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Cad . Saúd e Púb lic a, Rio d e Jane iro , 14(2):442- 443, ab r-jun, 1998 C A RTAS L E T T E R S
Invest igação de um surt o de int oxicação aliment ar em Belo Horizonte, Brasil
Sandhi Maria Ba r reto 1 Maria Fernanda Lima e Costa 1 , 2
1La b o ratório de Epidemiologia e An t ropologia Médica, Ce n t ro de Pesquisas René Rachou, Fundação Os w a l d o C r u z . Av. Augusto de Lima 1715. Belo Ho r i zo n t e ,M G 3 0 1 9 0 - 0 0 2 , Bra s i l .
2De p a rtamento de Medicina Pre ve n t i va e Social, Faculdade de Me d i c i n a , Un i versidade Fe d e ral de Mi n a s Ge ra i s . Av. Al f redo Balena 190. Belo Ho r i zo n t e ,M G 3 0 1 3 0 - 1 0 0 , Bra s i l .
As intoxicações alimentares resultam da ingestão de alimentos contaminados com micro o rganismos pa-t o g ê n i c o s, pa-toxinas microbianas ou subspa-tâncias quí-m i c a s. En t re 1973 e 1987, os Ce nters for Disease Con-t rol and Pre ve n Con-t i o n(CDC) inve s t i g a ram cerca de qui-nhentos surtos anuais nos Estados Un i d o s. A magni-tude das intoxicações alimentares no mundo não é conhecida, mas estima-se que entre 6,5 e 81 milhões de pessoas sejam afetadas anualmente (Tauxe & Hu g-h e s, 1995). No Estado de Minas Ge ra i s, foram re g i s-t radas 1.476 ins-ternações hospis-talares por ins-tox i c a-ções alimentares no ano de 1996 (SIH-SUS, 1996). Apesar da magnitude do problema, surtos de intox i-cações alimentares são ra ramente investigados no Bra s i l .
O presente trabalho re f e re-se à investigação de um surto por intoxicação alimentar ocorrido após um almoço de confra t e rnização de Natal em Belo Ho-ri zo n t e. O almoço re a l i zou-se no dia 13 de deze m b ro de 1996 em um re s t a u rante s e l f - s e rv i c e, de gra n d e p o rt e, que serve comida típica mineira. A ocorrência do surto foi identificada no dia 15/12/96, quando foi obtido do re s t a u rante o cardápio servido no re f e ri d o a l m o ç o. Foi elaborado um questionário auto-aplicá-vel contendo perguntas sobre os alimentos consumi-dos e sinais e sintomas apresentaconsumi-dos até 72 hora s após o eve n t o. Fo ram considerados casos aqueles que apre s e n t a ram diarréia e/ou vômitos, e contro l e s aqueles que não re l a t a ram esses sintomas. Casos e c o n t roles foram comparados em relação ao consumo de cada alimento (Armitage & Be r ry, 1987; Hosmer & L e m e n s h ow, 1989).
Dos 102 part i c i p a n t e s, 98 (96%) re s p o n d e ram ao q u e s t i o n á ri o. Fo ram identificados vinte indivíduos que apre s e n t a ram diarréia e/ou vômito nas 72 hora s seguintes ao almoço; destes, 19 apre s e n t a ram diar-réia associada ou não a vômitos, e um apresentou vô-m i t o, vô-mas não diarréia. A freqüência de eva c u a ç õ e s e n t re os pri m e i ros va riou entre quatro e 15 vezes nas p ri m e i ras 24 horas (mediana = 8). A Tabela 1 mostra os principais sinais e sintomas apresentados pelos in-divíduos classificados como casos. O período decor-rido entre o início do almoço (13 horas) e o início da diarréia e/ou vômitos va riou entre uma a 13 hora s, sendo a mediana igual a cinco horas e meia.
Na Tabela 2, estão apresentadas as razões de chance para os seis alimentos associados (p<0,10) à ocorrência de diarréia e/ou vômitos na análise uni-va riada. Após ajustamento por uni-va ri á veis de confusão, p e rm a n e c e ram associados à ocorrência desses sinto-mas ambrosia (RC = 6,0; IC 95% = 1,8, 20,0), queijo minas fresco (RC = 6,9; IC 95% = 1,6, 29,4) e saladas com legumes crus (RC = 6,1; IC 95% = 1,5, 24,9).
A presente investigação re g i s t ra a ocorrência de vinte casos de intoxicação alimentar em Belo Ho ri-zo n t e, após um almoço de confra t e rn i z a ç ã o. Em ra-zão do tempo decorrido entre o evento e a detecção do surto (três dias) não foi possível obter amostra s dos alimentos ou de material biológico para inve s t i-gação labora t o rial do agente re s p o n s á vel. Pe r í o d o s de incubação curtos (até seis horas), como o obser-vado neste estudo, falam a favor de contaminação alimentar por entero t oxinas pré-form a d a s, pro d u z i-das principalmente por St a p h yl oc o ccus aureus o u Ba-cillus cere u s( Benenson, 1990; Schecter & Ma ra n g o n i , 1994; Tauxe & Hu g h e s, 1995). Os alimentos suspeitos de contaminação foram ambrosia, queijo minas fre s-co e saladas à base de legumes cru s. Os vegetais de uma maneira geral não são alimentos vulneráveis a esse tipo de contaminação, mas, na refeição suspeita, eles foram servidos com queijos e molhos.
O S .a u re u sé muito freqüente em todo o mundo. As intoxicações produzidas por suas entero t ox i n a s são geralmente conseqüentes à contaminação de lei-te ou de seus deri vados (queijos não pro c e s s a d o s, c remes e molhos). In t oxicações alimentares provo c a-das peloB . c e re u ssão mais freqüentes na Eu ro p a , sendo geralmente associadas à ingestão de arroz co-z i d o. Diarréia e vômitos predominam em ambas in-t oxicações (Benenson, 1990; Tauxe & Hu g h e s, 1995).
Tab e la 1
Princ ip ais sinais e sinto mas ap re se ntad o s p e lo s
ind ivíduo s classific ad o s co mo c aso s d e into xic aç ão
alime ntar nas 72 ho ras se g uinte s ao almo ç o .
S i n a l / S i n t o m a S i m %
D i a rr é i a 1 9 9 5
N á u s e a 1 5 7 5
Do r ab d o minal 1 5 7 5
Suo r frio 1 3 6 5
V ô m i t o s 1 1 5 5
C e f a l é i a 1 1 5 5
To n t e i r a 5 2 5
F e b re 4 2 0
C a i b r a 1 5
4 4 3
Cad . Sa úd e Púb lic a, Rio d e Jane iro , 14(2):442- 443, ab r-jun, 1998 C A RTAS L E T T E R S
Os resultados desta investigação sugerem que o s u rto foi provocado por entero t oxinas pré-form a d a s de S .a u re u s. Os alimentos suspeitos de contamina-ção foram ambrosia, queijo não processado e saladas. O isolamento do agente etiológico re s p o n s á vel pelo s u rto não foi possível; isso acontece fre q ü e n t e m e n t e nesse tipo de inve s t i g a ç ã o. Apesar disso, os re s u l t a d o s são suficientes para a cara c t e rização do surt o, para l e vantar hipótese consistente quanto a sua etiologia e p a ra determinar medidas de pre ve n ç ã o. As dificulda-des para o isolamento do agente etiológico não deve m constituir empecilho para a utilização desse tipo de i n vestigação na rotina dos serviços de saúde pública.
A g r a d e c i m e n t o s
As autoras agradecem à Di re t o ria da Asfoc, à Dra. Ce-cília Pe re i ra de Souza e aos funcionários do Ce n t ro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cru z .
A R M I TAGE, B. & BERRY, G., 1987. Statistical Me t h o d s in Medical Re s e a rc h. Oxford: Bl a c k we l l .
BENESON, A. S., 1990. C o n t rol of Communicable Di sease in Ma n. Washington: American Pu b l i c Health Association.
HOSMER, P. M. & LEMESHOW, S., 1989. Applied
Lo-gistic Re g re s s i o n. New Yo rk: Wi l e y.
SCHECHTER, M. & MARANGONI, D. V., 1994. Do e n-ças In f e c c i o s a s ,C o n d u t a , Diagnóstico e Te ra p ê u t i-c a. Rio de Ja n e i ro: Ed i t o ra Afiliada.
SIH-SUS, 1996. Mi n i s t é rio da Sa ú d e / F N S / D ATA S U S . TAUXE, R. V. & HUGHES, J. M., 1995. Fo o d - b o rne
dis-e a s dis-e. In: Principles and Practice of Infectious Di s-e a s s-e(G. L. Mandel, R. G. Doutlas & R. Dolin, e d s. ) , p p. 1012-1015. New Yo rk: Churchill Livingstone.
Tab e la 2
Alime nto s asso ciad o s (p< 0,10) ao q uad ro d e into xic aç ão alime ntar na análise univariad a.
Aliment os C a s o C o n t ro l e R C (IC 95%)
Cost elinha frit a
sim 1 2 2 3 3 , 5 2 1 , 2 7 - 9 , 7 5
n ã o 8 5 4
Legumes cru s
s i m 7 8 4 , 5 8 1 , 4 1 - 1 4 , 8 2
n ã o 1 3 6 8
C o u v e
s i m 4 3 6 , 2 5 1 , 2 7 - 3 0 , 6 9
n ã o 1 6 7 4
A m b ro s i a
s i m 1 1 1 2 6 , 7 2 2 , 3 0 - 1 9 , 6 9
n ã o 9 6 6
Pudim de leit e
sim 1 4 2 9 3 , 9 4 1 , 3 7 - 1 1 , 3 9
n ã o 6 4 9
Doce de leit e
s i m 8 1 8 2 , 6 7 0 , 9 2 - 7 , 7 2
n ã o 1 2 6 0
Q u e i j o
s i m 6 7 4 , 5 5 1 , 3 2 - 1 5 , 7 4
n ã o 1 3 6 9
RC : Razõ e s d e chanc e .