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1. Introdução

5.2. Narrativas e a perspectiva cognitiva

5.2.1. Estrutura da narrativa

Lakoff e Narayanan (2010) discutem aspectos de várias dimensões da estrutura narrativa. Usaremos, em nossa análise, as dimensões identificadas por esses autores.

Sabemos que narrativas compartilham características entre si. Cada narrativa não é uma criação totalmente nova e completamente independente. A narrativa é uma forma convencional, transmitida culturalmente. Vários estudiosos já tentaram examinar as semelhanças estruturais e temáticas entres as narrativas. Campbell (1948), num estudo inspirado pela psicanálise, observou um grande conjunto de elementos estruturais, sequenciais e temáticos em mitos, contos de fada e contos populares de todo o mundo. Propp (1968), numa análise mais estruturalista, compôs uma lista de “funções” narrativas, baseado na análise de centenas de contos de fada russos indexados na lista de tipos de contos do estudioso finlandês Antti Aarne. O índice de Aarne foi revisado por outros estudiosos, notavelmente por Stith Thompson e Hans-Jörg Uther. O resultado dessas

categorizações resultou na classificação Aarne-Thompson-Uther de contos populares, que pode ser encontrada online12. Rumelhart (1975) propôs um sistema de gramáticas para narrativas baseado em um conjunto de regras e operações lógicas.

Segundo Lakoff e Narayanan (2010), narrativas possuem uma estrutura organizacional básica de alto nível: papéis genéricos do plot (Protagonista, Antagonista, etc.), um fundo narrativo (ou estado inicial), uma complicação, um evento principal, uma resolução e, às vezes, uma moral (esse componente estrutural explicíto não deve ser confundido com os sistemas morais que subjazem a narrativa). Essa ordem corresponde à lógica conceptual do plot, mas seus elementos podem se manifestar de forma diferente em uma narrativa contada em um contexto, desde que a sequência de eventos seja encadeada de forma a construir uma narrativa (RUMELHART, 1975). Por exemplo, um jornal pode adiantar o protagonista, a complicação ou a resolução de acordo com a importância de cada um para a notícia. Plots mais específicos preenchem os componentes da narrativa com componentes mais específicos (comédia, drama, romance etc.), com alterações dos papéis dramáticos e reações emocionais específicas que se espera incitar, isto é, os papéis e conflitos que integram a narrativa são altamente convencionais (BRUNER, 1991; LAKOFF & NARAYANAN, 2010).

Uma narrativa complexa possui uma estrutura composicional onde vários esquemas de plot são encadeados de formas diversas. A forma mais convencional de dessa estrutura é o padrão em que cada plot ocorre em sequência, de forma que uma subnarrativa precede a seguinte. Outras organizações envolvem subnarrativas concorrentes, subnarrativas motivadoras, subnarrativas prenunciativas e subnarrativas modificadoras. Chamar os vários plots que compõem a narrativa de “subnarrativa” exige reforçar que a narrativa como um todo segue a lógica conceptual do esquema de plot, de forma que o plot é tanto um componente de uma narrativa complexa como também uma narrativa em si. Desta maneira, podemos considerar um plot como uma narrativa mínima, que segue a estrutura de alto nível mencionada. Esse modelo, proposto por Lakoff e Narayanan (2010), permite a compreensão de narrativas como uma sequência encadeada de

plots.

Complementamos essa discussão chamando atenção para uma distinção que iremos utilizar em nossa análise. Um plot pode ser visto tanto como um elemento conceptual estrutural quanto como uma instância de um elemento da narrativa. Em nossa análise, usaremos a expressão “esquema de plot” para se referir ao elemento conceptual, isto é, a estrutura genérica que permite categorizar certas sequências narrativas como equivalentes. Usaremos o termo plot para se referir a uma instância específica em um contexto. Por exemplo, na narrativa do corpus, o narrador introduz um plot em que os personagens dos jogadores devem escoltar uma carroça até uma outra cidade, este plot é estruturado por um esquema de plot ESCOLTA, que pode ser 12. http://www.mftd.org/index.php?action=atu , acesso em: 3/3/2018.

instanciado de maneiras diferentes em contextos diferentes.

5.2.2. Substrato conceptual de uma narrativa

Um outro aspecto das narrativas é o que Lakoff e Narayanan (2010) chamam de motif structure, com o termo motif significando “Uma ideia dominante ou recorrente em um trabalho artístico”13. Um motif é um elemento recorrente em narrativas, muitas vezes integrado a uma cultura. O folclorista Stith Thompson compilou uma lista de motifs comuns às histórias populares de vários locais do mundo, com base na categorização de contos de Antti Aarne. Com base neste índice, adotaremos a perspectiva de que motifs são conceitos mínimos recorrentes em narrativas. Exemplos incluem o DIABO, o INTERESSE ROMÂNTICO, RESSURREIÇÃO, DRAGÃO, a ARMA SECRETA e o HERÓI, além de conceitos relacionados. Motifs trazem consigo esquemas de plot específicos, e podem evocar outros motifs, como, por exemplo, a MADRASTA CRUEL pode evocar a figura de uma CINDERELA, que por sua vez evoca a figura do PRÍNCIPE. Tipos convencionais preenchem papéis de certos tipos, ajudando os processos de inferência na construção de sentido da narrativa. Narrativas também podem sofrer variações dos seus elementos, como mudança de perspectiva em um plot convencional ou a alteração do tema de um dado papel dramático. Apesar de uma narrativa descrever um evento ou sequência de eventos em particular, os elementos particulares da narrativa são preenchidos graças aos padrões genéricos de alto nível (BRUNER, 1991), tal que esses elementos genéricos (plots e motifs) servem como andaime para a compreensão. Devemos ressaltar que Lakoff e Narayanan são vagos em sua descrição dos motifs e sua função. Usamos aqui a lista de Thompson e as observações de Propp (1968) sobre a diferença entre motifs e temas como um apoio para termos uma definição esclarecida desses conceitos neste trabalho. Desta forma, no contexto deste trabalho, considera-se motif um conceito básico recorrente em narrativas em uma ou várias culturas. Podemos ver pelos exemplos que os motifs poderiam ser divididos com maior granularidade (em arquétipos, eventos etc.), no entanto, no âmbito deste trabalho, usaremos apenas a definição ampla supracitada. Uma rede de motifs forma um tema. Logo, o motif é a unidade básica na construção da estrutura temática de uma narrativa.

Narrativas normalmente possuem uma dimensão moral e sistemas morais estruturam narrativas, no sentido de que eles orientam inferências e expectativas na compreensão da narrativa. Heróis devem triunfar, vilões devem ser punidos e outros tipos de expectativas segundo o tipo de narrativa. Metáforas conceptuais são centrais para a constituição de sistemas morais e para projetar narrativas em situações cotidianas (LAKOFF & NARAYANAN, 2010). Os sistemas morais da narrativa estão além do escopo desse trabalho. Para uma revisão de metáforas morais 13 A dominant or recurring idea in an artistic work. (Fonte: Oxford Living Dictionaries. https://

e sistemas morais ver Lakoff (2002, 2008b).

Outro aspecto que contribui para a construção de narrativas é o que Lakoff e Narayanan (2010) chamam de “teorias populares”14. Teorias populares são conhecimento experiencial de como situações funcionam. Pessoas possuem uma ideia intuitiva, mesmo que incorreta ou nebulosa, do funcionamento do mundo ao seu redor. Teorias populares ajudam o indivíduo a inferir possibilidades no dia a dia. Por exemplo, em nossa experiência de vida, nós construímos uma compreensão intuitiva da gravidade. Muito antes de aprender sobre as leis da física na escola, uma criança já entende que objetos caem, possuem peso, descrevem um movimento parabólico se arremessados etc. Teorias populares como essas são prevalentes e variadas, podendo ter origem na experiência sensório motora (o exemplo da gravidade acima) ou na experência sócio- cultural (ex., remédios populares). Segundo os autores, culturas e subculturas se diferenciam com base no conjunto de teorias populares que adotam. Teorias populares também auxiliam o leitor a inferir a organização dos elementos em uma situação. Quando um indivíduo lê algo que faz referência a um experiência desconhecida por ele, ele pode tentar preencher as lacunas em seu conhecimento com uma hipótese aproximada baseada em seu conhecimento.

Teorias populares constituem uma compreensão intuitiva formada para responder às necessidades que surgem na experiência com um conceito, uma espécie de preenchimento por default intuitivo. Motifs são conceitos compartilhados em uma cultura pela recorrência de aspectos narrativos. Sendo assim, eles possuem funções opostas no sentido em que os frames ativados pelos motifs estão associados ao lugar-comum, enquanto as teorias populares são um mecanismo que preenche as lacunas no conhecimento de um indivíduo. Por outro lado, ambos possuem um caráter cultural, pois teorias populares também são o resultado da internalização de informação não-investigada, adquirida socialmente (por exemplo, remédios populares, superstições etc.). Esses dois elementos trabalham em conjunto para construir uma rede de conceitos coerente para a compreensão da narrativa.

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