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Doação de órgãos post mortem: a viabilidade de adoção pelo sistema brasileiro da escolha pelo doador do destinatário de seus órgãos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO PRIVADO E ECONÔMICO

TACIANA PALMEIRA ANDRADE

DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST MORTEM:

A VIABILIDADE DE ADOÇÃO PELO SISTEMA BRASILEIRO DA ESCOLHA PELO DOADOR DO DESTINATÁRIO DE SEUS ÓRGÃOS

Salvador

(2)

TACIANA PALMEIRA ANDRADE

DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST MORTEM:

A VIABILIDADE DE ADOÇÃO PELO SISTEMA BRASILEIRO DA ESCOLHA PELO DOADOR DO DESTINATÁRIO DE SEUS ÓRGÃOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Direito Privado da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito na linha de pesquisa aspectos jurídicos da biotecnologia.

Orientadora: Profa. Dra. Mônica Aguiar

Co-Orientadora: Profa. Dra. Maria Auxiliadora Minahim

Salvador

2009

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Ficha catalográfica

______________________________________________________

A553 Andrade, Taciana Palmeira

Doação de órgãos post mortem: a viabilidade de adoção pelo sistema brasileiro da escolha pelo doador do destinatário de seus órgãos / Taciana Palmeira Andrade. – Salvador, 2009. 175 f.

Orientadora: Profa. Dra. Mônica Aguiar.

Co-orientadora: Profa. Dra. Maria Auxiliadora Minahim. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Direito, 2009.

1. Bioética. 2. Doadores de órgãos, tecidos, etc. I. Aguiar, Mônica. II. Minahim, Maria Auxiliadora. III. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Direito. IV. Título.

CDU: 174

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TERMO DE APROVAÇÃO

TACIANA PALMEIRA ANDRADE

DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST MORTEM:

A VIABILIDADE DE ADOÇÃO PELO SISTEMA BRASILEIRO DA ESCOLHA PELO DOADOR DO DESTINATÁRIO DE SEUS ÓRGÃOS.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Direito Privado da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em direito na linha de pesquisa aspectos jurídicos da biotecnologia, pela seguinte banca examinadora:

Profa. Dra. Mônica Aguiar – Orientador – presidente: __________________________ Doutora em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Profª. Dra. Maria Auxiliadora Minahim - Co- orientadora: _______________________ Doutora em Direito Penal, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Profª. Dra. – membro : ______________________________ Doutora em Direito

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Dedico este trabalho à minha mãe e à minha irmã pelo Companheirismo incondicional em todos os setores de minha vida.

(6)

AGRADECIMENTOS

Quando o trabalho chega ao fim é importante lembrar de todos aqueles que ajudaram ou participaram da sua realização. Assim, gostaria de agradecer a todos aqueles que de alguma forma estiveram presentes nesta caminhada, em especial:

Agradeço a Deus, fonte da minha existência e consolo nas horas difíceis, que não foram poucas, pelo término de mais uma etapa. Todas as vezes que pensei em desistir, vinha à minha mente: “o Senhor é o meu pastor; nada me faltará” (Salmo 23), e realmente nada me faltou. A Ele minha eterna gratidão.

Agradeço também às pessoas a quem dedico a minha dissertação, minha mãe e minha irmã, amigas inseparáveis, exemplo de união, companheirismo, amor, amizade, inclusive nas madrugadas perdidas. Nunca me senti só. Tenho certeza de que juntas tudo podemos (Meninas Super Poderosas, avante!).

Agradeço a meu pai pela ajuda. Agradeço à família.

Agradeço a Wellington pela disponibilidade, sobretudo nas madrugadas. À Aixa pelo companheirismo.

Agradeço à minha orientadora Doutora Mônica, pelos conselhos, pela paciência e disponibilidade na realização deste trabalho. Agradeço também a minha co-orientadora Doutora Maria Auxiliadora pela força e confiança em mim depositada.

Ao Professor Rodolfo Pamplona, sempre disposto a ajudar.

Aos amigos, aqui, peço licença para agradecer-lhes em nome de Wanja, companheira de seleção de mestrado (horas de sufoco, aquelas!).

Aos colegas da Extensão Brotas, sobretudo Eduardo, pela compreensão.

Aos funcionários da secretaria do Mestrado da Ufba, em especial, Luíza e Sr. Jovino, a quem costumava chamar diversas vezes de “Lulu” e “ Sr. Juju”, a minha gratidão pela disponibilidade e apoio.

Por fim, mais uma vez, agradeço a todos aqueles que estiveram presentes nesta caminhada na certeza de que estaremos juntos para sempre.

(7)

“Um dia, um doutor determinará que meu cérebro deixou de funcionar e que basicamente minha vida cessou. Quando isso acontecer, não tentem introduzir vida artificial por meio de uma máquina. Ao invés disso, dêem minha visão ao homem que nunca viu o sol nascer, o rosto de um bebê ou o amor nos olhos de uma mulher. Dêem meu coração a uma pessoa cujo coração só causou indetermináveis dores. Dêem meus rins a uma pessoa que depende de uma máquina para existir semana a semana. Peguem meu sangue, meus ossos, cada músculo e nervos do meu corpo e encontrem um meio de fazer uma criança aleijada andar. Peguem minhas células, se necessário, e usem de alguma maneira a que um dia um garoto mudo seja capaz de gritar quando seu time marcar um gol, e uma menina surda possa ouvir a chuva batendo em sua janela. Queimem o que sobrar de mim e espalhem as cinzas para o vento ajudar as flores nascerem. Se realmente quiserem enterrar alguma coisa, que sejam as minhas falhas, minhas fraquezas e todos os preconceitos contra meus semelhantes. Dêem meus pecados ao diabo e a minha alma a Deus. Se quiserem lembrar de mim, façam-no com um ato bondoso ou dirijam uma palavra delicada a alguém que precise de vocês. Se vocês fizerem tudo o que estou pedindo, viverei para sempre”.

(8)

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo principal demonstrar a possibilidade do ordenamento jurídico brasileiro abarcar a hipótese de escolha pelo doador do destinatário dos seus órgãos na doação de órgãos post mortem. Inicialmente, busca-se enquadrar o direito ao próprio corpo como direito da personalidade, relativizando o caráter de indisponibilidade desses direitos de forma a reconhecer a incidência da autonomia privada em seu campo. Ainda, será analisado o princípio da autonomia na sua concepção bioética e sua influência na determinação da possibilidade da escolha pelo doador de órgãos post mortem. Outrossim, ficará demonstrado que o sistema atual possui falhas e que a compatibilização do modelo atual com a possibilidade de escolha pelo doador é possível, utilizando-se como parâmetro o tratamento dado à doação em vida no direito pátrio, bem como na legislação estrangeira.

Palavras - chaves: Bioética; Doação de órgãos post mortem; Possibilidade de escolha pelo doador.

(9)

ABSTRACT

The main purpose of this dissertation is to demonstrate the possibility of the Brazilian legal system to accept the hypothesis that the organ donor has a choice of selection of the recipient of his/her organs post mortem. Initially, this work tries to frame the right to own body as a right of personality, character of the relative unavailability of such rights in order to recognize the impact of private autonomy in their field. In addition, the principle of autonomy will be considered in bioethics – its design and its influence – in determining the possibility of choice by the organ donor post mortem. moreover, it will be demonstrated that the current legal system has flaws and that the compatibility of the current model with a choice by the donor is possible, using as parameters the way organ donation is handled by the Brazilian legal system and other foreign legal systems.

(10)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 11

2 DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E DOAÇÃO DE ÓRGÃOS 14

2.1 BREVES COMENTÁRIOS 14

2.2 AUTONOMIA 21

2.2.1 Consentimento informado 24

2.2.2 Hipóteses legais de intervenção do estado na autonomia do indivíduo na lei 9.434/97

28

2.2.2.1 Consentimento presumido 28

2.2.2.2 Impossibilidade do doador em escolher o destinatário de seus órgãos na doação post mortem

33

3 DOAÇÃO DE ÓRGÃOS 35

3.1 BREVE HISTÓRICO 35

3.2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA 42

3.2.1 A lei 4.280/1963 43

3.2.2 A lei 5279/10 44

3.2.3 A lei 8489/92 e o Decreto 879/93 46

3.2.4 O Código Civil de 2002 48

3.3 A LEI 9434/97 E O DECRETO 2.268/97 50

3.3.1 Algumas questões sobre a doação de órgãos 57

3.3.1.1 Doação em vida 57

3.3.1.2 Doação post mortem 62

3.3.1.2.1 Critérios para constatação da morte 64

(11)

4 DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST MORTEM 78 4.1 DIFERENÇAS DE TRATAMENTO ENTRE A DOAÇÃO EM VIDA E A

DOAÇÃO POST MORTEM NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

78

4.2 SISTEMA ATUAL: “A LISTA ÚNICA DE ESPERA” 80

4.2.1 Como funciona a “lista única de espera”? 80

4.2.2 Ineficácia da Portaria 1.060/06: Critério 86

4.2.3 A situação de constantes burlas à fila dos transplantes 89

4.3.4 A impotência diante da comercialização de órgãos 90

4.3.5 Análise da jurisprudência sobre o tema 96

4.4 TRATAMENTO DADO EM OUTROS SISTEMAS 99

4.4.1 Sistema espanhol 99

4.4.2 Sistema alemão 103

4.4.3 Sistema americano 108

4.5 A VIABILIDADE DE ADOÇÃO DA ESCOLHA PELO DOADOR DE ÓRGÃOS PELO SISTEMA BRASILEIRO. BENEFÍCIOS

111 4.5.1 Direito de escolha na esfera da autonomia privada 111 4.5.2 Isonomia de tratamento com relação à doação em vida 112

4.5.3 Instrumento de combate à comercialização 113

4.6 PROPOSTA PARA SOLUÇÃO DO PROBLEMA 114

5 CONCLUSÃO 116

REFERÊNCIAS 118

(12)

1 INTRODUÇÃO

A vida humana necessita de proteção contra quaisquer riscos de deterioração, estragos, principalmente em épocas de grandes descobertas científicas e tecnológicas. Neste diapasão, os transplantes de órgãos colocam-se entre as maiores conquistas da modernidade, pois que proporcionam a sobrevivência de indivíduos que sem tais recursos estariam fadados à morte.

Em contrapartida, tal avanço fez nascer em alguns a ideia de ser o transplante um negócio rentável, razão pela qual, hoje, é muito comum falar-se em comércio de órgãos. Assim, a doação de órgãos que, inicialmente, deveria ter um fim altruístico, passou a ser sinônimo de rentabilidade1.

O legislador brasileiro, diante desse contexto, não permaneceu silente. Ao editar a Lei n° 9.434/97, juntamente com Dec. n°2.268/97, regulando a remoção de órgãos, optou, ao que parece, por impedir ou coibir a comercialização de órgãos, tentando imprimir um caráter humanitário à doação.

Tudo indica que tais dispositivos surgiram com o intuito de evitar o comércio de órgãos, prova disso é que o art. 1° da Lei permite somente a disposição do próprio corpo, a título gratuito.

Nessa linha, permitiu-se que, em vida, o doador pudesse escolher o destinatário de seus órgãos. Entretanto, tratou-se de forma diferenciada a doação post mortem ao estabelecer-se que os órgãos, partes ou tecidos doados devem ser transplantados em receptores indicados pelo Estado, através de um órgão.

A questão da ingerência do Estado no direito do indivíduo dispor do próprio corpo, proibindo o “de cujus”, por testamento, ou sua família escolher o receptor de seus órgãos; a Lei n° 9.434/97; bem como o Dec. n° 2.268/97, ao menos nesse

1 “Os vínculos econômicos induzem as pessoas a cometer muitos atos, alguns deles nocivos à sociedade, que são proibidos e punidos pela justiça, outros bons úteis para outras pessoas e que por isso as éticas não são absolutas e modificam-se de acordo com as condições e constrangimentos econômicos”. Plasma Sopeto. In: BERLINGUER, Giovanni. A última

mercadoria: a compra, a venda e o aluguel de partes do corpo humano. BERLINGUER,

Giovanni; GARRAFA, Volnei. A mercadoria final: ensaio sobre a compra e venda de partes do

(13)

aspecto, não foram satisfatoriamente desnudados, e é aí que radica a importância de tratar-se do tema proposto.

Pedra angular da Constituição democrática e liberal, o respeito à condição humana, abarca também assegurar a individualidade e a autodeterminação do individuo.

A Constituição num estado liberal, pluralista, respeita a singularidade e a individualidade da condição humana que tem como decorrência ou como consectário a autodeterminação, englobando atos praticados em sua vida, até mesmo os que possam produzir efeitos para além da sua existência.

Nessa linha de consideração da autodeterminação, do respeito à individualidade e à singularidade da pessoa humana, seria fundamental, ao Estado Democrático de Direito, que fosse assegurado ao individuo a escolha do destino dado aos seus órgãos, constitutivos da sua própria existência em vida.

Assim, ao ser contemplado aquele que foi eleito por ele, observando-se o vínculo de afetividade, estar-se-ia, no momento em que isso fosse respeitado, consolidando-se o respeito à individualidade e à autonomia do indivíduo.

O objetivo do presente trabalho é demonstrar a possibilidade do ordenamento jurídico brasileiro contemplar a escolha pelo doador dos destinatários de seus órgãos.

Para tanto, o capítulo 2 do presente trabalho vai demonstrar que o direito ao próprio corpo, levando-se em consideração o aspecto da doação de órgãos, está inserido no rol de direitos da personalidade.

Demonstrar-se-á também que o caráter de indisponibilidade dos direitos da personalidade há muito está sendo obtemperado pela autonomia privada.

Serão discutidos o direito à integridade física, que envolve a proteção do próprio corpo vivo e morto, dos tecidos, órgãos e partes que podem ser separadas e individualizadas e a liberdade de escolha do indivíduo.

No capítulo 3, fez-se a opção de abordar a evolução legislativa brasileira, culminando numa análise da atual lei 9.434/97 e do decreto 2.268/97.

O capítulo 4 trata especificamente da doação de órgãos post mortem e seus aspectos específicos. Neste mesmo capítulo serão analisados o funcionamento e as falhas no sistema atual.

(14)

Ainda no capítulo 4, serão analisados alguns modelos legais estrangeiros no intuito de verificar se contemplam a possibilidade de escolha pelo doador do destino de seus órgãos na doação post mortem.

Enfim, o desafio a que se propõe o trabalho é o de repensar um modelo que, ao mesmo tempo: resolva a questão da comercialização de órgãos – o que repercutiria socialmente –; e que não se obrigue o indivíduo a submeter-se à ingerência do Estado, no direito a dispor do próprio corpo.

(15)

2 DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E DOAÇÃO DE ÓRGÃOS 2.1 BREVES COMENTÁRIOS

Como se sabe, o direito ao próprio corpo está inserido no rol dos direitos da personalidade e, como tal, possui suas características; por esta razão, antes de adentrar neste tema específico, serão traçados alguns aspectos atinentes aos direitos da personalidade.

Inicialmente, cumpre destacar que o direito ao próprio corpo pode ser também chamado de direito à integridade física, sendo a doação de órgãos um dos aspectos deste direito.

Segundo Santos 2, o direito à integridade física abrange “ [...] os tecidos, órgãos e partes separáveis, e o direito do cadáver”.

Nesse contexto, mister se faz conceituar, ou mesmo, determinar o que são os direitos da personalidade.

Carlos Alberto Bittar 3 define direitos da personalidade como:

[os direitos inatos, cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los em um ou outro plano do direito positivo – a nível constitucional ou a nível de legislação ordinária – e dotando-os de proteção própria, conforme o tipo de relacionamento a que se volte, a saber: contra o arbítrio do poder público ou às incursões de particulares”4.

2 AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 6. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.263.

3 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 1.ed. São Paulo; Rio de Janeiro: Forense, 1989, p.7.

4 Continua o autor: “direitos próprios da pessoa em si, existentes por sua natureza, como ente humano, com o nascimento, mas, são também direitos referentes às projeções do homem para o mundo exterior (a pessoa como ente moral e social, ou seja, em seu relacionamento com a sociedade”. Loc.cit.

(16)

Limongi França diz que os direitos da personalidade são: “as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim as sua emanações e prolongamentos”.5

Segundo Lopes6:

[consideramos os direitos da personalidade como os atinentes à utilização e disponibilidade de certos atributos inatos ao indivíduo, como projeções biopsíquicas integrativas da pessoa humana, constituindo-se em objetos (bens jurídicos), assegurados e disciplinados pela ordem jurídica imperante.

Gomes7 afirma que nos direitos da personalidade estão compreendidos os direitos essenciais à pessoa humana, a fim de resguardar a sua própria dignidade.

Tepedino8 entende que os direitos da personalidade são: “os direitos atinentes à pessoa humana, considerados essenciais à sua dignidade e integridade”.

Assim, pode-se inferir através do quadro elencado acima que os direitos da personalidade são direitos essenciais ao ser humano, são inatos e se prestam a garantir a dignidade da pessoa humana.

Ultrapassada a fase conceitual, passa-se, então a outro elemento essencial para compreensão dos direitos da personalidade: suas características. Nesse sentido, os direitos da personalidade possuem alguns caracteres que lhes são inerentes, mas por didática do trabalho, somente será tratado aqui o caráter da indisponibilidade9.

5 FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de direito civil. 3.ed. São Paulo: RT, 1975. p. 403.

6 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 2000. V. 1.

7 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.153

8 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.2.

9 Maria Celeste traz outros caracteres essenciais: absolutos, extrapatrimoniais ou extrapecuniários, intransmissíveis ou indisponíveis, impenhoráveis e imprescritíveis, irrenunciáveis, vitalícios e necessários e ilimitados. In.: SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (org.). “Biodireito: ciência da vida, os novos desafios”. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 157.

(17)

Assim, diz-se, em princípio, que os direitos da personalidade são indisponíveis porque o titular desses direitos não pode dispor deles, não pode privar-se deles, uma vez que são da essência da pessoa.

Contudo, cumpre advertir que, atualmente, tem-se questionado a indisponibilidade destes direitos seguindo o caminho de sua relativização.

Nessa linha de intelecção, Gomes10 já reconhecia que os bens jurídicos – nos quais os direitos da personalidade se incluem – são insuscetíveis de avaliação, contudo, afirma que tal fato não exclui a possibilidade desses bens serem objetos de negócios jurídicos patrimoniais.

Aguiar11 também reconhece a disponibilidade relativa dos direitos da personalidade.

Borges ao tratar dos direitos da personalidade no aspecto positivo12 assevera que:

[esse aspecto positivo dos direitos da personalidade, realizador da liberdade jurídica que o ordenamento reconhece às pessoas, tem de ser respeitado. É preciso admitir o exercício amplo da liberdade que não afete direitos de terceiros. E muitos direitos da personalidade podem ser exercidos de forma positiva, por meio da autonomia privada.

Ainda sobre o tema da disponibilidade relativa dos direitos da personalidade, especificamente com relação à doação de órgãos, muitos autores admitem a

10 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

11 CASTRO, Mônica Neves Aguiar da Silva. Honra, imagem, vida privada e intimidade, em

colisão com outros direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 67.

12

A autora divide os direitos da personalidade em dois aspectos: o aspecto negativo, que diz respeito a proteção do sujeito contra o Estado e à tutela negativa dos indivíduos na relação com o outro e na relação com a sua comunidade; e o aspecto positivo, que estaria ligado à liberdade jurídica. In.: BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Disponibilidade dos direitos da

personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 122. (Coleção Prof. Agostinho

(18)

possibilidade de disposição sobre partes do corpo13, sobretudo se a disposição tem finalidade altruística ou científica.

O autor Bittar adverte que, embora o direito a integridade física seja disponível, tal disponibilidade é condicionada pela lei, ordem pública, moral e bons costumes.

Diniz14, ao tratar do tema, também admite a disponibilidade relativa:

[o corpo é disponível dentro de certos limites e para salvaguardar interesses superiores, atendendo a um estado de necessidade. A pessoa pode anuir na ablação de partes enfermas, mesmo não sendo reconstituíveis, de seu corpo, para restaurar a saúde ou preservar a sua vida, dispor de partes regeneráveis, desde que não atinja a sua vida ou saúde, para salvar outra pessoa, e doar post mortem seus órgãos e tecidos para fins altruísticos.

Assim, é imperioso reconhecer que os direitos da personalidade sob o enfoque do direito ao próprio corpo, sobretudo no que tange à doação de órgãos, já não contemplam o caráter da indisponibilidade. É que a indisponibilidade dos direitos da personalidade deve ser contrastada com a autonomia privada.

A autonomia privada diz respeito à faculdade de realizar negócio jurídico. Por meio dela, o indivíduo vai regular suas próprias ações e determinar as suas relações jurídicas, tudo com amparo no ordenamento.

Pode-se dizer, então, que a autonomia privada é a manifestação jurídica da liberdade do indivíduo, pois representa um poder reconhecido pelo ordenamento de regulamentar os próprios interesses, dentro de determinados parâmetros.

É com base nesta autonomia que se tem admitido a cessão de uso de alguns direitos da personalidade. Nesse sentido, o Código Civil de 2002, foi o primeiro

13 WALD, Arnoldo. Direito civil: introdução e parte geral. 9. ed. rev. ampl. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 121.

14 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2.ed. aum. e atual. de acordo com o novo código civil (Lei n. 10.406 de 10-01-1002). São Paulo: Saraiva, 2002, p.250.

(19)

dispositivo infraconstitucional a tratar do tema15, composto por onze artigo que serão tratados a seguir.

O primeiro deles, o art. 11, elenca duas características dos direitos da personalidade, a saber: intransmissibilidade e irrenunciabilidade, permitindo exceções.

O artigo seguinte trata da patrimonialidade reflexa dos diretos da personalidade, ou seja, permite que aquele que se veja lesado ou ameaçado em seus direitos da personalidade pleiteie perdas e danos.

O parágrafo único possibilita que o cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até 4º grau pleiteie as perdas e danos, se o direito da personalidade lesado pertencer ao morto.

Em seguida, o artigo 1316, permite a disposição do corpo para fins de transplante ao contemplar o direito ao próprio corpo e à integridade física, aduzindo que não pode um indivíduo dispor do próprio corpo quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes, salvo por exigência médica e/ou transplantes.

Em consonância com a linha adotada pelo legislador constituinte e demais dispositivos brasileiros acerca do tema, o código civil, em seu art. 14, afirma que: “é válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte”. Pode o ato de disposição ser revogado a qualquer tempo.

15 Cumpre salientar que o diploma de 1916 não trazia nada a respeito do tema.

16 Art. 13. “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. Parágrafo Único: o ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial”.

(20)

O art. 15 trata do respeito à vontade do indivíduo e a sua autonomia, ao dispor que: “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”

Do art. 16 ao art. 19, o código disciplina o direito ao nome. Assim, toda pessoa tem direito a nome (prenome e sobrenome), sendo que o nome de uma pessoa não pode ser empregado por outra sem sua autorização. E, por fim, protege também o pseudônimo.

O art. 20 protege o direito à imagem, ao dispor que:

Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

O parágrafo único do mesmo artigo protege também o direito à imagem dos mortos e ausentes, legitimando o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes para defendê-los.

Por último, o código resguarda o direito à privacidade. Tal proteção tem como fundamento o interesse de resguardar a vida íntima de uma pessoa do conhecimento do público.

Contudo, embora o direito ao próprio corpo encontre embasamento na autonomia privada, reconhecida pela legislação, conforme ensina Perlingieri: “a autonomia não é um arbítrio: o ato de autonomia em um ordenamento social não se pode eximir de realizar um valor positivo”. 17

17 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 2.ed. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro, São Paulo: Renovar, 2002, p. 299.

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Pode-se dizer que os limites da autonomia privada são a lei, a moral, a ordem pública e os bons costumes.

O próprio ordenamento jurídico pátrio reconhece limites para a autonomia privada.

Nesse sentido, o art. 199, parágrafo 4º da Constituição impõe a gratuidade para os atos de disposição de partes do próprio corpo e condiciona a disposição a finalidades de transplante, pesquisa ou tratamento.

A Lei 9.434/97, que trata dos transplantes permite que haja disposição, apenas, de forma gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano e com a finalidade de transplante ou tratamento.

Também o Código Civil, nos artigos supra mencionados, ao mesmo tempo que permite a disposição do corpo, limita tal prática.

Assim, o art. 13 aduz que o ato de disposição do próprio corpo não pode importar em risco para a vida ou para a integridade física ou mental do indivíduo, a menos que seja determinado por exigência médica, demonstrando, assim, que a ordem jurídica veda a realização de negócios jurídicos que, ligados ao corpo humano, possam acarretar prejuízo à vida, diminuição da saúde, comprometimento de suas funções ou que atentem contra os bons costumes.

Ainda no que tange aos direitos da personalidade, em especial à integridade física, Sgreccia18 faz a seguinte observação: “depois da vida está a integridade dessa mesma vida, que pode ser tirada somente se isso é exigido para salvaguardar a vida física em seu todo, ou por um bem moral superior.”

Sob o fundamento da autonomia é que, conforme se verá adiante, o presente trabalho levantará a possibilidade de escolha – pelo doador – do destinatário dos seus órgãos, na doação de órgãos post mortem. Isto porque, diante da autonomia do indivíduo, não há como negar o direito de escolha do doador, até porque tal possibilidade, se limitada, não prejudica direito de terceiros.

18SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: fundamentos e ética biomédica. 2. ed. São Paulo:

(22)

2.2 AUTONOMIA

A autonomia, neste tópico, será analisada sob o enfoque de princípio bioético. Inicialmente, passa-se a conceituar autonomia. A palavra AUTONOMIA é formada por duas palavras de origem grega, a palavra “autos” que quer dizer “próprio” e a palavra e “nomos”, que significa lei, norma ou governo.

A partir dessa definição, pode-se dizer que o conceito de autonomia vai indicar, precipuamente, a capacidade de autogovernar-se e autoreger-se.

Em termos bioéticos, a autonomia está ligada à independência e à capacidade para decisões e ações independentes, mas também inclui a imposição de que esta capacidade de autodeterminação seja respeitada.

Assim, é que, segundo Ferraz19:

O princípio da autonomia, cujas raízes se encontram na filosofia kantiana20, é um dos pilares da Bioética contemporânea. Sua relevância para a cultura atual é indiscutível, visto que este princípio relaciona-se com a causa ética da emancipação do sujeito em direção à sua autodeterminação, causa essa que, em última instância, diz respeito à afirmação da cidadania.

19 FERRAZ, Flávio Carvalho. A questão da autonomia e a bioética. In: Simpósio Internacional de Genética e Ética, 1., 1997, Rio de Janeiro. Anais eletrônico... Rio de Janeiro: Fundação

Oswaldo Cruz, 1997. Disponível em internet:

<http://www.portalmedico.org.br/revista/bio9v1/simpo5.htm>. Acesso em: 06 ago. 2009.

20 Sobre a autonomia Kant escreveu: A autonomia da vontade é a constituição da vontade, pela qual ela é para si mesmo uma lei – independentemente de como forem constituídos os objetos do querer. O princípio da autonomia é, pois, não escolher de outro modo, mas sim deste: que as máximas da escolha, no próprio querer, sejam ao mesmo tempo incluídas como lei universal. In: KANT, Immanuel. Fundamentos da Metafísica dos Costumes. 1785. Trad. Antônio Pinto de

Carvalho Companhia Editora Nacional. Disponível em:

(23)

Nestes termos, pode-se dizer que, juntamente com outros princípios21, o princípio do respeito à autonomia22, foi formulado por Beauchamp e Childress, para orientar as decisões dos profissionais da área de saúde.

O principialismo, corrente desenvolvida por tais autores, surgiu em meio a notícias de maus-tratos e violações éticas perpetradas pelos profissionais de saúde e divulgadas por Henry Beecher.23

Nesse contexto, segundo os autores Ferrer e Álvarez, o princípio de respeito à autonomia levava em consideração: “os direitos do sujeito moral (ou seja, da pessoa que é capaz de decidir autonomamente): 1) de ter seus próprios pontos de vista, 2) de fazer suas própias opções e 3) de agir em conformidade com seus valores e crenças pessoais” 24.

Beuchamp e Childress25 afirmavam que o princípio do respeito à autonomia pode ser estabelecido em sua forma negativa, no sentido de que as ações de um indivíduo não devem estar sujeitas pressões de outros indivíduos; e, na forma positiva, especialmente no sentido de obrigar os profissionais de saúde a revelar as informações e a encorajar o indivíduo em suas decisões autônomas.

Por questões metodológicas, para tratar do princípio do respeito à autonomia será utilizada a expressão “princípio da autonomia”, que é a nomenclatura mais usual deste princípio.

21 Seguindo a doutrina de BEAUCHAMP E CHILDRESS, os outros princípios são: beneficência, não maledicência e justiça.

22 Tal nomenclatura foi utilizada pelos idealizadores do principialismo, BEAUCHAMP e CHILDRESS, advertindo-se, no entanto, que atualmente a doutrina costuma chamá-lo de princípio da autonomia.

23 DINIZ, Débora; GUILHEM, Dirce. O que é bioética. São Paulo: Brasiliense, 2007, p. 15 -16.

24 FERRER, Jorge José; ÁLVAREZ, Juan Carlos. “Para fundamentar a bioética: teorias e paradigmas teóricos na bioética contemporânea”. Trad. Orlando Soares Moreira. São Paulo: Edições Loyola, 2005. p. 125.

25 BEUCHAMP, T.L.; CHILDRESS, J.F. Princípios de Ética Biomédica. 4 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 143 -144.

(24)

Assim, tal princípio se refere à capacidade de autogovernar-se, de ter liberdade de escolha. Santos26 nos diz que:

[o princípio da autonomia, denominação mais comum pela qual é conhecido o princípio do respeito às pessoas, exige que aceitemos que elas se autogovernem, ou sejam autônomas, quer na sua escolha, quer nos seus atos. [...]. Reconhece o domínio do paciente sobre a propria vida e o respeito à sua intimidade.

Mais adiante a mesma autora afirma que o princípio da autonomia protege o bem mais genérico que “é a liberdade de realizar qualquer conduta que não prejudique a terceiros”, liberdade esta trazida nos artigos 4º e 5º, da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão.27

Assim, nota-se que o princípio da autonomia é a consagração da liberdade do indivíduo, é o reconhecimento da capacidade do indivíduo de tomar suas próprias decisões.

Nessa linha de intelecção, Garcia Aznar28 afirma que:

[esse reconocimiento representa asumir nuestra mayoría de edad y el peso que ello comporta a fin de convertilo en algo libertador y creador. Representa reconocer a los indivíduos como entes autónomos << entendiendo que el principio de respecto de la autonomía indica que debemos permitir a lo agente racional; es vivir sus próprias vidas según sus próprias decisiones autónomas libres de coerción o intergerencias>> (P. Singer, 1984:178) o dicho de outro modo, respectar al otro en sus creencias, en su individualidad, en su diferencia. Todo ello dentro del marco común de respecto a los derechos humanos como mínimo ético necesário de convivencia y tolerancia.

26 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro. “O equilíbrio do pêndulo: A bioética e a lei: implicações médicas legais”. São Paulo: Ícone, 1998. p. 43.

27

Id. ibid, p. 43.

28 GARCIA AZNAR, Andreu. In: CASADO, María.(Comp.) “Estudios de bioética y derecho”. Valencia: Tirant lo Blanch, 2000. p. 200.

(25)

Para Durand29:

[a autonomia é pois uma responsabilidade ou um dever – a responsabilidade de refletir sobre as exigências ‘objetivas’ do respeito e da promoção da dignidade da pessoas humana em mim e em cada ser; a responsabilidade de escolher uma ação que segue o sentido do respeito a cada ser humano e a todo ser humano [...].

Conceber uma pessoa como autônoma é o mesmo que concebê-la como uma pessoa capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e de agir na direção desta deliberação.

É com base nesta possibilidade de autodeterminar-se, autoreger-se, autogerir-se que o indivíduo, quando da sua morte, poderá escolher o destinatário de seus órgãos.

Nesse sentido, observa Adorno30: “El principio de autonomía hace referencia al deber de respectar la autodeterminación del paciente”.

A imposição de uma lista única de receptores pelo Estado fere a autonomia do indivíduo ao desconsiderar a vontade do mesmo quando em vida. Sobre o tema, ver tópico 4.5.1.

2.2.1 Consentimento informado

Embora este não seja o objeto do presente trabalho, faz-se necessária uma breve análise do princípio do consentimento informado, pois que existe uma ligação muito forte entre ele e a autonomia. Alguns autores chegam inclusive a confundi-los.

O consentimento é a forma de expressão da autonomia, pois é a partir dele que o indivíduo demonstra a sua decisão. Em termos bioéticos, o consentimento deve ser

29 DURAND, Guy. “Introdução geral à bioética: história, conceitos e instrumentos”. Trad. Nicolás Nyimi Campanário. São Paulo: Editora Centro Universitário São Camilo; Edições Loyola, 2003. p.177.

30 ADORNO, Roberto. “Bioética y dignidad de la persona”. Madrid: Tecnos, 1998. p. 41. (Versión española del propio autor).

(26)

obtido após passadas todas as informações ao paciente acerca da sua situação, tratando-se, portanto de um consentimento qualificado que se chama de consentimento informado.

Corolário do princípio da autonomia, o princípio do consentimento informado tem o seu expoente no consentimento informado e expresso.

No entanto, além do consentimento expresso, existem várias formas de consentimento. Beauchamp e Childress31, além do consentimento expresso, apontam outra forma de consentimento, o não expresso, dentre este ainda podemos ter:

1. tácito, que é expressado passivamente por omissão; 2. implícito ou subentendido, que é inferido das ações;

3. presumido, que assemelhando-se ao consentimento implícito, se torna presumido quando baseado naquilo que sabemos de determinada pessoa.

Mas, ao final, o que vem a ser consentimento informado? Segundo Carrasco Gomez32 apud Gonzalez Moran:

[por consentimento informado se entende o processo que surge na relação médico/paciente, pelo qual o paciente expressa sua vontade e exerce, portanto, sua liberdade ao aceitar submeter-se ou rechaçar um plano, um diagnóstico, terapêutica, de investigação, etc., proposto por um médico para atuar sobre sua pessoa; e tendo ele recebido informações suficientes sobre a natureza do ato ou atos médicos, seus benefícios e riscos, e as alternativas que existem na proposta.

Para Casabona33:

[a informação e o consentimento informado são obrigações legais, como meio de respeito da autonomia ou autodeterminação dos pacientes, cujos direitos fundamentais e civis mantêm sua plena vigência apesar da situação de debilidade em que possam se encontrar, por causa dos padecimentos que sua enfermidade provoca.

31 BEUCHAMP, T.L.; CHILDRESS, J.F. Princípios de Ética Biomédica. 4 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 146.

32 Apud: CARRASCO GOMEZ. “De la bioética al bioderecho: libertad, vida y muerte”. Madrid: Universidad Pontificia de Comillas, Editorial Dykinson S.L., 2006. p. 267. (Tradução livre).

33 CASABONA, Carlos María Romeo; Sá, Maria de Fátima Freire de (Org.) “Desafios jurídicos

(27)

Gonzalez Moran34 a esse respeito afirma que:

[o consentimento informado, em sentido estrito, consiste na explicação ao paciente da natureza de sua enfermidade e demais elementos necessários para que aquele compreenda bem as vantagens e inconveniências do tratamento e do ato médico, sendo que a informação deve preceder necessariamente ao consentimento, que é um ato de vontade pelo qual se aceita ou se rechaça as opções ou possibilidades apresentadas pelo médico.

Assim, o consentimento informado vem a ser a expressão de liberdade do indivíduo, da sua autonomia.

Este princípio é a base das relações médicas. Isto porque, a relação médico - paciente deve ser pautada na confiança e para haver confiança deve haver informação35.

Com relação à doação de órgãos, como em toda relação médico paciente, o consentimento informado possui muita relevância.

34

MORÁN GONZÁLEZ, Luis. “De la bioética al bioderecho: libertad, vida y muerte”. Madrid: Universidad Pontificia de Comillas, Editorial Dykinson : [S.l.], 2006, p. 267. (Tradução livre). 35 António Travassos, médico oftalmologista, a propósito da relação médico/doente, ao se referir ao medicamento oftalmológico que causava problemas aos usuários, fala o seguinte:

…/ E, na primeira oportunidade que se me apresentou, falei do que sei fazer e da experiência que adquiri ao longo de uma actividade cirúrgica vivida com grande intensidade e quase sempre

off label. Pensei nos "meus doentes", no Rui, na Ivone, na Anabela, na Maria Ana e em todas

as outras crianças e adultos que tenho o privilégio de tratar. Nos que me compreendem, nos que confiam em mim e me dizem "por favor, decida o doutor!". Hoje, ainda em período de tempestade, decidi manter agendados 10 doentes para tratamento com "Avastin". Estava preparado para ouvir as dúvidas, as perguntas, as certezas e constatar as hesitações. Nada disso aconteceu... nem uma pergunta, nem uma hesitação. "Eu confio em si, doutor... por favor

trate-me." Raras vezes as doenças oculares acompanham quadros clínicos complexos, que

evoluam com doença psíquica. Por isso, os nossos doentes conservam a inteligência on head. Uma relação doente/ médico honesta e competente é um pilar muito forte para a cura. Um doente pode aceitar que um médico erre, mas nunca aceitará que minta ou que o deixe no convés que se afunda, enquanto salta, apressadamente, para um qualquer salva-vidas”. (TRAVASSOS, 2009, grifo nosso). Disponível em:<

http://saudesa.blogspot.com/2009/07/consentimento-informado-2.html> Acesso em: 07 ago. 2009.

(28)

A própria lei que disciplina a doação de órgãos, lei 9.434/97, contempla em alguns artigos o princípio do consentimento informado e expresso.

O primeiro artigo a tratar do tema é o artigo 4º que tem a seguinte redação:

A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte.

Nesse caso, percebe-se que o legislador condicionou a doação dos órgãos do cadáver ao consentimento da família, que, depois de ouvir o médico, autorizará ou não a retirada dos órgãos.

O Art. 5º ao afirmar que: “a remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa juridicamente incapaz poderá ser feita desde que permitida expressamente por ambos os pais, ou por seus responsáveis legais”, também demonstra a preocupação do legislador no que diz respeito ao consentimento informado.

O § 4º, do art. 9º, reza que: “O doador deverá autorizar, preferencialmente por escrito e diante de testemunhas, especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada”, demonstrando a necessidade de consentimento expresso no caso de doação em vida.

O § 6º, do art. 9º, contempla igualmente o consentimento expresso, afirmando que:

[o indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilidade imunológica comprovada, poderá fazer doação nos casos de transplante de medula óssea, desde que haja consentimento de ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização judicial e o ato não oferecer risco para a sua saúde.

O art. 9º, § 8º, afirma que: “o autotransplante depende apenas do consentimento do próprio indivíduo, registrado em seu prontuário médico ou, se ele for juridicamente

(29)

incapaz, de um de seus pais ou responsáveis legais”. Nesse contexto, patente é a percepção da necessidade de haver consentimento informado em casos de autotransplantes, em decorrência dos riscos a que o paciente pode se submeter.

O art. 9o-A garante a toda mulher o acesso a informações sobre as possibilidades e os benefícios da doação voluntária de sangue do cordão umbilical e placentário durante o período de consultas pré-natais e no momento da realização do parto, sendo, portanto, expoente do consentimento informado.

A redação do art. 10 diz o seguinte: “o transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento”. Note-se que, neste caso, ao contrário dos outros artigos, o consentimento informado deve partir do receptor dos órgãos, que tendo sido previamente informado acerca dos benefícios e dos riscos, passará a decidir sobre a realização ou não do transplante.

Assim, analisado, ainda que de forma breve, o consentimento informado, somente em função de sua ligação íntima com o princípio da autonomia, passar-se-á a análise das hipóteses em que a legislação abarca a limitação da autonomia do indivíduo, no caso doador.

2.2.2 Hipóteses legais de intervenção do estado na autonomia do indivíduo na lei 9.434/97

2.2.2.1 Consentimento presumido

Convém, antes mesmo de adentrar no tema, justificar a localização do assunto no referido tópico, considerando que o capítulo 3, item 3.3, traz comentários acerca da lei 9.434/97. A escolha pelo tratamento do tema aqui, deve-se ao fato de que o consentimento presumido é uma hipótese de descaracterização da autonomia do indivíduo, que, por sua vez vem a ser o título desta seção.

(30)

O advento da lei 9.434/97 levantou grandes questionamentos naquela época. É que, ao dispor acerca da doação de órgãos post mortem, o legislador optou por estabelecer a doação presumida ou compulsória. Assim, é que o art. 4º da referida lei em sua redação original dizia que:

Salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei, presume-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplantes ou terapêutica post mortem. § 1° A expressão “não-doador de órgãos e tecidos” deverá ser gravada, de forma indelével e inviolável, na Carteira de Identidade Civil e na Carteira Nacional de Habilitação da pessoa que optar por essa condição. § 2° A gravação de que trata este artigo será obrigatória em todo o território nacional a todos os órgãos de identificação civil e departamentos de trânsito, decorridos trinta dias da publicação desta Lei.

§ 3° O portador de Carteira de Identidade Civil ou de Carteira Nacional de Habilitação emitida até a data a que se refere o parágrafo anterior poderá manifestar sua vontade de não doar tecidos, órgãos ou partes do corpo após a morte, comparecendo ao órgão oficial de identificação civil ou departamento de trânsito e procedendo à gravação da expressão “não-doador de órgãos e tecidos”.

§ 4° A manifestação de vontade feita na Carteira de Identidade Civil ou na Carteira Nacional de Habilitação poderá ser reformulada a qualquer momento, registrando-se, no documento, a nova declaração de vontade. § 5° No caso de dois ou mais documentos legalmente válidos com opções diferentes, quanto à condição de doador ou não, do morto, prevalecerá aquele cuja emissão for mais recente (grifo nosso).

Não é despiciendo lembrar que este dispositivo gerou grandes discussões, inclusive, foram levantados questionamentos acerca de sua constitucionalidade.

A polêmica gerada foi enorme, sendo que, como era de se esperar, daí surgiram duas correntes.

Uma corrente se manifestava contrariamente a este dispositivo, entendendo que o mesmo continha ato de violência do Estado contra o cidadão.

Neste polo, se encontravam a maioria dos doutrinadores que rechaçavam o dispositivo sob o fundamento de que o mesmo atentava contra os direitos da personalidade e da dignidade humana, tendo em vista que todo indivíduo, desde que

(31)

capaz, tem o direito de decidir sobre si mesmo, principalmente em questões vinculadas ao próprio corpo.

Nessa linha de intelecção, dizia-se que a imposição de doação presumida desrespeitava ao mesmo tempo a autonomia do indivíduo e a dignidade do ser humano.

E não pense que os argumentos eram poucos. Começou-se a perscrutar sobre qual seria a população mais atingida por este dispositivo, chegando-se à conclusão que os integrantes das camadas mais pobres seriam os mais atingidos, pois que, em sua maioria, não possuem documentos exigidos pela lei para registrar a sua vontade.

Outro argumento é que a doação não pode ser uma imposição legal, mas sim um ato de generosidade, de solidariedade, de humanidade.

De fato, não se pode conceber que o Estado possa se apropriar do corpo humano por uma decisão unilateral.

Garrafa ponderou os seguintes aspectos:

[sancionada a lei que dispõe sobre a doação compulsória de órgãos de cadáveres para transplantes ou ‘doação presumida’, como vem sendo chamada no Brasil, teremos uma reviravolta no princípio jurídico brasileiro, que sempre foi afirmativo. Nesse caso, o cidadão terá que declarar, em vida, que não é doador. Pergunto: o que acontecerá com a autonomia dos mais de 50 milhões de brasileiros desinformados, incluindo analfabetos e semianalfabetos? E quem se responsabilizará pela segurança dos acidentados graves que chegarem aos nossos desaparelhados prontos-socorros? E o respeito à dignidade (moral) do corpo do cadáver? E a segurança que ‘as listas de espera serão rigorosamente controladas e observadas? [...]. Levando-se em consideração o despreparo educacional de representativa parte da população brasileira, configurar-se-ia, desta forma, uma espécie do que se poderia chamar ‘consentimento silencioso imposto através da desinformação, com o atropelo do princípio fundamental da autonomia das pessoas para decidir livremente sobre seu destino.36

36 GARRAFA, Volnei. Qual o consentimento? Medicina. Conselho Federal, Brasília, n. 78, ano 10, p.8, fev. 1997.

(32)

Até setores ligados à religião resolveram se manifestar a respeito.

O Padre Altemeyer Júnior37 apud CARDOSO, vigário de comunicação da Arquidiocese de São Paulo, afirmou que: “toda pessoa é corpo. Ela não apenas possui corpo, que é uma parte essencial da vida humana. Vivo ou morto, o corpo merece respeito. [...]. Deve prevalecer uma doação e não uma expropriação”.

França também desabafa:

[além do mais, entendemos que a atual lei dos transplantes é inconstitucional, uma vez que ela viola o princípio consagrado da liberdade individual, expressamente exaltado na Constituição Federal. Some-se a isso a gravidade da apropriação indevida do corpo humano. Essa é, sem dúvida, uma lei arbitrária. Outra coisa: a forma como se processa a doação no presente estatuto transforma o corpo humano em simples objeto. Ninguém pode esquecer que esse corpo, mesmo inanimado, é integrante da personalidade do indivíduo.38

Em outro polo, encontravam-se aqueles que acreditavam que tal dispositivo legal seria uma oportunidade de salvar vidas que estão sendo perdidas por falta de doação de órgãos.

A defesa deste dispositivo se baseava, principalmente, na ideia de que a lei não atinge de forma absoluta o direito de escolha do cidadão, pois que permitia que o

37 CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos casos de transplantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 248.

38 FRANÇA, Genival Veloso de. Comentários à novela dos transplantes. Arquivos do Conselho Regional de Medicina do Paraná, Curitiba, n. 57, v. 15, p. 49, 1998. Apud: CARDOSO, Alaércio.

Responsabilidade civil e penal dos médicos nos casos de transplantes. Belo Horizonte: Del Rey,

(33)

indivíduo, que não queria ser doador, manifestasse a sua vontade em não fazê-lo, sem limite de tempo.

Assim, é que diante da grande repercussão negativa, manifestada por diversas áreas da sociedade brasileira, incluindo a classe médica, os operadores do direito e a própria população, fez-se imperiosa a alteração do dispositivo, que a partir da Medida Provisória n° 1718/98 passou a vigorar com outro texto.

A partir desta data, na falta de manifestação do potencial doador, a família seria responsável pela autorização de retirada de órgãos de cadáver, conforme se confere do art. 4° da Lei n° 9.434/97 que foi acrescido do seguinte parágrafo:

§ 6° Na ausência de manifestação de vontade de potencial doador, o pai, a mãe, o filho ou o cônjuge poderá manifestar-se contrariamente à doação, o que será obrigatoriamente acatado pelas equipes de transplantes e remoção.

Contudo, a alteração do dispositivo nos moldes da Medida Provisória n° 1718/98 não teve o condão de colocar em cheque a discussão que outrora se apresentava; razão pela qual o parágrafo 6º, incluído pela MP, não foi recebido nas reedições subsequentes da MP, culminando seu insucesso na MP 2083-32, de 22/02/2001) que foi convertida na Lei n° 10.211, de 23/03/2001, modificando o teor do art. 4° da Lei de Transplantes, nos seguintes termos:

A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte.

Assim, atualmente, o dispositivo que tratava da doação foi revogado, valendo, então, a regra do consentimento expresso.

(34)

2.2.2.2 Impossibilidade do doador em escolher o destinatário de seus órgãos na doação post mortem

Nessa linha de intervenção estatal, o legislador, no art. 2º, lei 9.434/97, combinado com o art. 30, do decreto 2.268/97, não permite a doação de órgãos post mortem à pessoa identificada.

O dec. 2.268/97, que regulamenta a referida lei, dispõe sobre a chamada “lista única de receptores de órgãos”, ao passo que proíbe que o receptor do órgão seja pessoa não inscrita na lista39.

Nesse diapasão, o decreto, para colocar em prática a lista única de receptores, institui o Sistema Nacional de Transplante (SNT) que, entre outras atribuições, vai gerenciar o processo de captação e distribuição de tecidos, órgãos e partes retirados do corpo humano para finalidades terapêuticas40.

Além de instituir o SNT, o decreto cria as Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDOs), que são os órgãos que coordenam as atividades de transplante, no âmbito de cada estado da federação, além de promover a inscrição de possíveis receptores.

Ao adotar o sistema de lista única de captação de órgãos para transplante, a legislação brasileira foi bem clara em excluir a possibilidade de doação à pessoa determinada.

Frise-se, o doador ou a sua família não poderá escolher o receptor. É o Estado que fará esta escolha por meio da lista única nacional de receptores.

Com efeito, pode-se dizer que a doação de órgãos post mortem é ato personalíssimo, por isso somente pode ser exercido pelo próprio titular. Assim, não se conceberia que alguém pudesse dispor sobre a destinação do corpo de outra pessoa depois da sua morte, nem mesmo o Estado.

39 Art. 30. “A partir da vigência deste Decreto, tecidos, órgãos ou partes não poderão ser transplantados em receptor não indicado pelas CNCDOs”.

40 Art. 2º “Fica organizado o Sistema Nacional de Transplante (SNT), que desenvolverá o processo de captação e distribuição de tecidos, órgãos e partes retirados do corpo humano para finalidades terapêuticas”.

(35)

Acontece que o dispositivo infraconstitucional atribui ao Estado esta tarefa, ao proibir que o doador, na doação post mortem, escolha o destinatário de seus órgãos.

Observe-se, assim, que a disposição do próprio corpo se enquadra como um dos direitos da personalidade, sendo que, ao expressar em vida o desejo de doar seus órgãos para determinada pessoa, este deveria ser totalmente respeitado.

Nessa linha, os direitos de personalidade estão na esfera da autonomia privada; razão pela qual, se o Estado passar a regular a destinação de cada corpo, deixará de atuar administrativamente e passará a gerenciar a propriedade e liberdade individuais, o que influenciará nas relações sociais.

Insta frisar que com a morte, a pessoa deixa de ser sujeito de direito, mas continua a provocar repercussões no ordenamento jurídico pátrio.

Nesse sentido, são as lições de De Cupis41:

Se a personalidade não existe depois da morte, nem por isso o cadáver deixa de ser considerado parte do ordenamento jurídico. Pelo contrário, o corpo humano, depois da morte, torna-se uma coisa submetida à disciplina jurídica, coisa, no entanto, que não podendo ser objeto de direitos provados patrimoniais, deve classificar-se entre as coisas extra

commercium. Não sendo a pessoa enquanto viva objeto de direitos

patrimoniais, não pode sê-lo também o cadáver, o qual, apesar da mudança de substância e de função, conserva o cunho e o resíduo da pessoa viva. A comercialidade estaria, pois, em nítido contraste com tal essência do cadáver, e ofenderia a dignidade humana.

O corpo humano morto, o cadáver, ainda mantém alguns direitos dentre eles o respeito à sua integridade física e a manifestação de vontade quando em vida através do testamento.

No que tange à sua integridade física, considera-se que a morte não transforma o corpo do cadáver em uma “coisa”.

Ainda que se leve em conta que a morte extingue a personalidade jurídica, não há como deixar de lembrar que o cadáver é o prolongamento da personalidade humana daquela pessoa que o animou, sendo, portanto, inadmissível que não haja respeito à sua vontade.

41 DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Tradução de Adriano Vera Jardim e Antônio Miguel Caeiro. Lisboa: Livraria Morais, 1961. p. [67].

(36)

3 DOAÇÃO DE ÓRGÃOS 3.1 BREVE HISTÓRICO

Ao tratar de doação de órgãos, não se pode perder de vista que o expediente está intimamente ligado aos transplantes. Assim, falar em histórico de doação de órgãos é o mesmo que falar em histórico de transplante.

Antes de adentrarmos no histórico dos transplantes, convém fazer algumas distinções. A primeira, é a diferença entre enxertos e transplantes, diferença esta rejeitada por alguns autores.

Enxerto, segundo Chaves42 é a secção de uma porção do organismo alheio, com fins estéticos e terapêuticos, sem exercício de função autônoma; enquanto transplante seria uma amputação ou ablação de um órgão de um organismo para instalar em outro para que exerça a mesma função que exercia no organismo anterior.

Importa também destacar o que se pode chamar de tipos de transplantes, sendo mais conhecidos o xenotransplante, o autotransplante, o isotransplante e o alotransplante.

O xenotransplante, segundo Mora, é a técnica terapêutica de transplantar em seres humanos, órgãos, tecidos ou células procedentes de animais.43

O autotransplante ocorre quando o doador e o receptor são a mesma pessoa. Como exemplo tem-se o transplante de pele em queimados.44

O isotransplante se dá quando os envolvidos (doador e receptor) têm características genéticas idênticas, como os gêmeos univitelinos.45

42 CHAVES, Antônio. Direito à vida e ao próprio corpo: intersexualidade, transexualidade, transplantes. 2.ed. rev. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p.213.

43

MORA, ASIER URRUELA. In: CASABONA, Carlos María Romeo; SÁ, Maria de Fátima Freire de. (org.) “Desafios jurídicos da biotecnologia”. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007. p. 481. 44 SÉGUIN, Elida. “Biodireito”. 4.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 133.

(37)

Por fim, o alotransplante quando o doador, que pode ser vivo ou morto, e o receptor não possuem características genéticas idênticas.46

Finalizada a distinção, passa-se ao histórico dos transplantes.

Pode-se dizer que os transplantes foram realizados antes mesmo dos avançados recursos científicos. Nesse sentido, o autor Cardoso divide a história dos transplantes em duas fases: mitológica e científica.47

A primeira fase tem como base os registros históricos. Marca este período o livro de Sushruta que aponta os hindus como os primeiros povos a realizarem transplante48.

No período de 700-850 AC, registrou-se que o cirurgião Sushruta realizou o processo de reconstrução facial, transplantando um pedaço de pele da testa.

No ano 600 AC, os hindus Atreya e Charaka realizaram o procedimento da rinoplastia.

Diante de tais fatos, há quem afirme serem os hindus os precursores da moderna técnica de transplante.

Existem relatos também de que, na China, tenha ocorrido transplantes de coração no século II AC e século V-IV AC.

Ainda neste contexto, muitos autores trazem a passagem bíblica que cita a criação de Eva como a primeira cirurgia de enxerto de pele realizada com a utilização de anestesia.49

46

Id. Ibid, p. 408.

47 A fase mitológica é assim chamada, uma vez que não se tem certeza de que os transplantes realmente ocorreram. In: CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos

casos de transplantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 29.

48 CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos casos de transplantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 29.

49 GENESIS 2, 21-22: “então o SENHOR Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma de suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar; e da costela que o SENHOR Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão”.

(38)

Pode-se incluir a lenda de São Cosme e São Damião, Santos católicos que exerciam a medicina como missão de caridade. Conta a lenda que, certa vez, necessitaram realizar transplante:

[para substituir a perna gangrenada de um doente que tinham necessidade de amputar foram os Santos ao cemitério em busca de uma que lhes pudesse servir para aquele fim. O único cadáver disponível era de um negro etíope, mas os santos não tinham preconceito nem problema de histocompatibilidade, retiraram a perna de que o enfermo precisava e o transplante foi, por graças de Deus, um êxito completo realçado ainda pela diferença da cor. 50

Ultrapassada a primeira fase, passemos, então, à análise da segunda fase. Existem registros de que nas cidades de Salermo e Bolonha, nos séculos XII e XIV houve um grande progresso na área de cirurgia plástica.

Santos51 conta-nos que, nos séculos XV e XVI, podem ser encontrados registros das primeiras tentativas de tansplantes de tecido de pessoas e animais, contudo sem êxito, pois a extração e implantação dos tecidos eram feitas de forma precária.

Ainda no século XV, o cirurgião Antonio Branca desenvolveu o procedimento dos enxertos de pele para tratar ferimentos.

No século XVII, Jonh Hunter (1728-1793) efetuou reimplantação de um dente do indivíduo e também transplantou um dente humano na crista de um galo.

Os primeiros registros comprovados de transplantes de um ser humano para outro foram de córneas, por volta de 1880 52·.

50 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro. Transplante de órgãos e eutanásia: liberdade e responsabilidade. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 127.

51 SANTOS, Rita Maria Paulina dos. Transplantes de órgãos à clonagem: nova forma de experimentação humana rumo à imortalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

52 PESSINI, Leocir; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 6. ed., rev. e ampl. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2005. p. 31.

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O primeiro transplante ósseo a ter sucesso aconteceu no ano de 1890, em Glasgow – Escócia. Em 1887, o Dr. Ian Macewen extirpou a diáfise umeral de uma criança de três anos de idade, acometida de ostiomielite persistente e, depois de três anos, amputou o membro e implantou cunhas ósseas, ocasião em que se constatou que os ossos transplantados se regeneraram e o paciente pôde realizar trabalhos manuais.

Os experimentos com transplantes, utilizando-se animais, iniciaram-se a partir de 1905. Neste ano, fora feita tentativa de transplantar o coração de um animal para o pescoço, o abdome ou região inguinal do outro. Tal tentativa tinha o intuito de demonstrar a habilidade do coração em funcionar após o transplante. Entretanto, notou-se que depois de alguns dias, os corações apresentaram mudanças fisiológicas e estruturais que demonstraram rejeição.

Em 1906, o médico Jaboular fez a anamostose de rins de porco e de cabra na artéria e na veia de dois pacientes, respectivamente. Tais enxertos apenas causaram diurese por um período de uma hora, demonstrado assim o primeiro resultado positivo de transplante de órgãos.

No ano de 1910, ocorreram experimentos com enxerto de pele e rins de animais. Como exemplo tem-se as experiências de Dederer e Willianson, da Mayo Findation.

Em 1931, a Itália seria palco de um transplante bem-sucedido de glândulas genitais, realizado pelo médico Gabriel Janelli. Tal procedimento causou polêmica, uma vez que o doador vivo cedeu a glândula mediante remuneração.

O cirurgião ucraniano Yu Yu Voronoy foi o precursor da transplantação de um rim de um cadáver para um ser humano vivo. O fato ocorreu em 1936 quando o médico retirou o órgão de uma pessoa recentemente falecida e transplantou para um paciente que sofria de insuficiência renal, em face da ingestão de sais de mercúrio. O procedimento realizado funcionou apenas nos dois primeiros dias, sendo que o paciente veio a falecer no terceiro dia.

Referências

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