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21- A Descida Dos Ideais - Pietro Ubaldi (Volume Revisado e Formatado em PDF para iPad_Tablet_e-Reader)

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P R E F Á C I O ... 1

I. A DESCIDA DOS IDEAIS. ESTRUTURA DO FENÔMENO ... 7

II. A HUMANIDADE EM FASE DE TRANSIÇÃO EVOLUTIVA ... 22

III. O CRÍTICO MOMENTO HISTÓRICO ATUAL. O INÍCIO DE UMA NOVA ERA. ... 32

IV. ENCONTRO COM TEILHARD DE CHARDIN ... 65

V. A EVOLUÇÃO DAS RELIGIÕES ... 124

VI. SINAIS DOS TEMPOS – JEAN PAUL SARTRE ... 131

VII. OS IDEAIS E A REALIDADE DA VIDA ... 146

VIII. DESENVOLVIMENTO DO CRISTIANISMO ... 178

IX. CRISTIANISMO E COMUNISMO ... 193

X. A CRISE DO CATOLICISMO ... 212

XI. PSICANÁLISE DAS RELIGIÕES E ASPECTOS DO CRISTIANISMO ... 230

XII. CIÊNCIA E RELIGIÃO ... 298

XIII. TRABALHO E PROPRIEDADE ... 318

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P R E F Á C I O

Para compreender o significado do presente livro, devemos vê-lo enqua-drado no seio da Obra da qual ele faz parte. Esta é composta de 24 volumes, ligados sucessivamente um ao outro, como anéis de uma cadeia. Cada um deles representa uma fase da construção, um andar, de um edifício único, que constitui a Obra. Tal estrutura não foi premeditada, mas se deveu ao fato de cada volume ter sido vivido pelo autor, que teve representado, no desenvolvi-mento da série, o espontâneo amadurecidesenvolvi-mento de seu pensadesenvolvi-mento e persona-lidade.

Vejamos, pois, em que ponto da Obra se encontra, em relação aos outros, o presente escrito. O termo central dela é o livro O Sistema, preparado pelo volume Deus e Universo, através do qual o leitor é conduzido àquele, ambos completados por A Grande Síntese, que os precede e projeta uma visão mais próxima e acessível, apresentando o aspecto evolutivo do nosso universo. Co-locadas assim as bases teóricas da doutrina, a ideia apresentada em O

Siste-ma é então desenvolvido Siste-mais detalhadamente no volume Queda e Salvação.

Chegando a este ponto, após toda a teoria ter sido exposta, entra-se agora, com os volumes que se seguem, na fase das suas consequências e aplicações. Ela é agora transportada ao terreno prático da sua realização, para controle de sua verdade. Entramos na fase de conclusão da Obra. Assim nasceu o vo-lume Princípios de Uma Nova Ética, que se refere a problemas de moral, psicanálise, personalidade humana etc. A ele segue-se o presente volume, A

Descida dos Ideais, que, por sua vez, aborda o problema religioso, tema

im-portante, pois é através das religiões que se realiza na Terra a descida dos ideais, interessando à vida no seu ponto central: a evolução (a salvação, com o retorno a Deus). Estamos preparando o volume sucessivo a este, Um

Desti-no Seguindo Cristo, Desti-no qual se avança sobre as mais concretas

consequên-cias e realísticas aplicações das teorias básicas, apresentadas na forma vivida por um indivíduo que as aplica, transportando-as para a bancada das experi-ências e das provas da realidade cotidiana, em contato com os fatos, tal como eles se verificam em nosso mundo. Então a visão global das verdades univer-sais é observada novamente, em suas particularidades, transferida para outro nível e dimensão, em função de outros pontos de referência, situados em nosso plano de evolução. Assim, a atual zona de pensamento torna-se complementar da teoria fundamental, pois esta constitui abstração longínqua da realidade

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de nosso mundo, enquanto aquela, pelo contrário, propõe-se a submetê-la a controle experimental, para demonstrar-lhe a verdade. Com Um Destino

Se-guindo Cristo, a segunda Obra vai chegando ao fim.

Os outros volumes, surgidos ao longo do caminho, representam ramifica-ções dos conceitos fundamentais, onde se fazem exposiramifica-ções colaterais exem-plificativas e complementares, para melhor iluminar, detendo-se em proble-mas secundários. Trata-se de digressões que, originadas no tema central, comprovam-no e aprofundam-no, pois ele é o ponto de referência de toda a Obra. O quadro se completa em sentido não só universal, mas também parti-cular, compondo-se de tantos elementos quantos são os vários volumes, liga-dos ao longo da linha de desenvolvimento de um processo lógico “único”, evidenciado pela sua continuidade. Só agora, que estamos no final e abarca-mos com um olhar retrospectivo todo o caminho percorrido, pode aparecer de maneira evidente, sendo possível formar uma visão de conjunto, a unidade fundamental de toda a Obra.

Estes volumes finais, dos quais o presente faz parte, são importantes não só porque derivam de um sistema conceptual orgânico, mas também porque, em de vez de se apoiarem numa doutrina particular, apoiam-se sobres bases posi-tivas e universais, tal como as leis que regem a vida e representam a manifes-tação do pensamento de Deus em nosso plano de evolução. Estas leis existem e, para funcionarem, como de fato sucede, não necessitam absolutamente de nossas opiniões. Elas caminham independentemente das verdades sustentadas por qualquer grupo humano, seja ele partido ou religião, e, indiferentes ao fato de as negarmos ou ignorarmos, continuam sempre funcionando, como podemos verificar. Elas abrangem integralmente a vida, e isto inclui também a vida espiritual, monopolizada pelas religiões. O ponto de referência, portan-to, é sólido, sendo ele visível, atual e objetivamente controlável, sem necessi-dade de mistérios, revelações, fé, reconstruções históricas ou fatos longín-quos. Trata-se de um pensamento sempre presente, que sabe falar e se fazer entender nos fatos, castigando-nos com as suas reações vivas e a sua lógica inflexível.

Somente com tal visão realista, que abarca todos os aspectos da vida, in-cluindo os espirituais, é possível convencer as novas gerações. É com esta finalidade de bem que a usamos e a oferecemos para a salvação dos valores espirituais, apresentando-a numa forma positiva, tal como se exige hoje, para que uma ideia possa ser aceita. Novas correntes de pensamentos estão agora

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amadurecendo rapidamente. O catolicismo, obrigado a se mover, a fim de não ficar abandonado para trás, está chegando em último lugar, ofegante, e apressa-se em atualizar-se. Lançando Concílios, vota neles a favor do princí-pio da liberdade de consciência e procura um diálogo com as outras Igrejas cristãs, abrindo os braços aos irmãos separados, mas só para que eles façam o esforço maior de aproximação em favor da Igreja Católica. Sua ação, as-sim, resume-se a movimentar-se no sentido de salvar a sua posição de domí-nio.

Por outro lado, o autor, a quem não interessa esta luta recíproca pela defe-sa do próprio grupo, vê-se constrangido a resolver seus graves problemas, que são de outra natureza, tratando de solucioná-los por si mesmo. Ele come-ça a pensar, não mais se adaptando a representar, só pelo fato de ser um fiel, o papel da tradicional ovelha do rebanho, obrigado à obediência da autori-dade. Assim não se detém em inúteis dissensões teóricas, mas, pelo contrário, dispõe-se a enfrentar e resolver por sua conta os seus próprios problemas. Pode até achar inoportuno o fato de uma religião, que, ao contrário da ciên-cia, não é competente na matéria, ter de imiscuir-se nos seus assuntos, sem ser consultada. Então, pensa ele, sobre que bases positivas apoia-se a prerro-gativa na qual elas se arrogam o direito de invadir a sua consciência, entran-do num terreno que é dele, onde, portanto, é ilícita qualquer intromissão de estranhos? Para falar com Deus, não se necessita de intérpretes e tradutores. Isto constitui violação de domicílio espiritual. O indivíduo consciente rebela-se contra esta falta de respeito ao rebela-seu direito de pensar rebela-segundo a sua consci-ência e conhecimento, tanto mais que semelhante invasão autoritária se faz em nome de Deus.

Por tudo isto, oferecemos nestes livros o conhecimento para que o indiví-duo pense e compreenda por si mesmo, a fim de que ele forme uma consciên-cia própria para sua vantagem, e não a serviço dos interesses de um grupo. Sem nenhuma imposição nem obrigação de acreditar, ele aceitará apenas se quiser, livremente, porque compreendeu e está convencido. Não pedimos fé, não apresentamos mistérios, nem sequer recorremos a um alto nível teológico. Explicamos tudo claramente, para que cada um veja e julgue por si próprio. O jogo medieval da obediência, baseado no princípio da autoridade, não im-pressiona mais. Hoje, não se chega à adesão por sugestão ou obrigação, mas sim por demonstração e convicção. Perante a não solicitada intromissão de terceiros na sua consciência, o indivíduo, por direito de legítima defesa,

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pro-tege-se, assim como, em pleno direito, protege a sua casa e haveres contra qualquer invasor, ou até mesmo com maior direito, porque a casa do espírito vale muito mais. Deve-se respeitar a propriedade individual, e não há razões históricas ou teológicas que possam autorizar a violá-la. No entanto, até mesmo ontem, estas violações foram realizadas por parte de quem possuía a autoridade e se atualizava ao longo do tempo, de modo que tudo ficava como se nada tivesse sucedido, porque a autoridade, uma vez reconhecida pelo fato de ser a mais forte, podia fazer e desfazer a sua verdade como melhor lhe conviesse. Isto pode suceder somente na mente humana, mas não nas leis da vida, segundo as quais não é possível apagar gratuitamente nenhum erro, cujas consequências, pelo contrário, é inevitável suportar.

O presente volume, por tratar de problemas religiosos, é de atualidade. Com ele, a Obra, depois de longo caminho, chega às suas conclusões também neste terreno. Isto num momento em que o mundo se encontra perante graves problemas, que exigem solução urgente, razão pela qual ele se pôs a pensar e tem necessidade de conhecimento. Encontramo-nos todos numa gravíssima hora histórica, de grandes decisões e transformações. Já não serve o velho e cômodo método de esperar que a autoridade espiritual decida, para descarre-gar sobre ela as responsabilidades que nos pertencem. O indivíduo deve cha-má-las a si, colocando-se de olhos abertos e ânimo sincero com os seus pro-blemas, perante as honestas e sábias leis da vida. Nestes livros, procuramos iluminar imparcialmente todos os caminhos, para que o homem, por si pró-prio, encontre o seu, devendo ele mesmo pensar, compreender e decidir. Não buscamos obediência, e sim compreensão. Queremos ajudar, mas a vida exige que tudo seja ganho com o próprio esforço. Ela chegou hoje a uma curva do seu caminho, depois da qual será diferente e, por isso, exigirá métodos diver-sos. É para este novo trabalho que procuramos nestes livros preparar o leitor para enfrentar o futuro. Por isto falamos aqui de ideais e de sua descida, fa-zendo-o de forma positiva, porque agora trata-se de realizá-los a sério, pas-sando das palavras aos fatos. Os ideais estão colocados exatamente neste fu-turo próximo, que se aproxima a grandes passos, e eles são uma realidade insuprimível, porque suprimi-los significa estancar o desenvolvimento da hu-manidade.

Neste futuro próximo, a ciência se prepara para demonstrar positivamente que o homem é também espírito e que, como tal, ele sobrevive à morte, vol-tando depois a ter experiências no plano de nossa vida física, prosseguindo

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cada vez mais em ascensão, até percorrer todo o caminho evolutivo, que se realiza com o retorno a Deus. Por este caminho se chegará a uma religião científica, que eliminará tanto o materialismo ateu como as religiões fideísti-cas. A ciência dominará positivamente o terreno que hoje ainda se encontra nebuloso, nas mãos das religiões. Em vez de lutarem para eliminar-se, a ciên-cia e fé se completarão inteligentemente, de forma recíproca. Teremos então uma religião científica e uma ciência religiosa. A natureza universal da ciên-cia positiva eliminará o espírito exclusivista que separa as religiões atuais, para fazer delas, em vez de diversos aspectos de verdades em luta, uma só verdade universal.

Não é por meio das tentativas do atual ecumenismo católico que se chega-rá à unificação do pensamento religioso mundial. Este ecumenismo tende a uma unificação muito mais restrita, apenas entre parentes da mesma família religiosa. Ele pode, em substância, reduzir-se a um chamado à casa paterna no sentido da absorção de ortodoxos e protestantes no catolicismo, para que se submetam a Roma. Por outro lado, a antítese plurissecular entre Reforma e Contra-Reforma, prova que, no seio da cristandade, seja católica ou protes-tante, prevaleceu o princípio involuído da rivalidade e da luta, e não o do amor, princípio espiritualmente superior. Estamos, pois, situados no polo oposto daquela unificação que o amor cristão deveria estar. Eis que à grande unidade de pensamento religioso não se poderá chegar senão pelas vias da ciência. E, espiritualmente, isto representa uma grande vantagem, porque uma ciência sincera e honesta, esclarecendo as posições, reforçará o verda-deiro espírito de religiosidade, que está desaparecendo nas atuais religiões empíricas. A religião científica, porque demonstrada como verdadeira, não pode permanecer no estado de hipocrisia, impossibilitada de ser tomada a sério. Esta será a religião do Terceiro Milênio, feita não de autoridade e pa-lavras, mas sim de livre convicção e de fatos. Não será proselitista, sectária, fideísta, dogmática, exclusivista, mas sim positiva, racional, demonstrada, convicta, universal. Nossa Obra será compreendida quando o homem chegar a este mais avançado grau de evolução.

A isto se chegará não só pela ação positiva e construtiva das forças do Sis-tema, mas também pela ação negativa e destrutiva das forças do Anti-SisSis-tema, ambas ativas em nosso mundo. Em relação ao aspecto negativo, observamos agora dois fatos convergentes, que tendem a levar o mundo a uma guerra atômica. De um lado, o velho egoísmo, o espírito de domínio e o instinto de

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violência, não obstante as religiões, ficaram intactos no homem, ainda fecha-do na lei da luta, qualidade involuída fecha-do plano animal, situafecha-do no lafecha-do fecha-do Anti-Sistema. Do outro lado, com semelhante natureza, o homem chegou re-pentinamente a ter em seu poder meios de destruição que, se antes eram limi-tados e, portanto, não podiam produzir senão efeitos limilimi-tados, hoje, sendo poderosíssimos instrumentos de extermínio, podem chegar ao aniquilamento da humanidade. O homem não se encontra absolutamente preparado para saber usar com sabedoria semelhante poder novo, pois a sua forma mental não progrediu com a mesma rapidez e proporção daqueles poderes, tendo pelo contrário permanecido igual à do primitivo, dirigida em grande parte por velhos instintos. Em tal situação, é muito duvidoso que ele saiba fazer bom uso de tais meios. As duas condições, de fato, estão conectadas: imensos poderes e instintos atrasados. Não se sabe resolver as divergências entre os povos senão com a força, base de todo o direito, e as religiões aceitam este estado de fato. Para quem ainda não se armou, não resta senão esperar a sor-te dos vencidos. É assim que a posse da bomba atômica se tornou uma neces-sidade defensiva para todos. Hoje a guerra se transferiu para esta nova di-mensão. Assistimos uma corrida universal de produção dessas bombas, de maneira que o mundo se enche cada vez mais delas. Assim, cada dia aumenta a probabilidade de que se inicie uma explosão em cadeia, impossível de ser detida, o que significa uma carreira para a morte.

A Obra surge neste momento histórico para explicar como funciona tudo isso e, assim, levar à compreensão e à sabedoria. É mais fácil não considerá-la. Mas não se pode impedir que os fatos continuem a se verificar segundo nossa ótica, conduzindo-nos às mencionadas conclusões. De resto, segundo as leis da vida, o involuído tarda em compreender, não sabendo aprender a evo-luir senão através da dor. A vida sabe disso e o trata de acordo. Com seme-lhante biótipo não se pode chegar à compreensão por outro caminho. A tal resultado conduzirão dois fatos: 1) A evolução, que impulsiona o homem para frente, amadurecendo sua mente; 2) A dor, que o castiga, obrigando-o a pen-sar. É em tal momento histórico e sobre semelhante quadro de acontecimentos apocalípticos que aparece a Obra, da qual o presente volume faz parte.

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I. A DESCIDA DOS IDEAIS. ESTRUTURA DO FENÔMENO

Observaremos neste volume, sob vários de seus aspectos, um fato funda-mental na técnica de realização da evolução, constituído pelo fenômeno da descida dos ideais. Que significa isto, porém? Descida de onde? Costuma-se dizer do alto. Mas, que é o alto? O alto é o Sistema, que, na cisão do dualismo, representa Deus ou o lado positivo, em oposição ao lado negativo, dado pelo Anti-Sistema, na posição antagônica de anti-Deus. Para abreviar, indicaremos o Sistema por S e o Anti-Sistema por AS. O fenômeno central de nosso uni-verso é a evolução. Ela representa o trabalho de reconstrução do S a partir de suas ruínas, que constituem o AS. Segue-se, em consequência, que a evolução contém diversos graus de aproximação ao S. O homem encontra-se num des-ses graus; o animal, num mais atrasado; o super-homem, num mais adiantado.

O alto significa, portanto, um grau mais evoluído em comparação com um menos evoluído, que, em relação ao primeiro, pode ser definido como involuí-do. Descida dos ideais do alto significa transferir a lei de um nível biológico mais avançado para um menos avançado. Isto representa, para quem vive neste nível, uma antecipação da evolução, porque a influência do ideal permite rea-lizar a passagem para aquele mais alto nível biológico. Ao conceito de descida dos ideais poderemos dar uma base positiva, aderente à realidade da vida, as-sim como aos efeitos deste fenômeno poderemos dar depois um sentido espiri-tual, não só de evolução biológica positiva, mas também de subida para o ide-al, de ascensão das almas em direção ao Céu. Usa-se neste caso outras pala-vras e imagens. Mas, desse modo, podemos saber o significado delas com base num positivo ponto de vista biológico.

Uma tal colocação do problema nos dá a chave para compreender a estrutu-ra e o desenvolvimento do fenômeno desta descida. Se, de um lado, temos o alto, que significa níveis de evolução mais avançados, temos de outro lado o nosso mundo, que representa níveis mais atrasados. O fenômeno da descida dos ideais é dado pela conjunção destes dois termos, que se aproximam um do outro, o lado S tomando corpo no biótipo evoluído, e o lado AS no biótipo involuído. Na realidade, trata-se de duas ideias ou princípios distintos, que, incorporando-se nestes dois biótipos opostos, entram em contato através das ações e reações de cada um deles, com a finalidade de realizar a evolução. Tal fenômeno é dirigido pela lei de Deus, que, com esta descida, está empenhada,

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assim como o destino de quem trabalha apoiado nesta lei, em realizar a salva-ção do ser.

Para compreender o fenômeno da descida, é necessário, antes de tudo, en-tender como funciona a lei biológica terrestre no nível humano e quais as téc-nicas com que suas formas evoluem. A existência no plano animal-humano baseia-se na lei da luta pela vida. No entanto esta não é uma lei universal e definitiva, mas apenas relativa a este plano e, por isso, destinada a desaparecer com a evolução. Como pode isto suceder?

Eis o que se apresenta na realidade. O ser quer viver e, por isso, luta. Mas por que motivo é necessário lutar para viver? Porque o ambiente é hostil e a vida, com o fim de assegurar sua continuidade, cria com superabundância, para depois selecionar os melhores, abandonando os outros à morte. Assim, se alguma espécie encontrar oportunidade e for favorecida por um ambiente ade-quado, torna-se potencialmente capaz de ocupar todo o planeta. Mas eis então que, além da adversidade dos elementos, surge a competição entre indivíduos e raças, justamente como consequência daquela geração superabundante. Ora, quanto mais faltar a cada um o espaço vital e os meios para sobreviver, tanto mais se torna feroz a luta para conquistá-los. É assim que a luta se torna inevi-tável, assumindo uma forma tanto mais feroz quanto mais primitivo é o ser, porque, quanto mais ele é primitivo, tanto mais lhe é hostil o ambiente, que ele ainda não transformou, para adaptá-lo às suas necessidades, e, quanto mais hostil é o ambiente, tanto mais dura, violenta, feroz e desapiedada é a luta para sobreviver. Além disso, corresponde aos princípios que regem a estrutura de nosso universo o fato de ser a vida tanto mais carregada de dificuldades e do-res quanto mais involuída ela for, isto é, quanto mais longe estiver do S e mais próxima se encontrar do AS. Com a transformação do ambiente e a conse-quente melhor satisfação das próprias necessidades, diminui a necessidade de lutar, reduzindo a violência e a ferocidade exigidas para sobreviver. Com a diminuição das resistências hostis à vida do homem, ele pode, sem perigo para si, diminuir a parcela de energia que deve consumir na luta. É assim que o sistema de violência tende, pouco a pouco, a ser eliminado.

Mas, com isso, cessará a luta por completo? Não. A luta para transformar o AS em S não pode cessar senão no ponto final da evolução, ou seja, quando se alcançar o S, com a anulação do AS. A luta nasceu da cisão no dualismo e não pode desaparecer enquanto esta cisão não for sanada, reabsorvendo o dualismo com a reunificação de tudo no S, através do retorno de tudo a Deus.

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A luta não cessa, transforma-se. Quando a humanidade começa a se reunir em grupos sempre mais vastos, organizando-se em sociedade, a ajuda recípro-ca no comum interesse da defesa torna menos dura a luta contra o ambiente, tendendo, portanto, a fazer desaparecer, como menos urgente, o sistema da força e da violência, que tão profundas feridas deixa em quem lhes sofre os efeitos. Nesse momento começa, com a disciplina das leis, um processo de ordenação da vida e de cerceamento daquele sistema, que, mesmo podendo momentaneamente beneficiar quem o pratica, é uma constante ameaça para aqueles contra quem ele é utilizado. Que pode fazer então o indivíduo, quando ele, desta maneira, precisa lutar cada vez menos contra um ambiente já domi-nado sobretudo pelos seus semelhantes, que o cercam e o oprimem, para torná-lo inócuo, procurando envolvê-torná-lo e prejudicá-torná-lo.

Então a luta se torna mais sutil, processando-se de forma legal e moral, ar-mada de astúcia, fraude, engano e dissimulação. Esta é a fase atual, na qual a violência, pelo menos dentro dos limites de um país, é condenada como delin-quência, apesar de, no caso de ocorrer fora dele e durante a guerra, ser consi-derada um ato honorífico e de valor. Se, no entanto, a violência é hoje conde-nada, a astúcia e o engano estão em plena vigência, como método de luta pela vida. Com este método, perante as leis, não se procura obedecer, mas sim eva-dir-se, assim como, perante o próximo, não se procura colaborar, mas sim ex-plorar. Todavia ser agredido e roubado legalmente já representa um certo pro-gresso em comparação a ser assassinado na estrada. A própria técnica do delito está, portanto, submetida à evolução, sendo hoje possível observar que, com isso, evita-se sempre mais a violência e o derramamento de sangue, para não agravar a pena legal, procurando-se a posse com artes mais sutis, através do furto, que é mais vantajosa.

Vejamos agora aonde nos levará este processo de evolução da luta. A razão fundamental dela é sempre a mesma: sobreviver com o menor esforço possí-vel. A vida está pronta a aceitar tudo o que leva para este fim, buscando o má-ximo rendimento em termos de bem-estar, com o mínimo dano próprio. Ora, apesar de em menor grau do que o da violência, o sistema astúcia-engano ain-da contém um mal, ain-dado pelo prejuízo resultante para os vencidos, os escravi-zados e os esmagados. A violência mata a vítima. A astúcia a deixa viva, mas arruinada. As feridas permanecem impressas no subconsciente e não são es-quecidas. Antigamente, os vencidos, se quisessem sobreviver, eram obrigados a se fortalecer cada vez mais. Porém, agora, pela mesma razão, são obrigados

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a se tornar cada vez mais astutos e inteligentes. Eis que novamente, também aqui, o mal é automaticamente levado à sua autodestruição.

Manifesta-se assim uma tendência a cercar e restringir gradualmente o sis-tema da astúcia, por duas razões: 1a) Porque o homem se dará conta do imenso custo que o consequente método da desconfiança, pelo fato de exigir controle contínuo, representa como dispêndio de energia e perceberá o quanto é contra-producente tal método, pelos atritos produzidos e pelos danos provocados no vencido, cujo resultado é a geração de um material negativo que, permanecen-do em circulação na atmosfera respirada por topermanecen-dos, não pode acabar senão caindo em cima de alguém; 2a) Porque, existindo a probabilidade de que todos sofram estas duras consequências, compreender-se-á não somente a contínua ameaça e a falta de segurança que tal método representa, mas também a imen-sa vantagem que é para todos seguir, pelo contrário, o método da sinceridade e da colaboração.

É por este caminho que, por fim, o sistema de luta acabará sendo superado. Esta transformação corresponde a um processo de saneamento do separatismo, fruto da queda. Com isso, será alcançada a reunificação, fruto da reconstrução evolutiva. Neste processo, os elementos separados tendem sempre mais a se reunir, até se fundirem, reconstruindo o seu estado orgânico original. Temos, pois, três fases, que representam as possíveis posições em que o homem pode se encontrar:

1o) O homem isolado, que luta contra a natureza – Plenitude do método da

força-violência.

2o) O homem reagrupado em sociedade, que deve, portanto, lutar menos contra a natureza, mas que permanece ainda rival dos outros componentes do grupo – Desuso do método força-violência, o qual é substituído pelo método da astúcia-fraude.

3o) O homem integrado no estado orgânico de coletividade, que, pelo fato de haver, com o método precedente, desenvolvido a inteligência, acabou por compreender quão contraproducente é o sistema astúcia-fraude e quão vanta-joso é superá-lo – Adoção do método da sinceridade-colaboração, para alcan-çar com menor esforço um maior bem-estar.

O problema está em desenvolver a inteligência, para se chegar a compreen-der qual é o método de maior vantagem. Mas é justamente para alcançar este objetivo que o erro produz sofrimento. É por isso que, enquanto não se

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apren-de a eliminá-lo com uma conduta reta, a ignorância significa dano. Vive-se e sofre-se exatamente para se aprender.

Atualmente, a humanidade se encontra na segunda das três referidas posi-ções. Assim se explica como hoje, na Terra, os ideais, incluindo aqueles repre-sentados pelas religiões, tendem a se manifestar em forma de hipocrisia, ge-rando então a indústria da exploração do sentimento religioso.

Este desenvolvimento em três graus pode parecer como uma supressão do egoísmo em favor do altruísmo, mas significa na realidade a sua dilatação e ampliação, e não destruição. A vida, sempre utilitária, não permite desperdí-cios inúteis para os seus fins, de modo que não admite altruísmos completa-mente negativos, totalcompleta-mente improdutivos. Ela não passa, portanto, do egoís-mo para um altruísegoís-mo coegoís-mo um fim em si mesegoís-mo, mas somente quando isso representa uma vantagem. É por essa razão que ela supera o método da luta entre egoísmos rivais e o substitui pelo método mais produtivo da solidarieda-de humana. A vida não alcança o altruísmo através solidarieda-de sacrifícios contraprodu-centes, que constituem renúncia antivital, mas sim através de um egoísmo vi-tal, porque utilitário e sempre mais vasto. Então o altruísmo não significa mais mutilar-se a si próprio em favor do egoísmo dos outros, mas sim em ver-se a si mesmo refletido no próximo, incluindo-o no próprio egoísmo. Desse modo, forma-se o primeiro núcleo, destinado a se dilatar sempre mais. Começa-se com um pequeno egoísmo do casal, do qual nasce depois o do grupo familiar, de onde se chega depois ao de grupos sempre mais vastos: a aldeia, a casta, o partido, a nação e, por fim, a humanidade. Trata-se de um progressivo proces-so de unificação, segundo o princípio das unidades coletivas. Fora do grupo, ou seja, do recinto da confraternização, existe a guerra, mas dentro dele há liames de interesses comuns, onde o não provimento à sobrevivência dos ou-tros significa atraiçoar-se a si mesmo. Quanto mais o grupo de que se faz parte aumenta, tanto mais o egoísmo se dilata e a guerra é afastada para mais longe, afastando-se para limites cada vez mais distantes. Quando esta aliança de ego-ísmos se tornar universal, não haverá mais lugar para a guerra. Então, terá de-saparecido aquilo que chamamos de egoísmo, ou seja, aquele egoísmo restrito a um só indivíduo, pois ele se haverá estendido tanto, que abraçará todos num egoísmo universal, o qual chamamos altruísmo. Hoje, a multiplicação dos con-tatos, devido aos novos meios de comunicação, começa a encaminhar a huma-nidade para ampliações altruístas cada vez maiores do velho egoísmo.

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Segundo as três mencionadas fases de evolução, verifica-se igualmente o fato de que os meios fraudulentos substituem os violentos, da mesma forma como, depois, os métodos colaboracionistas substituem os fraudulentos. Ago-ra, a humanidade se encaminha para entrar nesta terceira fase. Assim se trans-formará também para o homem a lei da luta pela vida. Trata-se, na verdade, de uma fase que, apesar de numa forma mais simples e limitada, já foi alcançada, por exemplo, pelas abelhas e pelas formigas, fato com o qual se comprova que a vida já conhece tais métodos. Caminhando-se em frente no caminho da evo-lução, primeiramente a violência diminui em favor da fraude, mal menor que substitui o maior, depois a fraude, por sua vez, diminui em favor da sincerida-de e da colaboração. Com isto, explica-se a razão pela qual existe em nosso mundo a mentira, que é portadora de uma função biológica, e compreende-se também por que a evolução levará à sua futura eliminação.

Será uma grande conquista e um alívio para todos libertar-se do peso da hi-pocrisia, da fadiga de praticá-la e de suportá-la. Com o desenvolvimento da inteligência, a humanidade chegará a isto, e o mesmo acontecerá também em relação à guerra. As religiões e a moral representam a descida dos ideais e trabalham neste sentido, para libertar a humanidade dos métodos fraudulentos da luta pela vida, substituindo-os por um sentimento de solidariedade social e de ajuda recíproca, num estado de colaboração e convivência pacífica. O que nos impede de chegarmos a viver numa posição mais vantajosa para todos é somente a ignorância. E não há outro método para eliminá-la, senão sofrer as duras consequências do estado atual. Sofrer até ser obrigado a procurar aquela posição melhor – que, com a experiência adquirida, pode ser encontrada mais facilmente – e depois, para permanecer nela, compreender, com o desenvolvi-mento da inteligência, que isso é melhor. Trata-se de conquistar novas quali-dades, porque não adianta sobrepor novos sistemas econômicos, sociais ou políticos a indivíduos imaturos. Trata-se de eliminar o atávico antagonismo individual, desenvolvendo o espírito de associação, de modo que as forças dos indivíduos isolados não se eliminem, destruindo-se numa luta recíproca, mas, ao contrário, possam se somar num estado de cooperação. Assim se obtém um rendimento imensamente maior, tornando-se muito fácil resolver o problema da sobrevivência, biologicamente fundamental.

Na terceira das três referidas fases, a orgânica, a atividade que se substitui à luta do primeiro e do segundo tipo é o trabalho. O ambiente onde se vive foi gradualmente domesticado com a civilização, através das leis e da educação. A

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violência foi eliminada da vida social, tendo-se compreendido, por fim, como é contraproducente esforçar-se tanto para se enganar reciprocamente. Pode-se, então, alcançar a terceira fase num ambiente não mais hostil, entre companhei-ros não mais rivais, porque agora, trabalhando todos juntos, o problema da sobrevivência está resolvido, não havendo mais a necessidade de usar o méto-do da luta, que era inicialmente necessário para sobreviver. Mais adiante, ob-servaremos quais outros problemas podem surgir depois, quando se supera também esta fase. Veremos quais os perigos oferecidos por um bem estar as-segurado para um biótipo que, ainda provido da velha forma mental, proporci-onada aos métodos de vida precedente, não está habituado a isso. Neste capítu-lo basta haver constatado a necessidade biológica pela qual a evolução deve levar à realização do princípio de solidariedade social, baseado sobre o fato positivo da utilidade de se associar, para melhor vencer na luta pela sobrevi-vência. É assim que se passa da fase de antagonismos entre egoísmos rivais à da colaboração. Nesta nova posição, o indivíduo se sentirá muito mais prote-gido e com mais potencialidade, porque não se encontrará mais isolado dentro de uma natureza hostil, cercado por inimigos, mas sim integrado e funcionan-do como elemento dentro de um grande organismo.

A utilidade da associação para vencer na luta pela vida é um fato positivo, portanto, uma vez que a vida é utilitária, torna-se inevitável que ela evolua nesta direção. Por isso é fatal que se acabe passando ao sistema orgânico de cooperação, em substituição ao atual de guerras econômicas, de luta entre classes sociais e de guerras armadas para a destruição universal. Mas como poderá, na prática, surgir uma substituição tão radical de método? O sistema da força, assim como o da astúcia, mesmo sendo o segundo mais refinado que o primeiro, são sempre baseados num egoísmo fechado em si mesmo e na con-sequente desonestidade para com o próximo. Ora, abrir este egoísmo em dire-ção ao próximo, assumindo a consequente honestidade para com ele, constitui uma profunda transformação de tipo biológico, um salto evolutivo para um nível superior, representando um amadurecimento que leva a um modo total-mente diverso de conceber a vida, o que não é fácil realizar. De que meios dispõe a natureza e que métodos ela usa para alcançar tal objetivo?

O processo, como podemos observar, já está em ação. Para eliminar o atual regime de rivalidade, não há outro meio senão a reação das vítimas, que deve-rão impor, com a persuasão dos meios coercivos, o sistema da honestidade, de modo que fique ferido quem pratica o regime da rivalidade, único processo

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para compreender que não é salutar repetir o erro. Quando os débeis e os ingê-nuos não se deixarem mais enganar, tendo a indústria da mentira deixado de dar fruto, não haverá mais razão para que ela continue sendo praticada. Então ela será abandonada, como se faz com todas as coisas que já não dão mais ren-dimento. Mas, para que isso seja assimilado como qualidades do indivíduo, é necessário que, por longa repetição, os desonestos constatem em si mesmos, pela sua própria experiência, os resultados danosos do seu método, adaptando-se, então, ao outro método, que, ao invés de produzir aqueles resultados, ofe-rece vantagens anteriormente desconhecidas, tornando-se deste modo, por fim, vantajoso para todos. Trata-se de vencer todas as resistências da ignorância, que faz acreditar no contrário. Trata-se de mudar de forma mental, passando para uma nova, o que representa uma verdadeira criação biológica. Para se fixar na raça, tudo isso deve entrar nos hábitos sociais, através de um esforço tenaz de imposição, com um impulso constante nesta direção.

O Evangelho, entendido apenas no seu aspecto negativo de sacrifício, santi-fica o indivíduo que o pratica, mas encoraja os desonestos em seu método de exploração. Enquanto os prejudicados não reagirem, a sua paciência funciona-rá como fábrica de vítimas. Se os crucificadores de Cristo tivessem recebido uma lição imediata, não teriam ficado encorajados pelo seu fácil sucesso, que lhes ensinou uma verdade totalmente diferente, segundo a qual não é o amor, mas sim a força e o engano que são premiados. Estamos na Terra, e não nos céus, e aqui a realidade biológica nos ensina que o ideal, para se enxertar na vida, deve seguir as leis deste nível. Em relação à Terra, a crucificação de Cristo pode ter tido a função de um escândalo, mostrando ao mundo, durante milênios, a vergonha da humanidade, para que ela compreendesse a má ação e deixasse de repetir semelhantes crimes. Quanto ao significado daquela crucifi-cação perante o Céu, ao mundo não lhe interessa saber. Hoje culpa-se os ju-deus por deicídio, como se fosse possível matar Deus! Se assim tivesse sido, eles seriam os seres mais poderosos do universo. No entanto aquele delito não foi apenas de um povo, mas sim de toda a humanidade, que o repete até hoje, perseguindo inocentes, inclusive em nome de Deus. Segue-se, então, que tão grande escândalo não deu resultados positivos.

As resistências das coisas velhas são imensas. Enquanto o egoísmo das ví-timas, seguindo as leis do plano humano, não conseguir organizar-se para se impor ao egoísmo dos que provocam os danos, obrigando-os a respeitar os direitos de todos, haverá sempre lugar para os desonestos, com vantagem para

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eles e prejuízo para os demais, não se passando jamais à fase de acordo e equi-líbrio, na qual se supera esse sistema. Este fato justifica e torna necessária a presença das leis e das respectivas sanções punitivas, para estabelecer uma ordem na sociedade. Mas também justifica a rebelião, quando essas leis não correspondem à justiça, sendo feitas por um grupo dominante e a favor dele. Daí a origem da revolta para estabelecer uma ordem que dê cada vez menos vantagem para apenas uma parte e seja sempre mais universal, defendendo os interesses de um número cada vez maior de pessoas, até chegar a abranger a todos. Então terá sido realizado o salto biológico, vivendo-se num regime de altruísmo, justiça e honestidade. Permanece, então, de pé o princípio funda-mental de que a vida não dá nada gratuitamente, mas apenas oferece aquilo que ganhamos com nosso esforço. O ser quis realizar a descida do S para o AS, mas, agora, são suas as consequências. Para executar a subida do AS para o S, cabe-nos o trabalho de conquista e construção. Cristo apenas nos mostrou o caminho, colocando-se à frente com o exemplo. Compete-nos percorrê-lo com nossos próprios pés. Isto significa que o ideal nos é oferecido do Céu co-mo uma proposta de trabalho. Cabe, pois, ao homem traduzi-lo em realidade, vencendo todas as resistências do AS, que se opõem à reconstrução do S.

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Agora que examinamos as bases positivas do fenômeno da descida dos ide-ais, podemos melhor compreendê-lo e ver porque eles descem ao ambiente humano, cuja lei fundamental é a luta pela vida. Podemos compreender tam-bém por que, não obstante tanta diversidade, eles procuram enxertar-se num ambiente que é a sua absoluta negação. Isto se explica com a lei da evolução. Quem, no caminho da ascensão, está em posição mais adiantada é submetido a um processo que, para ele, constitui retrocesso involutivo, a fim de tornar pos-sível realizar aquilo que, para o mundo, situado numa posição atrasada em relação a ele, constitui um avanço evolutivo. Dizemos “ele” porque os ideais tomam corpo (dado que tudo na Terra adquire uma forma) primeiramente nu-ma pessoa viva, que os afirnu-ma e os lança, e, em seguida, nas instituições, que os representam e os transmitem. Precisamente assim se organizam as religiões, que são o canal mais importante da descida dos ideais à Terra. Como se realiza então este fenômeno e o que sucede quando tal realidade, verdadeira no Céu, pretende enxertar-se naquela tão diferente realidade biológica, verdadeira em nosso mundo?

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Na Terra, o homem está de fato sujeito a leis bem diferentes, que, nada ten-do de ideal, obrigam-no a se ocupar em primeiro lugar ten-do problema da sobre-vivência. É natural, portanto, que, para este objetivo, ele procure utilizar-se daquilo que encontra, inclusive dos ideais. Estes, por sua vez, querem utilizá-lo para os seus fins, que são totalmente diferentes. Aos ideais interessa a sal-vação da alma, para a grandeza do espírito, mesmo que seja com o sacrifício da vida terrena. Ao homem interessa sobretudo a vida terrena, porque esta é concreta e atual, somente se interessando pela outra, quando se trata de deixar a presente. As duas posições estão invertidas uma em relação à outra. É natu-ral, então, que cada um dos dois princípios, para não se perder nesse antago-nismo, deva buscar o interesse comum. É assim que, quando uma religião dita normas de vida para transformar o homem, este procure transformá-las num meio para satisfazer as suas necessidades de vencer na luta pela vida. Deste modo, ele adapta a religião às suas próprias comodidades, de maneira que esta lhe sirva, não a aceitando, se ela não lhe servir. Se a memória de Cristo chegou até nós, isto se deve em grande parte à concessão do Imperador Constantino, que permitiu o poder temporal dos papas, pelo qual o sacerdócio se tornou hierarquia, administração de bens, atividade política e carreira. Mas, para que se continuasse a falar de Cristo, não havia outro meio, senão transformá-lo em algo deste mundo. Mal necessário, que é tanto mais grave, quanto mais primi-tiva for a humanidade, mas que, com o tempo, vai desaparecendo, porque a tarefa da evolução é eliminá-lo. É inevitável, portanto, que, para tornar possí-vel a aceitação de um ideal na Terra, ele deva descer ao nípossí-vel de quem vai aceitá-lo, pois este é o dono do ambiente terrestre, onde o fenômeno deve rea-lizar-se. E isto deve acontecer para que o ideal não fique excluído da vida.

Os seres nos quais tomam forma os dois princípios opostos são, de um lado, o biótipo evoluído, com o gênio, o santo, o profeta ou o super-homem, e, de outro lado, o biótipo normal animal-humano. O primeiro é o motor da evolu-ção, o elemento ativo. O segundo é o elemento passivo, que se deixa arrastar pelo primeiro. Um ideal demora milênios para ser assimilado e, quando já cumpriu sua função, por ter sido todo utilizado num sentido evolutivo, é subs-tituído por outro mais adiantado, a fim de que a humanidade possa continuar progredindo. No fundo trata-se de uma troca na qual cada um dos dois termos dá e, em compensação, pede alguma coisa. O ideal se oferece, pedindo ao ho-mem o esforço necessário para progredir, e o hoho-mem trata de ganhar materi-almente o mais que pode e com a menor fadiga possível, utilizando o ideal na

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Terra apenas para esta finalidade. É assim que surgem como seus representan-tes os ministros de Deus, formando a casta sacerdotal, que, pelo fato de cum-prir um serviço, estabelece a indústria da religião, formando a base terrena indispensável para tornar possível o ideal tomar forma no plano humano.

Para os cidadãos da Terra, tudo está em seu lugar, de acordo com a lei do seu plano. Deste modo se explica a razão pela qual os ideais, quando são trazi-dos ao nível humano na Terra, não se nos apresentam íntegros, mas sim torci-dos e adaptatorci-dos. Naturalmente, isto é adequado ao homem normal, que faz para si o trabalho desta adaptação, mas não para quem assume os ideais a sério e, por esta razão, encontra-se isolado ou, até mesmo, excluído e condenado. Deste último tipo, perante a destruição dos valores morais, tomamos o partido nestes escritos, tratando de salvar o que for possível. Quem se encontra deslo-cado na Terra não é o involuído, que está em sua casa, no seu ambiente, mas sim o evoluído, que procura levar até lá o ideal. Para poder realizar a sua mis-são, ele se encontra na merecida posição de condenado a um retrocesso involu-tivo, o que é um castigo tremendo. É o mesmo que condenar um homem culto e civilizado a viver entre antropófagos, transformados em seus semelhantes, a cujos hábitos ele deve adaptar-se. Tendo por instinto a prática da sinceridade e da colaboração, ele deve viver submerso num mundo de hipocrisia e fraude. E já vimos anteriormente quais são os diversos graus de evolução.

Podemos assim entender o que significa transportar um indivíduo do tercei-ro grau ao segundo, fazendo uma ideia do martírio necessário para que ele possa realizar, no seio de um ambiente biológico involuído, o trabalho de ar-rastá-lo a um nível mais alto.

Transportado ao mundo dos involuídos, o evoluído encontra-se em condi-ções de inferioridade na luta para a sobrevivência. Se, para ele, existem com-pensações celestiais, isto é coisa que não interessa para o mundo. A Cristo o mundo respondeu apenas nas duas formas que lhe serviam: desprezando-o quando estava vivo e explorando-o depois de morto. Pelo fato de repelir o mé-todo da força-violência assim como o da astúcia-fraude, o homem do terceiro grau evolutivo, de tipo evangélico, seguidor de Cristo, não é apto para sobre-viver no ambiente terrestre. Então o ideal seria levado a termo somente por poucos pioneiros, rapidamente liquidados, e nunca poderia se realizar no seio de nossa humanidade. Isto no entanto significaria o fracasso dos planos da evolução. Mas, se isto não pode acontecer, como então a vida soluciona o pro-blema?

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Os primeiros seguidores do ideal são poucos, mas têm de arrastar consigo muitos, com a palavra e o exemplo. A descida dos ideais somente alcança o seu objetivo, quando tais princípios, por terem sido aceitos em massa, tornam-se um fenômeno coletivo. Antes desta última fatornam-se do tornam-seu detornam-senvolvimento, os ideais se encontram no mundo apenas no estado de germe. Cristo, até agora, é apenas uma semente que busca crescer. Quantos milênios faltarão para que possa chegar a ser uma árvore!

Daí se conclui que a moral evangélica – para a finalidade da evolução, que é a salvação de toda humanidade, e não de apenas poucos casos isolados – é de tipo coletivo, ou seja, não é realizável numa sociedade de tipo inferior, forma-da por involuídos, onde aquela moral, assim como sucedeu com Cristo, rapi-damente liquida o indivíduo que a vive. Ora, a vida pode sacrificar alguns poucos indivíduos na sua economia, quando isto lhe serve para os seus superi-ores fins evolutivos, mas não pode perder toda a massa, em favor da qual pre-cisamente se realiza este sacrifício. O problema fundamental da vida é a so-brevivência, enquanto a evolução é questão somente secundária, quando haja uma oportunidade. Eis que o Evangelho, para poder verdadeiramente realizar-se como prática, e não apenas como pregação, presume um estado de recipro-cidade que somente será possível aparecer quando a humanidade, por evolu-ção, tiver alcançado a terceira fase, com a organização coletiva, na qual a mo-ral do dever não se resolve numa espoliação por parte de quem não a aplica em prejuízo de quem a aplica, mas resulte de um equilíbrio dado pela correspon-dência dos direitos e deveres de cada um com os direitos e deveres do próxi-mo. Somente então o Evangelho será aplicável em grande escala, porque não representará uma ameaça, mas sim uma ajuda para a sobrevivência.

Se praticar o Evangelho pode ser antivital para o evoluído isolado no atual mundo involuído, que tem de fato o cuidado de não o aplicar, esse Evangelho pode, pelo contrário, outorgar vantagem e bem-estar num mundo de evoluídos, onde só se pode usar o método da terceira fase, de sinceridade e colaboração, que é o único capaz de permitir a eliminação da luta com o método da não-resistência. Por si só, transformar-se em cordeiro entre lobos serve apenas para acabar sendo devorado por eles e assim engordá-los. Por isto o evoluído não pode tornar-se involuído, já que o seu destino está marcado. Seria absurdo que, a longo prazo, a vida desperdiçasse as suas energias com o fracasso daquilo que ela possui de melhor. Eis que todo este jogo sobre o qual se baseia a

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des-cida dos ideais não pode terminar senão alcançando o objetivo para o qual existe, isto é, um deslocamento da humanidade em sentido evolutivo.

Por todos estes motivos, apesar do evoluído realizar uma grande função bi-ológica, o ideal evangélico, transportado para o terreno da realidade da vida, torna-se uma utopia, como coisa fora do lugar. A sociedade humana funciona com princípios opostos. Não é o estado orgânico colaboracionista que prevale-ce, mas sim o sistema de grupos, dentro do qual se entrincheiram os interesses, numa espécie de castelo medieval, fechado e armado contra todos os outros castelos. Portanto uma pessoa não é julgada pelo seu valor, mas sim pelo fato de estar dentro ou fora do próprio grupo. Então a primeira pergunta que se faz é: “Ele é um dos nossos?”. Se for, perdoa-se-lhe muita coisa, mas, se não for, mesmo que seja santo, ele é sempre um inimigo e, portanto, está errado, de-vendo por isso ser condenado. Quando se apreciam as qualidades de um indi-víduo, isto não se faz imparcialmente, mas sim em função da possibilidade de explorá-las para o serviço do grupo. Uma vez que o objetivo maior é a sobre-vivência, tudo é concebido e realizado apenas em função dela. O grupo se forma e existe precisamente para este fim, no qual todos os membros estão sumamente interessados. Esta é a força que os mantém unidos, porque a união os fortifica para se defenderem e vencerem. Assim a apreciação de uma pes-soa, conforme ela se encontre dentro ou fora do grupo, torna-se muito diferen-te. As valorizações humanas são, deste modo, torcidas em função desta neces-sidade de luta. Se quisermos julgar objetivamente um indivíduo pelo que ele realmente é, devemos primeiro despojá-lo das suas atribuições exteriores, prescindindo da sua posição social e despindo-o de todos os adereços com que se cobre e se esconde, pois só assim poderá aparecer sua verdadeira pessoa, em vez dos seus sucessos sociais.

Na Terra, portanto, tudo existe em função da luta. O indivíduo deve ocupar-se em primeiro lugar deste trabalho e vale na medida em que pode ocupar-ser utilizado para este fim. Eis que a parte mais dolorosa da vida do evoluído, quando não morre antes, é a sua glorificação, porque, mesmo conseguindo com isto enxer-tar um pouco de ideal na vida, começa a sua exploração, sendo então submeti-do às finalidades humanas, quansubmeti-do se busca sua adaptação e se dá origem ao seu emborcamento a serviço do mundo. A maior paixão de Cristo não foi cer-tamente a do Gólgota, mas sim a sua longuíssima crucificação, que já dura dois mil anos, a serviço dos interesses dos homens. Para o evoluído, a vida não pode ser senão missão e sacrifício. O seu triunfo está na morte, que o liberta

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do grande sofrimento do retrocesso involutivo, restituindo-o ao seu plano de vida. É assim que a sua posição negativa no mundo torna-se positiva no Céu. Ele trabalha para a realização da evolução, explicando com a palavra e contri-buindo com o exemplo, para que se compreenda a utilidade de se empregar o método da honestidade e da colaboração, em vez da força e do engano. O mundo ri-se dele, tratando-o como um ingênuo. Quando este ser abre os braços para colaborar, os outros, farejando nele o indivíduo honesto e inócuo, acabam por escravizá-lo e espoliá-lo. A morte liberta o evoluído de tudo isto e o resti-tui ao seu mundo, que é feito, pelo contrário, de justiça, onde ele deixa de ser um inepto, pois lá a sabedoria do indivíduo consiste em conhecer o mistério do ser e, consequentemente, atuar com retidão, e não em descobrir as tramas do próximo, para tirar proveito.

Que pode fazer ele na Terra? A sua posição aqui é clara. Na Terra, ele é es-trangeiro. Tivemos de falar do evoluído porque ele constitui o instrumento da descida dos ideais, nosso tema atual. Continuando a ser cidadão do seu tão diferente mundo, ele desce para viver a sua verdade, que não pode ser desmen-tida. Esta sua posição, ainda que lhe imponha tremendos deveres, desconheci-dos do involuído, também representa para ele um direito e uma força. Cada ser funciona segundo a lei do plano ao qual está ligado, levando-a consigo aonde quer que vá, seja como utilidade ou seja como fardo. O evoluído, que, por sua natureza, não entra na luta do mundo, mas que, para tornar possível o compri-mento de sua missão, tem de resolver o problema da sua sobrevivência, deve possuir seus próprios meios de defesa e proteção. Trata-se de um cordeiro que tem de sobreviver entre lobos, de um evangélico que usa o método da não re-sistência num campo de batalha. E a defesa deste indivíduo interessa à vida, porque ela necessita dele, uma vez que entregou a ele a tarefa, para ela funda-mental, de promover a evolução. Será possível que ao involuído inconsciente e destruidor tenha sido deixado o poder de liquidar o evoluído, impedindo assim o desenvolvimento da evolução? Será possível que o mal realmente vença o bem, que o inferior vença o superior? Mas, se é certo que o evoluído é um exi-lado em terra estrangeira, é verdade também que a lei de sua pátria o segue e o protege, para tornar possível ele cumprir a sua missão. Se esta lei permite que o involuído elimine tal indivíduo, assim o faz somente quando tenha chegado a hora que convém ao evoluído ir-se embora, porque a sua missão foi cumprida. A lei de Deus é a verdadeira dona de tudo, inclusive do involuído e do mundo. Ninguém pode deter o processo da descida dos ideais à Terra, pois eles

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reali-zam os objetivos da evolução. Os obstáculos ficam limitados no espaço e no tempo, tendo sido dado a eles o poder de resistir, mas não de vencer.

Eis o significado, a técnica, os instrumentos e as consequências da realiza-ção na Terra do fenômeno da descida dos ideais.

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II. A HUMANIDADE EM FASE DE TRANSIÇÃO EVOLUTIVA

É inevitável que as concepções humanas sejam antropomórficas, pois foram conquistadas por um cérebro humano, como resultado das experiências vividas e, portanto, em função dos conhecimentos adquiridos no ambiente terrestre. Como pode a mente humana, que é um produto de nossa vida, conter elemen-tos de juízo e uma unidade de medida que ultrapassem os limites dela? A nos-sa capacidade de conceber baseia-se e eleva-se sobre elementos oferecidos pelos nossos sentidos, que representam uma abertura para o exterior, estando restritos apenas a uma determinada amplitude do real e a uma determinada ordem de fenômenos. Tudo aquilo que estas vias de comunicação impedem a passagem não é percebido e, portanto, é como se não existisse para nós. Trata-se, por conseguinte, de um material bem limitado aquele que nós podemos obter através destes meios, com os quais foi construída no passado a nossa forma mental, que é o instrumento com o qual hoje julgamos. Não podemos, portanto, elevar as nossas construções ideais senão com este instrumento e sobre estas bases simples, dado que não possuímos outros elementos. Por esta razão, tudo o que está além destes limites encontra-se fora de nossa compreen-são, não sendo concebido nem concebível. Assim, se pretendemos elevar-nos a concepções superiores, não podemos fazê-lo senão com estes nossos meios, ou seja, com a nossa mente limitada, que tende a reduzir tudo às formas do seu concebível, pois ela, por força das circunstâncias, não pode e não sabe pensar senão antropomorficamente.

Se nós percebemos somente uma pequena parte da realidade, o que haverá então além dela? Apenas recentemente, com meios indiretos, pelas vias da ciência, o homem começou a se dar conta de tudo isto. Ele também viu que nem sequer esta parte percebida por nós é a realidade, mas apenas uma inter-pretação dela, pois se trata de algo obtido através dos nossos limitados senti-dos e interpretada com o instrumento de nossa mente, relativa ao ambiente terrestre. Pode acontecer, então, que o produto de nossa interpretação seja so-mente uma distorção da realidade, condição pela qual o que julgamos ser a realidade não passaria de uma projeção antropomórfica, construída por nós com as ideias fornecidas pela nossa vida.

Mas há também um outro fato que influi sobre o nosso modo de conceber. Se tudo o que existe está englobado no transformismo universal, então nem sequer as nossas concepções podem escapar desse processo, razão pela qual

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elas têm de ser relativas e progressivas. É indiscutível que, se o universo se transforma por evolução, também por evolução se transforma o órgão mental com o qual o percebemos e julgamos. Portanto tudo é visto sucessivamente de diversos modos, cada um dos quais representa uma determinada realidade, relativa ao indivíduo que a observa e ao momento que ele faz a observação. Eis que não possuímos das coisas senão estas nossas sucessivas e relativas representações, realizadas por nós mesmos. Julgamos ter alcançado a realida-de, mas esta é apenas a realidade que o indivíduo alcança por si mesmo, na-quele dado instante, a qual varia com o observador e o momento, modificando-se para diferentes obmodificando-servadores e, com o decorrer do tempo, para o mesmo observador. É assim que as nossas verdades não expressam outra coisa senão a maneira pela qual elas são vistas e concebidas por cada um num dado momen-to. As verdades são, portanto, relativas ao observador e progressivas no tempo.

Uma vez que tal condição depende da estrutura do ser humano, então ela permanece verdadeira também no campo das verdades filosóficas, religiosas, morais, sociais etc. Nenhuma forma de existência parece ser possível, se não for considerada como um vir-a-ser, e o homem deu-se conta de que tudo é movimento, seja no universo físico, no dinâmico ou no espiritual. No campo das verdades acima mencionadas, o transformismo evolutivo é ainda mais evi-dente, porque a psique é ainda mais móvel e varia mais rapidamente com a evolução, em função das fases sucessivas que ela atravessa. Tais verdades também estão em contínuo movimento, sendo relativas e progressivas. Este é o patrimônio mental que nos é dado possuir, o qual se resume em representações antropomórficas limitadas e a verdades progressivas.

No entanto esta mesma progressiva relatividade leva consigo, implícita, a sua compensação. A ideia do transformismo em marcha exige a ideia de um ponto de chegada, que é também o ponto de referência, sem o qual nenhum movimento pode ser apreciado. Então a própria ideia de verdade relativa e progressiva nos leva necessariamente à ideia, oposta e complementar, de ver-dade absoluta e imutável. O movimento exige uma meta, um ponto situado fora dele, em função do qual se realize. Transformismo e relatividade progres-siva, não se mantém por si sós, mas necessitam de um ponto absoluto que, cumprindo a função oposta, sirva de suporte. A isso leva o próprio princípio do dualismo universal, pelo qual cada posição existe em função do seu oposto, somente sendo possível reconstruir a unidade através da reunião das duas

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me-tades divididas. É como o reencontro do positivo e do negativo e vice-versa, para formar um mesmo e único circuito.

A contínua e fugidia mobilidade se apoia na solidez do imóvel, do qual ne-cessita, para que não se perca tudo num futuro imenso, sem equilíbrio, orienta-ção e significado. Esta fluidez deve ser um movimento na ordem, pois, de ou-tra forma, levaria, ou até mesmo já teria levado há muito tempo, tudo a nau-fragar no caos. A instabilidade não é admissível senão em função de uma esta-bilidade, assim como a relatividade não se sustém senão em relação a um ab-soluto. Na lógica da estrutura e do funcionamento do universo há necessidade de um ponto que seja não somente o termo final da evolução – como um seu marco cósmico, último produto do processo ascensional – mas também o seu ponto inicial, constituindo a partida e a chegada, o Alfa e o Ômega, de todo o transformismo dado pela existência; um ponto que abrace, dirija, resuma e justifique todo este imenso fenômeno, como seu centro; um ponto no qual se inicie e se resolva a instabilidade do vir-a-ser, a corrida do movimento, a rela-tividade deste transformístico modo de existir em formas e dimensões sempre mutáveis; um ponto enfim no qual tudo deve finalmente deter-se, após ter al-cançado a sua plenitude no aperfeiçoamento total do imperfeito, completando o incompleto, com a superação final de todas as dimensões.

É a própria ideia do relativo no qual vivemos que nos leva, por reflexo, à ideia do absoluto, mesmo que não nos seja dado conhecê-lo diretamente. Se o nosso relativismo nos nega a concepção do absoluto e o nosso antropomorfis-mo não pode alcançá-lo, nem por isso ele deixa de existir. Pelo contrário, é justamente a nossa posição unilateral e, por isso mesmo, incompleta que, exi-gindo ser completada, nos indica a posição oposta, unicamente na qual isto pode realizar-se. É precisamente o fato de estarmos colocados apenas num lado do ser que nos faz sentir a necessidade da presença do seu outro lado, somente em função do qual se pode completar o nosso tipo de existência.

A esta concepção de uma estabilidade definitiva o homem pode ter chegado também pelo fato de alguns aspectos da realidade acessível a ele lhe indicarem isto, se bem que em sentido relativo. O transformismo em que ele está submer-so pode, de fato, apresentar algumas zonas ou fases de imobilidade, as quais, no entanto, podem verificar-se apenas como temporário descanso ou pausa no caminho, numa aparente suspensão momentânea do movimento, que mesmo assim continua, porém não mais como manifestação exterior, e sim como amadurecimento profundo, no qual a existência prepara as suas mutações,

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per-ceptíveis só quando elas se manifestam na forma exterior. É assim que o vir-a-ser da existência pode parecer suspenso, dando a ilusão de imobilidade defini-tiva. Então é possível, no meio da relatividade, surgirem pontos aparentemente fixos e definitivos, momentos de estabilidade nos quais se é levado a crer que a imutabilidade tenha sido alcançada, apesar de não serem eles nada mais do que repousos e paragens passageiros no transformismo. De fato, eles não pas-sam de transitórias posições de equilíbrio, prontas a se romperem, para reto-mar o caminho. Trata-se de uma momentânea estabilização de forças contrá-rias, que se neutralizam no equilíbrio dos impulsos. É nesta posição estática de movimento relativo que, sem a desintegração atômica, a matéria parece eter-namente estável, conforme se julgou no passado. Isto, porém, não impede que ela esteja pronta a se transformar em energia, quando são rompidos os seus equilíbrios atômicos internos.

O vir-a-ser da existência não se detém jamais. Porém somente é possível um transformismo como um meio para alcançar um fim, e não como um pro-cesso sem solução, que se movimenta eternamente numa determinada direção. Não pode haver um transformismo que não seja compensado por um movi-mento contrário e complementar, em função de um ponto de partida e de che-gada, dentro dos limites de um dado percurso ou processo transformístico. Se queremos nos aprofundar, para compreender a natureza deste movimento, te-mos de chegar aos conceitos de involução e evolução, entendendo-os como os dois períodos opostos e complementares do mesmo ciclo. Somente assim tal movimento não se anula no vazio, mas complementa-se com a sua fase contrá-ria, em função do seu ponto de referência fixo, de partida e de chegada, que lhe imprime uma direção, sem a qual ele não pode existir. Com isso, a simples ideia do movimento de vir-a-ser aperfeiçoa-se, transformando-se numa con-cepção mais exata, dada por um transformismo na direção involutiva ou evolu-tiva. Este é então o duplo movimento no qual consiste o vir-a-ser e a existên-cia. Isto significa que, em nosso universo, não se pode existir senão movendo-se na direção involutiva ou na direção evolutiva, progredindo ou retrocedendo, afastando-se ou avizinhando-se de Deus, que é o princípio e o fim, pois tudo existe em função de Dele. A estase, neste processo de ida e volta, não pode ser constituída senão por períodos transitórios, que cedo ou tarde são retomados no movimento da existência.

O transformismo não é, pois, uma mutação desordenada qualquer, ao acaso, mas sim um movimento bem regulado, fechado dentro de normas,

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constituin-do um processo fenomênico bem definiconstituin-do e disciplinaconstituin-do. Sem um tal princípio de ordem que o dirija, é difícil imaginar como ele possa se realizar. Ora, tudo isto implica a existência de um esquema diretivo, conforme um plano pré-estabelecido, que determina o caminho e, ao longo dele, as fases de descida e de ascensão. Deve haver, então, vários níveis de evolução, correspondendo a diversas alturas ou graus progressivos no modo de existir e, portanto, a dife-rentes posições biológicas, mais ou menos avançadas, conforme o caminho executado pelo ser em relação ao ponto final de todo o processo, na direção do qual tudo converge. Eis como pôde nascer e o que significa a ideia de progres-so. Eis como ocorre o fenômeno do gradual desenvolvimento do ser por evo-lução.

Vimos estes conceitos se desenvolverem, ligados uns aos outros num pro-gressivo concatenamento lógico.

Chegando a este ponto, podemos explicar melhor o significado do conceito de verdades relativas e progressivas, do qual falamos anteriormente. O grau do nosso conhecimento é estabelecido conforme o nível de evolução alcançado pelo instrumento que possuímos para este fim, ou seja, a nossa mente. Portanto o conhecimento existe em função da evolução e progride com o aperfeiçoa-mento deste instruaperfeiçoa-mento, na proporção dada pelo seu desenvolviaperfeiçoa-mento. Na natureza, tudo já está compreendido e resolvido, o que se comprova pelo fato de já encontrarmos tudo no estado de funcionamento. Somos nós, portanto, que ainda deveremos compreender e resolver tudo. No indivíduo mais evoluí-do, a dificuldade não reside tanto em compreender, mas sim em se fazer com-preender pelos menos evoluídos do que ele, podendo, às vezes, levar até mes-mo séculos para eles poderem entendê-lo. Esta é a história dos gênios incom-preendidos.

O que impede o conhecimento são os próprios limites do instrumento men-tal que o indivíduo tem de utilizar para alcançá-lo. A superação destes limites representa um esforço que o ser não deseja realizar, sendo tanto menor sua agilidade para executar tal trabalho, quanto mais involuído for o ser. Quanto mais atrasado é o indivíduo, tanto mais ele se aproxima da inércia da pedra, aproximando-se evolutivamente dela. O ser involuído tem horror às mudanças e opõe resistência a toda renovação de ideias, apresentando uma vontade anti-esforço que busca paralisar qualquer ascensão, para ele muito incômoda. Esta tendência à estagnação chama-se misoneísmo e é devida à tendência do sub-consciente ficar agarrado ao conteúdo armazenado no passado, onde se

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encon-tra a linha de conduta mais segura, pois já foi comprovada pela existência, constituindo um patrimônio seu, que muito esforço lhe custou para conquistar. Prefere assim, por preguiça, não construir outro patrimônio, quando para viver basta o que já possui.

Os vários graus de conhecimento que a evolução nos oferece são alcança-dos com diferentes tipos de inteligência, proporcionais ao nível biológico con-quistado pelo indivíduo. Para as formas superiores de conhecimento, os primi-tivos estão completamente imaturos. Podem recebê-lo, aprendê-lo, repeti-lo e possuí-lo em aparência, mas uma coisa é a erudição, outra é saber pensar. É necessário compreender qual é o tipo de inteligência do involuído, que não é um estúpido. Trata-se de uma inteligência sempre correspondente ao seu nível evolutivo animal-humano, possuindo assim a respectiva sabedoria, que é dire-cionada e utilizada para a defesa da vida, sendo resultado do caminho percor-rido no passado. Ela limita-se, portanto, a fins imediatos, sendo adequada para resolver os problema práticos e próximos, em vez de teóricos e longínquos. A tal biótipo, basta-lhe a sagacidade comum, a habilidade do engano e a arte de tirar proveito de tudo. Com isto ele se crê inteligente, e esta é de fato a sua inteligência.

Mas o tipo de inteligência se transforma com a evolução, elevando-se para enfrentar e resolver outros problemas, bem diferentes, que, para o tipo prece-dente, ficam fora do concebível. Assim, entre evoluído e involuído, poderá se encontrar o mesmo desnível de compreensão que existe entre um homem e um animal. Com a evolução, a inteligência coloca problemas sempre mais vastos e gerais, mais próximos dos princípios diretores, no centro do conhecimento. É em direção a este centro que avança o ser, afastando-se da periferia ou superfí-cie, onde funciona a realidade prática exterior. Temos, assim, outro tipo de inteligência, feita para outros trabalhos e dirigida para outros fins. Ela abraça horizontes e concentra visões de imensas amplitudes, reunindo em si, numa síntese, espaços conceptuais vastíssimos, libertando-se por abstração da infini-ta multiplicidade do particular. Poder-se-ia chamar a isto de visão telescópica, feita para enxergar longe, em comparação com a outra, que se poderia chamar visão microscópica, feita para ver de perto. De fato, trata-se de uma inteligên-cia pequena, limitada ao contingente, descentrada na multiplicidade do parti-cular, desorientada e dispersa em mil fatos pequenos, dos quais lhe escapa o significado do plano diretor. No entanto, evoluindo, ela amplia sua capacidade de ver tais princípios, dilatando sempre mais os horizontes que pode perceber.

Referências

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