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1. Introdução

5.1.3.5. Esquemas de Ação

Feldman (2006) propõe um modelo neural para a execução de ações de alto nível, baseado no que se conhece sobre o funcionamento neuronal de ações reflexivas, como o reflexo patelar. O funcionamento desse reflexo é bem conhecido, de forma que ele pode ser descrito com um bom nível de detalhe de forma diagramática, mostrando os caminhos axonais pelos quais os sinais para a contração e extensão dos músculos envolvidos passam. No nível de processamento de informação, esse circuito envolve uma conexão mais direta entre neurônios sensores e motores, o que o torna mais rápido que circuitos mais complexos que utilizam circuitos do cérebro. No entanto, a modelagem dessas ações mais complexas não necessita de esquemas de imensa complexidade, já que podemos modelar apenas a atividade coordenada pelo cérebro, sabendo

que, num nível mais baixo, circuitos de ação reflexiva dão conta da parte motora final.

Um exemplo disso são os esquemas de ação que o autor propõe para as várias formas de andar de um gato. Os esquemas são versões mais abstratas de controladores baseados em ciclos de controle e feedback. No caso do andar do gato, Feldman apresenta dois esquemas, um para a marcha e um para o trote, ambos contendo controles para cada uma das patas. No trote, a pata dianteira direita (RF, na Figura 1) e a pata traseira esquerda (LH) suportam o animal, alternando para as patas dianteira esquerda (LF) e traseira direita (RH) em um ciclo que se repete. Já na marcha, o ciclo consiste em contato simultâneo com o solo de LF e LH, seguido de contato de RF e RH. O trabalho do cérebro na execução desses esquemas é simplesmente a detecção do parâmetro de velocidade para escolher o esquema correspondente à velocidade do movimento. O controle do movimento propriamente dito fica a cargo de circuitos motores inferiores (como os do reflexo patelar).

Figura 1 – Modelo computacional do modo de andar do gato .

Fonte: Adaptado de FELDMAN (2006, p.164)

O modelo de aprendizado de linguagem proposto por Feldman tem como elemento central o uso de parâmetros para caracterizar ações. Observamos as várias formas de andar, mas não

sabemos diretamente quais músculos são utilizados ou quais os padrões de ativação envolvidos, mas podemos conscientemente apontar características como velocidade e direção da ação. Não podemos confirmar se esses diagramas reproduzem fielmente os circuitos neurais responsáveis pelas ações. Eles são úteis por dois motivos: primeiro, eles permitem realizar previsões precisas, sendo avaliados em testes de simulação computacional e/ou experimentos neurológicos. Segundo, por descreverem esquemas de execução (doravante, esquema-x11), uma forma de representar a ação, com suas etapas e parâmetros, inspirada no conhecimento que se tem sobre a representação cortical de controle motor de alto nível, satisfazendo restrições computacionais gerais para modelagem de atividade neural (NARAYANAN, 1997). Os diagramas não têm a intenção de reproduzir todo o aparato neuronal envolvido, mas de mapear todo o comportamento do sistema. Os diagramas na Figura 1 podem ser vistos “como rotinas simples para controlar as formas de andar do gato e simuladas para mostrar como funcionam” (FELDMAN, 2006, p. 165). Esses diagramas possuem um nível de detalhamento suficiente para controlar robôs e esse tipo de notação é usada para esse tipo de propósito.

Os esquemas de ação podem ser desenhados com um nível maior ou menor de granularidade, segundo o nível de especificidade que se deseja alcançar. Um esquema-x pode contemplar desde o nível mais alto da parametrização até o papel dos circuitos reflexivos. No entanto, em sua tese de doutorado, Narayanan (1997) descobriu que todos os esquemas motores de alto nível compartilham uma mesma estrutura básica, que consiste em (FELDMAN, 2006, p. 230): • Entrar num estado de preparação

• O estado inicial

• O processo de iniciação

• O processo principal (instantâneo ou prolongado) • Uma opção de parar

• Uma opção de recomeçar

• Uma opção para iterar ou continuar o processo principal • Verificar se o objetivo está completo

• Um processo de término 11. Executing Schema ou X-schema

• O estado final

O esquema-x de controle geral é mostrado na Figura 1. O processo é o elemento central desse esquema. Qualquer ação que possa ser descrita por um esquema-x pode ser inserida no nó de processo do esquema – isso inclui ações recursivas como andar, instantâneas como arremessar algo ou mesmo ações estáticas como dormir. Com isso em mente, e reparando que o esquema oferece possibilidades para preparar, iniciar, cancelar, interromper, reiniciar, terminar e ter a ação completada, podemos apontar também que esse mesmo controle pode ser usado para descrever ações mais abstratas, como criticar, apostar, ignorar etc.

Figura 2 – O esquema-x de controle geral

Fonte: Adaptado de FELDMAN (2006, p. 231)

Sabendo que, na LCC, o sentido de um indexador linguístico são os circuitos neurais que mapeiam a experiência que aquele indexador denota, o sentido do elemento linguístico “andar” é a rede de neurônios que suportam o ato de andar. Dessa forma, o esquema-x ANDAR não é apenas uma tentativa de representar o ato físico de andar, mas também sua observação, compreensão e toda atividade linguística relativa a esse conceito. Então, sabendo que temos um suporte neuronal para nosso conhecimento de uma ação e que os esquemas-x são uma forma de representar esse suporte, podemos usar esses esquemas para examinar como certas manifestações linguísticas relacionadas à execução de ações podem ser processadas cognitivamente.

De volta ao esquema-x de controle geral, podemos reparar que esse esquema corresponde ao aspecto linguístico (NARAYANAN, 1997; GALLESE & LAKOFF, 2005), de maneira que a estrutura geral da execução de eventos também dá origem às estruturas linguísticas que

nos permitem direcionar a atenção a algum momento da ação, correspondente a cada um dos nós do esquema geral. Consideramos aqui também o aspecto inerente da ação. Algumas ações, como andar ou respirar, são inerentemente iterativas; outras, como chutar, bater ou morrer, são inerentemente aperiódicas. Narayanan (1997) propõe que expressões aspectuais sejam “dispositivos linguísticos referentes a generalizações esquematizadas que recorrem no monitoramento e controle de processos” (p. 94), como inicialização, interrupção, término, finalização etc. A hipótese é que esses controladores sensório-motores podem estar codificados diretamente em nossa estrutura neural e estar disponíveis para outros processos cognitivos como a interpretação linguística (NARAYANAN, 1997).

Como consideramos que a experiência de vida é um aspecto fundamental para a estruturação da linguagem, assumimos que o ser humano recorre a estruturas cognitivas que codificam sua compreensão de ações e eventos quando se depara com informação linguística descrevendo esse tipo de fenomêno. Os esquemas-x no modelo descrito serão nossa forma de analisar o processamento de eventos no corpus.

Além das ferramentas gerais da Linguística Cognitiva, precisamos também de um suporte teórico para a análise da narrativa e de sua compreensão. Examinaremos esse aporte teórico a seguir.

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