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Elementos constitutivos da narrativa análise do corpus de uma narrativa de rpg

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

Vladimir Wanderley de Lima Rodrigues

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA NARRATIVA Análise do Corpus de uma Narrativa de RPG

NATAL 2018

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ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA NARRATIVA Análise do Corpus de uma Narrativa de RPG

Dissertação apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte das exigências dо Programa dе Pós-Graduação em Estudos da

Linguagem, para obtenção dо título de mestre. Orientador: Paulo Henrique Duque

NATAL 2018

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Rodrigues, Vladimir Wanderley de Lima.

Elementos constitutivos da narrativa análise do corpus de uma narrativa de rpg / Vladimir Wanderley de Lima Rodrigues. -Natal, 2019.

94f.: il. color.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Natal, RN, 2018. Orientador: Prof. Dr. Paulo Henrique Duque.

1. Narrativa Dissertação. 2. Linguística Cognitiva -Dissertação. 3. Frames - -Dissertação. I. Duque, Paulo Henrique. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'23 CCHLA

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Vladimir Wanderley de Lima - Mestrando

Dr. KALINE GIRÃO JAMISON, UNILAB Examinador Externo à Instituição Dr. JANAINA WEISSHEIMER, UFRN

Examinador Interno

Dr. PAULO HENRIQUE DUQUE, UFRN Presidente

VLADIMIR WANDERLEY DE LIMA RODRIGUES Mestrando

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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Nesta dissertação, fizemos uma análise qualitativa do registro audiovisual uma sessão de RPG e de sua transcrição. O RPG é um jogo em que vários participantes constroem uma narrativa em tempo real de forma colaborativa. O objetivo de nossa análise foi descrever como a narrativa é construída pelos participantes com base em elementos constitutivos da narrativa e os processos que lhe dão suporte. Para tanto nos apoiamos em modelos que descrevem elementos estruturais narrativos, como plots, motifs e teorias populares (LAKOFF; NARAYANAN, 2010); estruturas cognitivas como frames (FILLMORE, 1982) e esquemas-X (FELDMAN, 2006); e processos cognitivos como a criação de modelos situacionais (ZWAAN; RADVANSKY, 1998). Outras noções deram suporte à análise, como a importância da conceptualização ad-hoc (GABORA; ROSCH; AERTS, 2008), o uso de roteiros para estruturar o discurso e o encadeamento de eventos como elementos importantes da narrativa. Na conclusão, retomamos o que foi discutido na análise e sugerimos possibilidades para investigar mais a fundo cada um dos fenomênos observados.

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In this thesis, we performed an analysis of the audiovisual recording of an RPG session and its transcript. RPG is a game in which various participants build a narrative in real time in a colaborative manner. The objective of our analysis was to describe how the narrative is constructed by the participants based on narrative constituent elements and their supporting processes. For that purpose, we based our analysis on models which describe structural narrative elements, such as plots, motifs and folk theories (LAKOFF; NARAYANAN, 2010); cognitive structures such as frames (FILLMORE, 1982) and X-schemas (FELDMAN, 2006); and processes such as the construction of situation models (ZWAAN; RADVANSKY, 1998). Other notions provided support for the analysis, such as the importance of ad-hoc conceptualization (GABORA; ROSCH; AERTS, 2008), the use of scripts to structure discourse and the chaining of events as important to the narrative. In the conclusion, we review what was discussed in the analysis and suggest possible ways to further examine each of one of the observed phenomena. Keywords: Narrative, Cognitive Linguistics, frames, situation models, scripts

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1. Introdução ... 10 1.1. Organização do trabalho ... 11 2. Objetivo Principal ... 12 2.1...Objetivos.específicos ... 12 3. Metodologia ... 13 3.1. Natureza da Pesquisa ... 13 3.2. Caracterização do Corpus ... 13 3.3. Procedimento de Análise ... 15 4. O Jogo de RPG ... 17 5. Bases Teóricas ... 22 5.1. .Linguística.Cognitiva.Corporificada.e.Ecológica... 22 5.1.1. Frames ... 23 5.1.2. Categorização ... 25 5.1.3. Tipos de Frames ... 26 5.1.3.1. Esquemas imagéticos ... 27

5.1.3.2. Frames conceptuais básicos ... 27

5.1.3.3. Frames de.domínio.específico ... 28

5.1.3.4. Frames interacionais ... 28

5.1.3.5. Esquemas de Ação ... 29

5.2. Narrativas e a perspectiva cognitiva ... 34

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5.2.3. Compreensão de narrativas ... 37

5.2.4. Modelos Situacionais ... 39

6. Análise da narrativa ... 44

6.1. Rede temática e encadeamento de plots ... 44

6.2. Progressão narrativa e framing ... 50

6.3. Combate e Modelos Situacionais ... 64

7. Conclusão ... 79

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Figura 1 – Modelo computacional do modo de andar do gato . ... 29

Figura 2 – O esquema-x de controle geral ... 31

Figura 3 – Imagens encontradas pesquisando o termo “minerador” no google ... 45

Figura 4 – Mapa da Costa da Espada exibido durante a sessão. ... 46

Figura 5 – Mapa regional vs. Mapa local ... 56

Figura 6 – Evento VIAGEM descrito no esquema-x genérico ... 58

Figura 7 – Interface da mesa virtual ... 66

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Tabela 1 – Notações. ... 13 Tabela 2 – Tipos de frame em jogo e seus aspectos analíticos. ... 48

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Role-Playing Game (RPG) - Jogo de interpretação de papéis. Tipo de entretenimento cujo

objetivo é construir uma narrativa colaborativamente, apoiado por um sistema de regras.

Dungeons & Dragons (D&D) - Um dos vários sistemas de RPG existentes, provê um conjunto

de regras que suportam uma narrativa de fantasia medieval.

Estatística - No contexto do RPG, um valor numérico que determina a probabilidade de sucesso

de um personagem em uma certa tarefa.

Força, Destreza, Investigação etc. - Palavras do dia-a-dia notadas com inicial maiúscula

correspondem a estatísticas do jogo.

Rolar [Estatística] - Rolagem de dados para constatar sucesso em uma ação. Por exemplo, se o

Narrador pede “role Investigação”, ele está pedindo que o jogador role um dado para determinar se o personagem teve sucesso em descobrir alguma coisa em sua investigação.

XdY - X dados de Y lados. Por exemplo, toda rolagem de habilidade em D&D usa 1d20, ou

seja, um dado de vinte lados. Outros tipos de rolagem podem usar outros dados (1d4, 3d6, 2d10 etc.).

Frame - Modelo usado para caracterizar unidades do sistema conceptual. Um frame corresponde

a um conceito.

Mecânica - Diz-se dos apectos de um RPG relativos às regras do jogo, isolando-os dos aspectos

narrativos.

Modelo Situacional - Modelo cognitivo do processo de compreensão de informação linguística,

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1. Introdução

A Linguística Cognitiva (LC) se interessa pela linguagem enquanto processo cognitivo. Desta forma, os mecanismos cognitivos que subjazem as manifestações linguísticas são o objeto de estudo da LC. Como uma ciência que busca explicações cognitivamente reais para os fenômenos linguísticos, a LC não é um campo isolado, devendo reconhecer e incorporar as evidências encontradas em outras ciências cognitivas (LAKOFF, 1990). Nesse sentido, vários estudos foram feitos sobre o sistema conceptual e a categorização (FILLMORE, 1976; 1982; LAKOFF, 1985; LAKOFF; JOHNSON, 1999), sobre como eventos são codificados linguisticamente e, mais recentemente, sobre como mecanismos cognitivos se articulam para permitir a compreensão de narrativas (LAKOFF & NARAYANAN, 2010). Neste trabalho, analisamos o registro audiovisual de uma sessão de um jogo de interpretação de papéis (Role-Playing Game, RPG), extraído do site Youtube e transcrito pelo autor. Sendo o RPG um jogo cujo objetivo é a construção colaborativa de uma narrativa, nos focamos neste elemento em nossa análise. Este trabalho foi motivado inicialmente sobre um trabalho de graduação sobre o tema de espaços mentais (FAUCONNIER, 1985). O autor observou a presença de vários níveis de informação, que, aparentemente, complicavam bastante a resolução de dêiticos, mas eram fácilmente solucionados à luz da teoria de Fauconnier. O objeto de estudo foi escolhido por dois fatores principais: Primeiro, o fato de nessa categoria discursiva a construção da narrativa se dar em tempo real por vários participantes. Segundo, existem vários níveis de informação concorrentes que tranformam essa forma de interação em algo muito complexo. O projeto inicial para esta dissertação visava uma análise completa considerando todos os níveis de informação, mas o escopo foi reduzido à narrativa em razão do tempo alocado para um mestrado. A narrativa do RPG é exótica, pela forma como é construída e pelas restrições específicas que possui. O autor deste trabalho também possui uma experiência de 22 anos com o RPG, como jogador e narrador, em vários sistemas diferentes, através de vários meios. Portanto, possui muita familiaridade com essa categoria discursivo. Essa experiência serviu para preencher lacunas que estudos anteriores podem não ter considerado, por circunstância ou por diferença de objetivos.

O RPG tradicional foi pouco estudado se comparado aos jogos eletrônicos. Até onde descobrimos, não há uma análise pela ótica da LC da narrativa de RPG, apesar de estudos de outra natureza existirem, como o de Cover (2010), na área da retórica, e o de Fine (2002), na sociologia. Ambos possuem um aspecto mais explicativo e etnográfico do RPG. O livro organizado por Williams et al. (2006) traz uma análise da atividade pela perspectiva da ludologia. Existem diversos estudos sobre RPG na área da educação (BETTOCHI et al, 2007; COX, 2014, por exemplo) e psicologia (KAYLOR, 2017; MCCONNAUGHEY, 2015). Outros trabalhos (HARDING, 2007; MANZO, 2011) se focam mais sobre Live-Action Role-Playing (LARP) e o lado performático, sendo de interesse periférico para esta dissertação. Há também trabalhos de cunho cognitivo, mas esses

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trabalhos também tem foco na educação e aprendizado (ex. LING; JIN; XIAONING, 2010; PEDRO LOPES, 2014). Um trabalho interessante na área tenta explicar efeitos de imersão dos jogadores a partir da cognição corporificada (LANKONSKI; JÄVERLÄ, 2012). Neste trabalho, o trabalho de Cover (2010) foi a maior referência sobre RPG, além da experiência do jogador, por se focar na construção da narrativa, em outra perspectiva.

O objetivo dessa análise é descrever os elementos que participam na construção da narrativa de RPG no momento de sua produção e como esses elementos permitem e auxiliam a compreensão e produção. Em nossa base teórica, partimos do pressuposto de que um indivíduo constrói frames culturais e interacionais em sua vida cotidiana (DUQUE, 2016), uma versão desses frames também é necessária como mecanismo de acompanhamento da consistência interna do mundo narrativo. Isto é, há uma base cognitiva que serve para informar as regras de interação e as culturas que subjazem o mundo narrativo. Analisamos a narrativa do corpus sequencialmente, com a hipótese de que os participantes mantêm um modelo situacional (ZWAAN & RADVANSKY, 1998) que situa a narrativa em várias dimensões, como tempo, espaço e intencionalidade. Modelos situacionais são uma proposta teórica para a simulação mental realizada durante o processamento de informação linguística. Neste modelo, a decodificação da informação linguística é acompanhada da construção de um modelo da situação descrita pelos elementos linguísticos.

Nossa hipótese é que um dos mecanismos usados para que os participantes possam se situar é a estrutura do jogo, que pode ser vista como uma sequência de roteiros, organizados por frames, de forma que os passos desses roteiros podem ser recuperados facilmente. Além disso, a presença de muitos elementos convencionais na narrativa cria uma base para a construção da narrativa individual. O RPG é um jogo no qual uma narrativa é construída de forma colaborativa por vários participantes. Esta construção é feita sobre a base de um sistema de regras que dá suporte à narrativa, impondo ao mesmo tempo restrições para manter o bom funcionamento do jogo. Esse aspecto distingue o trabalho de outros estudos sobre narrativas por não estudar um artefato – um conto, romance etc. – nem tampouco narrativas orais previamente construídas, mas o processo de criação de uma narrativa não-convencional durante uma interação. Acreditamos que a análise desta narrativa peculiar, por suas particularidades, pode levantar perguntas sobre o que é universal à narrativa e oferecer informações sobre como construímos narrativas de forma geral. Além disso, a produção em tempo real, a interpretação de papéis e o processo colaborativo de produção da narrativa podem conduzir a questões cognitivas mais específicas relacionadas a essas características.

1.1. Organização do trabalho

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apresentação dos objetivos do trabalho. O Capítulo 3 apresenta a metodologia e o corpus. O Capítulo 4 é uma explicação do jogo de RPG, seguido das bases teóricas, apresentadas no Capítulo 5. Começamos a explicação teórica com a Linguística Cognitiva em geral, em seguida, falamos das noções de frame e categorização que usamos no trabalho. Depois, discutimos a noção de esquema de ação, com base em Feldman (2006). A sessão seguinte discute a forma como discutiremos narrativas, situando-a em relação ao corpus. O Capítulo 6 compreende a análise, sendo dividido em três seções. O Capítulo 7 traz as conclusões.

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2. Objetivo Principal

• A partir da análise de um corpus, que consiste na transcrição de um vídeo do YouTube, com o suporte dos livros que estruturam o sistema de RPG usado no corpus, descrever os mecanismos que subjazem a construção da narrativa no RPG, dentro da perspectiva da Linguística Cognitiva.

2.1. .Objetivos.específicos

• O RPG é um jogo cuja motivação é a construção de uma narrativa. Tentamos, com base no corpus:

• Descrever como elementos estruturais da narrativa (plots e motifs) auxiliam mecanismos de inferência.

• Demonstrar frames conceptuais, roteiros e esquemas geram uma rede conceptual única e específica ao contexto.

• Descrever como esses elementos são integrados, usando a noção de modelos situacionais, de forma a permitir uma compreensão holística da narrativa.

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3. Metodologia

3.1. Natureza da Pesquisa

Este trabalho é um estudo qualitativo e exploratório de um corpus. O trabalho é um trabalho de introspecção (TALMY, 2007), complementado pelo corpus. A decisão por um trabalho dessa natureza foi o resultado de várias discussões entre o autor e seu orientador e colegas, que levaram à conclusão de que uma compreensão de como se organiza essa categoria discursiva é necessária antes de qualquer hipótese de cunho quantitativo. A reflexão neste trabalho é de observar os elementos que emergem na visualização do vídeo do corpus e na leitura da transcrição contra um fundo de estudos da narrativa e de Linguística Cognitiva, com o fim de descobrir seus elementos organizadores.

3.2. Caracterização do Corpus

Nosso corpus é a gravação em vídeo de uma sessão de RPG, jogada no sistema Dungeons & Dragons (D&D), 5ª edição. A sessão ocorreu online, usando a plataforma virtual Roll201, uma plataforma do tipo virtual tabletop (detalhado adiante, quando explicaremos o RPG). O vídeo foi gravado em 2014 como recordação das sessões e disponibilizado no Youtube2 em seguida. A sessão que foi analisada é parte de uma campanha maior que se deu ao longo de onze sessões, mas devido a restrições de tempo nesse trabalho apenas a primeira será objeto de análise. A gravação analisada tem duração de duas horas, quarenta e dois minutos e vinte e quatro segundos, contando com sete participantes, sendo seis jogadores e o narrador. Os participantes têm nível de educação variando entre pós-graduação e ensino superior incompleto, idade entre vinte e trinta anos e são todos do sexo masculino. Os jogadores se encontram em Natal-RN, enquanto o narrador está em Botucatu-SP.

Devemos ressaltar que, mesmo que se trate de um estudo focado na narrativa, este trabalho não se encaixa no campo dos estudos narrativos. Não se trata de uma análise de um grande clássico da literatura ou de uma crítica da narrativa sob análise. O objetivo é a realização de uma análise linguística. A escolha do corpus se deve a sua forma não ortodoxa e aos diversos níveis de informação em jogo, como Cover (2010) aponta, esses jogos são altamente complexos em termos de estrutura narrativa e interação. A escolha do foco sobre o aspecto narrativo se deve ao fato de que o corpus contém o registro da produção por participantes leigos de uma narrativa em curso, isto é, a narrativa é construída à medida em que os participantes falam, tal que podemos vislumbrar tanto aspectos de compreensão quanto de produção, além de poder identificar elementos que são universais às narrativas.

1 https://www.roll20.net

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Usaremos o termo “participantes” para falar indiscriminadamente de todos os membros do grupo, enquanto os termos “jogador (es)” e “narrador” se referem a pessoas com esses papéis específicos. O termo personagem será usado para indicar qualquer entidade desse tipo na narrativa, seja um personagem de jogador ou não. Cada jogador específico será referido pelo rótulo utilizado para identificá-lo na transcrição do corpus (Jogador A, Jogador B etc.). Quando uma palavra fizer parte da terminologia do jogo, ela será escrita com inicial maiúscula (ex. Investigação vs. investigação; Destreza vs. destreza). Utilizaremos também notações para termos da Linguística Cognitiva. Conceitos serão escritos em versalete (ex. ESCOLTA) e denotam frames e esquemas processados cognitivamente. O nome escolhido para cada conceito é uma aproximação baseada na situação descrita pela informação linguística. Aspas duplas serão usadas para expressão linguística, no sentido de uma citação direta ou uma articulação específica de uma palavra. Aspas simples denotam uma forma linguística (‘comer’), implicando na memória acústica ou gráfica da palavra e suas cognatas. A Tabela 1 detalha as notações.

Notação O que indica

VERSALETE Conceitos e esquemas

“estrada”, “dormiu” Expressão linguística como aparece na

superfície do discurso.

‘comer’, ‘bonito’ Forma linguística. ‘comer’ inclui todas as conjugações do verbo, por exemplo.

(Item_X, Bloco Y) Remete a um trecho destacado em um Bloco

da transcrição.

PROPRIEDADE Propriedade de um frame

“texto em itálico entre aspas” Contexto, quando afetando um frame

Participante(s) Qualquer pessoa envolvida no jogo.

Jogador A, Jogador B... Um dos jogadores que participam no jogo do corpus.

Narrador O narrador do jogo analisado no corpus.

Força, Destreza, Investigação... Termos que descrevem habilidades no jogo. Tabela 1 – Notações. Fonte: Elaborado pelo autor.

O vídeo começa com uma conversa em curso e a transcrição cobre toda a extensão do vídeo. A transcrição completa está disponível online3, mas no decorrer dos capítulos de análise, trechos da transcrição aparecem sob o título de Bloco. Os blocos seguem a ordem temporal do corpus, são identificados por inicial maiúscula e são ordenados alfabeticamente, isto é, o Bloco A ocorre antes do Bloco B, que ocorre antes do Bloco C etc. Marcações de tempo – na forma [xx:xx] – serão postas periodicamente ao longo da transcrição para facilitar a consulta ao vídeo. Os nomes dos jogadores e dos personagens serão substituídos por identificadores como [Jogador 3 https://1drv.ms/b/s!AmAPoiQElXSPgP8McDh2w1BfdMMwoQ

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A], [Jogador B] etc. como medida facilitadora da análise, por nos permitir criar uma relação mais transparente entre jogador e personagem, tal que [Jogador A] corresponde a [Personagem A] e assim por diante, além de cobrir os apelidos que os jogadores usam entre si. O narrador será identificado como [Narrador]. Os jogadores serão identificados na ordem de aparecimento na conversa.

Usaremos a seguinte notação, inspirada no corpus do D&G/Natal, como aparece no texto de Furtado da Cunha e Bispo (2003) : a) ... – qualquer pausa; b) () – incompreeensão de palavra ou segmento; c) / - truncamento; d) :: - alongamento; e) eh – fático; f) ? – elevação do tom (pergunta); g) [[ - fala simultânea; {} – informação elucidativa complementar; g) “ “ – fala usando a voz de outro (como o personagem ou um personagem hipotético). O trecho a seguir exemplifica a notação:

[0:00]

[Narrador]: como é que faz?

[Jogador A]: eu ainda tô fazendo minha ficha... relaxe [Narrador]: mas você só tá me escutando pô... aí é foda [Jogador A]: [[ faz mal não

[Jogador B]: [[ tá me escutando [Jogador A]?

[Narrador]: nã::o... [Jogador A] só tá escutando eu.. [Jogador B]

Exemplo de bloco da transcrição do corpus.

Uma transcrição completa do vídeo está disponível. No entanto, só constam nesse documento os trechos que foram utilizados nessa análise. A transcrição completa está disponível online4.

3.3. Procedimento de Análise

Realizamos uma transcrição completa do vídeo inicialmente. O foco de nossa análise é construção da narrativa em relação aos eventos, esse escopo é bastante amplo, mas já é resultado do recorte de um escopo maior que compreendia outros aspectos, como os níveis de informação concorrentes, integração conceptual e sistemas morais. Para levantar os elementos de análise, fizemos uma leitura inicial do corpus.

A análise é descrita de forma sequencial e cumulativa, de forma que os elementos analizados nas sessões iniciais não são abandonados nas sessões que seguem. A meta é mostrar como a interação entre esses elementos gera uma rede de processos que permite a compreensão da 4 https://1drv.ms/b/s!AmAPoiQElXSPgP8McDh2w1BfdMMwoQ

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narrativa. Desta forma, começamos com as bases convencionais da narrativa, plots e motifs (LAKOFF; NARAYANAN, 2010), e como eles formam um mecanismo familiar de inferência para os participantes. Como o foco está na narrativa, esses dois elementos são de eminente importância: A introdução da narrativa, por direcionar a sequência e estrutura de eventos; e os elementos preliminares a ela, por influenciar a rede conceptual que é construída durante a sua progressão. Em seguida, analizamos a evocação de conceitos ad hoc em resposta a necessidades comunicativas, e como eles interagem entre si para moldar a base convencional em uma interação específica. Os acontecimentos da narrativa são sustentados por mecanismos de processamento de eventos. Analisamos a interação em termos de esquemas de eventos, com atenção especial a informações de aspecto e framing. A última seção traz a análise de um trecho do corpus no qual o encadeamento de eventos se dá em unidades de seis segundos no tempo narrativo. Essa granularidade possibilitou uma análise dos modelos situacionais em suas dimensões e de como espaços mentais permitem a compartimentalização de informação.

Neste capítulo, descrevemos os procedimentos e o objeto de nossa análise. No capítulo que segue, explicaremos o RPG para prover uma compreensão geral da categoria discursiva analisada.

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4. O Jogo de RPG

A sigla RPG tem origem na expressão em inglês “Role-Playing Game”, ou “Jogo de Interpretação de Papéis”. Trata-se de um jogo onde cada jogador interpreta um personagem em um contexto dramático. Existem regras que abstraem matematicamente eventos com um fator de incerteza ou oposição de forças/intenções. Classicamente, RPGs são jogados face-a-face ao redor de uma mesa. Tudo que é necessário para jogar é um sistema de regras, alguns dados e imaginação, mas existem materiais de suporte como livros, mapas, tabuleiros etc. que são usado em grau variado, dependendo do grupo. Além disso, hoje em dia existem várias mesas virtuais (virtual

tabletop) que são aplicativos ou sites que facilitam a realização do jogo via Internet. O jogo que

analisamos em nosso corpus foi realizado em uma plataforma de mesa virtual, o Roll20.

RPGs surgiram em 1974, com o sistema Dungeons & Dragons (D&D), criado por Dave Arneson e Gary Gygax, que evoluiu de uma adaptação de jogos de guerra (COVER, 2010). O resultado é uma categoria de interação que reúne características da narrativa tradicional de fantasia, que a inspirou; da narrativa oral, que é o tipo de interação onde se realiza; e dos jogos de guerra, nos quais um sistema de regra estrutura o drama e os eventos do jogo. Apesar de se tratar de uma categoria discursiva mais antiga, RPGs de mesa receberam pouca atenção acadêmica. Muitos estudos foram feitos sobre jogos, seja em relação a engajamento (PRENSKY, 2001), educação e/ou aprendizado (SØRENSEN; MEYER, 2007; STEINKÜHLER, 2005) e mesmo cognição e corporificação (GEE, 2008), mas esses estudos tendem a estudar jogos eletrônicos de uma natureza ou outra. Apesar de vários gêneros de jogos eletrônicos incorporarem a sigla RPG (CRPG, MMORPG, ARPG etc.), não existe uma equivalência entre o RPG de mesa e as versões eletrônicas que derivam dele, salvo os raros casos em que o jogo eletrônico possui uma funcionalidade que tem a função de imitar o RPG de mesa (jogos como Neverwinter ou

Divinity: Original Sin 2). Esse foco em jogos eletrônicos também é parte da razão pela qual se

que debate se podemos dizer que há narrativa em jogos (JUUL, 2001; HITCHENS; DRACHEN, 2009). Considerando o embasamento na Linguística Cognitiva de nosso trabalho, consideramos narrativa um tipo de atividade linguística que utiliza alguns mecanismos cognitivos conceptuais e de cognição de eventos específicos para estruturar-se. Discutiremos esse aspecto mais adiante, mas ressaltamos aqui que a possibilidade da presença de narrativas em jogos não é uma questão controversa em nossa perspectiva.

Cabe ressaltar que D&D e RPGs em geral não substituíram os jogos de guerra, nem foram, por sua vez, substituídos por jogos de computador mais modernos (COVER, 2010). Apesar de ter um crescimento menor, os RPGs que discutimos aqui – RPG de mesa, Tabletop RPGs ou Pen &

Paper RPGs – ainda são uma entidade a parte, tanto em termos de categoria, como em termos

de mercado. É dificil encontrar dados sobre RPGs de mesa, devido a sua natureza casual, por se tratar de um jogo doméstico e porque edições antigas não são necessariamente substituídas

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por jogos mais novos. No entanto, plataformas de virtual tabletop, como o Roll20 e Fantasy Grounds, fornecem alguns dados concretos. Em 2016, RPGs de mesa correspoderam a USD 45 milhões do mercado dos Estados Unidos e Canada5, enquanto o Roll20 relatou ter alcançado 3 milhões de usuários em Fevereiro de 20186.

O jogo conta com vários participantes, um jogador especial, que chamaremos de Narrador, e um número (geralmente entre três e cinco) indeterminado de jogadores regulares. Cada jogador regular interpreta um personagem. Os personagens dos jogadores costumam ser os protagonistas da narrativa. O narrador tem a função de descrever as situações, indicar o desenrolar dos eventos, interpretar os personagens da narrativa que não pertencem aos jogadores e definir como as regras serão interpretadas quando há conflito. Costumeiramente, os jogadores possuem uma ficha, onde várias estatísticas do seu personagem estão discriminadas, de forma que um valor numérico dentro de uma dada escala define o nível de competência do personagem em uma dada característica – em D&D, por exemplo, uma característica como a Força do personagem é normalmente medida com um valor entre 1 e 20. A sequência de interação em um RPG tipicamente começa com algo no seguinte estilo:

[Narrador]: tá... você vai andando aí lá na frente você vê um::... nota de longe uma armadilha... sabe aquele fio/ aquela cordinha enrolada?... você... você consegue ver... vocês veem a corda lá... à distância...o que é que você vai fazer?

Bloco - O Narrador descreve uma situação

Como vemos, o Narrador descreve uma situação e, em seguida, pergunta ao jogador qual será a ação de seu personagem. O jogador anuncia a ação do seu personagem e o narrador descreve uma nova situação com base no resultado da ação do jogador. Este é o ciclo básico da interação no jogo. Note que a descrição do Narrador termina com uma pergunta aberta, portanto, não se trata apenas de um jogo no qual os jogadores devem escolher a partir de um leque de opções oferecido a eles, mas de imaginar e criar suas próprias opções. O turnos da interação também são negociados em tempo real, o jogador pode interromper o Narrador ao ouvir alguma informação que chamou sua atenção (ou que o jogador decidiu que chamou a atenção de seu personagem). É preciso destacar que o controle do Narrador não é total, o jogadores têm, no mínimo, controle sobre seus personagens.

O jogo que servirá de base para a análise foi realizado usando o sistema Dungeons & Dragons, 5ª Edição (doravante, D&D5e). Existem vários aspectos que podem ser discutidos em relação ao RPG e à subcultura em que está inserido. Para nossa discussão, é útil mencionar que existem jogadores e grupos com disposições diferentes em relação aos elementos principais do jogo. 5 https://icv2.com/articles/news/view/38012/hobby-games-market-over-1-4-billion, acesso em: 1/10/2018. 6 http://blog.roll20.net/post/171387355950/3-million-user-update-is-now-live, acesso em: 1/10/2018.

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Isto é, alguns jogadores priorizam o aspecto mecânico (relativo à regras) do jogo; outros se preocupam mais com a narrativa; outros, com seu próprio personagem e seu desenvolvimento; e assim por diante. Outro aspecto, levantado por Cover (2010), é que jogadores são atraídos pelo jogo por diversos motivos, mas que a interação social e as possibilidades infinitas de interagir e agir na narrativa são as mais citadas. Há grupos que que priorizam a boa execução das regras e a criação de personagens mecanicamente viáveis, enquanto outros têm como base principal para o divertimento a interpretação dos respectivos personagens de forma imersiva. O grupo que analisamos prioriza o divertimento, com a rigidez em relação às regras e o nível de exigência com a interpretação dramática dos personagens ficando em segundo plano, uma experiência de jogo mais casual.

Enquanto sistema, D&D provê um conjunto de regras que servem de suporte para o jogo. Existem três livros básicos necessários para jogar D&D, o Player’s Handbook (Livro do Jogador), o

Dungeon Masters Guide (Livro do Mestre) e o Monster Manual (Livro dos Monstros)7. O Livro

do Jogador explica o RPG e detalha as regras gerais do jogo. O Livro do Mestre detalha regras adicionais, dá dicas de como projetar uma campanha (um conjunto indeterminado de sessões seguindo uma mesma narrativa), como planejar sessões, como projetar obstáculos interessantes e outras orientações de como utilizar ou manipular as regras para manter o interesse dos jogadores. O Livro do Mestre tem esse nome porque o título do narrador do jogo nos materiais oficiais de D&D é Dungeon Master. D&D é um jogo muito direcionado ao combate, por sua natureza como um jogo de aventura. Portanto, o Livro dos Monstros é um catálogo de adversários que o narrador pode usar em seu jogo. Considera-se que o narrador tem o papel de preparar o mundo narrativo e possibilidades de eventos antes da sessão, mas ele também pode usar um módulo, uma espécie de manual que fornece uma narrativa e instruções para que o narrador a execute em jogo. Um módulo se assemelha mais a um manual de intruções do que a um livro de contos ou a um romance, pois deve fornecer uma trama geral que pode ser seguida de infinitas formas pelos jogadores (COVER, 2010). Em nosso corpus, o Narrador usa o módulo Lost Mines of

Phandelver, da Wizards of the Coast, a empresa que publica D&D.

Independentemente dessas divergências, o jogo de RPG mantém o objetivo de entreter seus participantes pela criação de situações narrativas que devem ser navegadas pelos personagens dos jogadores. Os vários sistemas de jogo possuem regras diferentes para situações que devem ser resolvidas através de uma rolagem de dado, por representar situações onde há um elemento de sorte ou possibilidade de falha. O jogo se desenvolve por meio de um processo interacional relativamente estável: o narrador apresenta uma situação narrativa aos jogadores (de forma mais ou menos teatral), que em seguida anunciam como seus personagens individuais vão reagir. Quando necessário, o narrador exige que o jogador faça uma rolagem de dados para determinar 7 As traduções utilizadas não são traduções diretas dos títulos originais dos livros, mas simplesmente a forma como eles são habitualmente chamados em português na experiência do autor.

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se a ação de seu personagem atingiu êxito. Após a ação dos jogadores, o narrador descreve a situação narrativa atualizada, o jogadores agem e assim por diante. O trecho do corpus que segue ilustra esse ciclo:

[Narrador]: você você... tá... de onde [Jogador F] tá... ele vê que... dos a/ parece que tem meio que uma clareira do outro lado dos arbustos ali

[Jogador F]: beleza... dá pra enxergar? [Narrador]: se você for lá dá

[Jogador F]: eu vou... atravessando o rio [Narrador]: ah::... rola um Perception

[Jogador F]: de novo omi... ô cabra pra rolar Perception

[Narrador]: você vai atravessar o rio/ pro outro lado do rio é assim... um metro de

[Jogador F]: não... vou atravessar não... não/ vou olhar a partir aí do outro lado aí do rio mesmo [Narrador]: tá

[Jogador F]: vou atravessar agora não

[Narrador]: tá... deixa eu só ver/ checar um negócio aqui [...]

[Narrador]: [...] rola o Perception aí [Jogador F]... o resto ficou atrás enquanto [Jogador F]: ia avançando? [Jogador A]: sempre

[Narrador]: ok... {rindo} sempre é ótimo

[Jogador F]: ô::... agora eu percebi alguma coisa hein

[Narrador]: [Jogador F]... você::/ na hora que você vai chegando perto do rio/ o rio é assim... é um riachinho... tem... trinta centímetros de profundidade você consegue atravessar tranquilo... e::... eh::... você/ é um metro de largura... tá?... entã::o... tranquilo... na hora que você vai chegando perto da borda lá... eh::... você vê que tem... dois grobgrobs

Trecho de sessão

Vemos no trecho que o narrador descreve o espaço narrativo e o jogador diz como seu personagem vai agir nesse espaço. O narrador pede que o jogador “role perception”, isto é, que o jogador faça uma rolagem de dados usando a habilidade Percepção de seu personagem, para determinar se ele percebe algo no espaço narrativo. Há vezes em que o próprio jogador decide empregar uma das habilidades de seu personagem (por exemplo, ele diz que seu personagem vai escalar um penhasco), mas o narrador é o árbitro final de quando uma rolagem de dados é necessária e qual o nível de dificuldade da rolagem.

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As habilidades dos personagens, além de outros dados relevantes, são anotadas em papel, normalmente em uma ficha pré-formatada segundo as regras do jogo. Essas fichas descrevem personagens dramáticos de uma história e esses dados servem como abstrações mecânicas para determinar o êxito ou não das ações dramáticas, isto é, ações narrativas. De modo geral, esses dados numéricos são chamados de estatísticas. Existem estatísticas de duas variedades principais em D&D: atributos e habilidades, que representam características inatas e competências aprendidas, respectivamente. Na ficha de D&D5e constam seis Atributos – Força, Destreza, Constituição, Inteligência, Sabedoria e Carisma – um número variável de Habilidades, um bônus de Proficiência, Velocidade de movimento, Peso do equipamento carregado, Classe de Armadura e mais alguns dados numéricos. Além disso, há espaço para informações narrativas como nome do personagem, Raça, Classe, Alinhamento (inclinação moral e ética do personagem), peso, altura etc.

Como um exemplo do funcionamento das estatísticas num RPG, consideremos a Força do personagem. Uma Força de valor 10 representa alguém com um nível medíocre de força física, um valor 16 representa alguém bastante forte, enquanto um valor 20 representa o pico da força natural de um aventureiro. Criaturas sobrenaturais podem possuir valores mais altos. Este atributo pode entrar em jogo quando um personagem encontra uma situação que pode ser resolvida pela força física. Suponhamos que os personagens queiram forçar uma porta fechada; o narrador determina com base em características de sua descrição (peso da porta, tipo de tranca, presença de objetos bloqueando a porta etc.) que a dificuldade para abrir a porta é 17, isto significa que o jogador deve obter pelo 17 na rolagem de um dado de vinte lados (1d20). Um personagem de Força 10 que rola 1d20 para determinar seu sucesso nessa ação precisar rolar um valor igual ou maior que 17, uma probabilidade de 20%. Por outro lado, um personagem de força 20 adiciona +5 ao resultado do d20, portanto tem que atingir um resultado de 12 ou mais, uma probabilidade de 45%8. Portanto, um personagem com alto nível em uma estatística tem uma maior probabilidade de sucesso em tarefas envolvendo aquela estatística. Isto serve como abstração para as competências dos personagens. Conflitos e situações de risco são resolvidos com base nesse sistema, as demais situações são resolvidas narrativamente.

A dinâmica interacional do jogo se dá dessa forma. O objetivo geral de um RPG é criar narrativas colaborativamente. Cada grupo define, explícita ou implicitamente, as especificidades de suas atividades. Em nosso corpus, o grupo está jogando uma aventura proposta pelo suplemento de D&D The Lost Mines of Phandelver. O Narrador está munido de uma narrativa geral, com espaços, personagens etc. Portanto, sua função é apenas responder às ações dos jogadores. A priori, não há objetivo de vencer ou condições de vitória no jogo. No entanto, os jogadores têm interesse em remover seus personagens de situações de risco (o personagem pode morrer). 8 O nome Estatística para os dados numéricos se deve ao fato de eles servirem de base para o cálculo da

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Além disso, jogadores podem determinar objetivos pessoais para seus personagens.

Neste capítulo, explicamos de forma breve o RPG e como ele funciona. Devemos fazer a ressalva de que nenhuma explicação substitui a experiência. Caso ache necessário, recomendamos ao leitor que assista o vídeo que foi usado para o corpus para ter uma noção além da explicação que fornecemos. Existem também vários podcasts em que grupos de jogadores conduzem sessões de RPG de forma mais estruturada para a audiência, como o Quest Cast9. No próximo capítulo, discutimos nossas bases teóricas.

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5. Bases Teóricas

5.1. Linguística.Cognitiva.Corporificada.e.Ecológica

A Linguística Cognitiva de base corporificada (LCC) estuda o fenômeno da linguagem sob a perspectiva de uma cognição que se desenvolve com base na configuração corporal e na interação com o meio. Nesta perspectiva, não há separação entre corpo e mente, de modo que as estruturas neurais responsáveis pela percepção e movimento governam e modelam nossos sistemas de conceptualização e raciocínio (LAKOFF; JOHNSON, 1999). Logo, qualquer aspecto universal compartilhado pela humanidade decorre da semelhança na forma como a mente de nossa espécie é corporificada (LAKOFF; JOHNSON, 1999). A visão corporificada da cognição também é experiencialista (LAKOFF, 1985), isto é, a construção ou modelagem de conceitos e categorias é resultado das experiências do indivíduo no ambiente, dentro das restrições dadas pela constituição do corpo e pelas capacidades sensórias. Os termos “construção” e “modelagem” são usados aqui em contraposição à visão de cognição representacional, pois, na visão corporificada, esses conceitos não são representações internas das categorias do mundo externo (LAKOFF, 1985), mais claramente, os conceitos não são representações de categorias inerentes à realidade, mas sim o reconhecimento que o indivíduo tem de categorias de experiências pelas quais passou em sua interação com o ambiente, de forma que não se pode separar o organismo do ambiente (MICHAELS; PALATINUS, 2014), sob a forma de circuitos neurais. Essa inseparabilidade entre organismo e ambiente dá uma dimensão ecológica à nossa visão corporificada.

Essa perspectiva busca explicações cognitivamente reais para generalidades nos fenômenos linguísticos. Para tanto, Lakoff (1990) estabelece dois compromissos gerais para a Linguística Cognitiva. O primeiro é o compromisso da generalidade, que é o compromisso de caracterizar princípios gerais governando todos os aspectos da linguagem. O segundo é o compromisso cognitivo, que é o compromisso de fazer com que a descrição da linguagem desenvolvida vá ao encontro do que é conhecido sobre a cognição humana em todas disciplinas cognitivas. Lakoff vai além, ao prever a possibilidade de que as descrições da linguagem não estejam de acordo com a realidade do conhecimento sobre a cognição humana. Neste caso, o princípio cognitivo se sobressai.

A Linguística Cognitiva pertence ao campo das teorias da linguística baseada no uso. Isto é, na visão da LCC, a linguagem se estrutura com base nas situações de uso e nas necessidades que emergem dos contextos de uso. Esta posição contrasta com as visões formalistas, que dão primazia a estrutura linguística, colocando as pressões de uso fora do escopo do estudo da linguagem.

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Como outras linhas da linguística, a Linguística Cognitiva estuda aspectos de sistematicidade, estrutura e função da linguagem. No entanto, na perspectiva da Linguística Cognitiva, a linguagem é um processo integrado ao sistema cognitivo como um todo. Desta forma, a LCC busca as explicações para os diversos elementos analíticos da linguagem em processos cognitivos de escopo geral, pois a sistematicidade da linguagem não é imanente, ela emerge das experiências do indivíduo – sejam elas perceptuais ou sociais – em seu desenvolvimento. Logo, a LCC estuda como os processos de conceptualização, percepção e interação modelam a expressão da linguagem. Para tanto, várias categorias analíticas existem para cobrir diversos aspectos da cognição da linguagem. Em nossa análise, nos focamos em como o sistema conceptual e a cognição de eventos através de simulação mental atuam para construir uma compreensão da narrativa. Utilizamos os conceitos de categorização (ROSCH, 1978; GABORA; AERTS ; ROSCH, 2008), frames e esquemas (FILLMORE, 1976; FILLMORE; BAKER, 2010; FELDMAN, 2006; DUQUE, 2015a) e modelos situacionais (ZWAAN; RADVANSKY, 1998) para nortear nossa análise. Além disso, um modelo computacional de compreensão de narrativas baseado na Linguística Cognitiva (LAKOFF; NARAYANAN, 2008) serve de base para a investigação desse tipo de prática linguística.

5.1.1. Frames

O estabelecimento de categorias é um aspecto importante da cognição humana, categorizamos não apenas entes, mas também eventos, situações, tipos de interação etc (LAKOFF, 1985). Informação é um padrão no espaço e no tempo específico para um dado momento do sistema organismo-ambiente (MICHAELS; PALATINUS, 2014). Enquanto instâncias de informação são específicas de uma dada situação no ambiente, repetidas interações com o ambiente nos permitem identificar padrões – invariâncias – nas experiências com as quais nos deparamos no nosso quotidiano, o que nos permite criar modelos dessas experiências. A esses modelos, de forma geral, damos o nome de Frame (FILLMORE; BAKER, 2010). A noção de frame é alternativa à proposta de que conceitos são formados pelo pareamento de conjuntos de aspectos perceptuais com palavras, pois os frames são modelos estruturados da interpretação de experiências (FILLMORE, 1976), de forma que envolvem não só aspectos perceptuais, como também toda a rede de conhecimento situacional e cultural em sua constituição.

Enquanto estrutura cognitiva, frames cumprem um papel generalizado de modelagem mental de experiências, desempenhando um papel importante na realização de inferências. Por exemplo, ao ouvir a sentença “nosso jantar ontem foi terrível, o garçom demorou tanto a nos atender que eu tive que falar com o gerente”, o interlocutor compreenderá que o jantar ocorreu em um restaurante, mesmo sem que haja pistas linguísticas que explicitem isso, dada a condição que estes conceitos façam parte de sua experiência de vida. Além disso, o falante poderia introduzir conceitos como COZINHA, CONTA, PAGAR ou PEDIDO sem necessidade de explicá-los, pois o

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falante terá inferido esses elementos como parte do frame maior IR AO RESTAURANTE.

Fillmore e Baker (2010, p. 314) descrevem frames como “representações com preenchimento de

slot” , isto é, um frame possui vários elementos correspondendo a componentes ou papéis a serem

preenchidos naquela situação. A palavra “frame” pode ser traduzida do inglês como “moldura”, “chassi” ou “esqueleto”. Se pensarmos nessas traduções, podemos compreender o frame como uma rede de molduras que modela um tipo de experiência em aspectos gerais. Quando um

frame é ativado durante uma experiência específica, os elementos individuais que cumprem

aqueles papéis preenchem os slots, ou seja, as molduras que compõem a rede. No exemplo IR AO RESTAURANTE anterior, o RESTAURANTE poderia ser preenchido linguisticamente pelo nome de um restaurante (“Outback”), por uma frase indicando localidade (“o restaurante da esquina”) ou através de qualquer outro mecanismo linguístico. Este preenchimento não é um processo lógico-matemático. Em nosso entendimento, conceitos não são amodais e abstratos, mas integrados à experiência sensório-motora e aos mecanismos de imaginação10 (GALLESE; LAKOFF, 2008). O frame RESTAURANTE citado supõe toda uma rede de conhecimento, tal que as possibilidades de preenchimento são restritas. O preenchimento do elemento RESTAURANTE no

frame IR AO RESTAURANTE também produz um feedback que impõe restrições às possibilidades

desse frame auxiliando os mecanismos de inferência. Por exemplo, ao falarmos que vamos a um restaurante chinês, nosso interlocutor faria um conjunto de inferências. Estas inferências seriam bastante diferentes se disséssemos que iriamos a um restaurante italiano. Desta forma,

frame não é apenas um mecanismo de permanência de informação experiencial do passado, mas

também uma armação que orienta a compreensão de novas situações e responde às necessidades situacionais da interação (DUQUE, 2015). O embasamento da conceptualização na experiência sensório-motora e a construção de redes de conhecimento baseadas na experiência é o que permite processos como projeções metafóricas (LAKOFF, 1990; LAKOFF e JOHNSON, 2008) e a mescla (FAUCONNIER & TURNER, 2004), pois esses mecanismos permitem a manutenção de sentido através de domínios.

Frames não são estruturas linguísticas, mas sim estruturas cognitivas de escopo geral modeladas

por nossas experiências. Quando entramos numa sala e encontramos uma mesa com doces e um bolo com várias velas ou com velas que têm o formato de algarismos, decorações e vários convidados, esses estímulos sensórios ativam o frame FESTA DE ANIVERSÁRIO (FILLMORE & BAKER, 2010). O conceito de frame se aplica à linguagem no sentido que dadas palavras, expressões, construções sintáticas e escolhas gramaticais se associam a frames na memória, tal que a exposição do indivíduo a esses itens linguísticos no contexto apropriado ativa o frame correspondente e essa ativação facilita acesso a outros elementos linguísticos e conceptuais relacionados ao frame (FILLMORE, 1976). Chamamos essa ativação de evocação de frames por indexadores linguísticos (FILLMORE & BAKER, 2010), reiterando que, nessa perspectiva, 10 Ver KIEFER; PULVERMÜLLER, 2012 para um resumo da literatura sobre a modalidade de conceitos.

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não se dissocia a linguagem da experiência cognitiva como um todo. Note que a informação que nosso organismo usa para evocar conceitos é específica para cada situação, desta forma não consideramos que seja possível se falar de evocação de frames sem se considerar a situação em que ocorre, em nossa perspectiva não se pode falar em algo descontextualizado (GABORA; ROSCH; AERTS, 2008; MICHEALS; PALATINUS, 2014)

Tendo em vista que frames são um modelo cognitivo para os conceitos que utilizamos no dia-a-dia, precisamos de uma teoria sobre a organização de conceitos e suas características cognitivas.

5.1.2. Categorização

Frames são um modelo para a cognição de conceitos. Conceitos permitem o reconhecimento

de objetos e eventos distintos como equivalentes (ROSCH, 1999). Categorias, por sua vez, nos permitem organizar conceitos segundo algum parâmetro. Adotamos uma visão experiencial da cognição, na qual o organismo constrói frames através da detecção de invariâncias nas suas experiências com o ambiente em situações específicas. Isso tem várias implicações para a categorização. Primeiramente, o experienciador é parte integral do processo de categorização, de forma que as categorias são construídas com base em suas ações. Portanto, os atributos e elementos das categorias não são inerentes ao mundo externo, mas o resultado da interação do corpo com o mundo. Segundo, toda experiência se dá em uma situação, portanto, os conceitos não podem ser listas abstratas desprovidas de contexto. Podemos conceitualizar o mesmo fenômeno de maneira diferente segundo a situação. Terceiro, as categorias formadas pela experiência de um indivíduo são dependentes das limitações de seu aparato sensório-motor para identificar invariâncias no ambiente, logo, categorias se organizam de acordo com padrões perceptuais (incluem-se aqui padrões fonotáticos de fala, de gestos e de postura corporal em contextos sociais) adequados àquele organismo (MICHAELS; PALATINUS, 2014). Por esses motivos, não podemos usar uma teoria clássica de categorização baseada em conjuntos, precisamos de uma teoria de categorização que dê conta desses aspectos.

Eleanor Rosch (1978) identificou dois princípios básicos de categorização. O primeiro é o princípio da economia, que diz que a tarefa dos sistemas de categoria é prover o máximo de informação pelo mínimo de esforço cognitivo. O segundo afere que o mundo é percebido como informação estruturada e não como atributos imprevisíveis. A combinação desses princípios traz consequências para a formação de categorias em uma cultura, tanto quanto ao nível de abstração como quanto a estrutura interna. Quanto ao nível de abstração, os atributos perceptuais e funcionais no mundo percebido formam quebras de continuidade naturais, que servem de base para as divisões de categoria, tal que existe um nível de categorização que se encontra no nível em que existe o maior número de atributos distintivos compartilhados entre todos ou a maioria dos membros, chamados categorias de nível básico (ROSCH, 1978). Quanto à estrutura

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interna, apesar de a formação de categorias se dar a partir de quebras de continuidade nos atributos percebidos, esses conjuntos de atributos não são necessariamente contínuos. Isso cria uma tremenda dificuldade em estabelecer categorias com base nos limites entre uma categoria e outra. No entanto, categorias podem ser vistas em termos de representatividade e na estrutura correlacional dos atributos. Isto é, os membros de uma categoria não são identificados por um conjunto de atributos partilhados entre todos os membros, mas sua adequação à situações e a relação entre atributos individuais faz com que “semelhanças de família” sejam percebidas (WITTGENSTEIN, 1953a, p. 52), criando coesão interna na categoria. A identificação de categorias com base em representatividade é fácil para humanos, gerando efeitos de protótipo. Desta forma, o limites entre categorias são turvos e díficeis de identificar, mas as categorias em si são facilmente identificáveis a partir de membros percebidos como prototípicos. Isso significa que os sistemas clássicos de categorização por lógica não são cognitivamente reais, pois a categorização clássica exige a inclusão de membros por traços necessários e suficientes e limites claros entre categorias (GABORA; ROSCH; AERTS, 2008).

Os princípios de categorização decobertos por Rosch são mais intuitivamente evidentes quando falamos de categorização perceptual. Concebemos CACHORRO, CARRO ou MESA como categorias de nível básico pois esse é o nível em que existe a distinção perceptual mais clara, ANIMAL exige uma maior abstração com perda de aspectos perceptuais compartilhados, POODLE traz um maior nível de detalhe em troca de uma perda de abstração. Também é intuitivo pensar que VACA ou GATO são exemplares mais acessíveis de MAMÍFERO quando comparados com BALEIA. No entanto, esse processos são generalizados, afetando também a categorização linguística e o uso da linguagem. Um exemplo disso é a polissemia de itens lexicais (TAYLOR, 1995). Por exemplo, a palavra “gato” em português pode se referir a um animal, a um homem atraente ou a uma atividade de desvio de energia. Os vários sentidos exigem a ativação de diferentes

frames para a compreensão de cada um. Um conceito pode ser polissêmico mesmo sem recorrer

a domínios diferentes. Um exemplo disso é o conceito ALTO.”Teto alto” decreve a posição vertical de uma entidade, enquanto “prédio alto” descreve a extensão vertical de um objeto, no entanto, ambos são caracterizados em termos do domínio do espaço vertical (TAYLOR, 1995). Neste trabalho, trabalharemos com conceitos. Ressaltamos aqui que as palavras não são conceitos, mas pistas sensórias que ativam conceitos. Por exemplo, compare a palavra “gato” acima com os vários conceitos a que essa palavra se refere (GATO, categoria subordenada de ANIMAL, HOMEM, ENERGIA, FIO etc.). Para nossos propósitos, devemos ter em mente que itens lexicais podem ativar frames de domínios diferentes ou diferentes configurações de um mesmo conceito, segundo a situação (“gato” pode se referir a HOMEM ou ANIMAL, de acordo com o contexto).

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Frames correspondem a redes de circuitos neurais. A estrutura e as restrições exatas desses

circuitos ainda são tópico de discussão e de hipótese (GALLESE e LAKOFF, 2005). No entanto, as análises feitas pelos estudiosos da linguagem já sugerem que nós construímos frames para lidar com diferentes tipos de problemas. Alguns exemplos são a divisão entre frames interacionais e conceptuais (FILLMORE, 1976); o uso de frames para caracterizar narrativas (LAKOFF, 2008); e os esquemas imagéticos e esquemas de ação ou esquemas-X (LAKOFF, 1985; FELDMAN, 2006). Nesse trabalho, usaremos a tipologia de frames proposta por Duque (2015), ressaltando que a divisão dos frames em vários tipos é uma escolha metodológica que nos permite organizar nossa análise em diferentes níveis com base no fenômeno descrito pelo tipo de frame. No entanto, essa divisão não permite nenhuma afirmação sobre a organização neural desses frames nem supor que esses níveis de informação se distribuam cognitivamente de forma modular. Consideramos que o processo de conceptualização é o mesmo desde o nível da esquematização de saliências perceptuais e motoras até conceitos abstratos, a divisão nos ajuda a discriminar o tipo de experiência que mais pesa sobre um dado aspecto em análise. Duque (2015) propõe um divisão de frames em diferentes tipos, com o propósito de permitir uma análise mais granular dos vários conceitos em jogo em uma situação comunicativa. Os tipos propostos pelo autor são esquema imagético, frame conceptual básico, frame de domínio específico, frame interacional, frame social. frame descritor de eventos e frame cultural. Neste trabalho, nossos focos serão os frames conceptual básico, por sua abrangência; o frame interacional, pois estamos lidando com um tipo de interação peculiar; esquemas de ação, pois estruturam a compreensão de eventos, o que é vital para narrativas; e frames de domínio específico, pois o RPG é um domínio especializado com conceitos e vocabulário específico. Falaremos brevemente dos esquemas imagéticos, pois eles formam a base para os demais

frames.

5.1.3.1. Esquemas imagéticos

Duque (2015) descreve um esquema imagético (esquema-I) como um frame extremamente básico, que corresponde a experiências sensoriais e relações espaciais básicas, relações esquemáticas-I se manisfestam da linguagem através de preposições. Em seguida, o autor apresenta um quadro com um catálogo de esquemas-I. Lakoff (1987) trabalha com a noção de transformações de esquema (do tipo, TRAJETÓRIA ↔ OBJETO LONGO E FINO) que prevê relações entre esquemas-I, mas ainda de uma forma catalográfica. Neste trabalho, não adotamos que esquemas-I são um conjunto pré-definido de padrões perceptuais e espaciais, mas sim conceptualizações de experiências sensório-motoras básicas que partem de primitivas, como as propostas por Mandler e Canovás (2014), formando combinações segundo as pressões do ambiente. Os esquemas-I não serão o foco de nossa análise, mas dedicamos esse espaço para explicá-los por sua natureza muito básica para os outros frames, pois assumimos que todas as relações complexas de que

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outros tipos de frames necessitam de, e são permitidas por, esquemas-I.

5.1.3.2. Frames conceptuais básicos

O que chamamos de frame conceptual básico está associado a conceitos expressos por itens ou expressões lexicais individuais (DUQUE, 2015). Este seria o tipo de frame mais difícil de associar a um tipo de experiência específica, pois conceitos expressos por itens lexicais são o bloco mais evidente de conceptualizações descritas pela linguagem. Portanto, diremos apenas que eles estão relacionados com a experiência com categorias no cotidiano. O que nos permitirá distinguir essa definição muito geral são as especificidades das outras categorias de frame. O

frame conceptual básico também serve para indicar conceitos, como sugere o nome, mesmo

que esses conceitos descrevam um evento ou um tipo de interação. Isto é, todos os outros tipos de frame são um caso especial de frame conceptual básico, com exceção dos esquemas, que estão associados à experiência sensório-motora e são, portanto, mais básicos. Neste trabalho, quando usarmos apenas o termo frame, estaremos nos referindo a este tipo de frame. Também podemos usar a palavra “conceito” com esse objetivo.

Apesar de frames serem expressos por itens lexicais, não devemos confundir os itens lexicais e os conceitos que eles ativam. Um item lexical ativa não apenas um frame, mas também toda uma rede de conceitos relacionados. Isto é, quando ouvimos “estrada” não ativamos apenas o

frame ESTRADA, mas toda uma rede de conceitos relacionados, segundo nossa experiência de

vida, como VIAGEM, ACOSTAMENTO, ASFALTO etc. A rede de conceitos evocada também pode ser informada pelo contexto, como em nosso corpus, por se tratar de uma narrativa de fantasia medieval, estrada pode evocar conceitos como MATA, MONSTRO, CARROÇA etc. À medida em que novas palavras aparecem, a rede se atualiza para dar conta das relações provavéis entre os conceitos, desta forma, há uma construção incremental do sentido do discurso (DUQUE, 2015).

5.1.3.3. Frames de.domínio.específico

Estes frames são essencialmente frames conceptuais básicos, no sentido em que eles são normalmente expressos por itens lexicais. No entanto, os sentidos evocados por eles no contexto de seu domínio são diferentes do sentido habitual no cotidiano (DUQUE, 2015). Por exemplo, itens lexicais como “atributo”, “habilidade”, “talento” e “classe” possuem significações especiais em um jogo de D&D, portanto, essa classificação tem a utilidade analítica de pôr essas situações em evidência. Esse tipo de frame também cobre conceitos ativados por vocabulário especializado usado em uma dada atividade e/ou profissão, refletindo o vocabulário especializado desenvolvido por membros de um dado grupo de profissionais ou de uma subcultura. No caso de nosso corpus, elementos técnicos do jogo como “d20”, nomes próprios como “Neverwinter” ou palavras como “goblin” ou “tiefling” são exemplos de itens lexicais que acionam conceitos

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atendidos por essa categoria analítica. No escopo deste trabalho, os motifs, discutidos mais adiante, também podem ser considerados um caso especial deste tipo de frame.

5.1.3.4. Frames interacionais

Fillmore (1976) afirma que há um tipo de frame associado à comunicação, chamado frame interacional. O frame interacional é a capacidade de conceptualizar situações factuais de interação (DUQUE, 2015), isto é, dos tipos de comportamento, atitudes e procedimentos que restringem um dado tipo de interação. Esses frames incluem conhecimento sobre os objetivos interacionais dos participantes e rotinas de interação. Desta forma, incluímos nessa categoria analítica o reconhecimento de categoria discursivas, tais como romances, receitas, entrevistas e, de modo mais amplo, RPG, como uma categoria que possui semelhanças de família com várias outras.

Enquanto categoria discursiva, o RPG é difícil de categorizar segundo modelos de categorização clássicos. Eles possuem características tanto de jogos, quanto de narrativas (COVER, 2010). Uma grande quantidade de propriedades importantes, mas opcionais, como o uso de um livro de regras, o uso de mapas e miniaturas, o uso de dados etc. Alguns sistemas chegam ao ponto de abandonar o requerimento de um Narrador que direciona o jogo, distribuindo a responsabilidades para todos os jogadores. Mas uma categorização dinâmica como a proposta por Gabora, Aerts e Rosch (2008) e a noção de semelhanças de família (WITTGENSTEIN, 1953) nos permitem inserir o RPG num espaço de experiências de interação que possuem semelhanças com jogos e com narrativas (escritas e orais), além de suas próprias características idiosincráticas e contextualmente emergentes. Como podemos ver no vídeo de referência para o corpus, uma sessão de RPG é uma instância de interação em que propriedades associadas a jogos de tabuleiro, a conversas informais ou a narrativas orais emergem segundo o momento da interação.

5.1.3.5. Esquemas de Ação

Feldman (2006) propõe um modelo neural para a execução de ações de alto nível, baseado no que se conhece sobre o funcionamento neuronal de ações reflexivas, como o reflexo patelar. O funcionamento desse reflexo é bem conhecido, de forma que ele pode ser descrito com um bom nível de detalhe de forma diagramática, mostrando os caminhos axonais pelos quais os sinais para a contração e extensão dos músculos envolvidos passam. No nível de processamento de informação, esse circuito envolve uma conexão mais direta entre neurônios sensores e motores, o que o torna mais rápido que circuitos mais complexos que utilizam circuitos do cérebro. No entanto, a modelagem dessas ações mais complexas não necessita de esquemas de imensa complexidade, já que podemos modelar apenas a atividade coordenada pelo cérebro, sabendo

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que, num nível mais baixo, circuitos de ação reflexiva dão conta da parte motora final.

Um exemplo disso são os esquemas de ação que o autor propõe para as várias formas de andar de um gato. Os esquemas são versões mais abstratas de controladores baseados em ciclos de controle e feedback. No caso do andar do gato, Feldman apresenta dois esquemas, um para a marcha e um para o trote, ambos contendo controles para cada uma das patas. No trote, a pata dianteira direita (RF, na Figura 1) e a pata traseira esquerda (LH) suportam o animal, alternando para as patas dianteira esquerda (LF) e traseira direita (RH) em um ciclo que se repete. Já na marcha, o ciclo consiste em contato simultâneo com o solo de LF e LH, seguido de contato de RF e RH. O trabalho do cérebro na execução desses esquemas é simplesmente a detecção do parâmetro de velocidade para escolher o esquema correspondente à velocidade do movimento. O controle do movimento propriamente dito fica a cargo de circuitos motores inferiores (como os do reflexo patelar).

Figura 1 – Modelo computacional do modo de andar do gato .

Fonte: Adaptado de FELDMAN (2006, p.164)

O modelo de aprendizado de linguagem proposto por Feldman tem como elemento central o uso de parâmetros para caracterizar ações. Observamos as várias formas de andar, mas não

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sabemos diretamente quais músculos são utilizados ou quais os padrões de ativação envolvidos, mas podemos conscientemente apontar características como velocidade e direção da ação. Não podemos confirmar se esses diagramas reproduzem fielmente os circuitos neurais responsáveis pelas ações. Eles são úteis por dois motivos: primeiro, eles permitem realizar previsões precisas, sendo avaliados em testes de simulação computacional e/ou experimentos neurológicos. Segundo, por descreverem esquemas de execução (doravante, esquema-x11), uma forma de representar a ação, com suas etapas e parâmetros, inspirada no conhecimento que se tem sobre a representação cortical de controle motor de alto nível, satisfazendo restrições computacionais gerais para modelagem de atividade neural (NARAYANAN, 1997). Os diagramas não têm a intenção de reproduzir todo o aparato neuronal envolvido, mas de mapear todo o comportamento do sistema. Os diagramas na Figura 1 podem ser vistos “como rotinas simples para controlar as formas de andar do gato e simuladas para mostrar como funcionam” (FELDMAN, 2006, p. 165). Esses diagramas possuem um nível de detalhamento suficiente para controlar robôs e esse tipo de notação é usada para esse tipo de propósito.

Os esquemas de ação podem ser desenhados com um nível maior ou menor de granularidade, segundo o nível de especificidade que se deseja alcançar. Um esquema-x pode contemplar desde o nível mais alto da parametrização até o papel dos circuitos reflexivos. No entanto, em sua tese de doutorado, Narayanan (1997) descobriu que todos os esquemas motores de alto nível compartilham uma mesma estrutura básica, que consiste em (FELDMAN, 2006, p. 230): • Entrar num estado de preparação

• O estado inicial

• O processo de iniciação

• O processo principal (instantâneo ou prolongado) • Uma opção de parar

• Uma opção de recomeçar

• Uma opção para iterar ou continuar o processo principal • Verificar se o objetivo está completo

• Um processo de término 11. Executing Schema ou X-schema

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• O estado final

O esquema-x de controle geral é mostrado na Figura 1. O processo é o elemento central desse esquema. Qualquer ação que possa ser descrita por um esquema-x pode ser inserida no nó de processo do esquema – isso inclui ações recursivas como andar, instantâneas como arremessar algo ou mesmo ações estáticas como dormir. Com isso em mente, e reparando que o esquema oferece possibilidades para preparar, iniciar, cancelar, interromper, reiniciar, terminar e ter a ação completada, podemos apontar também que esse mesmo controle pode ser usado para descrever ações mais abstratas, como criticar, apostar, ignorar etc.

Figura 2 – O esquema-x de controle geral

Fonte: Adaptado de FELDMAN (2006, p. 231)

Sabendo que, na LCC, o sentido de um indexador linguístico são os circuitos neurais que mapeiam a experiência que aquele indexador denota, o sentido do elemento linguístico “andar” é a rede de neurônios que suportam o ato de andar. Dessa forma, o esquema-x ANDAR não é apenas uma tentativa de representar o ato físico de andar, mas também sua observação, compreensão e toda atividade linguística relativa a esse conceito. Então, sabendo que temos um suporte neuronal para nosso conhecimento de uma ação e que os esquemas-x são uma forma de representar esse suporte, podemos usar esses esquemas para examinar como certas manifestações linguísticas relacionadas à execução de ações podem ser processadas cognitivamente.

De volta ao esquema-x de controle geral, podemos reparar que esse esquema corresponde ao aspecto linguístico (NARAYANAN, 1997; GALLESE & LAKOFF, 2005), de maneira que a estrutura geral da execução de eventos também dá origem às estruturas linguísticas que

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nos permitem direcionar a atenção a algum momento da ação, correspondente a cada um dos nós do esquema geral. Consideramos aqui também o aspecto inerente da ação. Algumas ações, como andar ou respirar, são inerentemente iterativas; outras, como chutar, bater ou morrer, são inerentemente aperiódicas. Narayanan (1997) propõe que expressões aspectuais sejam “dispositivos linguísticos referentes a generalizações esquematizadas que recorrem no monitoramento e controle de processos” (p. 94), como inicialização, interrupção, término, finalização etc. A hipótese é que esses controladores sensório-motores podem estar codificados diretamente em nossa estrutura neural e estar disponíveis para outros processos cognitivos como a interpretação linguística (NARAYANAN, 1997).

Como consideramos que a experiência de vida é um aspecto fundamental para a estruturação da linguagem, assumimos que o ser humano recorre a estruturas cognitivas que codificam sua compreensão de ações e eventos quando se depara com informação linguística descrevendo esse tipo de fenomêno. Os esquemas-x no modelo descrito serão nossa forma de analisar o processamento de eventos no corpus.

Além das ferramentas gerais da Linguística Cognitiva, precisamos também de um suporte teórico para a análise da narrativa e de sua compreensão. Examinaremos esse aporte teórico a seguir.

Referências

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