ALÉM DAS NUVENS:
EXPANDINDO AS FRONTEIRAS DA CIÊNCIA DA
INFORMAÇÃO
Isa M. Freire, Lilian M. A. R. Alvares, Renata M. A. Baracho, Mauricio B. Almeida, Beatriz V. Cendon, Benildes C. M. S. Maculan
(Org.)
ALÉM DAS NUVENS:
EXPANDINDO AS FRONTEIRAS DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
ISSN 2177-3688
BELO HORIZONTE ECI/UFMG
2014
DIREITO AUTORAL E DE REPRODUÇÃO
Direitos de autor ©2014 para os artigos individuais dos autores. São permitidas cópias para fins privados e acadêmicos, desde que citada a fonte e autoria. E republicação desse material requer permissão dos detentores dos direitos autorais. Os editores deste volume são responsáveis pela publicação e detentores dos direitos autorais.
E56a 2014
Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação : além das nuvens, expandindo as fronteiras da Ciência da Informação (15. : 2014 : Belo Horizonte, MG).
Anais [recurso eletrônico] / XV Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação : além das nuvens, expandindo as fronteiras da Ciência da Informação, 27-31 de outubro em Belo Horizonte, MG. / Organizadores: Isa M.
Freire, Lilian M. A. R. Álvares, Renata M. A. Baracho, Maurício B. Almeida, Beatriz V. Cendon, Benildes C. M. S. Maculan. – Belo Horizonte, ECI, UFMG, 2014.
ISSN 2177-3688
Evento realizado pela Associação Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ANCIB) e organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (PPGCI-ECI/UFMG).
1. Evento – Ciência da Informação. 2. Evento – Pesquisa em Ciência da Informação. I. Título.
CDU: 02(063)(81)
COMISSÃO CIENTÍFICA
Profa. Dra. Renata Maria Abrantes Baracho – UFMG: Presidente Profa. Dra. Lillian Alvares – UnB
Profa. Dra. Icléia Thiesen – Unirio
Profa. Dra. Brígida Maria Nogueira Cervantes – UEL Profa. Dra. Giulia Crippa - USP
Profa. Dra. Emeide Nóbrega Duarte – UFPB Prof. Dr. Clóvis Montenegro de Lima – IBICT Profa. Dra. Aida Varela - UFBA
Profa Dra. Leilah Santiago Bufrem – UFPE
Profa. Dra. Plácida Amorim da Costa Santos – Unesp/Marília Profa. Dra. Luisa M. G. de Mattos Rocha – IPJB/RJ
Prof. Dr. Carlos Xavier de Azevedo Netto – UFPB
Profa. Dra. Maria Cristina Soares Guimarães - IBICT/Fiocruz PARECERISTAS DA COMISSÃO CIENTÍFICA DO GT 5 POLÍTICA E ECONOMIA DA INFORMAÇÃO
Clóvis Ricardo Montenegro de Lima Eula Dantas Cabral
Geni Chaves Fernandes Georgete Medleg Rodrigues Isa Maria Freire
Joana Coeli Garcia Jose Maria
Lídia Freitas
Liz-Rejane Issberner Marco André Feldman Maria Inês tomaél
Maria Nélida González de Gomez Marta Macedo Kerr Pinheiro Othon Jambeiro
Patricia Marchiori
Renata Maria Abrantes Baracho Rodrigo Moreno Marques Sarita Albagli
Terezinha Silva Valéria Wilke
Vera Lucia Doyle Louzada de Mattos Dodebei
Realização
Agências de Fomento
Grupos de pesquisa
Apoio
GT 5
POLÍTICA E ECONOMIA DA INFORMAÇÃO
SUMÁRIO
PREFÁCIO ... 6 GT 5 – POLÍTICA E ECONOMIA DA INFORMAÇÃO ... 2170 Modalidade da apresentação: Comunicação oral ... 2170 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E CONTROLE SOCIAL DA CT&I: UMA RELAÇÃO PERTINENTE À CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO ... 2170
Larissa Santiago Ormay
AS BARREIRAS À INTEGRAÇÃO DO AUDIOVISUAL E A NOVA LEI DA TV A CABO ... 2186
Danielle Dos Santos Borges
MATERIALIDADE DO CONCEITO, VALOR E SOBERANIA: UMA
APROXIMAÇÃO DE CIRCUITOS SIMBÓLICOS ... 2207 Benjamin Luiz Franklin
GESTÃO DE DOCUMENTOS E TRANSPARÊNCIA DOS ATOS PÚBLICOS: UM ESTUDO DE CASO SOBRE OS PROCESSOS DE LICITAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ... 2226
Isabela Costa da Silva
Lucia Maria Velloso de Oliveira
O PATRIMÔNIO ARQUIVÍSTICO BRASILEIRO DIANTE DOS RISCOS DE DESTRUIÇÃO: ESTUDO SOBRE A VULNERABILIDADE DOS ACERVOS, AS AÇÕES ESTATAIS DE PROTEÇÃO E OS SEUS LIMITES ... 2245
Cristiane Basques
Georgete Medleg Rodrigues
OS “ARQUIVOS DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL”: PRESSUPOSTOS E HIPÓTESES ... 2263
Carolina Martins Ferro
Eduardo Ismael Murguia Marañon
MAPEAMENTO DAS POLÍTICAS CULTURAIS NACIONAIS VOLTADAS PARA AS BIBLIOTECAS PÚBLICAS NO BRASIL ... 2283
Elisa Campos Machado Alberto Calil Junior Daniele Achilles
POLÍTICA CULTURAL: HETEROGENEIDADE DE SENTIDOS ... 2302 Edilene Maria da Silva
Joana Coeli Ribeiro Garcia José Mauro Matheus Loureiro
ACESSO E TRANSPARÊNCIA DA INFORMAÇÃO NAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR: UMA ANÁLISE DAS DESPESAS COM
PESQUISA E DESENVOLVIMENTO. ... 2316 Pedro Manoel da Silva
Fábio Mascarenhas Silva
USO DO BIG DATA EM CAMPANHAS POLÍTICAS ELEITORAIS ... 2336 Cleide Luciane Antoniutti
Sarita Albagli
ANÁLISE SÓCIOPOLÍTICA DA EDUCACÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA NA
UNIVERSIDADE PÚBLICA BRASILEIRA ... 2355 Ludmila Guimarães
SUBSÍDIOS PARA ELABORAÇÃO DE MANDATOS EM REPOSITÓRIOS: UMA ABORDAGEM DE DESENVOLVIMENTO DE COLEÇÕES ... 2373
Fabiana Vilar Silva Simone Weitzel
AMBIENTES DE NUVEM PARA PESQUISA E EDUCAÇÃO: O CASO DO NEXT ... 2395
Nilton Bahlis dos Santos Alessandra dos Santos Fátima Melca
Paula Bortolom
Rita de Cássia Machado
UMA POLÍTICA PÚBLICA INFORMACIONAL EM ARQUIVOS: A ATUAÇÃO DO APEES ... 2415
Luiz Carlos da Silva Renato Pinto Venâncio
REGIMES DE INFORMAÇÃO E REGIMES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: PERSPECTIVAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS ... 2434
Maria Guiomar da Cunha Frota Pedro Alves Barbosa Neto
LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO E ACESSIBILIDADE: UM ESTUDO SOBRE AS BARREIRAS FÍSICAS E DIGITAIS DAS TRANSPARÊNCIAS PASSIVA E ATIVA ... 2449
Sandra de Albuquerque Siebra Katia Santiago Ventura
INCLUSÃO DIGITAL, INFORMAÇÃO E CIDADANIA: RELAÇÕES NA FAVELA SANTA MARTA, RIO DE JANEIRO/RJ ... 2468
Patrícia Mallmann Souto Pereira Valdir Jose Morigi
CONTRIBUIÇÕES À CRITICA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL ... 2489 Rodrigo Moreno Marques
INFORMACIÓN SOBRE DERECHOS DE AUTOR EN LAS PÁGINAS WEB DE LAS BIBLIOTECAS UNIVERSITARIAS ... 2509
Enrique Muriel-Torrado
Juan Carlos Fernández-Molina
VIGILÂNCIA, VIGILÂNCIA INVERSA E DEMOCRACIA: DO PANOPTISMO AO MIDIATIVISMO ... 2528
Arthur Coelho Bezerra
Ricardo M. Pimenta
Larissa Santiago Ormay
O DIREITO À INFORMAÇÃO: DAS CONDIÇÕES DE ACESSO À LEI nº. 12.527/11 ... 2544
Edivanio Duarte de Souza
POLÍTICAS PARA PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS NA WIKIPÉDIA, A
ENCICLOPÉDIA LIVRE ... 2565 Sandrine Cristina de Figueirêdo Braz
Edivanio Duarte de Souza
MODELOS E POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO DE ARQUIVOS PRIVADOS NO BRASIL ... 2583
Marcia Cristina de Carvalho Pazin Vitoriano
AUTOGESTÃO DAS FÁBRICAS RECUPERADAS: UMA LEITURA
HABERMASIANA ... 2599 Clóvis Montenegro de Lima
Mariangela Maia Vinícios Menezes
PRETENSÕES DE VALIDADE DA INFORMAÇÃO DIANTE DA AUTORIDADE DO ARGUMENTO NA WIKIPÉDIA ... 2616
Marcio Gonçalves
Clóvis Montenegro de Lima
Modalidade da apresentação: Pôster ... 2629 APONTAMENTOS PARA A POLÍTICA DE INFORMACÃO NA ÁREA DE DEFESA CIBERNÉTICA NO BRASIL ... 2629
Bruno Macedo Nathansohn
A LEI DE ACESSO À INFORMAÇAO E A TRANSPARÊNCIA ATIVA: O PAPEL DA E-ACESSIBILIDADE ... 2636
Kátia Santiago Ventura
Sandra de Albuquerque Siebra
A INFORMAÇÃO JURÍDICA NAS MÍDIAS SOCIAIS: OS WEBLOGS ... 2644 Eliane Maria da Silva Jovanovich
Maria Ines Tomaél
A INFORMAÇÃO JURÍDICA NAS MÍDIAS SOCIAIS: OS WEBLOGS ... 2653 Eliane Maria da Silva Jovanovich
Maria Ines Tomaél
A INFORMAÇÃO POLÍTICA NAS ASSEMBLEIAS LEGISLATIVAS: O CASO DA BAHIA ... 2660
José Carlos Sales dos Santos Aida Varela Varela
ESCOLA POLITÉCNICA DA UFBA E A ASSESSORIA DE SEGURANÇA E
INFORMAÇÃO ... 2668 Louise Anunciação Fonseca de Oliveira
Anne Alves da Silveira
Jussara Borges
BIBLIOTECAS PARQUE DO RIO DE JANEIRO: ESPAÇOS EM FAVOR DA
CIDADANIA ... 2676 Amanda Ribeiro Dias
Iracema Fernandes Massaroni
PREFÁCIO
A Ciência da Informação é um campo científico de natureza interdisciplinar devotado à busca por soluções para a efetiva comunicação da informação, bem como de seus registros, [contexto social não é entre pessoas?] no contexto social, institucional ou individual de uso e a partir de necessidades específicas. A evolução da Ciência da Informação está inexoravelmente ligada à tecnologia da informação, uma vez que o imperativo tecnológico tem gerado transformações que culminaram em uma sociedade pós-industrial, a sociedade da informação. Nesse contexto, a Ciência da Informação desempenha importante papel na evolução da sociedade da informação por suas fortes dimensões social e humana, as quais vão além das fronteiras da tecnologia.
O tema do ENANCIB 2014 – Além das nuvens: expandindo as fronteiras da Ciência da Informação – remete ao cenário atual caracterizado pelo contínuo desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação, assim como pela evolução constante do ambiente Web, os quais têm proporcionado novas formas de acessar, recuperar, armazenar e gerir a informação. Telefonia móvel, nuvens, big data, linked data, dentre outras formas de interagir com a informação têm exigido novas abordagens para os estudos em Ciência da Informação.
O ENANCIB 2014 oferece a oportunidade para refletir sobre essas mudanças, as quais impactam na interação humana com a informação, bem como sobre suas implicações para o futuro da Ciência da Informação.
Promovido pela Associação Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ANCIB), o ENANCIB, em sua décima quinta edição, foi organizado pelo Programa de Pós- Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (PPGCI- ECI/UFMG) e realizado na Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (ECI/UFMG), em Belo Horizonte, Minas Gerais, no período de 27 a 31 de outubro de 2014. O evento foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pela UFMG e outras organizações apoiadoras.
Pesquisadores em Ciência da Informação foram convidados a submeter pesquisas
teóricas e empíricas, de acordo com a orientação temática dos onze Grupos de Pesquisa (GTs)
da ANCIB. A chamada de trabalhos foi aberta para duas categorias de submissões. A primeira
categoria é a comunicação oral (máximo de 20 páginas), que consiste de artigo escrito em
português, descrevendo trabalho original com demonstração efetiva de resultados. As
comunicações orais aprovadas foram convidadas para apresentação no evento. A segunda categoria é o pôster (máximo de 7 páginas), que consiste de artigos curtos escritos em português, descrevendo pesquisa em desenvolvimento. Os pôsters aceitos foram convidados para exposição nas dependências em que ocorreu o evento.
O ENANCIB 2014 recebeu mais de 600 trabalhos, dos quais mais de 300 foram aceitos para publicação nos Anais, sendo cerca de 240 para apresentação oral e 80 para exibição em pôsters. Este volume é então constituído por 74% de comunicações orais e 26%
de pôsteres, selecionados pelo comitê de programa dos GTs, os quais são compostos por pareceristas especializados, definidos no âmbito de cada GT.
Agradecemos à Comissão Organizadora e à ANCIB pelo seu comprometimento com o sucesso do evento, aos autores por suas submissões e à Comissão Científica pelo intenso trabalho. Agradecemos ainda aos alunos, funcionários e colaboradores que contribuíram para a efetivação do evento.
Belo Horizonte, outubro de 2014
Isa M. Freire
Lilian M. A. R. Alvares
Renata M. A. Baracho
Mauricio B. Almeida
Beatriz V. Cendon
Benildes C. M. S. Maculan
GT 5 – POLÍTICA E ECONOMIA DA INFORMAÇÃO Modalidade da apresentação: Comunicação oral
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E CONTROLE SOCIAL DA CT&I: UMA RELAÇÃO PERTINENTE À CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
ARTIFICIAL INTELLIGENCE AND SOCIAL CONTROL OF ST&I: A RELEVANT LINK TO INFORMATION SCIENCE
Larissa Santiago Ormay Resumo: O acelerado avanço nas pesquisas em inteligência artificial chama atenção para a responsabilidade social da área da ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e para um suposto correlato democrático de controle social, isto é, de participação da sociedade na discussão dos possíveis impactos sócio-político-econômicos da produção da CT&I e suas possíveis aplicações. Partindo da preocupação democrática de que a humanidade seja senhora de seu próprio futuro, o presente artigo se propõe a analisar a oportunidade que o tema da inteligência artificial apresenta para despertar uma ampliação da participação popular no campo da CT&I, demonstrando que a Ciência da Informação, por seu fundamento de responsabilidade social com o uso da informação em CT&I, está vocacionada ao desempenho de um papel-chave, que é o de socializar a informação para facilitar a produção do conhecimento. Verifica-se que a questão em exame – qual seja, o desafio da realização de controle social da CT&I provocado, em especial, pelo desenvolvimento da inteligência artificial – não envolve a atribuição de valores maniqueístas à tecnologia, mas provoca uma reflexão sobre a circulação da informação e do conhecimento sobre os potenciais usos dos aparatos, máquinas e processos, pois são estes usos que podem resultar negativos e/ou positivos, bons e/ou maus para a vida humana. O procedimento metodológico empregado para o desenvolvimento deste estudo foi, eminentemente, a análise de literatura relacionada ao tema.
Palavras-chave: Responsabilidade social. Controle social. Democracia. CT&I. Ciência da Informação. Inteligência Artificial.
Abstract: The rapid advance of research in artificial intelligence calls attention to the social
responsibility of the science, technology and innovation (ST&I) area, and to a democratic
correlative assumption of social control, that is, a society participation on the possible socio-
political-economic impacts of ST&I production and possible applications. Based on the
democratic concern that mankind is the owner of its future, the present article aims to
examine the possibility the subject of artificial intelligence presents to engage popular
participation in the field of ST&I, demonstrating that Information Science, by its plea for
social responsibility using the information in ST&I, is dedicated to perform a key role, which
is to socialize the information as to facilitate the production of knowledge. The issue in
question – namely, the challenge of achieving social control of ST&I stimulated by, in
particular, the development of artificial intelligence – does not involve attributing maniqueist
values to technology, but it causes a reflection on the circulation of information and
knowledge on the potential uses of the apparatus, machinery and processes, as these are uses
that may result negative and/or positive, good and/or bad for human life. The methodological
approach used to develop this study was eminently the analysis of literature related to the
topic.
Keywords: Social responsibility. Social control. Democracy. ST&I. Information Science.
Artificial Intelligence.
1 UM ALERTA SOBRE A APROPRIAÇÃO SOCIAL DA TECNOLOGIA
Em artigo publicado no dia 1º de maio de 2014 no jornal britânico The Independent, o famoso físico Stephen Hawking, em coautoria com o cientista da computação Stuart Russell e mais outros dois físicos, Max Tegmark e Frank Wilczek, afirma que os potenciais benefícios da inteligência artificial podem ser imensos, mas não é possível prever os riscos decorrentes dessa tecnologia quando alcançar um estágio mais avançado de desenvolvimento. Segundo os autores, “embora estejamos diante do potencialmente melhor ou pior acontecimento da história, poucas pesquisas sérias se dedicam a essa questão”. Por outro lado, “todos nós devemos nos perguntar o que podemos fazer agora para melhorar as oportunidades de aproveitar os benefícios e evitar os riscos respectivos” (HAWKING et al., 2014).
O alerta chama atenção para a responsabilidade social da área da ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e para um suposto correlato democrático de controle social, isto é, de participação da sociedade na produção da CT&I sobre os possíveis impactos sócio-político- econômicos decorrentes de suas aplicações, de modo a se coadunarem à vontade popular
1. Isto porque a tecnologia resultante das pesquisas de CT&I é socialmente apropriada com vistas ao atendimento de determinadas finalidades sociais.
Como explica Vilma Figueiredo (1989, p.4), a tecnologia tem sido concebida contemporaneamente, em linhas gerais, como o conjunto de meios ou atividades através das quais seres humanos procuram mudar ou manipular o seu ambiente. Exatamente por essa característica básica, a tecnologia é avaliada em termos de sua eficácia, isto é, de sua adequação aos objetivos visados. Ocorre que os meios adotados produzem efeitos para além das metas almejadas sem que tivessem sido, necessariamente, antecipados. A atividade tecnológica é vista ora como um fator constitutivo da vida das pessoas em sociedade, ora como um elemento problemático na medida em que implica escolhas e decisões tanto para sua produção, como para sua difusão e seu consumo. As condições sociopolíticas e culturais em que se desenvolve a atividade tecnológica são, assim, fundamentais para que sejam
1
Embora se possa questionar o singular empregado em “vontade popular” diante do conceito de
multidão mobilizado, por exemplo, por Michael Hardt e Antonio Negri (HARDT&NEGRI, 2005),
convém lembrar que o conceito de povo envolvido é fundamental à existência dos Estados (ver nota
10). Nada obstante, as democracias representativas se ancoram no sistema eleitoral de apuração de
votos que refletem as vontades de cada eleitor.
identificadas, numa situação concreta dada, as possibilidades de opções tecnológicas que se oferecem para os sujeitos nela envolvidos, sejam eles nações, classes ou grupos sociais.
Multiplamente condicionada por necessidades econômicas, culturais, sociais e políticas, a tecnologia avança com ritmos e rumos variados segundo mudam tempo e local onde é praticada. Isso não quer dizer, porém, que desenvolvimento tecnológico seja a tal ponto aleatório que não comporte explicações, mas, segundo a mencionada autora, não cabem perspectivas deterministas, ou, ao contrário, voluntaristas. Assim como a tecnologia é multiplamente condicionada, também o sujeito que a produz e/ou consome é sócio- historicamente determinado. O campo de escolhas, de decisões, de exercício da vontade não é infinito. Inclusive, na delimitação das alternativas de escolhas tecnológicas, destaca-se a chamada base sócio-material (constituída pelas relações entre seres humanos e instrumentos de trabalho) e ao estoque de conhecimentos existentes (correspondente ao estágio atual do desenvolvimento científico e tecnológico). Essas duas ordens de fatores seriam os principais determinantes do campo de possibilidades de escolhas. A seleção de certas opções tecnológicas em detrimento de outras possíveis resultaria de conflitos entre sujeitos. A íntima relação entre avanço tecnológico, desenvolvimento científico e produção econômica – que se estabelece, gradativamente, a partir da revolução industrial – resulta, na perspectiva sociológica, da prevalência de determinados sujeitos sobre outros. A tecnologia tem se desenvolvido, portanto, em um campo de interesses em disputa, um campo de conflitos (FIGUEIREDO, 1989, p.7). Destarte, o uso social das tecnologias não é neutro, pois sempre envolve um jogo de poder – em contexto capitalista, geralmente associado a interesses comerciais de grandes corporações.
No tocante à chamada inteligência artificial
2, para além dos filmes de ficção científica e de sensacionalismos midiáticos de toda sorte, o processo de desenvolvimento de máquinas capazes de “pensar” em dimensões inconcebíveis à mente humana já é uma realidade desde os anos 1950, e a velocidade dos avanços nas pesquisas respaldam projeções de que essa tecnologia fará parte de um futuro relativamente próximo. Embora os problemas oriundos do uso da inteligência artificial ainda não possam ser especificamente previstos, com o advento
2
Embora exista ampla abordagem teórica sobre o conceito de inteligência artificial, John
McCarthy, quem cunhou o termo em 1955, com Marvin L. Minsky, Nathaniel Rochester e Claude
Shannon, a define como "a ciência e engenharia de produzir máquinas inteligentes" (McCARTHY et
al, 1955).da era da Internet
3e do Big Data
4, enormes quantidades de informação são coletadas sobre usuários de rede, alimentando algoritmos voltados à realização de predições sem a contrapartida de que esses mesmos usuários tenham conhecimento de como, quando e exatamente para quem e para quê a respectiva informação é coletada, tampouco se há recursos de correção ou exclusão dessa informação por parte dos usuários, que, em um mundo cada vez mais conectado, praticamente se confundem com cada indivíduo humano que habita o planeta. Como o desenvolvimento da inteligência artificial depende exatamente da capacidade de armazenamento e processamento de informação em alta velocidade e variedade, os avanços tecnológicos têm levado alguns pesquisadores, como Ray Kurzweil (2005), a afirmar que em algum momento a inteligência das máquinas será muito superior à dos seres humanos, que ficariam literalmente dependentes da tecnologia.
2 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: UM DESAFIO
A inteligência artificial, cujas raízes remontam à invenção da máquina de calcular de Pascal, começou a ser vislumbrada por Leibniz (1646-1716) sob o argumento de que o mecanismo de encadear proposições elementares para efetuar deduções poderia ser realizado por uma máquina. O pensamento seria, portanto, redutível ao cálculo.
Pouco a pouco, com o desenvolvimento da matemática e com a organização do raciocínio lógico em sistemas simbólicos, a tecnologia da inteligência artificial foi avançando até que, em 1936, Alan Turing descreveu o comportamento de uma máquina ideal (a máquina universal) em termos matemáticos, demonstrando ser possível representar matematicamente a atividade de todas as máquinas. Daí uma conclusão importante: embora funcione mediante programação, o comportamento de uma máquina pode ser, na prática, imprevisível. Isso acontece quando o número de operações executadas pela máquina é tão considerável que não somos capazes de reconstituir mentalmente seu encadeamento, não sendo possível praticamente, portanto, encontrar a causa de um erro de programação.
O desenvolvimento da inteligência artificial diz muito à Ciência da Informação, já que é artifício de movimentação da informação e se liga fortemente ao aspecto cognitivo de
3
Manuel Castells (2003) analisa a Era da Internet (Rede Mundial de Computadores), que marca as transformações a partir da nova maneira de comunicação – em rede –, na sociabilidade, na cultura e no trabalho humanos.
4
Big Data (Megadados, em português) é uma área de pesquisa que se refere à tecnologia da
informação de armazenamento e recuperação de dados em enormes quantidade (volume), variedade e
velocidade – os três Vs do Big Data (XEXÉO, 2013).transformação de estruturas
5. Um sistema de inteligência artificial não é capaz somente de armazenamento e manipulação de dados, mas também da aquisição, representação e manipulação de conhecimento, inclusive a dedução ou inferência de novos conhecimentos – novas relações sobre fatos e conceitos – a partir do conhecimento existente, e a utilização de métodos de representação e manipulação para resolver problemas complexos que são frequentemente não quantitativos por natureza
6.
Assim, a inteligência artificial desempenha um papel cada vez mais relevante na sociedade da informação, sendo aplicada a tecnologias que envolvem sistemas especialistas ou sistemas baseados em conhecimento, sistemas inteligentes/aprendizagem, compreensão/tradução de linguagem natural, compreensão/geração de voz, análise de imagem e cena em tempo real e programação automática. As modernas bases de dados – aquilo que se denomina, em termos técnicos, bases de dados orientadas por objetos – foram inspiradas em resultados de pesquisas sobre a organização dos conhecimentos em inteligência artificial (GANASCIA, 1997, p.42).
O avanço das pesquisas em inteligência artificial, entretanto, suscita a seguinte questão: construindo máquinas cada vez mais complexas, não nos arriscamos a fabricar, um dia, uma máquina que nos supere? Esse estranho sentimento de falha e de perda de si mesmo testemunha uma inquietude persistente de ver a obra se tornar independente de seu criador, e um temor da abolição da fronteira entre a vida e o inerte que projeta uma ameaça de natureza coletiva, em que a própria noção de responsabilidade se torna problemática (GANASCIA, 1997, p.97).
O desafio que a inteligência artificial apresenta, então, conforme o referido alerta de Hawking, Russel, Tegmark e Wilczek, talvez seja o de despertar uma ampla reflexão sobre o acompanhamento do desenvolvimento científico e tecnológico pela sociedade civil, a fim de
5
Do ponto de vista da Ciência da Informação, Nicholas Belkin e Stephen Robertson conceituam informação com base na categoria
estrutura(BELKIN&ROBERTSON, 1976, p.198). Afirmam os autores que em uma noção geral, mais consensual, informação é tudo aquilo que é capaz de mudar estruturas. Rafael Capurro (2003) discrimina três aspectos da informação correspondentes ao que identifica como paradigmas epistemológicos da Ciência da Informação: o físico, em que a informação se confunde com um objeto físico que um emissor transmite a um receptor; o cognitivo, em que a informação significa conteúdo intelectual que existe somente em espaços cognitivos; e o social, em que a informação só pode ser considerada como tal no contexto social.
6
Conforme página virtual do programa de Mestrado em Informática Aplicada à Educação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro: <http://www.nce.ufrj.br/GINAPE/VIDA/ia.htm > (acesso em
15 jun. 2014).
que se expanda a conscientização sobre os potenciais de impacto social da produção na área, eventualmente negativos e/ou positivos, e de promover o engajamento e a participação da sociedade nas decisões concernentes à difusão tecnológica que envolvem responsabilidades compartilhadas por todos.
3 DIREITO À INFORMAÇÃO E CONTROLE SOCIAL DA CT&I: UMA QUESTÃO DE DEMOCRACIA
Como observa Lázaro Blanco Encinosa (2013, p.30), os sistemas de informação e as tecnologias têm impactado nossas vidas com muita rapidez, a ponto de nem sempre dar tempo de se meditar o suficiente sobre suas implicações. Cada vez mais utilizamos computadores, telefones celulares e mídias/redes sociais sem nos darmos conta de que nossa existência vai se tornando refém quase absoluta dessas tecnologias. As informações sobre nós mesmos viajam pelo ciberespaço e são armazenadas em lugares que não conhecemos, possibilitando seu emprego em ações que não aprovamos. Empresas, governos e até indivíduos podem acessar nossos dados e usá-los em seu benefício sem que nos inteiremos disso.
Nesse fluxo, o emprego da inteligência artificial já é bastante relevante, sendo mais de 61,5% do tráfego na Internet gerado por programas automatizados chamados bots
7. Em janeiro de 2014, Mark Zuckerberg, proprietário da maior empresa de mídia social do mundo, anunciou que a inteligência artificial vai "transformar o Facebook" durante os próximos cinco anos, sendo usada para transcrever áudio trocado entre usuários e interpretar fotos. Outras empresas gigantes da Internet, como Google, Microsoft e IBM, também têm aportado pesados investimentos em pesquisas de inteligência artificial. No setor bélico, “robôs assassinos” já são uma realidade: de acordo com uma pesquisa da ONU
8(Organização das Nações Unidas), civis foram mortos em uma série de ataques com drones ao redor do mundo. No Paquistão, pelo menos 2.200 pessoas foram mortas por ataques de drones norte-americanos desde 2004, 400 das quais eram civis. Enquanto isso, a Rússia acaba de equipar suas bases de mísseis com robôs armados que podem atirar em qualquer invasor – ou humano desavisado – de forma autônoma, e uma empresa na África do Sul chamada Desert Wolf começou a vender robôs para combater manifestações da sociedade civil, como as greves. Caem por terra, assim, as Três Leis da Robótica propostas por Isaac Asimov (2004): 1ª) Um robô não pode fazer mal a
7 Pesquisa realizada pela empresa americana Incapsula. Disponível em:
http://www.incapsula.com/blog/bot-traffic-report-2013.html>. Aacesso em: 15 jun. 2014.
8 Relatório do relator especial da ONU de 18 de setembro de 2013. Disponível em:
<http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/68/389> (acesso em 7 jul. 2014).
um ser humano e nem, por omissão, permitir que algum mal lhe aconteça. 2ª) Um robô deve obedecer às ordens dos seres humanos, exceto quando estas contrariam a Primeira Lei. 3ª) Um robô deve proteger a sua integridade física desde que, com isto, não contrarie a Primeira e a Segunda leis.
Em face dos fatos, uma condição de fragilidade de grandes massas populacionais se sobressai em relação ao poderio informacional que Estados e certos conglomerados empresariais assumem na Era da Informação
9, e ganha destaque a preocupação com o empoderamento e a emancipação humanos em prol da efetivação do ideal de democracia em seu sentido original e etimológico, de governo do povo
10(Demo = povo; cracia = governo).
Em que pese o fundamento teórico schumpeteriano que sustenta as hodiernas concepções de democracia
11, a crise de representatividade revelada pela explosão de protestos
9
A Era da Informação é apontada por autores como Peter Drucker (1988) como sendo o período da História que sucede a Era Industrial, marcando a transição de uma época em que o trabalho braçal era prevalecente para outra, a atual, em que a informação – matéria prima da produção de conhecimento – é cada vez mais valorizada economicamente. Neste contexto, inúmeras transferências de dados via Internet são processadas a cada instante em serviço controlado por somente algumas corporações privadas, o que implica uma concentração de poder particularmente ameaçadora ao exercício do direito à privacidade, considerado uma das liberdades democráticas (ASSANGE et al., 2013).
10
O conceito de povo, cuja origem remete ao Estado romano, se consolida na medida em que se forma a figura do Estado. A partir da conquista dos direitos políticos, com as revoluções burguesas, o conceito de povo passa a ser o conjunto de cidadãos de um Estado, isto é, um dos elementos que compõem o próprio Estado, ao lado da soberania e do território (DALLARI, 1991). Portanto, se há Estado, há povo, pois há uma população com direitos e deveres reconhecidos em relação àquela entidade. Mais precisamente, o moderno conceito de Estado parte da concepção de que cidadão é todo indivíduo em pleno gozo de seus direitos políticos (DALLARI, 1991). Ao se referir diretamente a um conceito objetivo de cidadania jurídica, o conceito de povo está amarrado, longe de ser uma ilação.
Povo é uma categoria que faz parte de qualquer Estado, e é com base nessa categoria que o conceito de Estado Democrático de Direito se funda: o povo delega um poder político especial, exclusivo ao Estado, denominado soberania. Está montado, assim, o arcabouço institucional básico voltado ao funcionamento da democracia representativa.
11
A partir da publicação do livro Capitalismo, Socialismo e Democracia, de Joseph Schumpeter,
em 1942, destacam-se variadas tentativas de classificação de tipos de democracia. Isso aconteceu
devido às dificuldades de concretização do modelo clássico de democracia, que, como governo dos
cidadãos, tendo como base uma crítica ao despotismo, se define como resultante da decisão coletiva
que emerge de arranjos que agregam escolhas coletivas estabelecidas em condições de livre e pública
argumentação entre iguais, governados por essas decisões (COHEN, ELSTER, 1998). Schumpeter
então expressa essa mudança, da democracia deixando de ser encarada como soberania popular pelo
bem comum para significar um método de escolha dos dirigentes. Tal tentativa esforçada de adaptação
da teoria democrática aos novos tempos implica, porém, o sacrifício do conteúdo moral e normativo,
pois as regras da democracia, segundo Schumpeter, dizem respeito somente a como chegar às
decisões, mas não ao conteúdo das mesmas, em detrimento dos valores relacionados ao bem comum, à
igualdade e à participação ativa dos cidadãos – enfim, à substância mesma do conceito de democracia
populares manifestados nas ruas de diversas partes do mundo a partir da crise econômica mundial instaurada em 2008 parece indicar que a existência e o funcionamento regular do arranjo formal correspondente ao aparato institucional de democracia representativa não bastam para a própria caracterização de uma democracia verdadeira. Nesse sentido, não raro se observa um descompasso entre os interesses das sociedades em relação aos seus governos, ainda que as respectivas instituições operem de maneira mais ou menos adequada, conforme o modelo de Estado Democrático de Direito
12. Tal cenário traz para o centro das reflexões democráticas a importância do controle social sobre as ações que tenham potencial de produzir fortes impactos no modo de organização das sociedades, como são as escolhas realizadas no campo da CT&I.
Como assinalam Aquiles de Lira e Jemima de Oliveira (LIRA&OLIVEIRA, 2005), a ideia de controle social se origina na década de 1920 do século passado associada a estudos sobre o crime e outros comportamentos ou atitudes socialmente indesejáveis, pressupondo a existência de padrões de comportamentos que devem ser seguidos e, consequentemente, a existência de mecanismos de regulação e instrumentos que maximizam a possibilidade desses componentes. Porém, outra forma de referência ao conceito de controle social aparece quando do estabelecimento de Estados democráticos, que têm como princípio básico a ética e a transparência, passando a considerar a noção de que a população precisa e deve participar plenamente da vida pública.
No Brasil, por exemplo, segundo Romualdo Dropa (2005, p.1), a expressão “controle social” surgiu na década de 1980 com o fim do governo militar, cujo caráter autoritário se opunha ao da participação popular que se espera da democracia. Através dessa ótica, o controle social se traduz na organização da sociedade na defesa de seus interesses e na luta pela diminuição e correção das desigualdades através do acesso a bens e serviços que assegurem os seus direitos.
Destarte, o conceito mais atual de controle social implica a descentralização do Estado e a participação da população na gestão pública, até mesmo controlando instituições e organizações governamentais, o que leva a alterações nas relações do Estado com a sociedade, clássico, cujo cerne é a
participação popular na política, e não um método que pressuponha essaparticipação.
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Como é cediço, a ideia de Estado Democrático de Direito consiste na submissão do Estado à
ordem jurídica que ele próprio produziu, na qual as liberdades democráticas constituem direitos
fundamentais.
com a criação de mecanismos voltados à viabilização da participação dos cidadãos no processo de definição, implementação e avaliação da ação pública (LIRA&OLIVEIRA, 2005). Além disso, vislumbra-se a existência de um governo interativo, capaz de equilibrar forças e interesses, buscando padrões de equidade, e que promova a organização das diversas camadas sociais a partir de um modelo de Administração Pública Gerencial não burocrático e transparente, enquanto, por outro lado, compete à sociedade o exercício do controle social como ferramenta para maior transparência, contribuindo para uma melhor qualidade dos serviços oferecidos na concretização de direitos fundamentais. Daí a consagração do direito à informação e a legitimidade da reivindicação de conselhos comunitários e da democratização do processo decisório (DROPA, 2005, p.3).
Neste sentido é que foi editado pela presidenta da república brasileira, Dilma Roussef, o Decreto nº 8.243, de 23 de maio de 2014, regulamento que fortalece a base jurídica sobre o controle social e deve ser aproveitado para uma maior interação social a respeito das políticas de CT&I, já que, de um modo geral, estabelece diretrizes que visam promover a articulação das instâncias e dos mecanismos de participação social.
Esse esforço brasileiro pode, portanto, facilitar a participação da sociedade no tocante a questões de CT&I de seu interesse, além de servir de exemplo a outros Estados, já que instrumentos normativos são parte imprescindível ao funcionamento das democracias contemporâneas.
4 FUNÇÃO SOCIAL DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: AFINAL, CT&I PARA QUÊ?
É exatamente em uma conjuntura de Estado Democrático, em que a informação passa a ser um direito do cidadão e dever do Estado, que surge a relação da Ciência da Informação com os conceitos de responsabilidade social e controle social. Socializar a informação para facilitar a produção do conhecimento é a responsabilidade social da Ciência da Informação (FREIRE, 2002, 2004). E será essa função social que a tornará, segundo Saracevic, “um campo dedicado às questões científicas e à prática profissional voltadas para os problemas da comunicação do conhecimento e de seus registros entre os seres humanos, no qual, no tratamento destas questões, são consideradas as modernas tecnologias (1996, apud SANTO;
FREIRE, 2004, p.1). Em outras palavras, a preocupação com o democrático controle social do desenvolvimento tecnológico faz parte dos estudos de Ciência da Informação.
A partir da perspectiva mais recente de controle social exposta e de sua relação com a
democracia e a Ciência da Informação, impõe-se uma reflexão sobre, de um lado, o campo do
desenvolvimento científico e tecnológico como um espaço de disputa de poder
13com potencial de grande impacto social, político, econômico e cultural, e, de outro lado, a falta de oportunidades concretas de participação da maior parte da sociedade, considerada público não especializado em ciência e tecnologia, nos processos de escolhas e decisões dos agentes diretamente envolvidos nesse campo.
De acordo com a apurada revisão bibliográfica de Lena Vânia Ribeiro Pinheiro presente no artigo "Ciência da Informação e Sociedade: uma relação delicada entre a fome de saber e de viver" (2009), entre os autores que realizam uma abordagem social da Ciência da Informação estão Augustín Merta (1969), Alexander Mikhailov, Arkadii Chernyi e Rudhzero Giliarevski (1975) e Norman Roberts (1976). Com base nesses autores é possível afirmar que o objeto da Ciência da Informação transcende a coleta, o processamento e a disseminação da informação ou fontes de informação, porquanto tais aspectos técnicos não dão conta de outro importante, que consiste na compreensão do movimento da informação em seu caminho entre o criador e o usuário, em um processo que é “dinâmico e social" (MERTA, 1969). A Ciência da Informação é, pois, uma disciplina social porque "estuda fenômenos e regularidades inerentes apenas à sociedade humana" (MIKHAILOV et al., 1980). Gernot Wersig e Ulrich Neveling (1975) apontam que “a responsabilidade social é o real fundamento da Ciência da Informação”
14.
Desse modo, trata-se de área de pesquisa que tem responsabilidade social com a transformação social, não apenas em prover acesso à informação aos cidadãos indiscriminadamente, mas também de buscar meios de promover a inclusão social, o desenvolvimento e a disponibilização de conteúdos que estabeleçam a comunicação entre o Estado e a sociedade (LIRA&OLIVEIRA, 2005, p.4). Ademais, como afirma Ângela Fernandes (2001, p.2), o desenvolvimento, o direito à informação e à participação andam juntos, posto que o saber compartilhado pressupõe as responsabilidades divididas e um ambiente democrático no qual direitos e deveres são discutidos e processados.
13
Valho-me da noção de campo desenvolvida por Pierre Bourdieu, como espaço de forças em que há dominantes e dominados, mas que também é campo de lutas para transformar ou conservar este campo de forças (BOURDIEU, 1989).
14
Tradução livre a partir do seguinte trecho: “…not because of a specific phenomenon wich
always existed before and wich now becomes an object of study – but because of a new necessity to
study a problem wich has completely changed its relevance for society. Nowadays the problem of
transmitting knowledge to those who need it is a social responsibility, and this social responsibility
seems to be the real background of ‘information science’.” (WERSIG&NEVELING, 1975, apud
BELKIN&ROBERTSON, p. 197).
O filósofo Hilton Japiassu (1977), por sua vez, aponta que uma das "máscaras da ciência" é o mito da ciência pura, da ciência como uma atividade sem deontologia que apenas fornece um saber elaborado tecnicamente de modo a fornecer meios de ação; os fins aos quais servem tais meios não diriam respeito aos cientistas
15. Esse mito ou essa máscara da ciência, segundo Japiassu, funda a irresponsabilidade social dos cientistas e fornece ao Estado uma perfeita justificação do apolitismo da pesquisa ou a sua neutralidade.
É oportuno situar que o discurso de Japiassu está no bojo de sua crítica ao domínio da máquina “a serviço de uma função, não de um projeto humano”. Ao admitir o “vínculo indissolúvel entre ciência e poder” ele nos fala de sua consequência – a tanatocracia da ciência e da técnica – e assim finaliza seu pensamento:
“Não tenhamos ilusão: a ciência hoje possui dois pólos: o saber e o poder. O saber pelo saber está na base do desenvolvimento da ciência. Mas hoje em dia a ciência desempenha um papel tão importante no desenvolvimento das forças produtivas, que há uma predominância incontestável do saber para poder. A pesquisa científica e técnica comanda diretamente o desenvolvimento econômico.” (JAPIASSU, 1977)
Em diálogo com essa visão, retoma-se o tema dos usos sociais da ciência na linha desenvolvida por Pierre Bourdieu (2004), que ressalta ser preciso escapar à alternativa de
"ciência pura", totalmente livre de qualquer necessidade social, e da "ciência escrava", sujeita a todas as demandas político-econômicas. Bourdieu analisa que o campo da ciência
16afirma sua autonomia na sociedade como um microcosmo dotado de leis próprias. Trata-se de um campo de forças e um campo de lutas para conservar ou transformar esse campo de forças, e é a estrutura das relações objetivas entre os agentes desse campo que determina o que eles podem ou não fazer. Ou, mais precisamente, é a posição que eles ocupam nessa estrutura – determinada pela distribuição de capital científico entre os agentes em um dado momento – que determina ou orienta suas tomadas de posição (BOURDIEU, 2004, p.21-22).
Ao implicar a contrapartida de um controle social do desenvolvimento científico e tecnológico, a responsabilidade social no uso da informação em CT&I força uma mitigação da autonomia desse campo, microcosmo que, uma vez comprometido com sua função social,
15
Embora Japissu mencione apenas a palavra ciência, é possível estender a reflexão a todo o campo da ciência, tecnologia e inovação (CT&I), trinômio que abarca este bloco de conhecimentos interligados pela pesquisa científica e que se consagrou como uma mesma área de políticas públicas consoante uma concepção de desenvolvimento econômico inspirada na visão de Joseph Schumpeter (1985).
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