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A operacionalidade das políticas públicas culturais é desvirtuada por interesses socioeconômicos, individuais e ideológicos. Esta situação é agravada pela polissemia conceitual do objeto desta política – a cultura – que traz implicações para a sua operacionalização no mundo empírico entremeado de múltiplas intenções e ações dispersas na rede.

As políticas voltadas para a cultura têm sofrido impactos com a nova conjuntura impulsionada pelo rearranjo ideológico e econômico do mundo imerso nos processos de globalização e transnacionalização via meios de comunicação de massa. O Estado contemporâneo alega duas razões para a sua retirada ou parcial atuação na área da cultura: 1) sua fragilização frente a questões urgentes, abrindo espaço para as empresas de entretimento; e 2) saber apreciar (e gerar) cultura “não é mais uma atividade essencial para o Estado porque não se sabe exatamente o que privilegiar, por não mais existir aquele núcleo delimitado

61 Exemplificando, o Programa Mais Educação libera recursos financeiros por meio do Programa

Dinheiro Direto na Escola, e a adesão ocorre via internet. As escolas escolhem até cinco atividades nos macrocampos do programa, entre eles: acompanhamento pedagógico (obrigatório), educação ambiental, esporte e lazer, direitos humanos em educação, cultura e artes, cultura digital, promoção da saúde, etc.

funcionando como estoque central dos valores culturais de uma nação ou de um país”. (TEIXEIRA COELHO, 1997, p. 294). Em flagrante oposição a essa ideia estão as visões que conduzem a heterogeneidade cultural impedindo ou não permitindo políticas que busquem um sentido único, unificador e homogêneo.

De outra parte, atender a heterogeneidade cultural pretendida e presente nos diversos estados brasileiros é uma tarefa hercúlea. Tanto o governo quanto a iniciativa privada e o terceiro setor têm contribuído ao longo do tempo, mas as ações precisam ser revistas e dialogadas. Haja vista o exemplo da discussão do Plano Nacional do Livro e da Leitura durante a gestão do Ministro Gilberto Gil, que acolheu informações de todos os setores e interessados por meio de seus representantes, resultando num documento que em tese foi formulado por todos e assim com uma probabilidade de melhores resultados. Contudo, a cultura política do país não permitiu que as intenções se convertessem em ações perenes ou ao menos mais duradouras. A mudança de presidente e dos ministros no governo federal fez com que os planos, inclusive o de leitura, fosse colocado de lado voltando-se novamente para uma política que privilegia o estímulo ao consumo de bens e serviços culturais, como por exemplo, o “vale-cultura”. A descontinuidade das políticas públicas é uma das marcas da nossa cultura política (AVELAR, 2010; SILVA, 2009). É sempre um recomeço como se em termos de políticas não houvesse a função de implementar ou desenvolver, estar sempre no início sem a função de avançar.

A iniciativa privada pouco alterou sua política de atrelar à cultura a imagem de empresa responsável escolhendo patrocinar ações de grandes proporções publicitárias ou criando institutos culturais que pouco ou nada permitem a participação da população na escolha das atividades. Nestes institutos o objetivo é ofertar aquilo que um grupo específico considera importante sem qualquer forma de diálogo com a população em geral e, principalmente, com os setores culturais alijados dos circuitos de cultura de massa.

A “Usina Cultural Energisa” caracteriza-se como uma importante iniciativa para a cidade de João Pessoa e outros municípios circunvizinhos. Devido, entretanto, a sua política ou insuficiência de recursos humanos e materiais para a construção de um diálogo com a população, pretende atender a todas as classes sociais de múltiplos contextos e aspirações do público receptor sem, contudo, conhecê-lo e conhecer seus desejos e aspirações. A missão da Energisa não é proporcionar o favorecimento de manifestações culturais, mas integrar essa rede como mais um ator posicionando seus interesses.

Na realidade as práticas culturais da Energisa assumem essas várias facetas em virtude dela não ser um produtor de cultura, pelo menos é nisso que cremos, mas de oferecer seu

espaço para que atividades ali ocorram e dessa maneira ela se beneficia junto a sociedade pelo marketing que termina por acontecer, colocando-a em destaque junto as empresas do mesmo ramo. Desse modo, repete a tendência das políticas públicas de cultura de ignorar a heterogeneidade de sentidos da cultura e de suas manifestações.

Por último, a teoria ator-rede pode ser um caminho para entender como atores (pessoas, grupos, organizações) se mobilizam, justapõem e unem os elementos que traçam esta rede chamada cultura e, concomitantemente, os equívocos governamentais quanto às políticas culturais ao longo do tempo.

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