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Diálogo institucional entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário para uma Previdência Social efetiva

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MELQUIADES PEIXOTO SOARES NETO

DIÁLOGO INSTITUCIONAL ENTRE O PODER EXECUTIVO E O PODER JUDICIÁRIO PARA UMA PREVIDÊNCIA SOCIAL EFETIVA

NATAL 2019

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MELQUIADES PEIXOTO SOARES NETO

DIÁLOGO INSTITUCIONAL ENTRE O PODER EXECUTIVO E O PODER JUDICIÁRIO PARA UMA PREVIDÊNCIA SOCIAL EFETIVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Mestra em Direito.

Orientador: Professor Doutor Artur Cortez Bonifácio

NATAL 2019

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Sonho que se sonha só É só um sonho que se sonha só Mas sonho que se sonha junho é realidade (Prelúdio – Raul Seixas)

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela minha saúde e capacidade de realizar este sonho.

A Jéssica, minha esposa, amiga e companheira, com quem divido as minhas angústias, vitórias e de quem retiro força e poder de viver a vida da melhor forma. A sua compreensão e paciência, certamente, me inspiraram e me motivaram a chegar até aqui.

Ao meu filho Heitor, quem me trouxe uma noção de amor na sua mais profunda simplicidade e intensidade, a quem dedico todas as minhas conquistas. Reconheço profundamente o sacrifício da minha ausência, mas certo de que nos momentos de contato o amor mais sincero prevalece.

A minha mãe, guerreira, que me trouxe a base para ser quem eu sou, de quem tenho eterno agradecimento e lembrança. Há um espaço eterno em meu coração para você, não importa a ausência física.

Á Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na figura dos seus funcionários, inclusive os docentes, incluindo o meu orientador, Artur Cortez Bonifácio, pela oportunidade de me aperfeiçoar profissional e pessoalmente, utilizando-me da estrutura e dos conhecimentos integrados neste ambiente democrático e livre.

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RESUMO

Este trabalho investiga a necessidade de um ambiente dialógico, prévio ao processo judicial, entre os poderes Executivo e Judiciário na discussão de questões relacionadas à aplicação e garantia de benefícios materiais decorrentes do direito à Previdência Social. Em um primeiro momento, pela historicidade dos direitos fundamentais, se evidencia a aplicação dos Direitos Fundamentais como um elemento essencial para as garantias mínimas de igualdade e liberdade, onde se insere a Previdência Social, como o Direito Social Fundamental. Em um segundo momento, apresenta-se o comportamento de autodefesa da Administração Pública Previdenciária, de modo a sobrepor o interesse econômico ao interesse público, de forma essencial, eliminando garantias mínimas, tanto na proposição de reformas legislativas quanto na aplicação das normas vigentes Por outro lado, essa conduta motiva a massificação dos conflitos sociais sobre os serviços envolvidos, superando o poder judiciário das ações que tratam da análise do direito aos benefícios e suas implicações, superando, assim, a velocidade diante da efetividade processual, que no final, não resolve os conflitos, mas apenas cumpre o papel inicial da atividade jurisdicional em dar uma decisão à sociedade. Em um terceiro momento, se apresenta o palco de reformas previdenciárias como elemento empírico que demonstra tanto a conduta autodefensiva do Executivo, como a sobreposição da celeridade processual em face da efetividade, por parte do Judiciário. Por fim, defende-se a criação de um instrumento de relação entre as duas funções estatais já mencionadas, utilizando-se como exemplo, os Centros de Inteligência da Justiça Federal, tratando as questões de forma estratégica e preventiva Como metodologia, desenvolve-se levantamento bibliográfico e análise de dados fornecidos pelo Governo Federal, utilizando o método dedutivo. Diante do modelo descrito, em conclusão, propõe-se criar um espaço prévio de discussão entre o Judiciário e o Poder Executivo, no que se refere à Previdência Social, bem como a integração por representantes da sociedade, para discutir a aplicação das normas, inclusive reformas, evitando a ocorrência de conflitos sociais, bem como garantindo a eficácia das decisões judiciais que possam vir a lidar com os conflitos que surgiram.

Palavras-chave: Poder Judiciário. Poder Executivo. Direito Previdenciário. Diálogo. Efetividade

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ABSTRACT

This dissertation investigates the need for a dialogical environment, prior to the judicial process, between the Executive and Judiciary powers in the discussion of issues related to the application and guarantee of material benefits deriving from the right to Social Security. At first, due to the historicity of fundamental rights, the application of Fundamental Rights is evidenced as an essential element for the minimum guarantees of equality and freedom, which includes Social Security, such as Fundamental Social Law. In a second moment, the self-defense behavior of the Social Security Public Administration is presented, so as to override the economic interest to the public interest, essentially eliminating minimum guarantees, both in the proposition of legislative reforms and in the application of the rules in force. On the other hand, this conduct motivates the massification of social conflicts over the services involved, overcoming the judiciary power of actions that deal with the analysis of the right to benefits and its implications, thus surpassing the speed in the face of procedural effectiveness, which in the end does not resolve conflicts, but only fulfills the initial role of judicial activity in giving a decision to society. In a third moment, the stage of social security reforms is presented as an empirical element that demonstrates both the self-defensive conduct of the Executive, and the overlap of procedural speed in the face of effectiveness, by the judiciary. Finally, we defend the creation of an instrument of relationship between the two state functions already mentioned, using as an example, the Federal Justice Intelligence Centers, addressing the issues in a strategic and preventive way. bibliographic analysis and data analysis provided by the Federal Government, using the deductive method. Given the model described, in conclusion, it is proposed to create a prior space for discussion between the judiciary and the executive branch, with regard to Social Security, as well as the integration by representatives of society, to discuss the application of the rules, including reforms, avoiding the occurrence of social conflicts, as well as ensuring the effectiveness of judicial decisions that may deal with the conflicts that have arisen.

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SUMARIO

1 – INTRODUÇÃO ... 10 2. PREVIDÊNCIA SOCIAL. LIBERDADE E IGUALDADE: DEFINIÇÃO DO QUE MOVE AS FUNÇOES EXECUTIVA E JUDICIAL DO ESTADO NESTE VIÉS ... 13 2.1 – DEFININDO A ESSÊNCIA DA PREVIDÊNCIA COMO DIREITO SOCIAL: LIBERDADE E IGUALDADE ... 13 2.2. PREVIDÊNCIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL, PORTANTO, INAFETÁVEL POR RETROCESSOS ... 20 2.3 – PODER JUDICIÁRIO E PREVIDÊNCIA SOCIAL. NECESSIDADE DE UMA FUNÇÃO SATISFATIVA, NÃO SOMENTE CONFIRMADORA ... 27 2.4 – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PREVIDENCIÁRIA E SUA POSIÇÃO DE AUTOMANUTENÇÃO E DEFENSIVIDADE ... 36 2.5 – A FINALIDADE QUANTITATIVA DO JUDICIÁRIO E A AUTODEFENSIVIDADE DO EXECUTIVO COMO FUNDAMENTOS DA INEFETIVIDADE DA PREVIDÊNCIA SOCIAL ... 44 3. A REFORMA DA PREVIDÊNCIA E O SEU FUNDAMENTO ECONÔMICO EM SOBREPOSIÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA E À SUA FINALIDADE ... 59 3.1 OS FUNDAMENTOS DA ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA ... 59 3.2 – A REFORMA DA PREVIDÊNCIA E O AUMENTO DA JUDICIALIZAÇÃO: O CASO DA “ALTA PROGRAMADA” E CESSAÇÃO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ ... 67 3.3 – O PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO – PEC 06/2019 E O FUNDAMENTO DE ORDEM ECONÔMICA EM SOBREPOSIÇÃO AOS DIREITO FUNDAMENTAIS ... 76 4 – A RELAÇÃO ENTRE O PODER JUDICIÁRIO E O PODER LEGISLATIVO EM FACE DA PREVIDÊNCIA SOCIAL: INSTRUMENTOS, MECANISMOS E SOLUÇÕES ... 83 4.1 – A SERIEDADE DOS SINAIS DE INSTABILIDADE ENTRE AS FUNÇÕES LEGISLATIVA E JUDICIÁRIA NO TRATAMENTO DE CONFLITOS RELACIONADOS À PREVIDÊNCIA SOCIAL ... 83 4.2 – O DESENVOLVIMENTO DE INSTRUMENTOS DE APROXIMAÇÃO DOS PODERES EXECUTIVO E JUDICIÁRIO NA CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA DE PREVIDÊNCIA SOCIAL: UMA QUESTÃO DE EFETIVIDADE ... 85 4.3 – A INTEGRAÇÃO DO JUDICIÁRIO NO CONSELHO DE NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL E A PREVENÇÃO DE CONFLITOS SOCIAIS ... 90 4.4 – A CRIAÇÃO DE CENTROS DE INTELIGÊNCIA E A ELABORAÇÃO DE DIRETRIZES DE PADRONIZAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA ... 101 5 – CONCLUSÃO ... 105 BIBLIOGRAFIA ... Erro! Indicador não definido.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AGU Advocacia Geral da União APS Agência da Previdência Social

BMPI Bônus Especial De Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade

CEJ Centro de Estudos Judiciários CF Constituição Federal

CJF Conselho da Justiça Federal CNJ Conselho Nacional de Justiça

CNPS Conselho Nacional da Previdência Social CPC Código de Processo Civil

CPS Conselho da Previdência Social DCB Data de Cessação do Benefício DOU Diário Oficial da União

DPU Defensoria Pública da União FMI Fundo Monetário Internacional

GDASS Gratificação de Desempenho da Atividade do Seguro Social IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -

IMA Idade Média de Acervo

INSS Instituto Nacional de Seguridade Social

IRDR Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas IRES Índice de Resolutividade

IUJ Incidente de Uniformização de Jurisprudcência

LTCAT Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MP Medida Provisória

MPS Ministério da Previdência Social OAB Ordem dos Advogados do Brasil PEC Proposta de Emenda Constitucional PIB Produto Interno Bruto

PPP Perfil Profissiográfico Previdenciário RE Recurso Extraordinário

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RGPS Regime Geral de Previdência Social RPPS Regime Próprio de Previdência Social RPS Regulamento da Previdência Social RPV Requisição de Pequeno Valor STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TCU Tribunal de Contas da União

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1 INTRODUÇÃO

A Previdência Social é um dos direitos fundamentais de maior relevância frente à realidade brasileira.

A proteção do indivíduo em face dos riscos sociais, é essencial em um país com grande extensão geográfica e que enfrenta problemas de desigualdade, os quais são reconhecidos já em palco constitucional, quando há o comprometimento em “erradicar a pobreza e a marginalização”.

Neste sentido, a Previdência Social possui um papel de conferir ao cidadão um status mínimo de igualdade e liberdade, para que sejam evitadas e combatidas situações de marginalização social, permitindo que o indivíduo, além de uma vida digna, possua um caráter produtivo, para que haja a solidariedade em relação aos demais atores sociais.

Para a efetividade deste direito tão relevante para a garantia digna do cidadão, faz-se necessária a harmonização das funções estatais, no sentido de convergir para dar ao cidadão, pela universalidade e distributividade, as prestações materiais decorrentes do sistema previdenciário.

Contudo, a realidade brasileira vem apresentando um outro panorama, em especial quando se trata da relação entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Não se trata da concessão pura e simples das prestações materiais, mas sim do desenvolvimento do procedimento administrativo, até a construção de uma decisão, bem como a forma que esse ato administrativo será tratado em uma relação processual no âmbito jurisdicional.

Só no ano de 2017, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS pagou cerca de R$ 92 bilhões em aposentadorias, auxílios-doença, Requisições de Pequeno Valor (RPV), precatórios e outros benefícios concedidos ou reativados pela Justiça. O valor representa 15,1% do total de R$ 609 bilhões que foram desembolsados pelo órgão ao longo do ano passado para pagamento de benefícios.

Ademais, o INSS posiciona-se como um dos maiores demandados na Justiça Brasileira. No ano de 2016, a Justiça Federal recebeu cerca de 3,8 milhões de novas demandas, o que corresponde a 13% do total de demandas novas que entraram na Justiça Brasileira. Deste total, cerca de 57,9% questionavam decisões do INSS, o que equivale a 2.224.760 novos processos.

Os dois números apresentados, utilizados na pesquisa realizada no presente trabalho, demonstram que a condução da análise do direito às prestações

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previdenciárias, tanto pelo Poder Judiciário, como pelo Poder Executivo, vem se desenvolvendo de forma exclusivamente repressiva.

Junte-se a isto a possibilidade de promulgação, ainda este ano, da Proposta de Emenda Constitucional – PEC nº 06/2019, que traz profundas modificações no sistema previdenciário brasileiro, com o intuito de economizar cerca de um trilhão de reais em dez anos, limitando o acesso as diversas prestações previdenciárias sob o manto de proteção do Erário.

Individualmente, cada uma das funções possuem campos de discussão estratégica para a definição dos planos de trabalho no que se refere aos conflitos sociais decorrentes do pleito à Previdência Social. No INSS este espaço é o Conselho da Previdência Social – CPS, enquanto no âmbito da Justiça Federal, o Centro de Inteligência.

Só que esses espaços trabalham questões internas, de funcionamento da administração previdenciária e do processo judicial previdenciário e, o pior, de forma repressiva.

Ademais, conforme será demonstrado, no que se refere à Administração Previdenciária, as discussões visam a redução de gastos e desenvolvimento de teses defensivas no que se refere às demandas previdenciárias. Já no âmbito jurisdicional, a celeridade se sobrepõe à satisfatividade, tornando o processo judicial previdenciário desumanizado e automático, o que, por sua vez, prejudica a efetividade da prestação jurisdicional.

Na presente pesquisa, o que se busca é a análise de um espaço de discussão integrado tanto pelo INSS, como pelo Poder Judiciário, a tratar questões que reduzam a massificação das demandas previdenciárias, assim, simplificando o serviço de análise do direito às prestações e tornando a política pública de Previdência Social mais efetiva.

O espaço proposto versa sobre o desenvolvimento estratégico de padrões administrativos e procedimentais, utilizados tanto no âmbito do INSS, como no âmbito jurisdicional, visando evitar indeferimentos sem a análise do mérito, no âmbito administrativo, ou concessões e negativas desvinculadas em face da análise administrativa.

A construção de um Centro de Inteligência integrado tanto pelo Judiciário como pelo INSS, bem como a composição do Conselho, no âmbito administrativo, pelo Poder Judiciário, seriam ferramentas interessantes para o estabelecimento

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deste ambiente dialógico, permitindo a interpretação harmônica dos critérios de concessão dos benefícios e do desenvolvimento do procedimento de análise.

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2 PREVIDÊNCIA SOCIAL. LIBERDADE E IGUALDADE: DEFINIÇÃO DO QUE MOVE AS FUNÇOES EXECUTIVA E JUDICIAL DO ESTADO NESTE VIÉS

Este capítulo se dedica a extrair do direito fundamental à Previdência Social, os dois valores mínimos que devem ser preservados em qualquer tipo de modificação ou supressão de instrumentos reguladores da referida política pública, quais sejam: igualdade e liberdade.

Constata a existência destes valores, direciona-se para as condutas pelas quais os poderes Judiciário e Executivo devem se pautar, na preservação de tais elementos, o que é fundamental para justificar a harmonia na relação institucional entre estas duas funções, de forma a permitir um vetor comum de atuação, que é a garantia de dignidade do cidadão.

2.1 DEFININDO A ESSÊNCIA DA PREVIDÊNCIA COMO DIREITO SOCIAL: LIBERDADE E IGUALDADE

É fundamental para a realização de um estudo acerca dos Direitos Sociais, que seja analisada a evolução do gênero ao qual esta categoria de direitos pertence, os Direitos Fundamentais. Neste sentido, a historicidade é elementar para a construção do conteúdo dos Direitos Sociais, evidenciando-se o panorama em que houve o seu reconhecimento e sistematização, bem como de onde adveio esta espécie, frente aos mais diversos anseios sociais e necessidades dos indivíduos da comunidade.

Os Direitos Fundamentais não advieram de uma ação imediata, de uma ruptura dogmática em absoluto, mais de um processo de evolução constante, de um progresso pensante, de geração para geração, havendo interdependência e complementação no seu procedimento de evolução, até chegarmos até o momento atual. Segundo Bobbio1:

(...) os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando há o aumento do poder do homem sobre o homem (...) ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para as suas indigências

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Muito bem, é essencial ter em mente que os Direitos Fundamentais tem o seu surgimento sob a base da limitação da atuação do Estado, retirando deste ente abstrato a prerrogativa de limitação ordinária da vida do indivíduo, passando-se para uma função de observador e gerenciador social, ou seja, dando ao súdito o direito mínimo de controle da sua própria vida, obedecendo um ordenamento de deveres básicos para não haver ofensa aos direitos dos demais integrantes da sociedade.

Sobre o assunto, João dos Passos Martins Neto2 leciona com

propriedade:

Nesse sentido, os direitos fundamentais cumprem um papel de estruturação do sistema político segundo uma lógica específica, a da restrição substantiva do poder, sobretudo em relação à sua função legislativa. Compreender o alto significado dessa dimensão estruturante supõe então considerar o percurso que vai do Estado Absoluto ao Estado Limitado e, dentro deste, do Estado Liberal ao Estado Social.

Além da abstenção do Estado, os Direitos Fundamentais atribuem ao ente estatal um dever de prestação positiva, com base em uma atuação social, sob o pilar da igualdade material e da dignidade humana. Diante deste conteúdo essencial dos Direitos Fundamentais, ou melhor, da sua finalidade, passa-se a análise histórica propriamente dita.

Os Direitos Fundamentais partem de uma ideia de racionalidade do homem, como ser incompleto, buscando sua completude com a vivência real, construindo-se e descontruindo-se a partir dos seus sentidos e da linguagem, em um processo evolutivo constante e dinâmico, mudando a si mesmo e o ambiente onde vive.

Sendo assim, o homem vira o objeto de estudo do próprio homem, eleva-se a razão acima da divindade e, pela primeira vez, a crença é ultrapassada para um viés filosófico. Desenvolve-se o conceito mais ético do que divino, causando uma aproximação entre os homens e o desenvolvimento e disseminação do conhecimento. A este período, compreendido entre os séculos VIII a II a.C., atribui-se a terminologia de “período axial”3.

2 MARTINS NETO, João dos Passos. Direitos fundamentais: conceito função e tipos. São Paulo: RT, 2003, p.98.

3 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 8ª Edição, 2013, São Paulo, p. 14.

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Na antiguidade greco-romana, ainda que houvesse o entendimento de igualdade entre os homens, como direito fundamental, não se atribuía essa igualdade em um patamar material, mas apenas formal e, ainda, não se aplicava este direito em favor de todos os membros da sociedade, mas apenas de uma parte privilegiada, sendo prevalente a escravidão e divisão em castas: “somente os cidadãos da Pólis podiam usufruir da igualdade perante o direito (Isonomia), da mesma liberdade da palavra (Isogoria) e do mesmo respeito (Isotomia)”4. Contudo,

apesar desta ideia geral, defendia-se a existência de um direito natural à igualdade, o qual não poderia ser sobreposto pelo direito posterior, não sendo por este derrogado ou modificado. Por sua vez, este direito natural decorria da essência do homem, isto é, do seu interior, independentemente da carcaça, o que tornava a igualdade aplicável a todos os indivíduos dos mais diversos povos, independentemente de nacionalidade, raça, sexo, cultura etc5.

A lei (nomos) tinha papel fundamental nas ações estatais, sendo que a sua existência e a participação popular na atuação do Estado eram os pilares do governo ateniense no século V a.C.. Além disso, o governo tinha ampla participação popular, com o julgamento dos crimes mais graves praticados pelos Governantes pelo próprio povo, em assembleias (Ekklésia), além do controle exercido por este através da formulação de ações ou denúncias pela infração da lei ou mesmo da inobservância da constituição da Cidade (politeia).

Já a República Romana teve êxito na limitação dos poderes estatais por meio da complexidade do seu sistema de divisão governamental, integrado pelos Cônsules, pelo Senado e Pelo povo. Os primeiros exercendo o poder Monárquico, os segundos o poder Aristocrático e os terceiros o Poder Democrático, em junção dos regimes políticos ditados por Aristóteles e Platão.

De ver-se que, historicamente, a ideia inicial de necessidade dos Direitos Fundamentais se deu entre os séculos XI a X a.C., com o reino unificado de Israel, sob o comando de David. Diferentemente dos governos absolutos da época, David vinha não como o monarca absoluto que ditava as leis para legitimar o seu poder

4 CARVELLI, Urbano; SCHOLL, Sandra. Evolução histórica dos Direitos Fundamentais: da antiguidade até as primeiras importantes declarações nacionais de direitos. Revista de Informação Legislativa: v. 48, n. 191 (jul./set. 2011), p. 169.

5 Neste sentido, conceituando negativamente a essência ou substância, afirma Aristóteles como

substância “o que não é predicado de um sujeito, pois é dela, bem ao contrário, que tudo mais é predicado”: em Metafísica, Livro Z, 3, 1029 a, 5-10.

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sobre os súditos, mas como o governante que se submetia às leis divinas, as quais pregavam a humanidade e limitação, ainda que protótipa, dos poderes do rei6.

Embora houvesse este pensamento inicial de igualdade, advindo de um estado natural, anterior à constituição da própria sociedade, o que ocasionava uma impossibilidade de prevalência do direito vigente em relação a esta prerrogativa natural, a legislação grega e romana não trazia previsões de Direitos Fundamentais, os quais serviriam como limitadores da atuação estatal. Ironicamente, a ausência de limitação do poder do Estado, por meio dos Direitos Fundamentais, foi o que motivou o surgimento destes, desenvolvendo uma visão do ente estatal como inimigo precípuo da liberdade do cidadão7.

Na Idade Média, o Cristianismo teve um papel decisivo para a construção de um conceito do Direito integrado por valores subjetivos, como a moral. As determinações inseridas pela religião no Direito influíram na configuração de um ideal de liberdade e igualdade dos homens perante Deus, pois são a semelhança deste. Desenvolve-se, ainda, no período medieval, um juízo de adequação entre a determinação natural de igualdade e as determinações posteriores, racionalmente inseridas pelo homem na sociedade, de forma que a incompatibilidade da norma posterior ocasionaria a sua exclusão.

O desenvolvimento deste conceito de pessoa humana ganha alargamento com o pensamento de Kant, com a ideia de que somente a pessoa, como ser racional, é capaz de se submeter a todas as leis que dela mesma partem, sendo um fim em si mesmo e fonte de onde emanam tais determinações. Ademais, para o alcance ético, é imperiosa a consideração não só do alcance da felicidade própria mas, sendo a comunidade humana um fim em si mesmo, é imperioso o reconhecimento da felicidade alheia, saindo-se de um juízo puramente de abstenção, no sentido de não prejudicar ninguém, para um juízo de importância do outro8.

O ser humano é o único ser capaz de guiar a suas ações a partir de valores, desenvolvidos com a relação com outros indivíduos e com objetos, sendo

6 COMPARATO, idem, p. 36.

7 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. Malheiros Editores, 8ª Edição, 2007, São Paulo, p.40.

8 KANT, Immanuel. Metafísica dos Costumes. Editora Vozes,; tradução [primeira parte] Clélia Aparecida Martins, tradução [segunda parte] Bruno Nadai, Diego Kosbiau e Monique Hulshof. – Petrópolis, RJ: Vozes ; Bragança Paulista, SP : Editora Universitária São Francisco, 2013. – (Coleção Pensamento Humano), p. 42.

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os Direitos Fundamentais direcionados à defesa e garantia destes valores mais relevantes para a personalidade.

Contudo, a cedência da soberania popular (governo ateniense) e do complexo sistema de controle do poder governamental, pela iniciação dos governos imperiais de Alexandre Magno, a partir do século IV a.C., faz surgir o início da Idade Média. Inicialmente, em especial pelos valores clássicos e cristãos a semente da proteção e garantia da liberdade do indivíduo se manteve viva, contudo, o seu desenvolvimento sofreu um sério retrocesso diante do surgimento do feudalismo.

Contudo, o desrespeito à liberdade e propriedade engendraram as primeiras manifestações contrárias ao regime autoritário partido do sistema feudal, que foram as Declarações da Corte de Leão de 1188 e a Magna Carta de 1215.

A partir do século XVII, viveu-se um período de profunda construção do Estado absoluto, principalmente pelos ideais de Thomas Hobbes e Jean Bodin. Essa construção serviu de base para a fundamentação do ideal liberal do século seguinte, que culminou no desenvolvimento do Estado abstencionista e no aperfeiçoamento da igualdade formal.

Por sua vez, a igualdade mantida em um patamar meramente formal, mais que provocar e efetivar a isonomia, traduz-se em mais desigualdade, pois, associada ao papel abstencionista estatal, deixava a sociedade em um ambiente de liberdade quase absoluta, não permitindo que o Estado materialmente fornecesse os meios de acesso e equiparação dos indivíduos, permitindo a ascensão daqueles de origem em classes sociais mais baixas, ou mesmo com algum elemento de desigualdade (pessoas com deficiência, pessoas idosas, etc).

Esta situação provoca, portanto, um ambiente de estagnação dos indivíduos, que, sob a falácia da igualdade perante a lei, não possuíam uma igualdade no plano material, que lhe fornecesse o mesmo ambiente e as mesmas oportunidade de acesso às camadas mais providas da sociedade.

Considerando a desigualdade fomentada pela aplicação extrema e isolada do ideário liberal, surge a necessidade de reconhecer e regular a intervenção do Estado em algumas situações em que a sua abstenção manteria um status de desigualdade.

A necessidade de intervenção do Estado se torna ainda mais evidente com a Revolução Industrial, considerando a massificação das relações de trabalho e a ocorrência maior de eventos justificantes de uma proteção previdenciária e/ou

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assistencial. Admitia-se a prevalência de jornadas de trabalho extenuantes, bem como condições do ambiente laboral totalmente desumanas, sem que houvesse qualquer proteção por parte do Estado, o que demonstra que a igualdade formal levada às últimas consequências, na realidade, provoca a precarização da própria igualdade e a dominação do homem pelo homem (homo homini lupus)9.

Neste sentido, como informa Sarlet10:

O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização de justiça social. A nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, na lapidar formulação de C. Lafer, de propiciar um “direito de participar do bem-estar social

Esta precarização, sem a devida proteção estatal, ocasionava um ambiente de insegurança social tremendo, onde os submissos, em geral aqueles que possuíam menos recursos financeiros, bem como com grau de instrução reduzido, os quais dependiam da realização de trabalhos braçais e de força, ficavam a mercê dos empresários e grandes proprietários que, diante da necessidade do trabalho para a sobrevivência de tais indivíduos, estabeleciam de forma unilateral e abusiva as condições de trabalho. Sem interferência do Estado, eram muito comuns situações de estigma e vulnerabilidade social.

No geral, o direito à Previdência se firma justamente na necessidade de proteção do indivíduo frente aos riscos sociais, como aqueles inesperados ou inevitáveis. Ao garantir este ambiente de proteção, o Estado, de forma preventiva, aloca o segurado em um campo mínimo de proteção onde, mesmo submetido a um risco social, mantém uma situação de subsistência básica, uma situação digna.

Como leciona Frederico Amado11:

É preciso que o Estado proteja o seu povo contra eventos previsíveis, ou não, aptos a causar a sua miséria e intranquilidade social, providenciando recursos para manter, ao menos, o seu mínimo existencial e, por conseguinte, a dignidade humana, instituindo um eficaz sistema de proteção

9 Expressão utilizada por Plauto (254-184 a. C.) em sua obra “Asinaria” e popularizada por Thomas Hobbes.

10 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2007, p. 47.

11 AMADO, Frederico. Curso de direito e processo previdenciário - 9. ed. rev., ampl. e atuai. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 29.

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social. Eventos como o desemprego, a velhice, a morte, a prisão, a infância, a doença, a maternidade e a invalidez poderão impedir temporária ou definitivamente que as pessoas laborem para angariar recursos financeiros visando atender às suas necessidades básicas e de seus dependentes, sendo dever do Estado Social de Direito intervir quando se fizer necessário.

Revisitar o patamar histórico dos Direitos Fundamentais, a partir de sua historicidade, permite extrair da sua essência duas garantias mínimas, a igualdade e a liberdade, mas não em um sentido meramente formal, mas sim material, de forma a construir e preservar o mínimo existencial, como elemento essencial da dignidade humana12.

Garantir ao cidadão, em qualquer situação, uma proteção mínima, para permitir a manutenção da sua dignidade, nada mais é do que proteger a igualdade e liberdade.

A partir desta proteção, é que se mantém o status de cidadão de qualquer membro social, até a sua extinção pela morte. A participação, a existência, a dignidade e o respeito, devem ser valores que o Estado busca a todo momento como gestor social, é justamente isto que caracteriza o aspecto fundamental desses direitos13.

A este respeito, é necessário observar que, com o advento da CF/88, o Brasil adere ao entendimento internacional de proteção aos direitos humanos, não só garantindo tal grupo, como também desenvolvendo mecanismos de proteção, como no caso dos remédios constitucionais14.

Como bem trata Barroso15:

O Estado constitucional de direito gravita em torno da dignidade da pessoa humana e da centralidade dos direitos fundamentais. A dignidade da pessoa humana é o centro de irradiação dos direitos fundamentais, sendo frequentemente identificada como o núcleo essencial de tais direitos.15 Os direitos fundamentais incluem: a) a liberdade, isto é, a autonomia da vontade, o direito de cada um eleger seus projetos existenciais; b) a igualdade, que é o direito de ser tratado com a mesma dignidade que todas as pessoas, sem discriminações arbitrárias e exclusões evitáveis; c) o mínimo existencial, que corresponde às condições elementares de educação, saúde e renda que permitam, em uma determinada sociedade, o

12 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 562

13 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 178

14 BONIFÁCIO, Artur Cortez. O Direito Constitucional Internacional e a proteção dos direito fundamentais. São Paulo. Método. 2008, p.45

15 BARROSO, Luis Roberto. Da falta de efetividade à judicialização efetiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Biblioteca Digital do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 2007, Minas Gerais, p.4,

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acesso aos valores civilizatórios e a participação esclarecida no processo político e no debate público

Portanto, o Estado deve levar a sério cada indivíduo, a partir da historicidade dos Direitos Fundamentais, da sua fonte evolutiva e do seu patamar atual. Se desprender da ideia de automanutenção como atividade estatal primária e engedrar toda a sua força na garantia de dignidade dos indivíduos, nem que isso demande uma atividade hercúlea16.

2.2 PREVIDÊNCIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL, PORTANTO, INAFETÁVEL POR RETROCESSOS

Observada a definição da essência dos Direitos Fundamentais, especificamente dos valores que são indissociáveis da existência desta categoria de direitos, cabe estabelecer, neste momento, qual o vetor de atuação do ente estatal no que se refere ao Direito à Previdência Social, bem como a expressão da liberdade e igualdade neste elemento da Seguridade Social.

Os Direitos Sociais referem-se à questões básicas que integram e perfectibilizam a dignidade humana, através de um contorno, sobre este fundamento, de “mínimo social”17 ou “mínimo existencial”18, abrangendo valores

econômicos, sociais e culturais19.

Acerca do mínimo existencial, preceitua Marcelo Novelino20:

O ‘mínimo existencial’ consiste em um grupo menor e mais preciso de direitos sociais formado pelos bens e utilidades básicas imprescindíveis a uma vida humana digna. Na formulação e execução das políticas públicas, o ‘mínimo existencial’ deve nortear o estabelecimento das metas prioritárias do orçamento. Somente após serem disponibilizados os recursos necessários a sua promoção é que se deve discutir, em relação ao remanescente, quais serão as demandas a merecer atendimento.

A Seguridade Social é erigida ao patamar de Direito Humano, integrando a Declaração Universal dos Direitos Humanos21. Outras normas internacionais

16DWORKIN, R. 2002. Levando os Direitos a Sério. São Paulo, Martins Fontes, p. 568. 17 RAWLS, J. Uma teoria da justiça. Oxford: Oxford University, 1980, p. 50.

18 BOROWSKI, M. La estructura de los derechos fundamentales. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2003

19 Na dicção da CF/88: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição

20 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Método, 2008, p. 375/376.

21 Artigo 22: Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e

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estabelecem o caráter de Direito Fundamental da Seguridade Social, como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), bem como a Declaração Sociolaboral do Mercosul e do Convênio Ibero-Americano de Seguridade Social22.

É preciso estabelecer a Previdência Social no seu devido lugar, justamente para fundamentar o papel do Estado, através dos seus poderes/funções, na proteção inabalável deste direito.

Inicialmente é preciso rememorar que a Previdência Social é um dos elementos que integram a Seguridade Social, a qual abrange um tripé, também integrado pela Saúde e Assistência Social. A seguridade social, nas palavras de Ibrahim23:

A seguridade social pode ser conceituada como a rede protetiva formada pelo Estado e por particulares, com contribuições de todos, incluindo parte dos beneficiários dos direitos, no sentido de estabelecer ações para o sustento de pessoas carentes, trabalhadores em geral e seus dependentes, providenciando a manutenção de um padrão mínimo de vida digna.

Neste sentido, a Seguridade Social se revela como “o reconhecimento pelo Estado de determinados valores, com são os princípios da justiça distributiva e da segurança jurídica, bem como a regra da boa-fé na produção e na aplicação do direito24

Não há como negar, assim, que a Previdência Social age em ambientes de desigualdade e de ofensa à liberdade do indivíduo25, em seu aspecto material.

Ora, não há como prever as intemperes da vida, as mazelas sociais. Mesmo o indivíduo mais precavido, mais coerente e razoável nos cuidados com a sua própria existência, pode ser vítima de um risco social, ainda que previsível, mas incerto.

recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

22 SCHWARZ, Rodrigo; FLORENCIO THOMÉ, Candy. Vedação ao Retrocesso e Seguridade Social: a Proteção da Segurança e da Confiança, a Reserva do Possível e a não Regressividade em Matéria de Direitos Fundamentais Sociais. Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social, 2017, p. 03. 2. 10.21902/2525-9865/2016.v2i2.1222.

23 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário.20ª ed. – Rio de janeiro: Impetus, 2015, p. 5.

24 NEVES I. das. Crise e reforma da segurança social: equívocos e realidades. Lisboa, Chambel, 1998, p. 131.

25 TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário: regime geral de previdência social e regras constitucionais dos regimes próprios de previdência social. 13. ed. rev. e ampl. e atual. Niteroi, RJ: Impetus, 2011, p. 111.

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22

Este é justamente o ponto em que a Previdência Social entra em cena. Não há como evitar os risco sociais, mas há como combater ou mitigar os respectivos efeitos, garantindo ao cidadão a manutenção da sua existência social26

mesmo em uma situação de instabilidade na sua vivência. Não por outra razão, o art. 201 da Constituição Federal define eventos que são, em sua maioria, incertos, sendo que os que possuem uma certeza maior, são inevitáveis, como a velhice e a morte.

Sendo a Previdência um direito social, portanto, de segunda geração, esta não se identifica com a garantia de igualdade perante a lei, mera igualdade formal, importando em superação da igualdade jurídica advinda do liberalismo, determinando, efetivamente, uma atuação estatal, positiva e direta no seio da comunidade27.

A Previdência Social interfere na relação do indivíduo com o risco social, o qual impede o auto sustento do cidadão através do trabalho. A proteção se torna mais incidente em situações em que o próprio trabalho do cidadão provoca riscos além dos comuns para a sua vida, integridade física ou saúde, ou mesmo nas situações em que o cidadão, mesmo sendo portador de uma deficiência, permanece no exercício de atividade laboral.

Nestes casos, a Previdência estabelece uma flexibilização28 dos

requisitos, permitindo, por exemplo, a concessão de aposentadoria em tempo menor e com mais vantagens (ex: não incidência do fator previdenciário).

É importante estabelecer, portanto, em face da Previdência Social, um papel determinante para a manutenção da sociedade. O humano tem existência temporal limitada e se submete a uma série de riscos na sua vivência social. Alocar o Estado distante deste fato, em uma posição liberal, abstencionista, é retroceder para ao século XVIII e negar toda a evolução do constitucionalismo e dos Direitos Fundamentais.

26 AIRES FILHO, Durval. Direito Público em Seis Tempos Teóricos Relevantes e Atuais. Florianópolis: FUNJAB, 2014, p. 162.

27 BARRETO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Direitos fundamentais sociais: estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.129

28 É o que se observa do art. 201, §1º, da Constituição Federal: É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

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Nos dias atuais, a vivência comprova que a relação do Estado com a Previdência Social é eminentemente conflitiva, se firmando em uma separação por um “escudo” relacionado a um fator econômico.

É dizer, põe-se em primeiro plano a manutenção da estrutura estatal, em submissão a um segundo plano integrado pelo indivíduo submetido a um risco social. Em poucas palavras, condiciona-se a legalidade/legitimidade da Previdência à eficiência/eficiência econômica29. Nas palavras de Cláudia Maria da Costa

Gonçalves30:

Ora, o que a sociedade pode esperar razoavelmente, no que concerne aos serviços sociais e bens que lhes sejam disponibilizados, condiciona-se, de um lado, ao grau de desenvolvimento econômico social do país e, de outro, às opções políticas realizadas tanto pelos poderes públicos quanto pela sociedade civil. Cuidando-se de país economicamente desenvolvido, que tenha optado por políticas sociais baseadas no modelo Institucional Redistributivo, o princípio aqui estudado aproxima-se da universalização. Noutros termos: satisfeitas as necessidades básicas de todos, os serviços sociais vão se generalizando para o conjunto da sociedade. Tal possibilidade, hoje, é mais restrita, considerando-se tanto os condicionantes fiscais quanto – e sobretudo – os influxos do neoliberalismo (...).

E não só isso. A conduta estatal no que se refere à execução da Previdência, e aqui especifica-se a fala volvendo-se para o Poder Executivo, sofre a incidência de organizações econômicas e de grande influência no mercado financeiro, provocando medidas de austeridade fiscal, mitigação de gastos sociais e condução de fatores econômicos em decisões políticas e, inclusive, judiciais31.

Esse ambiente de constante “emergência econômica”32 é fértil para a

instituição executiva de medidas que retrocedem os Direitos Sociais, em especial a Previdência, com a criação de mecanismos que dificultam o acesso á proteção previdenciária, bem como reduzem o campo de proteção estabelecido inicialmente.

A partir deste ambiente, os Direitos Sociais são desentrincheirados, alocando-se em uma situação de vulnerabilidade e, portanto, sendo o primeiro alvo de medidas de restrição econômica estatal.

29 MORAIS, J. L. B. de. Crises do Estado, democracia política e possibilidades de consolidação da proposta constitucional. In: CANOTILHO, J. J. G.; STRECK, L. L. Boletim da Faculdade de Direito STVDIA IVRIDICA, p. 89 – Entre Discursos e Culturas Jurídicas. Universidade de Coimbra. Coimbra, 2006, p. 22.

30 GONÇALVES, Cláudia Maria da Costa. Direitos Fundamentais Sociais: releitura de uma Constituição Dirigente. Curitiba: Juruá, 2006. 199

31 MORAIS, J. L. B. de. As crises do Estado e da Constituição e a transformação espacial dos direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 29.

32 BERCOVICCI, G. Constituição e estado de exceção permanente. Atualidade de Weimar. Rio de Janeiro: Azougue, 2004. p. 179.

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24

Em sua maioria, as restrições e mitigações propostas se firmam no postulado do equilíbrio financeiro-atuarial, o qual, inclusive, é elencado pela própria Constituição Federal, assim como a necessidade de prévia fonte de custeio33. Esse

postulado, contudo, como de forma brilhante esclarece José Antonio Savaris, é um “imediatismo de feição utilitarista que se manifesta na redução ou sacrifício atual de direitos e pessoas desfavorecidos em favor da maximização do bem-estar coletivo”34.

Como Direito Fundamental, é preciso observar a Previdência Social em face da vedação do seu retrocesso, em conjunto com a sua historicidade, como proposto no capítulo anterior. Ora, uma conquista regada por lutas e dificuldades, resultado de toda uma evolução histórica que perpassou, inclusive, por duas grandes guerras, deve ser considerada como fator determinante para a manutenção do bem estar social.

Obviamente, as adequações poderão ser propostas de acordo com a evolução social, afinal de contas, a sociedade muda o Direito. Não é o aparato estatal sancionador que, incidindo sobre a sociedade faz com que, de forma imediatista, haja mudanças, mas a vontade social que dita o ritmo das oscilações provocadas pela norma35.

Acerca da proibição do retrocesso, assevera Barroso36:

Por este princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser arbitrariamente suprimido. Nessa ordem de ideias, uma lei posterior não pode extinguir um direito ou garantia, especialmente os de cunho social, sob pena de promover um retrocesso, abolindo um direito fundado na Constituição. O que se veda é o ataque à efetividade da norma, que foi alcançado a partir de sua regulamentação. Assim, por exemplo, se o legislador infraconstitucional deu concretude a uma norma programática ou tornou viável o exercício de um direito que dependia de sua intermediação, não poderá simplesmente revogar o ato legislativo, fazendo a situação voltar ao estado de omissão legislativa anterior

33 Art. 195, §5º, da CF: Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

34 SAVARIS, José Antonio. Uma teoria da decisão judicial da Previdência Social: contributo para superação da prática utilitarista. 2010. Tese (Doutorado em Direito do Trabalho) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 103. doi:10.11606/T.2.2010.tde-25082011-161508. Acesso em: 2018-11-08.

35 WEBER, Max. O direito na economia e na sociedade. Trad. Marsely de Marco Martins Dantas. 1ª Ed. São Paulo: Ícone, 2011, p. 41

36 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 2.ed. Rio de Janeiro : Renovar, 2001, p. 158-159

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Neste ambiente, não se defende que a Previdência Social seja blindada contra mudanças, inclusive aquelas que possam adequar o sistema de prestações materiais (benefícios) de acordo com as peculiaridades do momento em que o Estado vive, é dizer, no aspecto econômico.

Ocorre que estas mudanças tem de ser a última ratio, o ponto sensível a ser tocado somente em caso de imprescindibilidade, de não haver outra solução, mas não ficar a mercê de uma constante crise econômica que só vem a afetar, no seu combate, os indivíduos submetidos aos maiores riscos sociais e de forma mais constante, ou seja, aqueles que estão nas classes sociais mais baixas.

É preciso compreender a previdência como essencial, mas não como um ônus que o Estado tem de arcar por herança de uma Constituição adjetivada como cidadão por medo ou exagero em face do regime anterior. Tão essencial é este escopo de proteção que a maior parte da sociedade é atingida pelos seus efeitos.

Há, portanto, o impedimento de desconstituição de conquistas no que se refere aos Direitos Fundamentais, em especial os Sociais37, admitindo-se mudanças,

de acordo com as peculiaridades do momento social e econômico vivenciado pela comunidade. Mas que fique claro que essas mudanças devem ser imprescindíveis e a última saída para o reequilíbrio econômico, político e institucional do Estado.

O caráter de imprescindibilidade e de exaurimento de outros meios de combate à situação de crise se justifica pela íntima relação que a vedação do retrocesso, no âmbito dos Direitos Sociais, tem com os princípios do Estado Democrático e Social de Direito; da dignidade humana; da máxima eficácia e efetividade das normas constitucionais; da proteção dos direitos adquiridos, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada; da proteção da confiança e da segurança jurídica38.

A proibição do retrocesso, neste sentido, se vincula diretamente ao ideal do constitucionalismo dirigente, como corolário da garantia da igualdade material, combatendo as desigualdades e efetivando, ao máximo, os Direitos Sociais39.

37 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais, 1. ed., 2. tir. 2002, Brasília Jurídica, p. 127- 128

38 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2007, 457-460

39 CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2006

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Embora a proibição do retrocesso não possua previsão expressa, é fato que este princípio decorre do sistema jurídico constitucional, assim como a dignidade da pessoa humana. Neste sentido, entende-se que se uma lei, ao “regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido”40.

Assim, a conduta estatal deve observar o vetor de aperfeiçoamento e evolução da Previdência Social, garantindo a sua universalidade, de forma cada vez mais abrangente, não permitindo situações de mitigação ou redução de garantias materiais prestacionais. Este deve ser o vetor interpretativo e executivo do Estado, mas não o de enxergar a Previdência Social como problema e o primeiro ponto a ser tratado, e sim reservar eventuais mudanças neste campo apenas para situações inevitáveis e drásticas.

A vedação do retrocesso se aplica, em especial, no âmbito de atuação do Estado em suas funções Executiva e Legislativa. A vedação emite efeitos em face da competência legislativa estabelecida no art. 21, XXIII, da Constituição Federal, ao estabelecer a competência legislativa privativa da União no que se refere à Seguridade Social.

Assim, na regulamentação do sistema de Seguridade Social, o que inclui a Previdência Social, o Estado não poderá, através de norma infraconstitucional, estabelecer o enrijecimento ou piora do status aquisitivo de prestações previdenciárias, isto é, estabelecer requisitos mais dificultosos para o alcance dos benefícios, ou mesmo para a sua manutenção.

Obviamente, essas modificações poderão ocorrer em casos extremos de imprescindível mudança para fins de combate à situação atípica de crise financeira e atuarial do sistema.

Ocorre que no momento atual o Estado brasileiro não vem observando a necessidade de imprescindibilidade das mudanças em face da Previdência Social, adotando condutas que dificultam o acesso do segurado à proteção previdenciária, sem tomar todas as medidas estritamente necessárias para o combate da crise do sistema, o que poderia mitigar ou mesmo desconsiderar essas mudanças.

40 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 5.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 158

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Esta atuação do ente estatal força a atividade criativa e concretista do Poder Judiciário, indo além da jurisdição constitucional propriamente dita, mas atuando em situações individuais através do alargamento da proteção previdenciária, inobstante vedação legal ou conduta negativa da Administração Pública, ou mesmo interpretando normas previdenciárias em favor do segurado. Institui-se, portanto, um ambiente de conflito, de embate entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, o que prejudica o funcionamento institucional das duas funções referidas, bem como o segurado, o qual acaba por ter no Judiciário uma figura de confirmador ou verificador do seu direito em face do Regime Geral de Previdência Social.

2.3 PODER JUDICIÁRIO E PREVIDÊNCIA SOCIAL. NECESSIDADE DE UMA FUNÇÃO SATISFATIVA, NÃO SOMENTE CONFIRMADORA

Os contornos atuais da processualística civil, a qual abrange o processo previdenciário, não mais admitem a função jurisdicional como uma mera ferramenta de resolução de conflitos, solucionando a lide em limites particulares.

Na realidade, a decisão judicial, seja em que sentido for, sempre possui um escopo social41, que se fundamenta essencialmente na própria finalidade da

existência do Estado, que é conferir a paz social, de forma a permitir a coexistência dos indivíduos, não livres, em termos absolutos, dos conflitos, mas capazes de solucioná-los reafirmando a convivência harmônica em sociedade, através de um poder que é uno, dotado de imperatividade, instrumentalizado por funções42.

Ao Poder Judiciário não cabe a expressão da tutela jurisdicional de forma isolada das partes, mas sim a construção da decisão judicial por meio de uma conduta cooperativa, através daquele que representa a jurisdição estatal, que é o juiz, e dos demais sujeitos que integram a relação processual, o autor e o réu.

A cooperação na construção da resposta jurisdicional confere uma maior legitimidade e satisfatividade da atividade do Poder Judiciário, pois o desenvolvimento de uma decisão judicial proveniente da atuação e, portanto, da

41ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 31ª Ed., Malheiros Editores, São Paulo, 2015, p. 46.

42 DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Novo Processo Civil, 3ª Ed. – São Paulo, Malheiros Editores, 2018, p. 77.

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28

ciência de todos os afetados pelos seus efeitos, lhe fornece uma maior aceitabilidade.

Uma decisão judicial proferida distante da relação processual, do interesse e da ciência dos afetados, não soluciona o conflito, mas apenas o camufla43.

A interpretação, neste sentido, parte de uma atuação conjunta, na reconstrução do significado e dos conceitos estabelecidos pela norma jurídica. Como enfatiza Marinoni44:

Interpretar significa adscrever sentido a um texto ou a elementos não textuais da ordem jurídica, o que implica necessariamente o reconhecimento de sentidos mínimos com que as palavras são utilizadas, a valoração das razões que militam a favor e contra a adoção de determinados sentidos e a efetiva decisão entre os significados concorrentes. A norma jurídica é o resultado da interpretação, não o seu objeto. Isso quer dizer que o empreendimento normativo é um empreendimento interpretativo que depende de reconstrução de significados a partir do trabalho do legislador, do juiz e da doutrina.

A sociedade, portanto, influencia diretamente na fabricação da decisão judicial, que possui um papel mais do que solucionador, no que se refere aos conflito, mas, essencialmente, um papel reconstrutivo, do Direito e da própria sociedade45.

Ao se deparar com um conflito, o Poder Judiciário tem em suas mãos uma situação de crise.

Em matéria de Direitos Fundamentais esse papel se torna ainda mais relevante, na medida em que se faz essencial uma concepção democrática de poder46, no que se refere à atividade jurisdicional, permitindo a participação das

parte e de toda a sociedade na resposta a esta crise.

Na fundamentação da decisão judicial não se examina de onde advieram os argumentos/fundamentos ou mesmo as provas. O que se observa é um conjunto de fatos e alegações que estabelecem na relação processual uma construção fictícia

43 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Os Princípios do direito processual civil na constituição de 1988. In: ______. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 243

44 MARINONI, Luis Guilherme. Novo Curso de Processo Civil: teoria do processo civil, volume 1, 3ª Ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2017, p.34.

45 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, parte geral e processo de conhecimento. 19ª Ed., Salvador: Jus Podivm, 2017, p. 620.

46 TARUFFO, Michelle. A motivação da sentença civil. Tradução de Daniel Mitidiero, Rafael Abreu, Vitor de Paula Ramos. 1ª ed. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p. 237.

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de uma relação material, transmudada para o processo, porém, não necessariamente absoluta com a realidade. Neste sentido:

A exigência de fundamentação das decisões judiciais, é, por sua relevância, definida pela Constituição como condição de validade do exercício da jurisdição, a fim de, sob diversos aspectos, nortear a atividade jurisdicional em prumo com as normas que constituem o sistema normativo e constitucional, isto é, submetê-la ao Império do Direito47.

A análise dos elementos probatórios e dos fatos se dá de maneira uniforme, concentrada (princípio da unidade da prova), observando mais o interesse social no restabelecimento da situação de paz social do que o conflito das partes propriamente dito. A adoção ou rejeição dos argumentos ocorre, portanto, de forma fundamentada e com base na unidade do plexo de relações fático-probatórias48.

Não por outra razão, o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) traz em seu bojo os princípios da boa-fé e da cooperação, inclusive fornecendo as partes o poder de disposição por meio dos negócios jurídicos processuais (art. 190), fortalecendo e aperfeiçoando a influência de tais sujeitos na configuração da decisão judicial.

Ademais, no sistema de precedentes, ao lado da permissão de improcedência liminar do pedido com base em decisões judiciais integrantes do bloco de precedentes (art. 332), na superação, modificação ou construção do precedente, permite a intervenção direta de sujeitos distintos das partes, mas que representam interesses de parcela da sociedade, garantindo um caráter democrático na configuração do precedente como elemento vinculante.

Permite-se, ainda, a rescisão de sentença ou desconstrução da exigibilidade de título executivo judicial, quando a sentença se funda em norma declarada inconstitucional em sede de controle de constitucionalidade qualificado, difuso ou concentrado, pelo Supremo Tribunal Federal, ou mesmo deixa de aplicar norma declarada constitucional, nas mesmas circunstâncias (art. 525 §§ 12 e 15).

Ao lado de todos os elementos apresentados como indiciários de um processo civil satisfativo e democrático, é de se reconhecer a sua especial finalidade quando se trata do processo judicial previdenciário.

47 MEDEIROS, Marcus Vinícius de. O dever de fundamentação das decisões judiciais e o neoconstitucionalismo. In ROSÁRIO, José Orlando Ribeiro (Org.). Jurisdição, Processo e Decisão Judicial. 1 Ed., Manaus: Elucidar, 2019. p. 63

48 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 4, p. 323-352, 2006. p. 340.

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30

O processo previdenciário versa sobre direitos prestacionais materiais, ou seja, os que se referem às ferramentas de combate e regulação dos riscos sociais, permitindo ao indivíduo a manutenção da dignidade ou mínimo social mesmo em situações de efetivação dos referidos riscos.

O referido processo, instrumentaliza-se a partir da falha ou negativa da Administração Pública em conceder, manter e revisar as prestações postas à disposição do indivíduo, caracterizando um ambiente de ofensa ou perigo de ofensa a um direito, expressando, portanto, uma pretensão jurídica, passível de acionamento da jurisdição.

Frente a relevância do objeto de tais processos, há quem defenda a necessidade do reconhecimento da autonomia do processo previdenciário49, sendo

uma relação processual atípica em face do processo civil comum, pois os direitos postos em análise na referida relação possuem uma importância diferenciada justamente por integrarem o feixe de Direitos Sociais que permitem a manutenção humana do indivíduo em sociedade.

O caráter do processo previdenciário exige ainda mais a adequação da decisão judicial às necessidades de correntes da regulação do direito material posto em análise. Como enfatiza Savaris50:

É justamente a necessidade de alinhamento da função jurisdicional às particularidades da pretensão de direito material que justifica a afirmação de princípios processuais que, oferecendo coerência material às decisões judiciais, propicie resposta adequada às exigências do direito fundamental ao processo justo e se preste ademais como efetivo instrumento de tutela dos direitos fundamentais de proteção social. Em outras palavras, a incompletude ou inadequação da dogmática processual civil para a satisfação dos direitos fundamentais sociais constitui a premissa de que parte a proposta de relativa autonomia do direito processual de proteção social em relação ao direito processual civil clássico.

Diante da relevância do direito posto em análise no processo judicial previdenciário, bem como do dever de cooperação na construção do resultado da relação processual, é dizer, a decisão judicial, é inegável o fato de que esta cooperação é elementos indispensável para o caráter satisfativo da decisão judicial. Inclusive, este elemento não se mostra no âmbito da satisfatividade somente após a

49NETO, M. P. S. O PROCESSO JUDICIAL PREVIDENCIÁRIO, JUSTIÇA QUANTITATIVA E A SATISFATIVIDADE DA JURISDIÇÃO. Revista Digital Constituição e Garantia de Direitos, v. 11, n. 2, p. 77 - 95, 4 abr. 2019.

50 SAVARIS, José Antonio. Direito Processual Previdenciário. 7ª Ed., Alteridade, Curitiba, 2018, p. 47.

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31

sua previsão expressa no aparato normativo do CPC, mas já era amplamente reconhecido no âmbito da doutrina e jurisprudência51.

É preciso enfatizar esse dever de satisfatividade da resposta jurisdicional no processo previdenciário, outrossim, por peculiaridades processuais deste tipo de demanda. Inicialmente, observa-se que a esmagadora maioria das ações previdenciárias se submetem à competência material constitucional da Justiça Federal, uma vez que versam sobre interesse do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS que é uma autarquia federal, portanto, englobando interesse jurídico da União, na forma do art. 109, V, da CF.

Ademais, excluem-se da competência da Justiça Federal, por implicação do mesmo dispositivo constitucional – parte final –, as demandas que versam sobre acidente de trabalho ou sejam de competência especial da Justiça do Trabalho ou Justiça Eleitoral.

Apesar da exceção acerca da competência da Justiça Federal, no que se refere a demanda que trata sobre acidente de trabalho, é fato que a esmagadora maioria das ações previdenciária distribuídas no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, tratam de benefícios de natureza estritamente previdenciária, restando para a justiça estadual, de forma residual, as ações que versam sobre benefícios acidentários, que são a minoria.

De ver-se que estes benefícios, são essencialmente os que tem como fato gerador a incapacidade laborativa, ou as revisões sobre esses benefícios, quais sejam: auxílio-doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez, todos decorrentes de acidente de trabalho, o que inclui doença ocupacional (arts. 42 a 47, 59 a 63 e 86, todos da Lei 8.213/91).

Expressando em forma de números, de acordo com o Relatório Anual “Justiça em Números”, ano-base 2018, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça52, que enumera, dentre outras informações, os cinco assuntos mais tratados

em novas demandas distribuídas em todo o Poder Judiciário, no ano de 2017, no âmbito da Justiça Federal, foram distribuídas 2.010.656 (dois milhões e dez mil, seiscentas e cinquenta e seis) novos processos. Deste total, 1.008.248 (um milhão e oito mil, duzentas e quarenta e oito) demandas versaram sobre Direito

51 SAVARIS, José Antonio; SERAU JÚNIOR, Marco Aurélio, Coordenadores. Os impactos do novo CPC nas ações previdenciárias, LTr, São Paulo, 2016, p. 13.

52 Justiça em Números 2018: ano-base 2017/Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ, 2018, p. 181.

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