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3 DOAÇÃO DE ÓRGÃOS 3.1 BREVE HISTÓRICO

4. DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST MORTEM

4.2 SISTEMA ATUAL: “A LISTA ÚNICA DE ESPERA” 1 Como funciona a “lista única de espera”?

4.3.5 Análise da jurisprudência sobre o tema

Cumpre salientar que o tema objeto do presente trabalho não tem sido muito questionado na doutrina pátria. Fato também observado quando da pesquisa na jurisprudência. Não foram encontradas decisões específicas sobre o tema aqui proposto, ou seja: a possibilidade de escolha pelo doador do destinatário de seus órgãos

As decisões encontradas foram sobre questionamentos acerca do critério cronológico e o direito dos receptores de excepcionarem tal critério. Nesse sentido, o Poder Judiciário, na maior parte das vezes, tem decidido no sentido de aceitar o critério cronológico escolhido pelo legislador, negando, por via de consequência, o direito de excepcioná-lo para além das hipóteses legais.

A esse respeito, vale carrear o julgamento exarado pelo Des. Lagrasta, do TJSP: De fato, todos que se encontram na mesma situação do recorrente têm a legitima expectativa de que os critérios da ‘fila’ serão observados, conforme estabelecidos em lei, e por mais ameaçadora que seja a condição de cada um que nela espera, supõe-se existir solidariedade entre os que se vêem acometidos pelo mesmo mal; havendo, identidade de interesses quanto à manutenção ou alteração do sistema de doação de órgãos, de modo a afastar qualquer possibilidade de prover determinada situação particular à revelia dos demais interessados. Desarrazoado, dessa forma alegar que o direito não socorre aos que dormem. [...] Mas, outra circunstância não há que possibilite escape à famigerada ‘lista’. Ocorre, ainda, que, anteriormente à lista prevalecia a ‘lei da selva’, quem pudesse conseguia e os outros sequer tinham meios de obter alguma esperança. Dizer que a lista é elaborada sem observar critérios de isonomia ou gravidade – esta em relação à moléstia e seus estágios – é crítica pertinente, porém que deve ser dirigida, ressalte-se, aos demais Poderes, pois que ao Judiciário descabe criar ou modificar situações, com parecença legislativa, salvo pela não observância, até, daqueles critérios. 133

133 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento n. 306.823-5/5. São Paulo: TJSP; 8ª Câmara de Direito Público, 2003. Relator: Caetano Lagrasta em 28.05.03. Em igual sentido: "MEDIDA CAUTELAR – Liminar – Transplante duplo de órgãos – Prioridade no atendimento – Inadmissibilidade – Lista única de receptores editada por lei federal e regulamentada por decreto – Manutenção dos critérios insertos no Ofício n.º 3197 da Secretaria da Saúde – Impossibilidade – Incompatibilidade com o ato regulamentar vinculado – Liminar revogada – Recurso provido" (JTJ 210/259).

Nessa linha de intelecção, importa colacionar outro julgado, agora do egrégio TJRS134:

Com efeito, o pedido diz respeito à recolocação de paciente que aguarda em fila de espera de transplante de órgãos – fígado –, sendo juridicamente impossível ao Poder Judiciário, sem qualquer base científica, determinar a não-observância da lista de espera. Tratando-se de uma questão médica de alta indagação, a avaliação de prioridade deve ser confiada ao Centro de Transplantes da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, sob pena de se colocar em risco a vida de outras pessoas que aguardam, seguramente com a mesma aflição, a ordem cronológica estabelecida, segundo a compatibilidade dos receptadores.

Também nesse contexto importa descrever outro julgado, agora exarado pelo Des. Araújo, do TJSP135:

Diz a recorrente que a exigência judicial não podia prevalecer, posto que o receptor não está inscrito em nenhuma lista, podendo ser realizada a doação, em razão da vontade das partes. Tal entendimento, todavia, não é de ser aceito, porquanto, o que a recorrente deseja é burlar a lei brasileira, que é suficientemente explícita a respeito do tema".[...]. Se se tratasse a doadora de parente do receptor ainda assim havia necessidade de prévia autorização do Ministério da Saúde, consoante a

134

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n. 70011591963 - 3ª Câmara Cível. Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos em 07 jul. 05. Em igual senda: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SAÚDE PÚBLICA. PORTADOR DE CIRROSE ALCOOL + CHC. NECESSIDADE DE TRANSPLANTE DE FÍGADO. INSCRIÇÃO NO SISTEMA NACIONAL DE TRANSPLANTE. ALEGAÇÃO DE IMINENTE RISCO DE VIDA. ALTERAÇÃO DA ORDEM DE INSCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA IMPRESCINDÍVEL. ÔNUS PROBATÓRIO DO AGRAVANTE. LIMINAR INDEFERIDA. A inobservância do critério cronológico da lista dos pacientes que estão a espera de um transplante de fígado só poderá ocorrer mediante respaldo da autoridade competente, o que inexiste no caso" (TJRS, Agravo de Instrumento n. 70008701203 – 4ª Câmara Cível – Relator: Wellington Pacheco Barros – 30.06.04)

135 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento n. 365.796-4/9– 6ª Câmara de Direito Privado. Relator: Magno Araújo em11 nov. 04.

[regra do art. 8º do Decreto n.º 2.268, de 30.06.97. Correto, destarte, o indeferimento da liminar, pelo não atendimento dos requisitos a que alude a Lei n.º 10.211/2001.

Sem querer adentrar no mérito de tais decisões, ao que parece, a jurisprudência não tem acertado. É que, conforme mencionado em capítulo próprio o critério adotado pelo legislador é falho e não tem como ser sustentado.

O critério cronológico não se mostra justo quando a situação de urgência surge. Nesse sentido, o juiz Eugênio Couto Terra136:

Não resta a menor dúvida que existe a necessidade de estabelecimento de critérios administrativos para a realização de transplantes. Ocorre que um critério exclusivamente temporal – cronologia de inscrição na lista de transplantes – é falsamente democrático e assegurador de igualdade entre todos os que necessitam de transplante de órgãos. Leva em linha de conta uma única variável, quando vários são os fatores que devem ser considerados (por exemplo: risco de morte em caso de não realização em tempo hábil do transplante; expectativa de vida após o transplante; estágio da doença que obrigou à inclusão na lista dos serem transplantados; etc.). [...]. Tal risco, entretanto, não pode levar à ausência de uma decisão, pois estabelecido o dilema, incumbe perscrutar o sistema de princípios do sistema jurídico e optar pelo caminho que melhor preserve a dignidade humana no caso concreto. A apreciação da questão não pode fugir do princípio – ou como preferem alguns, do critério – da ponderação. Tem-se uma situação concreta e real de risco de vida iminente (atestada por equipe médica que merece credibilidade), pois a não realização imediata do transplante implicará na morte do paciente. Esse paciente não se encontra no topo da lista de transplante de fígado e, por força dos critérios administrativos em vigência, não pode ser, em caráter excepcional, considerado como prioritário para a realização do transplante. O sistema – leia-se Central de Transplantes – não tem condições de informar sobre a existência de outro paciente em lista de espera, posicionado antecedentemente ao requerente, que esteja em situação de risco de vida iminente. Talvez até

136 JUSTIÇA autoriza paciente a furar fila de transplante. Consultor Jurídico, 01 fev. 2005. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2005-fev-

[exista, mas não há meio de identificação de tal situação, porque o critério adotado é o cronológico, tão-somente. Valorar mais o critério legal da cronologia, sem qualquer dado adicional de necessidade de urgência na realização do transplante por outra pessoa, é não assegurar o direito à vida no caso concreto. [...] Em resumo, adotando-se o princípio da ponderação, faz-se a escolha pela possibilidade de salvar a vida de um ser humano devidamente identificado e com risco de morte, com o afastamento do critério impessoal – e, como já demonstrado, de pouca eficiência como possibilitador de salvar vidas – estabelecido no regulamento administrativo do Sistema Nacional de Transplantes.[...] . Assim faço, por entender que uma possibilidade tem, necessariamente, de ser relevada quando a única chance de vida de um ser humano, devidamente personalizado e identificado, só é possível com a realização do transplante, mesmo que com isso tenha que ser afastado o critério cronológico estabelecido pelo sistema como o único a ser considerado.

Insta frisar que o tratamento dado ao tema pelo Ilustre Magistrado acima, representa a ideia de uma minoria que não se curva diante das situações difíceis.

Ao colacionar tais decisões dos tribunais brasileiros, percebe-se que a própria população a quem o critério se destina acaba por questioná-lo diante da sua evidente falibilidade.

4.4 TRATAMENTO DADO EM OUTROS SISTEMAS. UMA BERVE ANÁLISE