”.

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Para Carozzi (1994), a melhor forma de manter a conversão é dentro da própria comunidade religiosa; afinal, dentro dela é possível abrir mão de sua “velha” vida, cultivar uma nova maneira de viver e mantê-la com facilidade, já que se passa a viver apenas entre convertidos, facilitando a mudança do “fio condutor”, que mantém a continuidade de sua experiência, modificando, por fim, a definição subjetiva de sua identidade social. Por isso, é comum o indivíduo convertido da renovação carismática, por exemplo, quebrar CD’s antigos e passar a ouvir só música católica, ou ainda não assistir a nenhum outro canal que não o dos católicos, além de procurar com bastante frequência tais comunidades.

Como a autora expõe, segundo Lofland e Stark (1994), as causas da conversão não incluem apenas fatores de predisposição, mas também elementos situacionais próprios do contexto em que o indivíduo se insere. De acordo com eles, para se converter, o indivíduo deve experimentar tensões de forma aguda e duradoura. Dentro de uma perspectiva religiosa de resolução de problemas, isso o levaria a se definir como um buscador religioso, encontrando o culto numa fase crítica da vida, quando não mais pudesse seguir as antigas orientações. Nesse momento, ele estabelece uma ligação afetiva com os adeptos, os laços externos ao culto afrouxam-se ou neutralizam-se, e o indivíduo se expõe à interação intensa com os membros do grupo.

No caso do catolicismo, foi possível observar que ele mescla as possibilidades sugeridas por Almeida (2004). O autor, ao refletir o campo religioso brasileiro, discute a perspectiva dos “templos com relações impessoais” e dos “templos onde vigoram relações do tipo congregacional”. A renovação carismática opera, ao mesmo tempo, por grandes templos, onde predominam as relações impessoais entre os fiéis, e por comunidades menores que apresentam relações do tipo congregacional. Assim, os carismáticos constituem uma nova forma de se relacionar e manter seus fiéis, possibilitando uma conversão mais completa, já que o fiel tem várias possibilidades de mudança do “fio condutor”.

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Igreja, apontado por Della Cava e Montero (1991), foi o Lumen 2000, que organizou, numa mesma proposta, a produção de programas, sua transmissão e padronização em uma perspectiva de evangelização definida por Roma. Della Cava e Montero (1991) destacam que a ambição desse projeto é evidência marcante do lugar de relevo que as tecnologias de comunicação assumiram até mesmo para as religiões no mundo contemporâneo7. Pelas palavras dos autores:

“Na medida em que se estruturam os mercados de consumo nas sociedades em desenvolvimento, os meios eletrônicos vão adquirindo singular importância na formação político-ideológica das massas em processo de incorporação a esse mercado. (...) a instituição religiosa vai estruturando-se lentamente no sentido de organizar para si os meios necessários para fazer chegar sua mensagem a este novo público tornado massa. Mas de um modo geral, no momento em que a Igreja começa a falar para um público dessa natureza ela precisa adequar seu modo de falar às expectativas desse conjunto que é heterogêneo quanto à composição mas homogêneo quanto ao comportamento: ele age como comprador individual que faz sua “escolha” no mercado. Assim qualquer agência que pretenda atingir extensões importantes desse público precisa desenvolver estratégias que redundem na confluência generalizada das escolhas individuais. Esse é pois o dilema que a Igreja deve enfrentar ao aceitar as regras de organização do mundo

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moderno: como transformar a sua mensagem religiosa no objeto da confluência das escolhas?” (DELLA CAVA e MONTERO, 1991, p. 144).

Ademais, os dados do Censo do IBGE, realizado em 2000, contribuem para demonstrar os impactos do processo de escolha de compradores individuais no mercado religioso - apontados por Della Cava e Montero (1991). Segundo o Censo, a proporção de católicos caiu e cresceu a de evangélicos. Apesar da predominância do catolicismo no Brasil, a proporção de pessoas que se declararam católicas caiu, de 83,8% em 1991, para 73,8% em 2000. Esses dados demonstram um fenômeno significativo no catolicismo, justificando, mais uma vez, a relevância de um olhar atento à RCC e à mídia, uma vez que estas vêm funcionar como instrumentos de contenção, de conversão e de revisão das práticas católicas para com seus fiéis.

Os dados da pesquisa do CERIS/CNBB, sobre mobilidade religiosa no Brasil de 2005, também mostram que, a partir do fim dos anos de 1990, a Igreja Católica na América Latina deixou de ser hegemônica e passou a contemplar o confronto com um universo religioso que crescia exponencialmente. Tal pesquisa indicou que uma das principais motivações para o ingresso em determinados grupos religiosos seria a busca de amparo em razão do sentimento de solidão. Além de mostrar que os evangélicos constituem o grupo religioso que mais recebe adeptos das diversas instituições religiosas, a pesquisa demonstrou que a falta de apoio da religião anterior em momentos de dificuldades pessoais foi mencionada em maior proporção pelos evangélicos pentecostais como motivo de mudança de religião. Já a falta de acolhimento foi indicada por 10% dos entrevistados que abandonaram o catolicismo e por 35% dos que pertenceram a “outras religiões”.

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do catolicismo para as igrejas pentecostais8. Dávila (1998) afirma que, por meio das comunidades de aliança e de vida e dos grupos de oração, podem ser detectados respectivamente na RCC dois movimentos, um ad intra, que diz respeito à sua consolidação dentro da Igreja Católica, e outro, ad extra, que faz referência à formação da clientela religiosa que a RCC fomenta.

A respeito dos processos de formação da RCC, pode-se aferir que seu crescimento esteve atrelado à (re) construção de um habitus católico. Como relata Bourdieu:

“O habitus, sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita que funciona como um sistema de esquemas geradores, é gerador de estratégias que podem ser objetivamente afins aos interesses objetivos de seus autores sem terem sido expressamente concebidas para este fim” (BOURDIEU, 1983, p. 94).

Não se trata de considerar que o processo de expansão dos dons do espírito ocorreu como forma previamente sistematizada pela Igreja para investir em esquemas de aprendizagem para seus fiéis. No entanto, não se pode negar que a RCC tem claramente esse papel; afinal, firma uma relação dialética entre uma estrutura e uma conjuntura, gerando condições de atualização do habitus.

Além da expansão nas Igrejas, tal movimento aderiu também aos meios de comunicação. Na televisão brasileira, inicialmente, o espaço religioso se resumia às missas católicas, a raros padres cantores e a programas protestantes. A rede católica que iniciou e impulsionou as demais foi a Rede Canção Nova de Televisão, surgida em 1989. A emissora católica estimulou a criação de mais três: Rede Vida (1995), TV Século XXI (1999) e TV Aparecida (2005).

8 Torna-se oportuno lembrar a origem do movimento carismático: A Renovação Carismática surgiu no meio de jovens católicos dos Estados Unidos, em meados da década de 1960. Em reuniões de oração nos finais de semana, com a supervisão de padres jesuítas, eles enfatizavam a presença do Espírito Santo entre eles, dando destaque às maravilhas que estariam sendo operadas, como os dons da cura, a expulsão de demônios e a glossolalia –

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As estações de rádio se desenvolveram ainda antes, recebendo a primeira concessão do governo em 1941, para a cidade de Salvador na Bahia, hoje Rádio Excelsior, da arquidiocese de Salvador. A partir daí muitas concessões foram feitas a dioceses, congregações religiosas e movimentos, somando-se hoje 211 Rádios entre AM, FM, OC e Tropicais9 que pertencem a grupos da Igreja Católica, estando a maioria delas também na Internet. Vale lembrar que, além das emissoras próprias, a Igreja tem programas de evangelização em rádios comerciais leigas em quase todas as cidades do Brasil, alguns com grande audiência.

O monitoramento das quatro emissoras católicas citadas acima, paralelamente ao exame detalhado dos grupos que as mantêm funcionando, levou-me à opção de dedicar atenção investigativa à Comunidade Canção Nova, tema do próximo capítulo, por constituir-se num complexo centro de produção e de propagação da mensagem religiosa católica de vertente carismática.

A análise realizada até então justifica o olhar atento às transformações sociais e religiosas provocadas pela crescente expansão das mídias eletrônicas. Nas palavras de Fonseca (2003), não se trata de considerar a mídia boa ou má, uma vez que esta é um dado social, o qual não precisa de defensores ou promotores. Trata-se, sim, de estabelecer uma descrição e uma análise crítica do que há de mais recente nessa produção; afinal, a luta pelo domínio do campo religioso é uma realidade e está presente especialmente no campo simbólico, fortemente representado pela mídia. Portanto, a análise da mídia católica permite enxergar os padrões propostos às pessoas: a ação racional dirigida a um fim, ou seja, o hábito de vida e o condicionamento de coletividades. Dessa forma, a mídia fortifica, cria e revive o habitus religioso, levando sua formação para dentro dos lares.

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CAPÍTULO 2: COMUNIDADE CANÇÃO NOVA ORIGENS, ATUAÇÃO, RECEPÇÃO

_____________________________________________

O capítulo anterior visou demonstrar como a religião, desterritorializada e fragmentada, vive um momento fértil para o surgimento de uma imensa gama de respostas individuais e institucionais. Dentre estas respostas, o retorno aos valores tradicionais e o uso de recursos comunicacionais modernos se constituem uma marca.

Em um contexto de forte disputa no campo religioso brasileiro, a Canção Nova aparece aos fiéis como uma proposta que não pensa só em proselitismo, mas que se entende como mais um grupo social que deseja, como tantos outros, participar na produção, reprodução e distribuição dos bens simbólicos na moderna sociedade brasileira. Dessa forma, ao operar tanto via comunidades territoriais quanto via mídias eletrônicas, a Canção Nova contribui para liderar os processos de mudança no interior do catolicismo. Além disso, as respostas dadas pela comunidade não deixam de ser um reflexo das respostas da sociedade às transformações constantes da modernidade.

2.1. Canção Nova: fundação, organização e o “chamado” das Comunidades de Vida e Aliança

Foto 01: Imagem de divulgação da Comunidade Canção Nova. O logo no centro, com a

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A Canção Nova é uma comunidade católica brasileira fundada pelo Monsenhor Jonas Abib, no ano de 1978, que segue as linhas da Renovação Carismática Católica, com sede na chácara Santa Cruz, em Cachoeira Paulista (SP). Em 3 de novembro de 2008, a comunidade alcançou reconhecimento pontifício, o que significa que recebeu aprovação de seu estatuto pelo Vaticano, tornando-se reconhecida mundialmente.

Padre Jonas, que chegou a frequentar cursos de efusão no Espírito Santo com padre Haroldo Rahn, quando ainda era seminarista, conta no site da comunidade que recebeu o chamado de evangelizar em encontro com Dom Antônio Afonso de Miranda, em 1976, na época bispo de Lorena (SP). Segundo Abib, ao ser chamado no escritório episcopal do encontro, nasceram as bases evangelizadoras da Canção Nova, uma vez que recebeu a missão de colocar em prática a Exortação Apostólica “Evangelii Nuntiandi”, que significa “Evangelização no Mundo Contemporâneo”, assinado pelo Papa Paulo IV em 8 de dezembro e publicado em 21 de dezembro de 1975.

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Foto 02: Panfleto de divulgação do Reconhecimento Pontifício. Fonte: www.cancaonova.com

Fotos 03 e 04: “Rincão do Meu Senhor” e Centro de Distribuição do DAVI (Departamento de

Audiovisual), ambos na sede da Comunidade (Cachoeira Paulista/SP, 2010). Fonte: Rita Barbosa

Foto 05: Monsenhor Jonas Abib em show de lançamento de CD na Canção Nova (Cachoeira Paulista/SP, 2008).

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Segundo observação, pode-se perceber que esse grande centro criado pela Canção Nova gerou um vasto comércio ao redor, bem como o crescimento de restaurantes e hotéis que visam abrigar os frequentadores da Canção Nova, de forma que a cidade praticamente gira em torno desse grande empreendimento10.

Apesar de as lideranças afirmarem que não há veiculação direta entre a Comunidade Canção Nova e a política, são fortes os indícios de influência da comunidade no cenário político de Cachoeira Paulista (SP) e nas cidades de maior força do canal, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Entre os principais membros e simpatizantes do projeto eleitos no cenário político brasileiro, destacam-se Gabriel Chalita (Deputado Federal PMDB/SP), Eros Biondini (Deputado Estadual PHS/MG), Miryan Rios (Deputada Estadual PDT/RJ) e Paulo Alexandre Barbosa (Deputado Estadual PSDB/SP). Todos detêm programas na TV Canção Nova e receberam claro apoio dos membros da comunidade nos processos eleitorais. Apesar de não realizarem campanhas no próprio programa, o que seria ilegal, os candidatos organizaram eventos durante a campanha eleitoral que sempre contaram com a participação de membros famosos da comunidade. Como exemplo, pode-se citar Gabriel Chalita que, em suas campanhas em São Paulo, tomou parte em uma série de shows e palestras ao lado do padre Fábio de Melo, o qual angaria público com facilidade nas cidades que visita. Nas observações realizadas em eventos como esse, verificou-se que os membros da comunidade Canção Nova que lideravam o evento dirigiam orações pelos candidatos e distribuíam informações sobre as campanhas eleitorais.

A pesquisa mostrou ainda que toda a comunidade é mantida, segundo lideranças, com a contribuição voluntária de seus mais de 600 mil sócios-colaboradores do chamado Clube do Ouvinte. Uma vez que ela não conta com patrocinadores comerciais, toda a arrecadação da comunidade se dá por intermédio

10 Exemplo dessa influência na cidade pôde ser observado na minha última visita realizada ao complexo. Ao conversar com o taxista que me levou da rodoviária até lá, soube que nos

últimos anos a Canção Nova organizou um projeto chamado “Sejam Bem-Vindos” do qual

ele participa. Segundo ele, tal projeto funciona por meio de uma organização da Canção Nova com os taxistas e hotéis da cidade. Somente os que participam do projeto são divulgados dentro do complexo, nos balcões de informações turísticas. Pelas palavras do

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de doações dos membros do clube, que são de vários tipos: dinheiro, objetos para revenda no bazar da Canção Nova, jóias, compondo assim o quadro do “Projeto Dai -me Almas”. Este é o nome dado ao monitoramento diário que fazem das contribuições dos fiéis, necessárias para atingirem o valor suficiente para suprir todos os gastos da comunidade, os quais giram, conforme lideranças, em torno de 16 milhões de reais mensais.

Foto 06: Sede do Clube do Ouvinte (Cachoeira Paulista/SP, 2010). Fonte: Rita Barbosa

Aqui é válido retomar a ideia de Bourdieu, apresentada anteriormente, a respeito da gestão dos bens de salvação. Nas palavras do autor:

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Padre Jonas Abib é o influente especialista religioso da Comunidade, visto ter sido consagrado Monsenhor da Igreja Católica. No entanto, os leigos conquistam espaço cada vez maior na liderança da Canção Nova, justamente porque a mídia os torna reconhecidos enquanto detentores da competência necessária para gerir os bens de salvação propagados pela comunidade11.

Tais lideranças leigas são ensinadas e orientadas nas chamadas Comunidades de Vida e Aliança Canção Nova. Por meio da pesquisa, foi possível observar que, desde sua origem, angariar fiéis para tais comunidades foi e é fundamental para a manutenção e expansão da Canção Nova. A dialética comunidade de vida e comunidade de aliança é que dá a sustentação, não só para a Canção Nova, como para vários setores do movimento carismático, especialmente no que diz respeito à produção televisiva.

Nesse sentido, pensar a formação das comunidades12 em diálogo com a crise das cidades torna o debate mais rico, porquanto tal formação esteja diretamente ligada aos processos de individualização das cidades e crescimento das diferenças sociais. Bauman, na obra “Confiança e Medo na Cidade” (2009), apresenta uma leitura da situação das “cidades globais”, destacando dois aspectos essenciais: de um lado, é nas grandes áreas urbanas que se concentram as funções mais avançadas do capitalismo; por outro lado, tais cidades se tornam objeto de novos e intensos fluxos de população e de uma ampla redistribuição de renda, na qual as desigualdades permanecem e se intensificam. Diante desse duplo movimento das cidades, quem possui condições tende a deslocar-se, procurando uma defesa, por meio da criação de verdadeiros enclaves. Já os que são obrigados a permanecer onde estão, são forçados a suportar os problemas crescentes da região em que habitam. A classe média, nesse quadro, encontra-se em grande tensão, por não

11 Nos documentos e site da comunidade, Jonas Abib permanece como principal líder. No entanto, em virtude de sua idade avançada, ele tem participado cada vez menos das atividades promovidas pela Canção Nova bem como dos programas de gerenciamento, cargo que tem ficado nas mãos do casal de leigos Wellington da Silva Jardim (Cleto) e Luzia Santiago. Atualmente, Cleto é, inclusive, o diretor da Associação do Senhor Jesus.

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conseguir controlar um processo que pode levá-la a perder o bem-estar conquistado nas últimas décadas.

Segundo Bauman, o sentimento de medo se instala, e, com ele, surgem também os especuladores do medo, que o transformam na base de uma política de controle e repressão:

“(...) nos últimos anos, sobretudo na Europa e em suas ramificações no ultramar, a forte tendência a sentir medo e a obsessão maníaca por segurança fizeram a mais espetacular das carreiras” (BAUMAN, 2009, p. 13).

O referido autor, ao citar Castells, menciona o individualismo moderno como culpado por esse estado de coisas, de forma a ressaltar que a substituição das comunidades solidamente unidas pelo dever individual de cuidar de si próprio gerou uma sociedade construída sem bases sólidas, onde o perigo está em toda parte. Pelas palavras do autor, o aspecto mais assustador da dita modernidade líquida é o da inadequação:

“Quando a solidariedade é substituída pela competição, os indivíduos se sentem abandonados a si mesmos, entregues a seus próprios recursos escassos e claramente inadequados” (BAUMAN, 2009, p. 21).

Nesse contexto, uma nova extraterritorialidade vem se criando, por meio de conexões dos espaços urbanos privilegiados, habitados ou utilizados por uma elite que se pode dizer global, contribuindo para a formação de modos de vida segregados. As pessoas, por sua vez, diante desse quadro de pressão global, acabam fechando-se em si mesmas, o que, para o autor, as torna ainda mais desarmadas.

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claramente dividir e não criar pontes e locais de encontro e reunião de habitantes da cidade. Trata-se, segundo o autor, da “mixofobia”, um medo de misturar-se que acaba por favorecer tendências segregacionistas:

“A atração que uma comunidade de iguais exerce é semelhante à de uma apólice de seguro contra riscos que caracterizam a vida cotidiana em um mundo „multivocal‟. Não é capaz de diminuir os riscos e menos ainda evitá-los” (BAUMAN, 2009, p. 45).

As comunidades de vida e aliança aqui abordadas também se enquadram nessa discussão, uma vez que separam todos os que são considerados “perigosos” ou “pecadores” de seu campo de ação. Outra questão que aparece ao examinar as comunidades de vida e aliança e que neste estudo ganha lugar de destaque é aquela voltada à discussão sobre a desagregação comunitária e a tendência ao isolamento. Esse aspecto ainda abre o leque para a compreensão dos debates a respeito da construção das identidades. Bauman (2003) destaca que a desestruturação das identidades comunitárias, estabelecidas por relações primárias (parentesco, religião e poder local), resultou na Idade Moderna, tempo regido por um estado-nação que substitui a comunidade pela sociedade e na qual as pessoas se ligam por meio da posição que ocupam no processo produtivo.

Em Bauman (2003) o termo comunidade designa significados que estão sempre atrelados à promessa de prazeres que gostaríamos de experimentar, daquilo que sentimos falta e de que precisamos para viver seguros e confiantes.

Dessa forma, passa a surgir uma coletividade que pretende ser a comunidade encarnada, e que, em nome de todo o bem que se supõe que essa comunidade ofereça, exige lealdade incondicional e trata tudo o que ficar aquém de tal lealdade como um ato de traição: “Você quer segurança? Abra mão de sua liberdade, ou pelo menos de boa parte dela. Você quer entendimento mútuo? Não fale com estranhos

nem fale línguas estrangeiras (...)” (BAUMAN, 2003, p. 10).

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desacordos, de forma que a comunidade não sobrevive ao entendimento autoconsciente e compartilhado.

É exatamente por isso que se torna válido questionar que hoje, no interior das comunidades, ao versar-se sobre seu valor singular, elas não existem mais. Essa autoafirmação é decorrente de um afrouxamento dos laços comunitários: “a comunidade falada (mais exatamente: a comunidade que fala de si mesma) é uma

contradição em termos” (BAUMAN, 2003, p. 17). Então, o termo comunidade está

diretamente relacionado à busca por uma identidade individualizada, ou seja, a identidade individualizada é a substituta da comunidade. Assim, se pode falar que a incompatibilidade do termo comunidade em seu sentido sociológico que se vê nos tempos atuais é decorrência de um conflito constante entre liberdade e segurança, buscando-se encontrar uma forma que concilie a preservação dos direitos do indivíduo – liberdade individual – e a vida em comunidade.

Como afirma Bauman:

“A insegurança afeta todos nós, imersos que estamos num mundo fluido e imprevisível de desregulamentação, flexibilidade, competitividade e incerteza, mas cada um de nós sofre ansiedade por conta própria, como problema privado como resultado das falhas pessoais e como um desafio ao nosso savoir faire e a nossa agilidade. Somos convocados, como observou Urich Bech com acidez, a buscar soluções biográficas para contradições sistêmicas; procuramos a salvação individual de problemas compartilhados” (BAUMAN, 2003, p. 129).

Imagem

Foto 01: Imagem de divulgação da Comunidade Canção Nova. O logo no centro, com a  frase “Ser Canção Nova é Bom Demais” é a grande marca dos discursos para  adesão
Foto 05: Monsenhor Jonas Abib em show de lançamento de CD na Canção Nova  (Cachoeira Paulista/SP, 2008)
Foto 06: Sede do Clube do Ouvinte (Cachoeira Paulista/SP, 2010).
Foto 09: Central de Jornalismo, na sede da Comunidade (Cachoeira Paulista/SP, 2010).
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