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3 DOAÇÃO DE ÓRGÃOS 3.1 BREVE HISTÓRICO

4. DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST MORTEM

4.4 TRATAMENTO DADO EM OUTROS SISTEMAS UMA BERVE ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS MODELOS DE ALGUNS PAÍSES.

4.4.2 Sistema alemão

No sistema alemão vige o decreto de 4 de julho de 1975146. Este decreto impõe algumas regras para realização de transplantes, que estão dispostas em cinco capítulos.

O primeiro capítulo intitulado “Princípios” traz em seu bojo os princípios gerais que deverão ser observados no ato de doação de transplante de órgãos.

Infere-se deste capítulo, precisamente no item I, que o transplante só pode ser realizado como ultima ratio, ou seja, após verificação de que não existem outros meios e métodos para conservação/ melhora da saúde do paciente147. Note-se que o direito

145 Abreviação de Centrais de Notificação, Captação e Distribuição.

146 De observar-se que o texto da legislação alemã sobre doação de órgãos e transplante se encontra traduzido na obra de SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Transplante de órgãos e

eutanásia. São Paulo: Saraiva, 1992. p.261-262.

147

“Parágrafo 1. Os transplantes de órgãos se realizarão com base nos conhecimentos consolidados na medicina. Será condição de que não ofereça nenhuma ou escassas perspectivas de êxito a aplicação de outros meios ou métodos para a conservação ou melhora da saúde do enfermo”.

alemão prefere o transplante de órgãos do doador cadáver 148, diferentemente do que ocorre com o direito brasileiro nesse tema.

O direito pátrio trata de forma igualitária, ao menos no que tange à ordem de preferência, o doador cadáver e o doador vivo. Todavia, em outros aspectos, como o direito de escolher o destinatário dos órgãos, o legislador fez diferença, conforme mencionado em capítulo próprio.

No contexto, como bem observa Cardoso149:

[nesse aspecto, a legislação alemã é mais evoluída, porque a remoção de órgãos de doador cadáver não oferece os mesmos riscos que ofereceria a remoção de um doador vivo, que poderia ter a sua saúde ou a sua expectativa de vida diminuídas com a remoção do tecido.

O legislador alemão afirma que o transplante somente será realizado nos estabelecimentos sanitários autorizados pelo Ministério da Saúde.

Ainda no capítulo I, a lei dispõe que as doações serão gratuitas150, salvo quando for doação de sangue. Aqui, também existe diferença entre o direito alemão e o brasileiro, pois no último, todas as doações serão gratuitas, inclusive as de sangue, conforme art. 9º, da lei 9434/97151.

148 “ Parágrafo 1. Para realização de transplantes de órgãos se utilizarão preferencialmente de órgãos de cadáver. 3. Os órgãos de doadores vivos, que consistam na doação por uma decisão livre, só poderão ser utilizados para o transplante quando não haja à disposição órgãos de falecidos”.

149 CARDOSO, Alaércio. Responsabilidade civil e penal dos médicos nos casos de transplantes. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 67-68.

150 “Parágrafo 3. Não se poderá exigir, oferecer ou proporcionar prestações materialmente econômicas para doações de órgãos. Não ficam afetados, a respeito, os preceitos sobre as doações de sangue e transfusões”.

151 Art. 9o “É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou

O capítulo II do decreto alemão trata da remoção de órgãos de cadáver para fins de transplante, enveredando para a linha do consentimento presumido152.

Sobre esse tema Roxin153 tece algumas considerações:

[um caminho intermediário é o seguido pela solução de concordância estendida, que inspira a lei alemã de transplantes. Segundo esta solução, primeiramente importa a concordância do doador de órgãos falecido (§ 3 TPG). Se, eventualmente, não tiver ele se manifestado sobre a questão de um transplante de órgãos após a sua morte, o decisivo será a concordância do parente mais próximo, que deve respeitar a vontade presumida do possível doador de órgãos (§ 4 TPG).

Como se sabe, o sistema brasileiro quando do advento da lei 9.4334/97, originariamente, adotou o mesmo sistema do consentimento presumido154. Contudo, diante das pressões sociais, o legislador optou por revogar o dispositivo que assim tratava do assunto através da lei 10.211 de 23, de março de 2001.

Ainda no que tange à doação post mortem, o direito alemão não indicou expressamente o momento da morte. Vale dizer, o decreto afirma que uma equipe de

parentes consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea”.

152 Parágrafo 4.1. “A extração de órgãos será permitida para fins de transplantes no caso em que o defunto não adotou outras determinações em vida”.

153 ROXIN, Claus. A proteção da vida humana através do direito penal. In: CONGRESSO DE DIREITO PENAL EM HOMENAGEM A CLAUS ROXIN, 7., 2002, Rio de Janeiro. Anais

eletrônicos... Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 21 jun. 2009.

154

“Art. 4º “Salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei, presume-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplante ou terapêutica post mortem.” Redação que fora alterada pela Lei 10.211/01, para: “Art. 4o A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte”.

médicos diagnosticará a morte de um indivíduo. Acrescenta que o diagnóstico deverá ser certo e preciso, mas não adota um critério para determinação da morte155.

Em contrapartida, o direito brasileiro, no art. 3º da lei 9434/97, adota expressamente o critério da morte encefálica, senão vejamos:

[art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina (grifo nosso).

O capítulo III do decreto de 4 de julho de 1975 trata da remoção de órgãos de doadores vivos. Não sendo este o objeto do presente trabalho, cumpre apenas elencar os principais aspectos, sem discuti-los.

Na doação entre vivos, a legislação alemã optou por dar prioridade aos interesses do doador vivo, devendo o mesmo ser devidamente informado das condições da remoção dos órgãos, inclusive concedendo benefícios ao doador vivo, se do procedimento resultarem danos para sua saúde ou concedendo benefícios aos seus descendentes, se da remoção resultar em morte.156

155 Parágrafo 5.1.“Será pressuposto para extração de órgãos de cadáveres o diagnóstico certo e preciso da morte.” Parágrafo 5.2. “O diagnóstico da morte de um cidadão, em que se tenham tomado medidas reanimatórias para a conservação artificial das funções dos órgãos com o fim de mantê-los vivos, será adotado por uma equipe de médicos, determinado pelo médico do distrito, o qual deverá redigir a ata sobre o mesmo.”Parágrafo 5.3. “A decisão sobre o diagnóstico da morte será independente da de se adotar uma possível extração de órgãos. A equipe médica que diagnostique a morte não poderá realizar o transplante do órgão extraído do defunto.”

156 Parágrafo 7.1. “Para a licitude da extração de um órgão será condição consentimento do doador manifestado por decisão livre sem influências de terceiros. O consentimento não poderá ser substituído”. Parágrafo 7.2. “O doador deverá ser maior de idade”. Parágrafo 7.3. “O doador poderá retira seu consentimento em qualquer momento até imediatamente antes da extração do órgão sem especificar suas razões.” Parágrafo 8.1. “O doador deverá ser informado completamente antes de seu consentimento sobre as consequências e riscos possíveis da extração de um órgão. A informação deverá referir-se a todas as circunstâncias existentes em relação com a mencionada extração, em quanto possam ter transcendência para a manifestação do consentimento do doador.”Parágrafo 8.1. “O consentimento do doador deverá

Por último, cumpre adentrar no tratamento dado pela legislação alemã no que tange à doação de órgãos post mortem e o direito de escolha pelo doador, tema aqui proposto.

O parágrafo 9.1 do decreto retromencionado cuja redação se segue traz a hipótese de escolha pelo doador em vida: “o doador do órgão poderá dar seu consentimento para extração do órgão com a condição de que seja transplantado unicamente em um receptor determinado”.

Em seguida, o parágrafo 9.2 do mesmo dispositivo reza que: “se, depois da extração, tornar-se impossível o transplante no receptor previsto, este poderá ser transplantado num terceiro, quando não estejam disponíveis outros órgãos e não seja possível o reimplante no doador, ou este não o deseje”.

Assim, diante de tais dispositivos pode-se inferir que o tratamento dado à doação em vida no tocante à escolha pelo doador, embora não seja o mesmo que escolhido pela legislação brasileira, a ele se assemelha.

ser manifestado perante o médico do distrito competente, em presença de um representante da equipe médica que vai realizar a extração do órgão. O doador se informará então das possibilidades existentes de preocupação.” Parágrafo 8.3. “Será lavrada ata circunstanciada do conteúdo da informação e a manifestação do consentimento, firmada pelo médico do distrito, o representante da equipe médica e o doador”. Parágrafo 11.1. “Quando em face de toda previsão, a extração do órgão produza prejuízos na saúde do doador, se ressarcirão a este as desvantagens materiais derivada do ato com base nas disposições legais.” Parágrafo 11.2. “Se como consequência dos danos na saúde for necessária uma troca de profissão ou da atividade realizada pelo doador, esta se dará através da assistência do órgão estatal e um novo local de trabalho será providenciado, assim como a necessária redução na jornada de trabalho”. Parágrafo 11.3. “Se a causa da extração do órgão produzir a morte do doador, se indenizará os descendentes pelo sustento suprimido e pelos gastos do enterro através do Seguro Estatal da República Democrática Alemã. As prestações do seguro social serão prestadas com as pensões complementares do trabalho e de assistência especial por invalidez”. Parágrafo 13.1. “O consentimento do receptor será condição para realização do transplante de órgãos. Nos casos de cidadãos menores de idade deverá ser tomado o consentimento ao encarregado de sua formação, e, no caso de incapacitado, a seu tutor. Os menores de idade e os incapacitados deverão ser ouvidos, segundo as possibilidades”.

Isto porque, a legislação alemã assim como a brasileira possibilita que o doador escolha o donatário, contudo, na última, o donatário somente poderá ser o cônjuge ou os parentes consanguíneos até o 4º grau, conforme preceitua o art. 9º da lei 9.434/97.

Sobre o tema, opina Cardoso:

Essa faculdade assegurada ao doador de indicar o receptor é temerária, podendo dar lugar a uma disfarçada comercialização de órgãos, pois, ao contrário do direito francês, que somente abre esta possibilidade entre irmãos e irmãs, a legislação alemã não restringe essa destinação 157.

Diferentemente da doação em vida, o decreto alemão não dispõe expressamente sobre a possibilidade de escolha pelo doador na doação de órgãos post mortem, o que nos faz acreditar que não há essa possibilidade.

O direito brasileiro, conforme já visto, o decreto nº 2.268/97, que regulamenta a lei 9.434/97, também, exclui de forma expressa esta possibilidade, ao proibir que os órgãos sejam doados a pessoas não inscritas na lista única, a teor do que dispõe o art. 30 do decreto158.