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A VIABILIDADE DE ADOÇÃO DA ESCOLHA PELO DOADOR DE ÓRGÃOS PELO SISTEMA BRASILEIRO BENEFÍCIOS.

3 DOAÇÃO DE ÓRGÃOS 3.1 BREVE HISTÓRICO

4. DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST MORTEM

4.5 A VIABILIDADE DE ADOÇÃO DA ESCOLHA PELO DOADOR DE ÓRGÃOS PELO SISTEMA BRASILEIRO BENEFÍCIOS.

4.5.1 Direito de escolha na esfera da autonomia privada

Consoante demonstrado alhures, o direito ao próprio corpo compreendido sob o enfoque do direito à doação de órgãos encontra-se nos limites da autonomia do indivíduo.

Assim, considerando o indivíduo capaz, tendo ele recebido a devida informação e manifestado livremente a sua vontade, não há porque não permitir que sua vontade seja respeitada.

A criação de uma lista única de receptores, sem que haja outra opção para o doador, faz do Estado o proprietário do cadáver, pois é o Estado e não o indivíduo doador quem vai determinar o receptor de seus órgãos. Trata-se de uma verdadeira usurpação da autodeterminação do indivíduo, da sua autonomia como ser que interage na sociedade.

E não há justificativa para tal intervenção estatal. Nem mesmo o combate à comercialização de órgãos, até porque, como se viu anteriormente, a venda de órgãos, apesar de ilegal, é prática comum em nosso sistema.

Nota-se, portanto, que a proibição da escolha do doador decorre de uma intervenção exagerada do Estado na esfera da autonomia privada no indivíduo.

Nesse diapasão, Silva161 traz a crítica de alguns autores sobre o consentimento presumido, mas que se adequa perfeitamente à situação que ora se coloca:

[intervenção essa inaceitável no regime democrático (que busca uma situação de equilíbrio entre o interesse individual e o social, encontrando uma síntese e uma indivisibilidade entre os grupos de direitos humanos de origem liberal e os de origem socialista) que vivemos, o qual impõe legítimos limites à propriedade privada sobre os mais variados bens”.

161SILVA, Rodrigo Pessoa Pereira da. Doação de órgãos: uma análise dos aspectos legais e sociais. In.: SÁ, Maria de Fátima Freire. (Coord.). “Biodireito”. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 422.

Cabe ao Estado promover as questões sociais e não intervir de forma excessiva na esfera da autonomia do indivíduo. Nessa linha, advertem Teixeira e Baêta162·: “para o crescimento e sucesso da doação de órgãos, o Estado deve se voltar mais para questões sociais e para a precariedade do atendimento médico e da informação nesta área”.

De observar-se que admitir a possibilidade de escolha pelo doador do destinatário de seus órgãos, não implicaria a exclusão do critério da lista única de receptores, mas, tão somente, acrescentaria ao modelo escolhido pelo legislador uma outra forma de doação.

Saliente-se que um estudo comparativo entre alguns sistemas estrangeiros possibilitou dizer que os dois critérios são compatíveis. Prova disso, é a legislação americana que contempla os dois critérios.

4.5.2 Isonomia de tratamento com relação à doação em vida

Não é demais lembrar que o art. 9º da lei 9.434/97 permite que o doador de órgãos, na doação em vida, escolha o destinatário de seus órgãos, advertindo-se, no entanto, que tal escolha deve recair tão somente na pessoa do cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea. Ou seja, o legislador tratou de forma diferenciada a doação inter vivos e a doação post mortem não encontra fundamento.

Por óbvio, as diferenças existentes entre as doações são conhecidas e servem de justificativa para possibilitar a escolha do doador também na doação post mortem.

É cediço, por exemplo, que se não houvesse a possibilidade de escolha pelo doador, a doação em vida se tornaria praticamente inviável. Isto porque, somente um indivíduo dotado de extrema bondade consentiria em uma ablação de um órgão para

162 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado ; BAÊTA, Heloísa Maria Coelho. “Bioética, biodireito e o novo código civil de 2002”. In: Id., Ibidem, p. 118.

ser doado em favor de uma lista, cujos integrantes ele jamais conheceu. Ainda mais em se tratando de doação gratuita.

Assim, a permissão de escolha para o doador vivo se fundamenta na própria viabilidade da doação, pois que pautado nas relações familiares. E a própria limitação no que tange aos receptores que devem ser cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau, represente a repressão ao comércio de órgãos, salientando o caráter pessoal da doação.

O argumento utilizado para diferenciar o tratamento dado às doações serve, ao mesmo tempo, como alicerce para se garantir também a possibilidade de escolha pelo doador na doação post mortem.

Isto porque, na doação para após a morte, a possibilidade de o doador destinar à pessoa determinada os seus órgãos também teria um caráter pessoal pautado nas relações familiares, o que, provavelmente, serviria como forma de angariar mais doadores.

De outra sorte, a própria limitação constante da doação inter vivos seria trazida para doação post mortem. Assim, também na doação post mortem, a escolha seria limitada ao cônjuge e parentes consanguíneos até o 4º grau, sem a ressalva de que a autorização judicial poderia permitir a doação a qualquer pessoa.

4.5.3 Instrumento de combate à comercialização

Afirma-se que a proibição da escolha pelo doador do receptor de seus órgãos na doação post mortem encontra fundamento na proibição de comercialização de órgãos. É dizer, possibilitar a escolha do doador poderia ensejar a prática da mercantilizaçao do corpo humano, tão repudiada pelo ordenamento.

Entretanto, ao contrário do que se diz, a possibilidade de escolha pelo doador na doação post mortem poderia ser utilizada como instrumento de combate à comercialização. Mas, de que forma?

Conforme supra mencionado, ao possibilitar a escolha do destinatário dos órgãos, o ordenamento jurídico empresta um caráter altruísta a doação, embasado nas relações familiares que ainda hoje comandam a sociedade.

O apelo às relações familiares talvez possa ajudar na coibição do comércio de órgãos.

Despiciendo ressaltar que a proibição da escolha não surtiu os efeitos esperados e comumente se tem notícias do tráfico de órgãos pelo país.

Desta forma, nota-se que carece de fundamento o dispositivo que proíbe a escolha do doador na doação para após a morte, razão pela qual não se justifica a intervenção estatal na esfera da autonomia do individuo.