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Número Especial CONSERVAÇÃO PREVENTIVA EM BIBLIOTECAS

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Academic year: 2023

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O artigo aborda estudos e aspectos envolvidos na prevenção da microbiodeterioração de livros e obras bibliográficas consideradas raras, especiais ou históricas. Inclui uma breve revisão bibliográfica sobre a relação entre microbiodeterioração e microclima, e também sobre controle e tratamento dos agentes fúngicos. Como exemplo, apresenta o trabalho que o LAPEL realizou no Serviço de Biblioteca e Informação Científica, em razão de um incidente com fungos, ocorrido no verão de 2018. Ratifica a influência das variações climáticas ambientais e a ausência de limpeza periódica sobre a proliferação dos agentes biodeterioradores. Conlui que a mudança de atitude, de identificação e mitigação dos danos, para a atuação por meio do monitoramento e do registro das condições ambientais, fornece elementos de comparação e um referencial de avaliação crítica, para atuação prévia e direta sobre o problema.

Controle de micro-organismos. Conservação preventiva em bibliotecas. Fungos em livros. Coleções especiais. Preservação de acervos bibliográficos.

1Conservadora-Restauradora de Papel. Tecnologista. Museu de Astronomia e Ciências Afins. Rua General Bruce, 586, São Cristóvão, Rio de Janeiro. Tel.: (21) 3514-5269. Email: ozana@mast.br

2Engenheira Química. Bolsista PCI/MAST. Museu de Astronomia e Ciências Afins.. Rua General Bruce, 586,

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A conservação dos acervos arquivísticos e bibliográficos em suporte papel envolve inúmeros fatores, sendo os principais: o ambiente de guarda, suas condições de uso e as características físico-químicas de sua composição. Estas últimas estão relacionadas com fatores intrínsecos e, dificilmente, podem ser tratadas apenas com medidas não-invasivas. Muitas vezes, em benefício da longevidade e do acesso aos documentos, é necessário fazer uso de produtos químicos, o que pode alterar as características do material. Para evitar a intervenção direta, especialmente naqueles materiais que têm valor histórico, institucional ou cultural, as áreas da conservação e do patrimônio documental têm procurado utilizar meios alternativos e menos invasivos para prevenção, proteção e eliminação dos agentes de biodeterioração.

Uma das linhas de ação procura estabelecer normas e parâmetros para o uso, reprodução e consulta desses documentos. Outra vertente se dedica a obter um ambiente adequado para a disposição e armazenamento dos acervos. Esses aspectos são de abordagem mais geral, abrangidos pelas esferas da preservação e da conservação. A Conservação Preventiva, como denominamos3, se dirige às ações empreendidas sobre o acervo considerando aspectos relativos à detecção, acompanhamento, mitigação e bloqueio dos fatores de deterioração. É realizada através do controle efetivo e sistemático dos agentes extrínsecos que causam danos aos documentos e obras, de modo a contribuir na diminuição da velocidade do envelhecimento e deterioração do

3 Utilizamos aqui a terminologia definida pelo código de ética da Confederação Europeia de Organizações de Conservadores-Restauradores (ECCO), adotado em 2003 (EUROPEAN, 2003).

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acervo, e para criar “as condições ótimas de preservação compatíveis com seu uso social” (TACÓN CLAVAÍN, 2008, p. 15).

Com essas premissas, o Laboratório de Conservação e Restauração de Papel – LAPEL vem trabalhando junto à Coordenação de Documentação e Arquivo – CODAR do Museu de Astronomia e Ciências Afins – MAST, de modo a encontrar soluções e promover estudos que qualifiquem as condições de conservação dos documentos históricos e científicos sob a custódia institucional, visando a sua preservação e segurança.

Nesse sentido, ao longo dos últimos 20 anos, o LAPEL vem adotando estratégias de gestão, tais como: vistoria das áreas de guarda de acervo; monitoramento microbiológico e controle climatológico dos depósitos; diagnóstico dos documentos;

programação e acompanhamento de desinsetização, desratização e limpeza periódica das áreas de depósito e de tratamento técnico dos documentos arquivísticos e bibliográficos da instituição.

Com a responsabilidade de custódia, acesso e preservação, a CODAR tem o papel de zelar por um grande número de arquivos pessoais de cientistas que contribuíram para o desenvolvimento de diferentes ramos do conhecimento científico no Brasil, além de quatro arquivos institucionais. Também responde pelo processamento, conservação e disponibilização do acervo bibliográfico institucional e de várias coleções especiais, que foram adquiridas e incorporadas à Biblioteca Henrique Morize.

Este artigo pretende abordar estudos e aspectos envolvidos na prevenção da microbiodeterioração de livros e obras bibliográficas em suporte papel, que sejam consideradas raras, especiais ou históricas. Como exemplo, apresenta o trabalho que o LAPEL realizou no Serviço de Biblioteca e Informação Científica, em razão de um incidente com fungos, ocorrido no verão de 2018.

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Ao tratar do tema em questão – os agentes de microbiodeterioração –, descrevemos um breve referencial sobre o estudo do patrimônio, no campo das ciências aplicadas, que auxilia no entendimento e nas perspectivas de avaliação desse problema no material bibliográfico. Também trazemos informações quanto às condições adequadas à conservação desse acervo, considerando parâmetros e recomendações para sua prevenção e controle.

A ação do meio ambiente interno sobre os materiais constituintes dos acervos é conhecida e registrada por inúmeros autores de diferentes especialidades. Em países de clima tropical, com elevadas e bruscas variações locais de temperatura e umidade relativa, algumas formas de evitar a microbiodeterioração dos bens culturais são: monitorar e controlar as condições climáticas internas, diminuir a umidade relativa do ar, manter os acervos e áreas de armazenagem ventilados, limpos e desentulhados e adotar medidas para mitigar sinistros com água ou umidade. Inúmeros autores indicam que os acervos também devem ser inspecionados, as áreas monitoradas e vistoriadas periodicamente e a prevenção exercida através da boa manutenção do edifício, da colocação de barreiras e do estabelecimento de procedimentos para evitar que os agentes biodeterioradores ingressem e se instalem nas áreas de guarda e consulta da biblioteca (VAILLANT CALLOL, 2013; SIQUEIRA; CABRITA; MACEDO, 2014). A maioria desses procedimentos está

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relacionada ao que denominamos Controle Integrado de Pragas4 - CIP, o qual “envolve muitas e variadas disciplinas, incluindo a conservação e a gestão de coleções e edifícios”

(PINNIGER, 2008, p. 14), e que pode indicar diretrizes eficazes para mitigar e gerir os problemas de ataque e proliferação de micro-organismos.

De fato, a contaminação ocasionada por esses agentes biodeterioradores não se limita a afetar à saúde humana, impacta também na perda ou fragilização estrutural do suporte, nas manchas que dificultam a leitura e a apreciação das obras, e em potenciais recontaminações. Como nos explicou Vaillant Callol (2013, p. 15), a ação biodeteriorante

“pode ter diferentes causas, origens e manifestações”, ocorrendo “de maneira distinta em materiais orgânicos e inorgânicos”. No caso da atividade dos micro-organismos em livros e documentos histórico-culturais, a autora aponta que os fungos podem:

atacar substâncias que lhes servem de alimento, consumindo as fontes de carbono como a celulose, colas, adesivos e outros polímeros constituintes do papel, obtendo os nutrientes necessários ao seu desenvolvimento e, em consequência, excretam produtos como ácidos orgânicos e pigmentos, que são depositados sobre o suporte, provocando deterioração (VAILLANT CALLOL, 2013, p. 46).

Do mesmo modo, as bactérias, que em sua maioria são heterotróficas5, “obtêm a energia necessária aos seus processos vitais a partir de substâncias orgânicas do meio, tais como carboidratos e proteínas”, e essa característica lhes confere também potencial biodeteriorante, “ainda que tenham maior importância em termos epidemiológicos”

(NYUKSHA, 1983; PASQUARELLO, 1980 apud VAILLANT CALLOL, 2013, p. 48). Essa

4 O CIP é uma expressão utilizada para denominar a reunião de métodos de controle de pragas em frutas e cereais que restringem o uso de pesticidas, e que foi adaptado com sucesso no trabalho junto ao patrimônio cultural.

5 Característica dos seres que se alimentam de outros organismos ou dos resíduos orgânicos produzidos por outros organismos.

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afirmação é compartilhada por Borrego e colaboradores (2012) quando explicitam que, no papel, as fibras vegetais, os aditivos funcionais e as tintas de composição orgânica são utilizados como fonte de nutrientes pelos micro-organismos e que estes, além dos substratos, podem afetar a saúde humana.

Siqueira, Cabrita e Macedo (2014, p. 182) realizaram uma revisão de literatura referente à prevenção da degradação do papel e sintetizaram alguns aspectos sobre o problema da microbiodeterioração associada às condições internas dos depósitos. Como proposta de estudo, eles elaboraram e aplicaram um questionário de prospecção para verificar como os profissionais que atuam com a conservação estão lidando com a biodeterioração de documentos e livros. Obtiveram retorno de 109 especialistas, entre arquivistas, bibliotecários, conservadores-restauradores e cientistas da conservação (SIQUEIRA; CABRITA; MACEDO, 2014, p. 188). No que se refere à prevenção, eles identificaram que apenas 16% dos profissionais realizam o monitoramento do ar interno e 26% disseram inspecionar superfícies (obras, prateleiras, paredes etc.).

Quanto ao controle, a maior parte dos profissionais indicou exercê-lo através da temperatura e UR (77%) e da circulação/ventilação de ar (60%). Quantos às causas que levam ao aparecimento dos fungos, houve um equilíbrio nas respostas que incluíram:

vazamento (35%); formação de microclima nas salas (30%); aumento da UR por entrada de umidade externa ou clima chuvoso (26%); enchentes, quebra dos sistemas de controle climático e demais fatores (cada um com 25%) (SIQUEIRA; CABRITA; MACEDO, 2014, p. 188-189). A partir desse levantamento, é possível afirmar que as causas que promovem o aparecimento de micro-organismos são conhecidas pelos profissionais, assim como são os procedimentos reativos de tratamento e controle da infecção;

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contudo, as ações de prevenção, quase sempre, ainda estão restritas ou limitadas à prática passiva e não sistemática de observação do ambiente.

Ratifica-se que, na literatura da área de conservação, identificamos que as condições de descontrole ambiental, principalmente, aquelas que dizem respeito às alterações climáticas, aumentam a probabilidade de desenvolvimento e proliferação da microbiota presente nos ambientes de guarda de acervos, especialmente, quando há alta umidade do ar interno e a aeração de estantes e armários é deficiente (STERFLINGER;

PIÑAR, 2013, p. 9.639). Essa situação pode ser agravada se o ambiente estiver quente e, mais ainda, se o acervo estiver empoeirado. No entanto, de acordo com os resultados da pesquisa realizada por Karbowska-Berrent e colaboradores (2011, p. 1.878), a limpeza mecânica de coleções resulta em uma diminuição significativa na quantidade e diversidade de espécies de microrganismos, tanto no ar quanto na superfície das coleções. Da mesma forma, a remoção da fonte de umidade melhora a qualidade higiênica e reduz o risco de biodeterioração do acervo.

Vaillant Callol (2013, p. 60) informa que as características bioenergéticas e a faixa de temperatura ideal para o crescimento de fungos é entre 15 e 37 °C, sendo ótima à temperatura de 30 °C, mas que seus esporos podem viver em condições mais extremas.

Ogden (2001, p. 18) e Price (2001, p. 25) descrevem que será necessária uma umidade acima de 70%, por longos períodos, para que haja crescimento ou proliferação de fungos, embora possa acontecer esse desenvolvimento também em umidades relativas mais baixas, como 45% (OGDEN, 2001, p. 18).

Costa e colaboradores (2012) realizaram estudos para identificar o impacto da variação de temperatura e umidade relativa durante a transferência dos acervos de uma área sem controle climático para novos depósitos com condicionamento de ar. Também

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pretendiam comprovar se os set points e a faixa de amplitude definidos entre 23 e 25 °C e 60 e 65 % promoveriam um impacto positivo na conservação. Para isso utilizaram simulações matemáticas com a equação Isoperma (SEBERA, 2001). Os resultados possibilitaram concluir que os parâmetros estabelecidos contribuiriam, após a mudança, para o aumento da permanência dos documentos e na prevenção de microbiodeterioradores (COSTA et al., 2012).

No sentido de identificar a microbiodeterioração em microclimas das áreas de guarda de acervos, Borrego e colaboradores (2012) propuseram estudar a contaminação microbiológica interna de depósitos de documentos arquivísticos na Argentina e em Cuba, para analisar a relação entre a microbiota e a formação de filme como indicador de superfície afetada. Como procedimentos realizaram: a) a caracterização dos arquivos; b) a amostragem microbiológica do ar por meio do método

“Omeliansky formula”6; c) a observação em laboratório com auxílio da técnica de Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV); d) a determinação da atividade celulolítica, proteolítica e amilolítica por cultura e/ou ensaios; e e) análises estatísticas comparativas da concentração dos fungos e bactérias no ambiente.

Os autores explicam que a aderência de micro-organismos e a subsequente formação de filme na superfície dos materiais resultam do assentamento de partículas de sujeira, levadas para dentro dos depósitos pelas pessoas ou pelo sistema de ventilação de ar, posto que essas terminam com frequência por se sedimentar sobre a face exposta, criando condições para absorção de umidade (BORREGO et al., 2012, p.1).

6 “Omeliansky formula” um tipo de método para obter coleta de amostras da microbiota de fungos do ambiente. Para saber mais: AWAD, A. H.; MAWLA, H. A., 2012. Disponível em:

http://www.pjoes.com/Sedimentation-with-the-Omeliansky-Formula-r-nas-an-Accepted-Technique- for-Quantifying,88900,0,2.html. Acesso em: 15 jul. 2020.

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Assim, condições em que há falta de manutenção da limpeza do acervo ou do ambiente (inclusive dos dutos por onde circula o ar) podem influenciar, potencialmente, o surgimento e proliferação desses agentes no ambiente interno das bibliotecas, especialmente, se a umidade estiver alta.

Por outra parte, nos distintos arquivos analisados, Borrego e colaboradores (2012, p. 2 e 4) identificaram diferenças que podem ser relativas à ausência de sistema de ventilação em alguns casos, mas não em outros. De fato, a estagnação do ar favorece a absorção de água e sedimentação de esporos. Contudo, o clima diferenciado de Cuba e da Argentina, junto com as condições higiênicas dos locais podem, sim, justificar as várias situações de contaminação fúngica verificadas. Assim, os autores orientam que

“para definir a qualidade do ar em depósitos de arquivo e conhecer o ecossistema interno é necessário avaliar sistematicamente a concentração microbiana do ar”

(FLORIAN, 2004 apud BORREGO et al., 2012, p. 1), isto é, realizar o monitoramento microbiológico é essencial para poder identificar prontamente uma potencial proliferação. Ratificam, igualmente, que a manutenção dos esporos e o seu desenvolvimento estão condicionados às condições do microambiente, à água de atividade e aos eventos que ajudam na colonização dos materiais (BORREGO et al., 2012, p. 2). Portanto, a ausência de controle do ar interno e as características dos materiais também são aspectos que condicionam o aparecimento do problema, sendo a umidade um dos elementos fundamentais.

Podemos dizer que o papel possui três afinidades com a água: a) aquela que é estrutural, que chamamos de água de constituição - ligada fortemente à celulose; b) aquela de hidratação, que se origina das trocas com o ambiente, a qual pode ser absorvida ou evaporada em função das condições climáticas; e c) aquela que é

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excedente, que está relacionada ao intumescimento extremo da celulose por excesso de água disponível (BALAZSI, 1996). Assim, a água de atividade, citada por Borrego e colaboradores (2012), pode ser entendida como aquela que o organismo utiliza para realizar seu processo de aderência e colonização ativa, independentemente de onde ela esteja atrelada. Em seus estudos, Balocco e colaboradores (2015, p. 307-308) informam que a água de atividade é definida como “a quantidade de água livre disponível no material que favorece o crescimento microbiano”, e que essa água, em conjunto com os nutrientes disponíveis, alcalinidade e porosidade da superfície, fornece condições adequadas à ativação e proliferação de fungos nos acervos bibliográficos.

Buscando avaliar o desenvolvimento de fungos em livros armazenados, Montari e Innocente (2012) focaram seu estudo no problema de contaminação das obras em estantes deslizantes compactadas de instituições italianas. Ainda que ratificassem ser essa opção propícia para o uso mais eficiente do espaço e para proteção contra sedimentação de sujeira, os autores se disseram surpreendidos pela ocorrência de contaminação sobre as encadernações de couro, pergaminho e têxteis. Por esse motivo, promoveram uma investigação específica para identificar o agente causal, de modo a definir estratégias para o controle e/ou tratamento.

Esses autores descrevem que houve uma dificuldade inicial porque não tiveram sucesso na tentativa de crescer agentes com o meio de cultura convencional utilizado, o que mostra que nem sempre os métodos para identificar serão nossos aliados no controle do problema. Relatam que somente através de variadas formas de amostragem e combinações de métodos de cultura convencional e molecular foi possível alcançar a identificação da espécie Eurotium halophilicum, pela primeira vez, em bibliotecas na Itália (MONTARI; INNOCENTI, 2012, p. 83). Apenas quando criaram condições boas para

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a cultura da microbiota existente, conseguiram realizar essa identificação. Vaillant Callol (2013, p. 59) pode ter explicado tal circunstância quando afirma que as características dos materiais também exercem importante influência na proliferação e consequente biodeterioração, citando: a composição e natureza, o conteúdo de água, o pH7 e a presença de impurezas. Embora Montari e Innocenti (2012) tenham conseguido identificar o micro-organismo causador do problema, eles não fizeram a associação da contaminação com a deficiente circulação de ar no mobiliário de armazenamento compactado, geralmente, apontada na literatura8 como uma das causas de concentração de umidade e que favorece o crescimento de fungos. Assim, podemos inferir que identificar o tipo de micro-organismo não é condição sine qua non para promover ou exercer o controle sobre ele.

De outra parte, Michaelsen e colaboradores (2009) expõem sobre uma variedade de técnicas e instrumentos para retirada de amostras e descrevem a realização de alguns métodos de cultura e de observação de microbiota utilizados para livros e obras de arte sobre suporte papel. Por meio de um referencial de outros autores (tais como R. Kowalik, F. Gallo e M. Florian), eles apontam a problemática envolvida no mecanismo e nos processos de degradação microbiológicos que afetam o suporte papel.

Ratificam que os mecanismos e processos originados pelos microrganismos são influenciados pela constituição, nível de contaminação e envelhecimento do suporte, e também pelas condições ambientais adversas às quais os documentos foram submetidos

7 Vaillant Callol (2013, p. 59) informa que o crescimento da maioria dos micro-organismos se dá na faixa entre pH 4,0-9,0, sendo os níveis ácidos mais favoráveis à proliferação de fungos e os básicos, às bactérias.

8 Um estudo que recente foi feito por Corrêa Neto (2019) no MAST, por ocasião da sua dissertação de mestrado.

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ao longo do seu armazenamento e uso (MICHAELSEN et al., 2009, p. 162). Por esse motivo, eles buscaram dar mais ênfase ao estudo dos danos microbiológicos encontrados sobre as páginas de um manuscrito ao invés de estudar a qualidade do ar do ambiente do depósito.

O estudo propôs, então, identificar o agente causal através de amostras coletadas do papel, realizar sua cultura, extração de DNA e, em seguida, comparar com amostras da Biblioteca de Clones ou DNA9. Posteriormente, fizeram a observação das manchas sobre o papel por meio da MEV, bem como a caracterização dos constituintes do papel, seguida de tratamento por meio da aplicação tópica de água e álcool (na proporção de 1:3 v/v) e consolidação (da área afetada) por procedimento de conservação-restauração (MICHAELSEN et al., 2009, p. 163). Nos resultados, esses autores informam ter encontrado uma complexa comunidade de fungos coexistindo em dois dos papéis analisados, sendo as mais significativas: Penicillium pinophilum, Cloadosporium cladosporioides, Aspergillus versicolor, Aspergillus nidulans, Emericella nidulans, e Epicoccum nigrum. Alguns desses fungos são frequentemente relatados na literatura da área de conservação de papel (SAVKOVIĆ et al., 2019; BORREGO; MOLINA, 2018; BORREGO; PERDOMO, 2016). Porém, Michaelsen e colaboradores (2009) chamaram a atenção para o fato que as limitações apresentadas pela restrição de retirada de amostras em objetos de arte e livros raros fazem com que, muitas vezes, haja necessidade de se recorrer a uma série de técnicas de amostragem e de exames e instrumentos mais modernos. Infere-se que esses autores estejam falando especialmente dos métodos analíticos da área da saúde e da agricultura, como é o caso

9 É uma coleção de fragmentos de DNA representantes de todo genoma de uma determinada espécie de micro-organismo.

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do exame com utilização do FastDNA SPIN Kit para solo, a partir dos protocolos PCR-ITS e DGGE (printingfinger), conforme é mencionado no estudo (MICHAELSEN et al., 2009).

De sua parte, Kraková e colaboradores (2012) se debruçaram sobre o estudo da diversidade microbiológica em diferentes tipos de manchas presentes na superfície de 14 documentos históricos (nove em couro e cinco papéis de carta). A microbiota foi avaliada através de uma combinação de métodos de cultura e técnica molecular.

Utilizando-se do método PCR-fITS de seleção, produziram perfis típicos dos micro- organismos colhidos, os quais foram agrupados e separados a fim de selecioná-los para subsequente identificação de sequenciamento, através da ampliação do rRNA 28S do fungo e do gene rRNA 16S bactéria. Após a identificação das bactérias e fungos encontrados, eles realizaram três ensaios com os métodos Ostazin Brillant Red H-3b (OBR-HEC), Agar leite e Agar gelatina no papel e no pergaminho, para verificar as habilidades celulolíticas e proteolíticas das espécies. Para os documentos em suporte papel analisados, os testes mostraram as propriedades biodeteriorantes dos micro- organismos isolados, como por exemplo, bactérias Bacilius sp., Microbacterium sp. e Curtobacterium sp., alguns com associação aos fungos dos gêneros Aspergillus, Penicillium, Mucor e Phoma (KRAKOVÁ et al., 2012, p. 123). Assim, eles comprovaram que tais micro-organismos podem afetar materiais celulósicos isoladamente ou em conjunto, fragilizando o suporte de forma irreversível.

Como é possível perceber, esses métodos analíticos vêm sendo transferidos de outras disciplinas científicas para a abordagem do patrimônio cultural. Eles são importantes por agregar conhecimento sobre as formas de deterioração e possibilitar uma melhor caracterização dos diferentes aspectos do estado de conservação observados no material de suporte e, especialmente, por possibilitar a adoção de

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produtos de aplicação tópica específicos para erradicar as espécies identificadas. Porém, eles não atuam direta e isoladamente na prevenção ou controle do problema, nem impedirão uma recontaminação sem que outras medidas sejam promovidas.

Os estudos para a conservação dos acervos culturais também vêm recebendo contribuições e incorporando novas metodologias referentes ao entendimento do comportamento dos ambientes internos. Ao fazerem uma revisão da literatura sobre os fatores que possibilitam o desenvolvimento dos agentes microbianos, Balocco e colaboradores (2015) identificaram uma série de variáveis que precisam ser observadas para poder analisar quais condições são favoráveis à biodeterioração. Neste sentido, como ferramenta para avaliar as interações do microclima interno de depósitos, a microflora transportada pelo ar e o crescimento ou morte dos micro-organismos, propõem a utilização do método da Dinâmica Computacional de Fluído (CFD) conjugado ao Método de Elementos Finitos (FEM), oriundos da engenharia. Através de uma análise a partir dessa ferramenta, pode ser feita não apenas a previsão de processos de biodeterioração e do dano relativo, mas igualmente a identificação do seu risco aos materiais e à saúde humana (BALOCCO et al., 2015, p. 307-308). No artigo, eles explicam a metodologia descrevendo o estudo realizado na Biblioteca Palatina, de Parma, Itália.

Os estudos mencionados exemplificam métodos trazidos de distintas áreas que têm potencial de contribuir na área da conservação do patrimônio documental, e muitos foram realizados em acervos especiais, cujos resultados permitiram a tomada de decisão sobre problemas específicos. Neste sentido, tiveram impacto mais restrito, embora possam servir para compreensão de comportamentos do microclima associados à microbiodeterioração e ser referência para ações mais ajustadas e adequadas de gestão da conservação em diferentes países.

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Quando falamos de atuar sobre as condições de proliferação e infecção dos acervos, podemos dizer que o trabalho envolve entender o problema como uma situação de emergência. Contudo, ainda assim, devemos agir com calma e planejamento para que a ocorrência não se estenda a outras áreas e para alcançar um grande percentual na recuperação do acervo e brevidade na retomada das atividades. Os micro-organismos estão latentes no ambiente e, assim que encontram condições boas ao seu desenvolvimento, eles se proliferam. Portanto, é importante termos programado diretrizes e orientações imediatas para mitigá-los, controlá-los e erradicá-los.

O planejamento pode estar incluído em um plano de emergência para danos por água, mas não lhe é exclusivo. Frequentemente, o problema da contaminação microbiológica vai além do encharcamento de livros e documentos por sinistros de água da chuva e vazamentos. Muitas vezes ocorre por descontrole climático do ambiente interno, resultante de problemas nos sistemas de condicionamento de ar e da ausência de ventilação/aeração das áreas, causando a concentração de uma grande massa de umidade no ar. Nesses casos, os sinais de contaminação podem ser imperceptíveis se não houver uma vistoria ou acesso frequente às obras que permita uma rápida detecção.

O problema se torna maior quando a proliferação se amplia para materiais e documentos adjacentes ou quando se espalham pelo ambiente de guarda do acervo.

Então, a detecção é o ponto de partida preliminar para sua prevenção. Mas, se o problema se instala, teremos de controlar e tratar.

Na literatura da área de conservação há inúmeras informações sobre as medidas de controle a serem adotadas para fazer com que os fungos se tornem inativos,

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sendo a principal a diminuição da umidade relativa do ar. Neste sentido, é necessário buscar a origem ou fonte de umidade, que pode vir de uma parede com vazamento, de goteiras, calhas entupidas, da ausência de vedação ou danos nas janelas, de solos encharcados ou com lençol freático sob a superfície dos depósitos, grande quantidade de plantas e vegetação ao redor da construção, entre outros. O clima de uma região também influenciam o ambiente interno, especialmente, em razão do não isolamento de alguns materiais de construção e dos ventos.

Uma das formas de controlar o problema é diminuir ao máximo essa umidade através da vedação, isolamento, bloqueio da sua entrada e instalação de desumidificadores de ar e/ou ventilação forçada. Em alguns casos, também é possível aumentar a temperatura da área ou promover um fluxo de ar quente e seco. Nos casos onde a situação é decorrente de um alagamento ou encharcamento, é necessário remover toda a água com panos, rodos ou por bombeamento. Isso permitirá que os procedimentos de secagem e inativação dos fungos sejam favorecidos. Contudo, o material molhado ou com bolor deve ser devidamente separado e isolado para prevenir ou interromper a proliferação. Autores como Ogden (2001), Price (2001) e McIlwaine (2008) descrevem inúmeros procedimentos que podem ser realizados para o controle da proliferação de micro-organismos em acervos bibliográficos, sendo importantes fontes de informação para a elaboração de planos de ação.

No que se refere aos produtos inibidores do crescimento e eliminação de micro- organismos, Costa e colaboradores (2011; 2014) realizaram estudos sobre a eficácia do álcool 70% e orto-fenil-fenol (Preventol® ON Extra) no controle de fungos que afetaram o acervo bibliográfico do MAST, por ocasião do entupimento de uma calha de deságue da chuva que molhou parte de uma estante de livros no antigo prédio da biblioteca, em 2008. A

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conclusão foi que esse fungicida e bactericida obteve bons resultados em uma concentração de 200mg/L na aspersão sobre o suporte papel das áreas afetadas. O orto-fenil-fenol foi citado por Vaillant Callol (2013, p. 100 e 103) como um dos produtos mais utilizados como biocida “frente a um amplo espectro de fungos e bactérias”. Contudo, nos estudos de Costa e colaboradores (2014, p. 206) é sugerido que a concentração de 400mg/L seja mais adequada para a aplicação do produto sobre os mobiliários, pois se obteve efeitos mais seguros na inibição e eliminação completa das espécies que contaminaram a biblioteca do MAST. Os resultados descritos vêm sendo utilizados para realização de procedimentos emergenciais, especialmente, no controle da microbiodeterioração ativa em casos semelhantes, sendo os locais de aplicação: os mobiliários, invólucros protetores, ou pontualmente, em áreas dos documentos com ataque microbiológico. Nesse último caso, apenas quando estritamente necessário e depois de identificar que a limpeza mecânica não foi suficiente para controlar a infecção e eliminar os esporos.

Ogden (2001, p. 18) aponta algumas situações que podem fazer com que os esporos se tornem fungos ativos, por exemplo, quando o documento está úmido e em local com a temperatura entre 0 e 36°C, com pouca circulação de ar e pouco iluminado.

Mas, também informa que outras circunstâncias podem provocar esse mesmo efeito, tais como o calor entre 40 a 45°C, o congelamento e descongelamento em ciclos alternados sem controle da umidade, produtos químicos como o álcool, a acetona e certos ácidos, detergentes e produtos alcalinos (OGDEN, 2001, p. 20-21). Ainda que haja poucos estudos sobre essas experiências, desde a década de 1980, se discute que a maioria dos produtos químicos podem ser prejudiciais às pessoas e objetos, especialmente, pelo desconhecimento dos seus efeitos em longo prazo (VAILLANT CALLOL, 2013). Do mesmo modo, o uso do calor como meio de controle também é considerado prejudicial,

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tendo em vista que o material orgânico é afetado pela aceleração de reações químicas promovidas com o aumento da temperatura (REILLY; NISHIMURA; ZINN, 2001).

Assim, o mais indicado é remover o material contaminado para uma área limpa, arejada e com baixa umidade relativa do ar. Nesse procedimento, os profissionais devem estar protegidos com luvas e máscaras descartáveis, óculos de segurança e com roupas e calçados fechados. Price (2001, p. 29) indica que os procedimentos para fazer com que a infecção seja inativada quando atinge uma pequena escala do acervo incluem: secagem dos itens úmidos abertos sobre uma mesa com as folhas intercaladas com papel absorvente e circulação forçada de ar; ou então, secagem à vácuo, pela adaptação das antigas câmaras de fumigação. Caso o problema tenha afetado uma parte moderada ou mais ampla do acervo, a autora sugere a secagem através do bombeamento de ar seco para dentro das áreas afetadas, realizado por firma especializada; o congelamento dos volumes, para que o problema seja estancado e o tratamento possa ser feito em pequena escala; ou a exposição à luz ultravioleta ou solar (PRICE, 2001, p. 29). Contudo, a exposição à luz solar ou UV não é adequada em materiais orgânicos como papel, couro e tecidos, porque a foto-oxidação provoca acidificação e aumento dos grupos redutores, bem como perda do grau de polimerização desses materiais, fazendo com que se tornem frágeis, quebradiços ou alterem de coloração, desbotando ou formando subprodutos coloreados (VAILLANT CALLOL, 2013, p. 112).

Por outro lado, segundo Vaillant Callol (2013, p. 114), o congelamento apenas promove a estagnação do desenvolvimento de alguns micro-organismos, especialmente, as espécies Aspergillus e Penicillium, não sendo um método que elimine o problema. Essa autora ratifica o que comentou Price (2001): que o procedimento é utilizado apenas para que a secagem e/ou tratamento possam ser realizados de forma mais gradual e

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individualizada, minimizando a extensão do problema (VAILLANT CALLOL, 2013, p.

114). Outros métodos mais modernos são mencionados por esta autora, entre eles as radiações gama, a atmosfera modificada com baixa ou nenhuma quantidade de oxigênio e técnicas de biologia molecular. Alguns deles estão em processo de experimentação e de definição de metodologias, outros são mais eficazes para micro-organismos específicos, como pode ser visto nos estudos de Arbach e colaboradores (2019). No caso das técnicas de biologia molecular, além de permitirem identificar as populações microbianas e realizar uma investigação quanto aos biocidas ecológicos que podem exercer o controle ou eliminar a contaminação no ambiente e sobre os itens do acervo, elas também permitem introduzir novos genes ou genes modificados que inativam ou eliminam os agentes envolvidos em processos de deterioração ou quando ocorre resistência aos biocidas (VAILLANT CALLOL, 2013, p. 122).

O MAST se encontra localizado numa área no campus de 40 mil metros, que ocupa em parceria com o Observatório Nacional, em São Cristóvão, Rio de Janeiro/RJ. A construção do novo prédio, que ampliou os espaços de trabalho técnico e armazenagem do acervo bibliográfico, foi iniciada em 2010 e inaugurada em 2015. A área da Biblioteca Henrique Morize – BHM, o mais novo prédio do campus, foi planejada para ser um ambiente com controle climático adequado ao armazenamento do acervo, de modo a servir de proteção e prevenção aos fatores de degradação do acervo bibliográfico histórico-científico.

Em função da transferência para as novas instalações, muitas ações em paralelo foram promovidas objetivando conhecer não apenas as condições que o acervo se

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encontrava, mas também para identificar que outras medidas deveriam ser efetivamente implementadas para evitar alterações drásticas e inadequadas no ambiente interno que pudessem afetar negativamente a conservação dos documentos. Então, de 2010 a 2015 se buscou planejar e criar a infraestrutura para a transferência dos livros do antigo local para o novo, adquirindo estantes fixas abertas de módulos deslizantes compactos e equipamentos de monitoramento da temperatura e umidade relativa do ar para a área de armazenagem e consulta do acervo, assim como a instalação do sistema de iscagem ao redor da construção (barreira Sentricon®, para térmitas). Complementar a essas ações, foram planejados e realizados procedimentos para inspecionar a ocorrência de problemas oriundos de macro e micro-organismos e avaliar e higienizar os documentos antes de sua transferência para as novas áreas. Parte deste trabalho foi relatado em artigos pela equipe do MAST (COSTA; LINO; HANNESCH, 2011; COSTA et al., 2012; COSTA et al., 2014).

Como exemplo mais relevante relacionado ao controle da microbiodeterioração na instituição, podemos citar o incidente ocorrido na BHM, no final de março de 2018, decorrente de um problema nos condicionadores de ar, quando diferentes morfologias de fungos foram observadas em alguns livros. Pela análise do termohigrógrafo se verificou que um defeito mecânico elevou a umidade relativa do ambiente para valores acima de 80%, inclusive no horário de expediente da biblioteca. A variação da temperatura foi identificada como instável, na faixa entre 18 e 27ºC.

Após avaliação acerca do problema, foram iniciados os primeiros procedimentos para mitigar os danos relativos ao aparecimento dos fungos visando exercer o controle imediato sobre o clima interior do local. Isso foi alcançado com a instalação no salão de dois purificadores de ar e de mais quatro desumidificadores, somando-os aos aparelhos já existentes em cada uma das duas casas de máquina. Igualmente, o set point da

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temperatura dos condicionadores de ar foi ajustado para 25°C. Essas ações resultaram num equilíbrio climático, com temperatura entre 23-26ºC e UR entre 56-71%, proporcionando um ambiente interno mais adequado e sem risco para a proliferação.

Em paralelo, as equipes do LAPEL e da biblioteca realizaram a completa inspeção de todo o acervo, sinalizando (através de tiras de papel) áreas e livros que tinham indícios aparentes de bolor, fungos ou manchas suspeitas. Para remoção mais imediata das obras afetadas, se operacionalizou a documentação fotográfica de cada exemplar para sua identificação e controle. Posteriormente, essas informações alimentaram uma planilha de dados e imagens. Também foi providenciado um mapeamento do salão, com o desenho dos mobiliários, a indicação das entradas e saídas de ar, e a numeração e marcação das estantes de onde as obras estavam sendo removidas. Esse layout permitiu identificar quais áreas haviam sido mais afetadas, e verificar que a maioria correspondia aos espaços com insuflamento de ar.

Um total de 100 obras e 50 exemplares de periódicos, visivelmente contaminados, foram levados para outra área com ventilação e umidade relativa máxima de 60%, e dispostos abertos sobre mata-borrões. Ao fim de dois dias, foi iniciada a higienização mecânica minuciosa, com a utilização de aspiração nas partes externas (cortes, lombadas e tapas) e nas folhas de guarda e áreas de costura. Internamente, somente foi utilizada a trincha para a limpeza, tendo em vista que foi constatado que os principais problemas se encontravam nas capas (mais nas de tecido e couro, e menos, nas de papel cartão plastificado). Passados cerca de 15 dias na sala de quarentena, foi realizada uma inspeção microbiológica em trinta dessas obras, para identificar a persistência dos micro-organismos no material e seu potencial de contaminação em função de morfologia e aspecto dos fungos encontrados. A coleta por esfregaço foi feita

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dentro de capela, com swabs estéreis e fricção leve sobre o meio de cultura contendo Agar Sabouraud e Agar Sabouraud com orto-fenil-fenol (como agente fungistático), como recomendado por Costa e colaboradores (2014). A incubação e verificação do crescimento microbiano foram feitas no período de sete dias, à temperatura de 23 ºC.

Dos livros inspecionados após a limpeza física, quatro ainda apresentaram crescimento fúngico. No entanto, os micro-organismos encontrados não se desenvolveram em meio Agar Sabouraud + orto-fenil-fenol. Dessa forma, foi recomendada a aplicação pontual do composto orto-fenil-fenol (400 m/v) nas partes afetadas dos referidos livros, para prevenir um novo crescimento das espécies fúngicas existentes.

De outra parte, foi providenciada a higienização das superfícies, especialmente, das prateleiras e mobiliários, e definida a higienização superficial e aeração do acervo que permaneceu no salão. Nesse procedimento os livros foram levados, um a um, para uma mesa de higienização com filtro de água, sendo limpos com trincha, e cujo retorno às prateleiras foi condicionado à limpeza e desinfecção da sua estante com a solução já mencionada. O ar ambiente foi monitorado após a conclusão da limpeza do local. A coleta foi por impactação direta, por duas horas, em placas de Petri contendo Agar Sabouraud (estéril) para crescimento de fungos que, posteriormente, foram fechadas para incubação e verificação do crescimento microbiano por sete dias, em 23ºC. Em seguida, se procedeu a observação macroscópica das colônias crescidas.

Os resultados do ar ambiente da BHM se apresentaram satisfatórios10, indicando que o problema foi bem controlado. Cabe reforçar que essa avaliação foi realizada após a

10 Corresponde aos seguintes critérios: satisfatório, para placas de Petri com até três tipologias fúngicas diferentes; e insatisfatório, para placas com mais de três tipologias fúngicas diferentes. Adotados a partir da norma ANVISA, 176 (2000, p. 3) para mais fácil manejo e rápida compreensão pelas equipes.

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limpeza do ambiente, demonstrando a importância da manutenção periódica de limpeza do local e higienização das obras, bem como do controle da temperatura e da umidade relativa do salão. Em seguida, todas as atividades voltaram a normalidade.

Embora não mencionado anteriormente, em todas as etapas desse trabalho as condições para manuseio, movimentação, coleta e tratamento das obras seguiram as boas práticas de saúde para os profissionais envolvidos. Assim, o uso de equipamentos de proteção individual, os EPI’s (como luvas, máscaras, jalecos, calçados fechados e, em alguns casos, óculos de proteção), foi obrigatório, a fim de garantir a segurança dos membros das equipes. Neste sentido, destacamos que esta é uma importante atitude de respeito e responsabilidade institucional com seu quadro de profissionais qualificados e especializados.

O problema da microbiodeterioração dos acervos bibliográficos sofre influência direta das variações de umidade relativa e temperatura e da circulação ou estagnação de ar nos ambientes onde as obras se encontram expostas ou armazenadas. Também pode ocorrer em razão da composição química e textura da superfície dos materiais, especialmente os orgânicos como o papel, o couro, o tecido, quando associados à umidade elevada. Alguns estudos dedicados aos efeitos de microbiodeterioradores mostram que, igualmente, a falta de limpeza pode contribuir para o surgimento e proliferação desses agentes. Assim, para prevenir ou controlar o problema deve-se recorrer a ações que promovam uma mudança de atitude: de identificação e mitigação dos danos para monitoramento e prevenção dos agentes, e assim, sair da passividade de

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agir sobre os “efeitos” para atuar prévia e diretamente sobre as “causas”. Reforçamos a máxima: prevenir é melhor que remediar.

Como descrevemos, muitos são os métodos a serem utilizados na identificação e dimensionamento dos problemas de contaminação, sendo o estudo ambiental climático e o microbiológico os principais meios de diagnóstico. Cada um oferece contribuição no entendimento da expressão da proliferação, quer dizer, da sua intensidade. Neste sentido, a abordagem inclui a participação de distintos profissionais:

engenheiros de climatização, biólogos, bibliotecários, conservadores e a equipe de serviços gerais, apenas para citar alguns. São esses aspectos que tornam a atividade de preservação um campo interdisciplinar e de atuação em equipe.

Por outra parte, a identificação do tipo de micro-organismo que está presente no ambiente pode não ser exclusivamente necessária, embora seja importante qualificar e/ou quantificar quais estão presentes, a fim de estimar seu potencial de danos à saúde das pessoas e ao acervo. Neste último, os danos vão além de manchas e fragilização dos materiais, relacionando-se igualmente com a perda de valor, de autenticidade. Para garantir que o investimento institucional na aquisição e custódia do acervo estejam justificados, devemos estar preparados para agir imediatamente, de forma planejada. O breve relato do incidente fúngico ocorrido na BHM, tratado como um exemplo de articulação entre a teoria e a prática do problema da microbiodeterioração de obras bibliográficas, mostrou como a tomada de decisão ocorre em várias etapas do percurso de controle e eliminação do problema.

Contudo, o conhecimento que se alcança com o diagnóstico e sua análise vai além de um retrato da situação, pois agrega dados de comparação e referencial de apreciação crítica para as avaliações posteriores, em situações emergenciais ou nos

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monitoramentos de longo prazo. Por esse motivo, o registro e documentação de todas as etapas da abordagem do problema vão possibilitar a reunião de argumentos para justificar melhorias que garantam a preservação do acervo. Também podem servir de experiência e ponto de partida ao planejamento do enfrentamento de riscos semelhantes. O preparo de relatórios do que ocorreu, o que se fez e como foi resolvido, é fundamental, marcando a trajetória do patrimônio bibliográfico, da biblioteca, dos seus gestores e da instituição.

É com essa preocupação que o LAPEL vem colaborando interna e externamente para o despertar da importância dos estudos microbiológicos no MAST, há quase uma década. Isso vem sendo feito a partir da produção de relatórios de inspeção e de ocorrências e com a divulgação dos trabalhos de conservação que envolvem pesquisas in loco sobre o tema, por meio de artigos, aulas e palestras.

O ganho de experiência com os estudos e ações prévias trouxe melhorias aos espaços de guarda de acervos e para a instituição como um todo, embora sinistros ainda possam ocorrer. O objetivo é torná-los mais descontínuos e raros. Especialmente no MAST, os estudos microbiológicos foram ampliados para as salas de exposição, objetos e aspectos específicos. Dessa forma, impactamos também na saúde e no bem estar dos visitantes, servidores e colaboradores da instituição. Além disso, outras instituições (Museu Imperial, Museu Nacional e Museu do Índio) demonstraram interesse por nossas metodologias, o que evidencia a relevância desses estudos para a área de conservação e preservação histórica e patrimonial.

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