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1. Introdução

5.2. Narrativas e a perspectiva cognitiva

5.2.4. Modelos Situacionais

Rolf Zwaan e Gabriel Radvansky (1998) fazem uma revisão de evidências empíricas de que usamos modelos mentais da situação descrita pela linguagem na compreensão de linguagem, sobretudo narrativas. Há dois textos que são precursores importantes que devemos discutir antes de entrarmos na noções apresentadas por Zwaan e Radvansky. O primeiro é a proposta de Johnson-Laird (1980), na qual o autor questiona modelos semânticos baseados em lógica que dissociam completamente o significado das proposições e o mundo. Ele propõe que, em se tratando do estudo do uso de linguagem natural, “[...] a única forma de se dar conta das relações próprias entre palavras, e pelas inferências baseadas nelas, é prover uma especificação de seus sentidos que leva em conta suas relações com o mundo”16 (JOHNSON-LAIRD, 1980, p. 89). No entanto, o modelo proposto por Johnson-Laird, muito influenciado pela lógica e com o objetivo de resolver problemas relacionados à resolução de silogimos, é bastante distante da noção atual de modelo situacional. O segundo texto precursor que discutiremos traça uma relação mais direta com a noção de modelo situacional que usaremos.

O texto de van Dijk e Kintsch (1983) propõe um modelo stratégico de compreensão de discurso, para tanto eles partem de alguns pressupostos (assumptions). Não revisaremos aqui todos eles, mas alguns são importantes para nossos propósitos. Primeiro, o pressuposto construtivista prevê que um indíviduo que testemunha uma situação constrói uma representação mental desta situação. Esse pressuposto também assume que uma pessoa que escuta um relato, também constrói uma representação mental do evento descrito. Esta representação mental é interpretativa, isto é, não apenas um mapeamento dos movimentos e objetos descritos pelo relato. Além disso, ela é processada gradualmente on-line, à medida que as informações são recebidas. Esse processamento e interpretação da informação linguística de entrada é colorida 16 “[...] the only way to account for the proper relations between words, and for inferences based upon them, is by giving a specification of their meanings that include their relations to the world.”

por informações cognitivas internas preliminares, isto é, os conhecimentos e experiências prévias do compreendedor. Esse reconhecimento das experiências do compreendedor é o chamado pressuposto presuposicional do modelo. Finalmente, as informações de entrada, informações preliminares e as interpretações não seguem uma ordem linear de formação, pois, como dito antes, são processadas on-line. Esse processamento é orientado pelo contexto e pelos objetivos do compreendedor na interação, de forma que este reformula suas representações mentais até que construa um modelo satisfatório a partir da informação linguística. Portanto, chamamos esse de prossuposto estratégico do modelo.

Para nossos propósitos, o modelo situacional é uma representação mental do que é descrito pela informação linguística. Ele foi concebido por pressões que surgem quando tentamos explicar a comprrensão linguística além do nível da frase. As respostas fornecidas pelas linguísticas de texto não são satisfatórias para as ciências cognitivas, portanto, um modelo cognitivo de como o leitor mantém uma representação coerente do texto que vai além da soma das sentenças (VAN DIJK; KINTSCH, 1983; GARROD; SANFORD, 1990). Cabe ressaltar que afirmar o processamento de informação linguística exige um mecanismo de modelagem semântica – neste caso, um modelo situacional – não implica na ausência de mecanismos de parsing e processamento da informação linguística em si. Entendemos que a linguagem tem uma função representacional, mas ainda assim processar as palavras em si também é cognitivamente necessário. Contudo, os modelos situacionais são um modelo que representação semântica, ele pressupõe uma representação situacional em conjunção a uma representação baseada no texto (ZWAAN; RADVANSKY, 1998). Ressaltamos também que, mesmo que o indivíduo construa modelos situacionais de situações testemunhadas de outra forma – como testemunhar algo presencialmente ou em um filme – (VAN DIJK; KINTSCH, 1983), vamos nos ater à informação linguística.

É importante distinguir o modelo situacional de um frame. Um frame é uma estrutura cognitiva construída pela detecção de invariâncias para representar situações estereotípicas, uma média de toda a experiência com um conceito. Um modelo situacional é a representação de uma situação específica. Isto é, frames são conceitos e modelos situacionais são instâncias. Além disso, modelos situacionais são construídos pela conjunção dos frames que correspondem à experiência prévia do compreendedor, segundo o pressuposto presuposicional (VAN DIJK; KINTSCH, 1983; ZWAAN; RADVANSKY, 1998). Por exemplo, o frame EMBOSCADA é um modelo genérico de situações de emboscada baseado nos elementos mais frequentes e evidentes que um indivíduo observou em sua experiência. Um modelo situacional de uma emboscada é um modelo mental de uma situação específica, com seus participantes e características particulares. Considerando nosso corpus, à medida que os jogadores escutam a fala do narrador, eles não somente decodificam a informação linguística como também constroem um modelo mental

dinâmico da situação descrita, mapeando a sequência temporal de eventos em vários espaços, as relações causais entre eventos, interações físicas e sociais entre os personagens, convenções sociais etc. (VAN DIJK; KINTSCH, 1983). Para os autores, as dimensões de espaço e tempo não são o suficiente na recepção da narrativa, o leitor também monitora as intenções e objetivos dos protagonistas, além da sequência causal que perpassa a história. Não somente isso, todas essas dimensões podem ter componentes ressaltados por operações de foregrounding e ser recuperadas como informação armazenada (um autor não precisa descrever uma mesma sala cada vez que a narrativa se afasta dela).

O framework de processamento de Zwaan e Radvansky (1998) para os modelo situacionais prevê três etapas para o modelo, supondo uma pessoa lendo uma narrativa. O modelo é apenas um esboço que permite a análise do fenômeno, sem impor grandes restrições. O modelo atual que é construído quando uma pessoa lê um sintagma ou sentença. A informação desde modelo atual se junta ao modelo integrado, que é construído pela integração dos modelos criados pela leitura das informações linguísticas precedentes. Após o processamento de todo o texto, o modelo que é armazenado na memória de longo prazo é o modelo completo. Os autores também concedem que compreedendores “ruminam sobre uma narrativa e geram inferências adicionais ou desenvolvem modelos inteiramente novos”17 (p. 166), mas não se aprofundam nesse processo por motivos de escopo. Esse framework leva em consideração a noção de foco implícito e foco explícito (GARROD; SANFORD, 1990). Juntos, considera-se que esses dois focos representam o modelo atual do mundo discursivo que o leitor construiu, que corresponde ao modelo situacional integrado. O foco implícito corresponde aos aspectos relevantes da cena em jogo no momento da leitura, que corresponde a vários fatores que dependem da dimensão adotada. Na dimensão temporal, pode ser o evento mais recente; na dimensão de personagem, o ultimo personagem mencionado (ZWAAN; RADVANSKY, 1998). O foco explícito corresponde aos tokens introduzidos no mundo discursivo no momento da leitura, ou seja, ao modelo atual. Trabalharemos com as cinco dimensões situacionais propostas por Zwaan e Radvansky (1998), são elas: “Tempo, espaço, causa, intencionalidade e protagonista”18 (p. 167). Essas dimensões são analisadas com relação a aspectos de figuratividade, atualização e recuperação.

De acordo com os autores, não há evidências forte de que leitores rastreiam informação espontaneamente durante a compreensão, mas são capazes de fazê-lo quando se pede. Falantes tem um problema quando eles devem descrever a organização espacial através da linguagem, devido à dissonância entre a natureza linear da linguagem em relação à natureza não-linear do espaço, o problema de linearização (LEVELT, 1989 apud ZWAAN; RADVANSKY, 1998). Uma estratégia que falantes usam para lidar com esse problema é usar uma descrição de caminho, por 17 “ruminate over a story and generate additional inferences or develop entirely novel models.”

exemplo, guiar uma pessoa por um caminho imaginário para descrever a organização espacial de um apartamento (LINDE; LABOV, 1975). Um aspecto recorrente no rastreamento espacial de espaço pela linguagem é que a figuração tem um papel importante na recuperação de dados espaciais, um preditor consistente é a proximidade entre um objeto no espaço e o protagonista, no modelo atual. Como narrativas tendem a acompanhar os protagonistas, objetos próximos a eles tem uma tendência maior à figura que a fundo e são, portanto, mais acessíveis. Além disso, é mais fácil para leitores integrar informações contínuas – isto é, seguindo a adjacência entre objetos – ao modelo situacional, já que a continuidade permite acesso mais imediato às informações relevantes e lineariza a informação espacial.

Há um grande volume de evidência convergente de que leitores monitoram informação causal (ZWAAN; RADVANSKY, 1998). As relações de causa são postas em evidência pela presença de conectivos de causa, que facilitam a integração de nova informação (apenas quando) ela possui um elo causal com a informação precedente. As relações de causalidade parecem ser realizadas incrementalmente, de forma que o surgimento de um conectivo de causa já induz à realização de inferências pelo leitor (TRAXLER et al, 1997). No entanto, não é necessária a presença do conectivo para que leitores estabeleçam relações de causa entre o modelo integrado e o modelo atual, eles podem conectar sentenças separadas por meio de seu conhecimento de mundo. Em nossos termos, se a rede de frames que descreve os eventos descritos nas sentenças o permite, o modelo integrado é atualizado na dimensão causal pelo modelo atual durante a leitura. Não deixando de lado que fatores das outras dimensões podem permitir que o leitor faça inferências preditivas sobre a rede causal no modelo situacional devido ao princípio pressuposicional, ou deduza uma consequência que não seja expressa de forma explícita (VAN DIJK; KINTSCH, 1983; ZWAAN; RADVANSKY, 1998). Além disso, como relações causais implicam que um evento seja necessário para que outro ocorra, de forma que relações causais se sustentam em distâncias maiores na leitura, por estarem associadas a objetivos (TRABASSO et al., 1989). Quando novos eventos ocorrem, leitores buscam explicar o evento com base em informação conhecida ou conhecimento de mundo, como vários fatores podem motivar um evento e um fator motivante pode influenciar vários eventos, representações de relações causais geram uma estrutura em rede (TRABASSO et al., 1989; ZWAAN; RADVANSKY, 1998).

Quanto à intencionalidade muitas ações, estados e eventos descritos em narrativas são relacionados a estruturas de objetivos. O comportamento humano é direcionado a objetivos, portanto leitores podem usar procedimentos gerais para explicar o comportamento humano descrito em narrativas (ZWAAN; RADVANSKY, 1998). As inferências que o leitor realiza com relação à hierarquia de objetivos dos personagens também estão relacionadas com as inferências de causalidade, a motivação de um personagem pode ser o catalisador da ação de outro personagem. Um objetivo sendo a busca por uma situação desejável (ex. vencer uma corrida) ou por evitar uma situação indesejável (ex. não ser reconhecido por um ex-chefe),

a estrutura de objetivos dos personagens pode explicar os eventos gerados por suas ações e suas ações em resposta a eventos. Desta forma, intencionalidade está diretamente relacionada à causalidade e à dimensão de protagonistas (TRABASSO et al., 1989). Muitas ações e eventos em narrativas estão associados a objetivos, seja como parte de uma estrutura de objetivos, seja como obstáculos para um objetivo. Desta forma, uma hierarquia de objetivos é uma ferramenta organizacional importante para a compreensão de eventos narrativos. Como apenas personagens animados (ou, pelo menos, dotados de algo como uma consciência) são capazes de construir e manter redes motivacionais, leitores tendem a monitorar informações de protagonista muito bem (ZWAAN; RADVANSKY, 1998).

De acordo com Zwaan e Radvansky (1998), pouco se sabe sobre o processamento cognitivo de informação temporal na linguagem. No entanto, existe informação sobre a semântica temporal. Uma forma de se aumentar a figuratividade do tempo na linguagem é o uso de marcadores temporais, eles tornam a relações temporais explícitas e, portanto, a colocam em primeiro plano. No entanto, a ausência de marcadores temporais parece permitir ao leitor a inferência de que eventos descritos em frases contíguas pertencem a um mesmo intervalo de tempo. De forma que, sequências de eventos não marcadas parecem deixar a informação de eventos precedentes mais disponível que o uso de marcadores (BESTGEN; VONK, 1995 apud ZWAAN; RADVANSKY, 1998). A presença de marcadores pode sinalizar inicialmente ao leitor uma mudança no “bloco” de tempo. Outro fenômeno relacionado é que leitores pressupoem que a ordem de narração dos eventos é a ordem que eles ocorrem, a presença de um marcador temporal pode quebrar esse pressuposto default na compreensão.

Munidos das ferramentas teóricas necessárias, passamos em seguida à análise da narrativa no corpus.

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