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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP. Luciana Costa Lima Thomaz. Marcel Martiny: eugenia e biotipologia na França do século XX

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

Luciana Costa Lima Thomaz

Marcel Martiny: eugenia e biotipologia na França do século XX

MESTRADO EM HISTÓRIA DA CIÊNCIA

SÃO PAULO 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

Luciana Costa Lima Thomaz

Marcel Martiny: eugenia e biotipologia na França do século XX

MESTRADO EM HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em História da Ciência sob a orientação da Profa. Doutora Ana Maria Alfonso-Goldfarb

SÃO PAULO 2011

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Banca Examinadora

__________________________

__________________________

 

__________________________

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos fotocopiadores ou eletrônicos.

Ass.:_____________________________________________ Local e data:_______________________________________

Luciana Costa Lima Thomaz luc_thomaz@hotmail.com

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa concedida que tornou possível a realização desta pesquisa.

Agradeço à professora Dra. Ana Maria Alfonso-Goldfarb por todo o apoio dado a mim nesta jornada. Suas palavras de incentivo foram determinantes neste período.

À professora Silvia I. Waisse, a minha gratidão eterna pelo suporte e pela orientação aos meus passos durante todo o período desta pesquisa: desde seu esboço mais precoce até a sua conclusão final. Muito obrigada hoje e sempre.

Agradeço especialmente ao Rodrigo, Sofia e Valdete pela paciência e amor. Sem vocês eu não teria conseguido.

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RESUMO

A medicina tradicionalmente vigente no Ocidente se baseava na classificação da heterogeneidade humana em diversos tipologias (compleições). Com a formulação da ciência moderna, gradualmente, a base da medicina passou a focar os fenômenos físicos e químicos que ocorrem na matéria viva. Assim, a prática clínica passa a depender do diagnóstico de entidades nosológicas, classificadas segundo seu mecanismo etiopatogênico, por sua vez, dependente de mecanismos biomoleculares.

No entanto, nas primeiras décadas do século XX acontece uma explosão de classificações tipológicas numa variedade de contextos – antropologia, criminologia, psicologia, pedagogia, etc. – incluindo a medicina. Para abordar esse fenômeno, focou-se as teorias que afirmavam uma relação intrínseca entre as tipologias humanas e os folhetos embrionários, em particular, a obra de Marcel Martiny (1897-1982).

A análise realizada em três esferas superpostas, levando em conta aspectos histórico-sociais, epistemológicos e historiográficos, permitiu identificar fortes componentes eugenistas nas biotipologias desenvolvidas na primeira metade do séculos XX, dentro do chamado “holismo médico”. Esse é também o pano de fundo do trabalho de Martiny, que utiliza como método, basicamente, medições antropométricas, cuja vinculação aos fenômenos fisiológicos e biomoleculares é realizada de maneira puramente analógica.

Depois da Segunda Guerra Mundial, a teoria das biotipologias foi depurada de seus elementos eugenistas, sua falta de fundamentação empírica foi omitida e, apesar de todas suas contradições, continua a ser apresentada como “ciência provada” em diversos contextos, especialmente, nas abordagens médicas holistas.

Palavras-chave: História da ciência; História da medicina; Século XX; Holismo médico; Biotipologia; Eugenia; Marcel Martiny

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ABSTRACT

The traditional approach to medicine in the West was grounded on the classification of the endless human diversity in classes (complexions). With the rise of modern science, the focus of medicine gradually shifted to the physical and chemical processes proper to living matter. Consequently, the practice of medicine became dependent on the diagnosis of clinical entities, which were classified according to their etiopathogenic mechanisms, in turn dependent of biomolecular phenomena.

Despite this mainstream direction, countless typological classifications burst out in the first decades of the 20th century in a wide range of contexts – anthropology, criminology, psychology, education, etc. – including medicine. To understand this phenomenon, this study focused on biotypological theories grounded on the assertion that there is an intrinsic relationship between human types and embryological layers, the work by Marcel Martiny (1897-1982) in particular.

Analysis carried out within three overlapping spheres addressing socio-historical, epistemological and historiographical aspects allowed identifying strong eugenic element in biotypological theory as formulated in the first half of the 20th century within the context known as “medical Holism”. This was also the background for Martiny, whose experimental work is restricted to anthropometric measurements that then were related with physiological and biomolecular phenomena exclusively by way of analogy.

After World War I biotypological theory was depurated from all eugenic elements, whereas its lack of any empirical foundation was neglected and despite its contradictions, it is discussed even in our own days as if it were sound science.

Keywords: History of science; History of medicine; 20th century; Medical Holism; Biotypology; Eugenics; Marcel Martiny

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SUMÁRIO

Introdução... p.01 1. Capítulo 1: Da complexio à biotipologia: o terreno individual em medicina p.06

1.1 A teoria tradicional dos temperamentos... p.06

1.2 Surgimento da medicina moderna... p.10

1.3 Abordagens tipológicas e funcionamento neuropsíquico... p.12 1.4 Tipologias e eugenia... p.17 1.5 A eugenia na França... p.27 1.6 Movimentos holistas na medicina francesa... p.33

2. Capítulo 2: Martiny: neo-hipocratismo, eugenia e biotipologia... p.38 2.1 Análise do Essai de biotypologie... p.42 2.2 Folhetos embrionários e biotipologia... p.46 2.3 Aplicações da biotipologia... p.53 2.3.1 Na patologia... p.53 2.3.2 Na psiquiatria... p.57 2.3.3 Na terapêutica e na toxicologia... p.58 2.3.4 Na pedagogia e nas profissões... p.59 2.3.5 Na educação física e nos esportes... p.61 2.4 Hereges entre os ortodoxos... p.62

3. Conclusões: Biotipologia e ciência... p.69

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ÍNDICE DE TABELAS

   

Tabela 1: Autores de classificações biotipológicas ………. p.19  

Tabela 2: Correlação entre biotipos e folhetos embrionários………. p.48                   ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1: Frontispício de The Physiognomical System of Drs. Gall and Spurzheim, publicado em Londres, em 1815, por Spurzheim.

p.14

Figura 2. Exemplo de instrumento (crâniometro) usado por Paul Broca em seus

estudos de craniologia. p.15

Figura 3. Frontispício de Criminal Man (1887) de Lombroso. p.16

Figura 4. Os biótipos humanos de acordo com Sheldon. p.20

Figura 5. Pende em uniforme fascista ao lado de Mussolini. p.25

Figura 6. Capa de La difesa della razza, publicação oficial do movimento fascista italiano.

p.25 Figura 7: Alexis Carrel e Charles Lindbergh no Rockefeller Institute, 1935. p.33

Figura 8: Biótipos de acordo com Martiny. p.48

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INTRODUÇÃO

A medicina ocidental dependeu da classificação da heterogeneidade humana em grupos, fossem eles chamados de compleições, constituições, temperamentos, entre outros,1 desde a Antigüidade clássica até a primeira modernidade, quando se gestou o que se conhece como “ciência moderna”.

Com a formulação da ciência moderna, gradualmente, a base da medicina passou a focar os fenômenos físicos e químicos que ocorrem na matéria viva. Hoje é fato de conhecimento comum que a medicina depende do diagnóstico de entidades nosológicas, classificadas segundo seu mecanismo etiopatogênico (moléstias inflamatórias, degenerativas, neoplásicas, congênitas, etc.),2 que por sua vez, são dependentes de mecanismos biomoleculares. Estes últimos são, precisamente, o alvo da terapêutica.3

Assim, consequentemente, não pode surpreender o fato de que o estudo das constituições e temperamentos individuais não forme mais parte do currículo acadêmico das faculdades de medicina no Ocidente.

Nesse panorama, no entanto, há um fenômeno altamente dissonante: uma análise das abordagens médicas nas primeiras décadas do século XX mostra uma verdadeira explosão de classificações tipológicas numa variedade

                                                                                                               

1 Vide Capítulo 1 da presente obra.

2 Robbins et al., Patologia Estrutural e Funcional, 1. 2 Robbins et al., Patologia Estrutural e Funcional, 1.

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de contextos – antropologia, criminologia, psicologia, medicina, pedagogia, entre vários outros.4

Retomando, com poucas palavras: se a via privilegiada na teoria e na prática médicas levou, inexoravelmente, a partir da primeira modernidade, a explicar os fenômenos fisiológicos, patológicos e terapêuticos nos termos de interações moleculares, o que poderia representar esse curioso episódio centrado, novamente, na ideia de classificar a infindável diversidade humana em categorias com valor heurístico?

Esse foi o cerne inicial do qual partiu a presente pesquisa, aliado ao fato de que as chamadas “medicinas alternativas” hodiernas, em algumas de suas variantes, tendem a não dispensar o uso teórico e prático das tipologias humanas.5 Assim, a primeira etapa da pesquisa consistiu num mapeamento

das concepções tipológicas nas primeiras décadas do século XX. Visto que estas abordagens mostraram-se virtualmente infindáveis, foi necessário limitá-las com um recorte bem claro. Assim foram enfocadas as teorias que afirmavam uma relação intrínseca entre as tipologias humanas e os folhetos embrionários.6

                                                                                                               

4 Vide Capítulo 1 desta obra.

5Assim por exemplo, na Medicina Tradicional Chinesa/acupuntura, tem-se os tipos Yin e Yang, primordialmente, vide Yamamura, Arte de inserir. Na homeopatia, são descritos

diversos sistemas de tipologia, vide por exemplo, Franco Constituição e Temperamento. Essas três abordagens médicas foram classificadas, junto à medicina convencional, pela Organização Mundial da Saúde como racionalidades médicas completas, vide Salles, “Perfil do Médico Homeopata”.

6 Vale a pena lembrar a importância da embriologia, aliada à genética, nas primeiras décadas

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Entre os estudiosos que afirmaram essa relação, inclui-se Marcel Martiny (1897-1982), médico francês que, senão o formulador, foi um grande difusor dessa hipótese. De fato, em diversos círculos contemporâneos é citado como uma das grandes autoridades no campo das tipologias humanas.7 Por outro lado, são virtualmente inexistentes os estudos sobre sua obra.

A etapa seguinte da pesquisa consistiu em contextualizar de forma histórica e científica Martiny e sua obra. Como resultado, uma rede complexa de conexões surgiu, trazendo à tona elementos da eugenia, que anteriormente não pareciam ser claramente pertinentes.

A pesquisa então, nos conduziu do ambiente médico-científico francês das primeiras décadas do século XX, preocupado com os possíveis reducionismos resultantes dos avanços nas ciências da matéria, aos círculos de eugenistas europeus, notadamente o francês Alexis Carrel (1873-1944) e o italiano Nicola Pende (1880-1970).

Cabe lembrar que, na primeira metade do século XX, a França atravessou um período politico turbulento, devido às duas Guerras Mundiais. Em 1940, ocorreu a ocupação alemã de Paris, provocando uma série de alterações no país. A França foi então dividida em duas grandes áreas, uma dominada pelos alemães (Norte, Ocidental e Costa Atlântica) e outra pelo governo chamado de “França de Vichy“ (Régime de Vichy), liderado por                                                                                                                

7 Vide, por exemplo, Kossak-Romanach, Homeopatia em 1000 Conceitos; Franco; Turinese, Modelli psicosomatici; Sagrado, Manual de técnicas somatotipológicas.

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Philippe Pétain, também sob influência alemã. Esse período durou até 1944, com a Batalha da Normandia e a libertação de Paris.8

Nesse contexto, a eugenia apareceu como uma justificativa científica capaz de embasar as diversas questões raciais e nacionalistas discutidas nos países europeus durante o século XX.

A cultura do modelo de higiene racial permeou a ciência, visando a criação de uma raça humana aperfeiçoada livre de patologias indesejáveis, principalmente mentais. E sobretudo, legitimou o extermínio de milhões de indivíduos, sob a alegação da “pureza” das raças, de maneira extensiva nos Estados Unidos e em toda a Europa, principalmente na Alemanha.

Os institutos de pesquisa em eugenia multiplicaram-se pela Europa a partir do início do século XX. Os Institutos Kaiser Wilhelm, na Alemanha, receberam apoio financeiro, principalmente do Instituto Rockefeller, dos Estados Unidos, para o desenvolvimento de pesquisas em eugenia e higiene racial, mesmo durante o período de intensa recessão americana após 1929.9

Obras com aparente interesse científico continham evidentes mensagens eugenistas, no que dizia respeito à biometria de indivíduos provenientes de povos considerados inferiores. Por exemplo, a biometria

                                                                                                               

8 Berstein, & Milza, Histoire de la France, 325. 9 Black, Guerra contra os Fracos, 456.

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craniana de africanos foi comparada a de caucasianos, como “demonstração” da superioridade dos indivíduos europeus.10

Nosso segundo passo será uma análise detalhada da obra principal de Martiny, entitulada Ensaio sobre as Biotipologias Humanas, desenvolvida no segundo capítulo. Essa análise visa identificar a fundamentação teórica e experimental das teses do autor, sua coerência e consistência de argumentação, entre outros parâmetros padrões da análise epistemológica.

A metodologia utilizada neste estudo corresponde à desenvolvida pelos pesquisadores do Centro Simão Mathias de História da Ciência (CESIMA) que brevemente, constrói o objeto de estudo na intersecção de três esferas.1112Sejam elas: ciência e sociedade, ou a inserção no contexto histórico-social; a epistemológica, ou análise epistêmica dos documentos e fontes; e a última, análise historiográfica, onde a redefinição e ampliação dos objetos da história da ciência são abordados levando-se em consideração as variadas noções de ciência que surgiram.

                                                                                                               

10 Gould, Falsa Medida do Homem, 113.

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CAPÍTULO 1

DA COMPLEXIO À BIOTIPOLOGIA: O TERRENO INDIVIDUAL EM MEDICINA

1.1 A teoria tradicional dos temperamentos

Desde a antiguidade clássica até o segundo quartel do século XVIII, a teoria e a prática medicinais no Ocidente foram norteadas pelo que se conhece como “doutrina humoral”. O documento textual que a nós chegou e que é considerado o mais antigo a atestar a doutrina é a obra “Da natureza do homem”, pertencente ao Corpus Hippocraticum.12

Um “humor” (no grego, kymos, literalmente, “suco”) consistia na associação, em proporções diversas, dos quatro elementos descritos por Empédocles13 - água, terra, ar e fogo – com suas respectivas qualidades, umidade e frieza, secura e frieza, umidade e calor, e secura e calor. Embora o número e características dos humores fossem abordados de modos diferentes nos diversos escritos hipocráticos, a fórmula mais conhecida é a de quatro humores: sangue (quente e úmido), fleuma ou pituita (frio e úmido), bile amarela (quente e seco) e bile preta ou melancolia (frio e seco).14

                                                                                                               

12   O Corpus Hippocraticum é composto por 53 escritos de origem desconhecida que

começaram a ser reunidos em Alexandria e foram editados pelo médico e helenista Émile Littré em 1839, vide Laín Entralgo, Historia de la Medicina, 60. “Da Natureza do Homem” (Peri physios anthropoy) é atribuído ao próprio Hipócrates ou ao seu genro, Pólibo.  

13 Sobre as possíveis origens da noção de elemento e humor em Empédocles, vide Klibansky

et al., Saturn and Melancoly, 5-6; Barnes, Presocratic Philosophers, 242 et seq.

14 Para a elaboração desta breve resenha sobre a tradição da medicina humoral, utilizamos

Klibansky et al.; Barnes; Laín Entralgo, Historia de la Medicina, e Agustín Albarracín, “El fármaco en el mundo antiguo”.

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Nesse contexto, concebeu-se a doença como o predomínio de alguma das qualidades, desequilíbrio na composição dos elementos ou, mais frequente e longamente na medicina ocidental, como a má mistura (dyskrasia) dos humores. Para restaurar a mistura apropriada (eukrasia), visava-se o “cozimento” e eliminação do(s) humor(es) em excesso ou alterado(s), através de recursos terapêuticos – dieta, medicamentos, procedimentos externos – com as qualidades opostas às da doença em questão.

Por outro lado, os humores também passaram a definir uma tipologia – os temperamentos ou compleições - idéia que, transmitida através de Galeno e com a construção do que se denominou Galenismo,15 perdurou virtualmente

inalterada ao longo da Idade Média e do Renascimento.16 O predomínio relativo de um dos humores definia um tipo físico e psíquico – sanguíneo, fleumático, colérico ou melancólico - com as conseguintes correlações referidas às predisposições mórbidas e à relação com os chamados “non

naturales” – ar, alimento e bebida, movimento e repouso, sono e vigília,

secreções e excreções, e paixões da alma.17

Vale dizer, que o que originalmente havia sido considerado como sinais de doença passou, gradualmente, a ser enxergado como uma tipologia das

                                                                                                               

15 Galeno de Pérgamo (131-200/203 d. C) exerceu a medicina, de início, junto aos

gladiadores no ginásio pergameno e aos 33 anos mudou-se para Roma, onde seu prestígio profissional se consagraria. Foi médico da aristocracia e de vários imperadores; vide Laín Entralgo, Historia de la Medicina, 65. Sobre a noção e a história do Galenismo, vide Temkin,

Galenism: Rise and Decline; García Ballester, Galen and Galenism.

16 Para a elaboração dos humores e temperamentos por Galeno, vide “On the Humors” (Peri kymon) e “Mixtures” (Peri kraseyon).

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disposições. 18 O termo latino complexio foi utilizado para definir o

temperamento peculiar de cada indivíduo e de cada parte dos mesmos, de acordo com a índole de sua crase humoral e constituiu a espinha dorsal das discussões sobre as causas, mecanismos, prognóstico e tratamento dos pacientes referidos nos consilia medievais.19

Fato importante nesse processo foi a introdução do Galenismo no Ocidente latino a partir do final do século XI. Um dos primeiros textos traduzidos por Constantino, o Africano, (ca.1020-1087) foi Isagoge Ioannitus, uma introdução ao Ars medica (Tekhné iatriké, deformado em Tegni) de Galeno, atribuído a Hunain ibn Ishaq (809-873) e que foi fundamental para a medicina medieval latina.

No texto mencionado acima, a medicina foi dividida em teórica e prática e a primeira, subdividida em “consideração dos naturais, dos não naturais e dos contranaturais; disso dependem o conhecimento da saúde e da doença”20.

Os “naturais” são “aquelas coisas de acordo com a natureza” e são sete: os quatro elementos (com suas respectivas qualidades); as qualidades (nove: as quatro simples e as quatro duplas, e a nona “igual”, i.e. mistura equilibrada das quatro simples); os quatro humores (com suas qualidades respectivas); os membros ou órgãos; as três faculdades com seus espíritos (naturais, vitais e animais); e as operações, também classificadas de acordo com as                                                                                                                

18 Klibansky et al., 12. Todos os negritos nesta obra são nossos, exceto quando

explicitamente indicado.

19 Laín Entralgo, História Clínica, 67-71. Os consilia (singular, consilium, conselho)

constituíram o gênero privilegiado, entre os séculos XIII a XVI, de relato da experiência prática dos médicos clínicos.

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qualidades (apetite: quente e seco; digestão: quente e úmido; retenção: frio e seco; expulsão: frio e úmido).21 Da combinação desses fatores dependia a suscetibilidade tanto às doenças (“coisas contranaturais”) quanto às “coisas não naturais”. Além do mais, as doenças das partes simples também se subdividiam de acordo com as qualidades, em quatro simples e quatro compostas.22

Voltam a se encontrar, virtualmente, os mesmos conceitos na elaboração feita por Daniel Sennert (1572-1637), considerado o último grande representante desta tradição,23 em suas Instituições Médicas de 1656.24 Outro exemplo surpreendente é a longa exposição dos temperamentos tradicionais na secção “Semiótica” das Instituições Médicas de Hermann Boerhaave (1668-1738),25 o “mestre da Europa inteira”26, porquanto este, como resultado da emergência da ciência moderna, já havia incorporado na parte teórica da medicina as novas noções mecânicas.27

                                                                                                               

21 Ibid, 387-8. 22 Ibid, 391.

23 Maclean, Logic, Signs and Nature, 34. 24 Daniel Sennert, The Institutions.

25 Boerhaave, Academical Lectures. Observe-se que a edição aqui utilizada data de 1751. 26 Haller, Bibliotheca Anatomica, I: 756.

27 Em uma fase posterior, reinterpretará a crase humoral – propriae commixtio ou

temperamento – nos termos das partes sólidas e líquidas do organismo, que formam o fundamento de sua fisiologia. Assim, cabe destacar o esforço que Boerhaave faz para adaptar a noção de “temperamento” aos novos ventos que assopravam na medicina do Setecentos; vide “Introduction à la pratique clínique”.

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1.2 Surgimento da medicina moderna

O Galenismo entrou num processo gradual e prolongado de queda a partir dos séculos XVI e XVII. Entre os possíveis motivos aduzidos, incluem-se os seguintes: 28

1) A revisão humanista e renascentista dos textos originais de Galeno que estimulou diversos estudiosos a verificar os conceitos lá expostos, levando a notáveis dissensões, como as célebres instâncias da anatomia de Andreas Vesalius (1514-1564) e da fisiologia de William Harvey (1578-1657), ruindo a autoridade absoluta e consagrada do médico romano;

2) A emergência da medicina química, com Paracelso (1493-1541), Jan Baptist Van Helmont (1579-1644) e a chamada “escola iatroquímica”;

3) A aplicação da nova mecânica em medicina, levando à chamada “iatromecânica”;

4) A mensuração instrumental da temperatura corporal, iniciada por Sanctorius (1561-1636), que alterou radicalmente o estatuto ontológico das qualidades galênicas;

5) A queda paralela da cosmologia aristotélica, na qual se fundamentava grande parte das doutrinas galenistas;

                                                                                                               

28 Esses e outros motivos são discutidos por Temkin, cap. 4; e por Waisse-Priven, Hahnemann: Médico de Seu Tempo, capítulo 1, secção “A Medicina do Século XVIII”.

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6) A introdução de fármacos trazidos às Américas, cuja ação desafiava frontalmente a interpretação tradicional da terapêutica medicamentosa galênica.

Paralelamente, foram tomando forma as bases do que conhecemos como “medicina moderna”. Esse foi um processo tão gradual quanto a queda do Galenismo e extremamente complexo. No entanto, pode-se afirmar que, dentre as várias propostas formuladas nos séculos XVIII e XIX, que preencheram o vazio deixado pela derrubada do Galenismo,29 foi privilegiada

aquela que visou analisar a complexidade humana a fim de assimilar os mecanismos fisiológicos a processos físicos e químicos. Se a Patologia foi o reverso da Fisiologia e a Terapêutica a restauração da Fisiologia, então o caminho lógico foi concentrar todo esforço na compreensão do funcionamento orgânico.

De Albrecht von Haller (1708-1777) a Matthias Schleiden (1804-1881), Theodor Schwann (1810-1882), Justus von Liebig (1803-1873) e Carl Ludwig (1816-1895), nos territórios germânicos, e de François Magendie (1753-1855) a Claude Bernard (1813-1878), na França – a Fisiologia adquiriu um marcado viés experimental, matemático, físico e químico. 30 Nessa visão, a complexidade humana foi reduzida a seus componentes materiais e, desde então, a medicina prevalente no Ocidente baseou a procura dos meios terapêuticos em mecanismos biomoleculares cada vez mais sofisticados.                                                                                                                

29 Ibid, 45.

30 Sobre esses desenvolvimentos, vide Hall, Ideas on Life and Matter; Rothschuh, History of Physiology; e os estudos mais focalizados de Russo, “Irritabilidade e Sensibilidade”; Padula,

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Nesse ínterim, a clínica médica não mudou seu modus operandi básico, a saber, identificar através dos sinais e sintomas manifestos pelo doente a possível alteração interna. No entanto, foram desenvolvidos novos e mais efetivos procedimentos semiológicos, como a percussão, por Leopold Auenbrugger (1722-1809), membro da chamada “Primeira Escola de Viena”, e a auscultação instrumental, por René Laennec (1781-1826), o célebre clínico francês.31 Concomitantemente, o desenvolvimento vertiginoso da pesquisa anátomo- e fisiopatológica foi permitindo realizar correlações cada vez mais consistentes entre os achados semiológicos e seus possíveis mecanismos orgânicos subjacentes.32

A medicina moderna passou a se basear na procura dos mecanismos biomoleculares envolvidos na produção de doenças a fim de neutralizá-los também no nível biomolecular. Nesse nível de abstração já não há lugar para “idiossincrasias” – ora individuais, ora tipológicas. Essas ficaram como o nicho próprio das abordagens médicas marginalizadas como “alternativas”.

1.3 Abordagens tipológicas e funcionamento neuropsíquico

Apesar das tendências que prevaleceram, no sentido de se considerar a doença em termos físicos e químicos, os esforços por definir as populações humanas através de critérios tipológicos não desapareceram completamente,

                                                                                                               

31 Laín Entralgo, Historia de la Medicina, 344.

32 Este tipo de desenvolvimentos é o que fez Michel Foucault concluir que foi então que

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mas, ao contrário, tirou-se proveito dos métodos estatísticos que estavam sendo desenvolvidos. 33 Em particular, o foco dirigiu-se a aspectos neurológicos, psicológicos e psiquiátricos.34

Assim devem ser mencionados, em primeiro lugar, os trabalhos do médico germânico Franz Joseph Gall (1758-1828), que procurou relacionar medidas do crânio com aspectos intelectuais e caracterológicos dos indivíduos – Frenologia (Figura 1).35

                                                                                                               

33 Vide Murphy, “Medical Knowledge”.

34 Uma variante da recusa a reduzir o funcionamento neuropsíquico a processos orgânicos

físicos e químicos na virada do século XIX foi abordada, no contexto alemão, por Harrington em Reenchanted Science.

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Figura 1. Frontispício de The Physiognomical System of Drs. Gall and

Spurzheim, publicado em Londres, em 1815, por Spurzheim.36

Da mesma maneira, Paul Broca (1824-1880) procurou relacionar a inteligência e a suposta superioridade de algumas raças sobre outras, através do peso e do volume do cérebro. Para tanto, realizou mensurações do crânio e pesagens de cérebros. Esse estudo ficou conhecido como “Craniologia” (Figura 2). Chegou também a desenvolver 27 instrumentos, com a finalidade

                                                                                                               

36 John van Wyhe, The History of Phrenology on the Web,

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de obter maior precisão nas medidas, ajudando, inclusive, a padronizar muitos métodos para este tipo de estudo.37

Figura 2. Exemplo de instrumento (craniómetro) usado por Paul Broca em seus estudos de craniologia.38

A este contexto associam-se os trabalhos da chamada antropologia criminal de Cesare Lombroso (1835-1909). O autor postulou que os criminosos teriam características físicas semelhantes àquelas do “homem primitivo” – posto que os atos criminais estariam relacionados a um estado selvagem, primitivo de existência. Assim, haveria sinais físicos indicativos de atavismo (reaparecimento de caracteres presentes em antepassados), chamados de “estigmas de criminalidade”, como ilustrado na Figura 3. Esses incluíam, entre outros, assimetrias no crânio e na face, a presença de volume

                                                                                                               

37 Clarke, “Paul Broca”, 478.

38 Alex Peck: Antique Scientifica

http://antiquescientifica.com/craniometer_Paul_Broca_Matthieu_illustration.jpg Acesso 18/07/11.

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craniano reduzido e canhotismo que denotariam comportamentos como impulsividade, vaidade, preguiça, covardia e crueldade.39

Figura 3. Frontispício de Criminal Man (1887) de Lombroso.40

Com leituras de cunho psicológico e psiquiátrico foram desenvolvidas tipologias por Carl G. Jung (1875-1961) e Ernst Kretschmer (1888-1964). Jung publicou o seu Psychologische Typen (Tipos Psicológicos) em 1921, onde classificou os indivíduos de acordo com os tipos primários de funções psicológicas perceptivas (sensação e intuição) e judicativas (raciocínio e sentimento), que por sua vez eram modificadas por dois tipos atitudinais principais, extroversão e introversão. Jung postulou que a função dominante

                                                                                                               

39 Gibson, Born to Crime, 641.

40 Roy Rozenzweig Center for History and New Media,

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caracterizava a consciência, enquanto que seu oposto era recalcado e caracterizava o inconsciente, resultando em oito tipos psicológicos.41

Kretschmer, por sua vez, abordou as possíveis correlações estatísticas entre caracteres físicos e distúrbios físicos.42 Assim, classificou os tipos constitucionais mais frequentemente observados em: leptossômico (magro e fraco), pícnico (robusto) e atlético (musculoso), cada um dos quais se associando com determinados tipos psicológicos, respectivamente, o esquizotímico, o ciclotímico e o viscoso ou o enequético, que, nas formas extremas, evoluiriam para uma patologia psiquiátrica.43

1.4 Tipologias e eugenia

As considerações tecidas na secção anterior indicam um forte viés eugênico na classificação moderna dos seres humanos em tipos. O termo eugenia foi cunhado, em 1883, por Francis Galton (1822-1911) para nomear à ciência que lidava com todas as influências que otimizavam as qualidades inatas da raça e também com as que as desenvolvem para a máxima vantagem.

                                                                                                               

41 A este respeito, vide Sharp, Personality Types.

42 Em relação com o que é discutido mais adiante neste capítulo, vale a pena observar que

Kretschmer assinou o juramento dos professores universitários de fidelidade a Hitler e não combateu a política eugênica nazista. Vide Klee, Personenlexikon zum Dritten Reich, 339.

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A preocupação fundamental de Galton era com a possibilidade de que os fenômenos associados à civilização humana viessem alterar os mecanismos utilizados pela seleção natural de modo a permitir a reprodução e a perpetuação de taras hereditárias que, assim, levariam à degeneração da espécie. Ao contrário, a eugenia - que literalmente significa “bem nascido” ou “nobre na hereditariedade” – permitiria dar "às raças mais adequadas ou estirpes de sangue, uma melhor chance de prevalecer rapidamente sobre as menos adequadas".44 Vivendo numa época na qual a genética era, grosso modo, usada para o aprimoramento de plantas e animais, Galton perguntou-se perguntou-se não perguntou-seria possível o mesmo tipo de manipulação na raça humana: “Não poderiam os indesejáveis serem deixados de lado e os desejáveis multiplicados?”, tomando o ser humano as rédeas de sua própria evolução.45

Karl Pearson (1857-1936), discípulo e sucessor de Galton, deu um viés particular, matemático e estatístico, à eugenia, intimamente relacionado com o surgimento das biotipologias nas primeiras décadas do século XX, a saber, a biometria. Em 1901, juntamente com Walter F. R. Weldon (1860-1906) e Galton fundaram a revista Biometrika, 46 um periódico que almejava estudar as bases da estatística. Esse trio também fundou também o laboratório de biometria do University College of London, dedicado às relações entre variação e hereditariedade.47

                                                                                                               

44 Kevles, In the Name of Eugenics, 4. 45 Ibid, 5.

46 Em 1925, Pearson fundou a revista Annals of Eugenics, hoje Annals of Human Genetics. 47 Castañeda, “Testando uma Teoria”, 204-7.

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A relação entre biometria e biotipologia foi imediata e, sendo incontáveis os aspectos manifestos dos seres humanos, foram igualmente inúmeras as classificações biotipológicas propostas. Martiny ressaltou as desenvolvidas pelos seguintes autores (Tabela 1):

Tabela 1. Autores de classificações biotipológicas48

A relação entre biometria, biotipologia e eugenia é claramente ilustrada pelo exemplo de William Herbert Sheldon (1898-1977), que realizou estudos estatísticos formais sobre tipos humanos nos calouros das universidades de elite da Ivy League dos Estados Unidos, entre as décadas de 1940 e 1960.49

                                                                                                               

48 Martiny, Essai de biotypologie, 24. 49 Vertinsky, “Physique as Destiny”, 294.

Rostan – Sigaud – Chaillon – Mac Auliffe – Lambert – Thooris – Manonvrier – Allendy – Viard – Bourdel – Gorman – Lavater –Stahl – R. Baron – Houssay – Girard – Bessonnet-Favre – Brétéché - Laignel-Lavastine – di Giovanni – Viola – Pende - Kretschmer – Beneke – Kraus – Bauer – Tandler – Martius – Martin – Rauthman – Grote – Roessic – Jaensch – Stiller – Brandt – Borkardt – Brungsch – Naegeli – Boven – Jung – Marañón – d’Obermer – Cawadias – Marinesco – Bottu – Bounak – Charcow – Krylov – Saltikow – Nicolaiev – Ignalov – Nedrigaylov – Techistiakov – Nikolski – Brentmann – Tchoutchouklao – Tschernorutsky – Vienius – Makabov – Watagino – Tchelzowa – Stafko – Koldmaia – Mills – Bean – Bryant – Draper – Pearl – Stokhardt – Sheldon – de Rocha Vaz – Berardinelli – Rossi – Boccia

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Os tipos físicos – baseados em medidas dos diâmetros e proporções corporais e nas variações anatômicas da estrutura torácica e da coluna vertebral – e temperamentais foram associados aos folhetos embrionários (endoderme, mesoderme e ectoderme) e classificados em: 1) endomórficos, brevilíneos, complacentes e psiquicamente tolerantes; 2) mesomórficos, de constituição média, musculosos, e caracterizados pelo espírito de liderança; e 3) ectomórficos, longilíneos, com tendência à introspecção. Sua obra mais famosa, Atlas of Man, publicada em 1954, apresenta centenas de fotografias desses biótipos (Figura 4).

Figura 4. Os biótipos humanos de acordo com Sheldon.50

Endomórfico Mesomórfico Ectomórfico

Brevilíneo Abdome proeminente Complacência psíquica Mistura-se em grupos Mediano Musculoso Espírito de liderança Lidera grupos Longilíneo Membros longos Introspecção Isola-se em grupos

A polêmica quanto à definição de um objetivo educativo para os trabalhos de Sheldon para o conhecimento da somatotípia ou se, ao contrário, seriam puramente racistas persiste até a atualidade. A controvérsia parece                                                                                                                

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ainda mais conflituosa, visto que, os arquivos que foram descobertos na década de 1970 contendo milhares de fotografias foram lacrados pelo governo dos EUA. Outras tantas foram queimadas pelas universidades envolvidas e a parte restante foi transferida ao Smithsonian Institute e destruída entre 1995 e 2001.

Devido a sua imensa influência sobre os trabalhos de Martiny e por ter sido o criador do termo “biotipologia”, devemos deter-nos, de modo mais aprofundado nas atividade de Nicola Pende (1880-1970), membro do que se conheceu como “escola constitucionalista italiana”, baseada em estudos endocrinológicos.

A origem desse movimento pode ser identificada nos trabalhos de Achille di Giovanni (1838-1916), professor na universidade de Pádua, que abordou o problema da doença sob a ótica da teoria da evolução. Assim, compreendia as variações individuais como o resultado de modalidades da evolução ontogenética dos sujeitos. Enxergando na morfologia individual o que chamava de “erros evolutivos” (por excesso ou por defeito), realizou uma tipologia genética e clínica, baseada na noção de terreno mórbido. Essa tipologia é, essencialmente, anatômica, baseada na desproporção (por excesso ou por defeito) das diferentes partes do corpo e, para tanto, utiliza a antropometria. Desse modo, definiu três “combinações morfológicas”, por comparação a uma combinação “ideal abstrata”51.

                                                                                                               

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De acordo com Maria V. Sagrado, é esse uso da antropometria o que distingue, fundamentalmente, a escola constitucionalista italiana da francesa52 e claramente, também o que despertou o interesse de Martiny por essa via de pesquisa.53 De fato, o principal representante da primeira, Giacinto Viola

(1870-1943), discípulo de di Giovanni e ambos, mestres de Pende, aplicou a tese dos erros e a antropometria ao estudo das constituições individuais. Enuncia, então, que há duas modalidades básicas de variação da forma humana, no sentido longilíneo e no sentido brevilíneo e, através de métodos estatísticos, procura determinar o tipo médio (normolíneo).54

O seguinte passo foi dado por Pende, que acrescentou à abordagem morfológica de di Giovanni e Viola o estudo individual da endocrinologia, do desenvolvimento físico e psíquico, da bioquímica humoral, da neurologia vegetativa e da psicologia diferencial. Dá o nome de “biotipologia humana” à ciência que se ocupa do complexo de manifestações anatômicas, humorais, funcionais e psicológicas próprias a cada indivíduo. De acordo com Pende, o que se trata é de conhecer “o conjunto dos caracteres particulares que diferenciam um indivíduo de outro e o afastam do tipo humano abstrato ou genérico e convencional do homem-espécie descrito pelos anatomistas, os fisiologistas, os psicólogos e os estatísticos”55. Em 1939, escreveu:

                                                                                                               

52 A tradição constitucionalista francesa, seguindo Claude Sigaud (1862-1921), se baseava

em critérios anátomo-orgânicos e, assim, por exemplo, classificava os biótipos em “respiratório”, “digestivo”, “muscular” e “cerebral”, Ibid, 15.

53 Martiny afirmará que di Giovanni e Viola foram os primeiros a apreciar os tipos humanos

com base nas disciplinas científicas da antropometria e da estatística; vide Essai de

biotypologie, 24. 54 Sagrado, 15.

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“Eu dei o nome de Biotipologia Humana à ciência que se ocupa não somente da biologia humana [...] mas que se ocupa de todo o complexo particular da manifestação vital, de ordem anatômica, humoral, funcional, psicológica, de cuja síntese diagnóstica podemos reconhecer o tipo estrutural-dinâmico especial de cada indivíduo, que estabelece os caracteres particulares que o diferenciam de outro e o afastam do tipo humano abstrato [...] A biotipologia é, em outros termos, a ciência da arquitetura e da engenharia do corpo humano individual. O biótipo individual, sendo a resultante vital unitária de todos os fatores somático-psíquicos hereditários e ambientais, não pode ser conhecido na sua complexidade estrutural-dinâmica e no seu valor, senão após realizada a síntese lógica de todos os seus elementos morfológicos, teciduais, humorais, funcionais e psicológicos.“56

O pivô desse projeto foi representado pelo sistema endócrino, em sua inter-relação com os caracteres somáticos e psíquicos presentes no indivíduo.57 Vale dizer, os fatores endocrinopáticos refletem-se na constituição morfológica e nas funções hormonais, de modo que possam ser utilizados, principalmente para a identificação de criminosos, que na época eram definidos como doentes, já que esta era uma das preocupações mais importantes de Pende.58

O marcado viés eugênico do projeto biotipológico de Pende, rebatizado como “ortogênese”, é explícito na definição que propõe para esta “ciência”, que “se ocupa da proteção higiênica e médica do crescimento físico e psíquico, com o propósito de construir o homem normal, corrigido dos erros e                                                                                                                

56 Turinese, Modelli psicossomatici, 114. 57 Pende, Endocrinologia, II: 1102.

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dos desvios aos que está exposta a fábrica humana durante seu período formativo”59. É preciso notar que não só contra os criminosos apontava a mira de Pende.

Em 14 de julho de 1938, Benito Mussolini lançou uma violenta campanha antissemita, com a publicação do Manifesto degli scienziati razzisti (Manifesto dos cientistas raciais), redigido pelo próprio Mussolini, mas apresentado como uma obra de um grupo dos principais cientistas italianos. Embora sabe-se que houve tímidos protestos contra o Manifesto, estes não se deveram tanto ao seu objetivo quanto aos argumentos pretensamente científicos aduzidos para justificar o antissemitismo, a inferioridade dos negros e a superioridade da raça italiana. Um exemplo típico é o caso de Pende, na época o principal pensador italiano na “ciência das raças”. Apesar de vinculado ao fascismo (Figura 5) e ativo colaborador da revista La difesa dela

razza (A Defesa da Raça), sua publicação oficial (Figura 6), protestou contra o Manifesto. Contudo, não devido ao antissemitismo de Estado que propunha,

mas porque afirmava que a italiana é uma raça ária, o que era descabido: a expressão devia ser corrigida para “raça ítalo-romana”.60

                                                                                                               

59 Pende, “Ortogenesi (scienza della)”, II: 607. O projeto incluía: medicina e higiene individual,

biologia da raça e eugenia, pedagogia, antropopsicologia criminal, orientação e seleção profissional e política biológica – todas elas baseadas na biotipologia. Encontraremos algumas destas aplicações também em Martiny.

60 Por esse motivo caiu em desgraça com Mussolini. Por isso, mais tarde publica um novo

artigo, onde justifica o motivo pelo qual deve ser proibido o casamento de negros, judeus e árabes com membros da linhagem ítalo-romana. Reconcilia-se, assim, com Mussolini, que então o nomeia reitor da Academia della gioventù italiana del littorio (Academia da juventude italiana fascista), organização chave para o doutrinamento dos jovens. Vide Feinstein,

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Figura 5. Pende em uniforme fascista ao lado de Mussolini.61

Figura 6. Capa de La difesa della razza, publicação oficial do movimento fascista italiano.62

                                                                                                               

61 Programa La Storia Siamo Noi: Il Caso Pende, RAI Educational,

www.lastoriasiamonoi.rai.it/puntata.aspx?id=285 Acesso em abril de 2011

62 http://simonamaggiorelli.wordpress.com/2010/05/30/il-velenoso-mito-della-razza Acesso em

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Pende esquematizou seu método através de uma “pirâmide biotipológica”, cuja base era representada pela dotação genética do indivíduo e cujas faces representam, respectivamente, os aspectos morfológico, fisiológico, ético e intelectual de um indivíduo. Para cada tipo constitucional há uma variante estênica e outra astênica. Numa obra posterior, mais amadurecida, escrita em conjunto com Marcel Martiny, Pende descreveu quatro biótipos humanos fundamentais:63

• Brevilíneo-astênico: estatura médio-baixa, com tendência a obesidade ginecóide, flácida pela retenção hídrica, com aspecto do corpo e da face infantis, com uma discrepância entre membros e tronco a favor deste último. Face pálida. Musculatura fraca. Movimentos lentos. Hiperplasia do tecido linfático, com sistema venoso atônico e com aparecimento precoce de varizes. Baixa pressão arterial.

• Brevilíneo-estênico: morfologia a primeira vista semelhante à anterior, porém com uma menor tendência à obesidade que é, contudo, de tipo tônico e não flácido. Musculatura robusta, com tórax largo e curto. A pressão arterial é maior que a média. Hipercolesterolemia. Reações de defesa violentas, por exemplo, com alergia. É um lutador, um trabalhador incansável com forte tendência ao nomadismo psicológico.

• Longilíneo-estênico: estatura maior que a média, enquanto o peso é normalmente menor que o da média. Estrutura robusta e harmoniosa, tônica.                                                                                                                

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Equilíbrio nas linhas da face. Há uma abundante secreção biliar, lembrando nestes indivíduos o temperamento biliar. Reações psicológicas rápidas. Pende falava a favor de uma tendência à esquizofrenia e Martiny, sobre uma tendência paranoica.

• Longilíneo-astênico: não são necessariamente altos, mas há predomínio dos membros em relação ao tronco. São longilíneos de baixa estatura. Tem um tipo gracioso, delicado com pouco desenvolvimento muscular, recordando a fisionomia de um adolescente. Segundo Pende há predomínio da função sentimento ou da função intuição, com inclinação à arte e à metafísica. Pende sugeria também uma tendência à esquizotimia (o antigo temperamento atrabiliar ou melancólico também é lembrado).64

1.5 A eugenia na França

De acordo com William H. Schneider, pouco tem sido estudado sobre a eugenia na França, devido à aplicação de um conceito muito estreito que, por longo tempo, fez com que esta aparecesse como um fenômeno tipicamente anglo-saxão, associado com a aceitação imediata da herança mendeliana ou a fortes preconceitos de raça ou de classe. Por isso, esse autor propos uma visão mais ampla e inclusiva, onde a eugenia é relacionada com um contexto histórico-social fortemente impregnado pela percepção de que a sociedade

                                                                                                               

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estava num estado de declínio e degeneração, para cuja solução foram propostos meios científicos.65

De fato, havia a preocupação pela saúde e o estado físico da população, associada a um aumento aparente no número de criminosos, alcoólatras, casos de tuberculose e de doenças venéreas e à diminuição da natalidade.66 Assim, as tentativas de solução foram organizadas ao redor de dois eixos, a natalidade e a higiene social, e que foram instrumentadas pelos professores da Faculdade de Medicina de Paris, onde estudou Martiny no período em questão.

No contexto desta pesquisa, interessa-nos em particular a abordagem da natalidade, no projeto conhecido como “puericultura”, montado por Adolphe Pinard (1844-1934), professor de obstetrícia na Faculdade de Medicina de Paris. Puericultura significava para ele, “o conhecimento relativo à reprodução, conservação e melhoramento da espécie humana”67. Na época

em que Martiny realizou seus estudos de graduação, a tendência eugênica francesa tendia a ser positiva, vale dizer, enfatizava as medidas de higiene social, especialmente focadas no alcoolismo, a tuberculose e as doenças

                                                                                                               

65 Schneider, “Eugenics Movement in France”, 69.

66 Um estudo conduzido por Brocca entre 1866 e 1867 evidenciou diminuição de

características mensuráveis, como a estatura, na população de soldados e escolares franceses. Por outro lado, a França havia perdido sua reputação como potência militar no Continente na Guerra Franco-Prussiana de 1870-1; Ibid, 70.

67 Ibid, 72. Sobre Pinard, vide também Bashford, & Levine, Oxford Handbook of the History of Eugenics, 336.

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venéreas, ao invés das supressivas, como o controle pré-matrimonial e a esterilização.68

Outro foco de interesse particular são o Rockefeller Institute e seu emissário na França, Alexis Carrel (1873-1844), Premio Nobel de Fisiologia, porquanto tiveram grande influência na carreira de Martiny.

Alexis-Marie-Joseph-Auguste Carrel nasceu em Lyon e completou seus estudos de medicina na Université de Lyon. Embora houvesse precocemente manifestado uma habilidade cirúrgica, não conseguiu obter os títulos de que necessitava a fim de prosseguir seus estudos, por falta de mentor (patron

procteteur) que o auxiliasse, nem passar nos chamados concours.

Segundo sua autobiografia, Carrel sofria de uma crise de identidade, não exclusiva a ele, pelo fato de ter sido criado em um ambiente católico, embora ele próprio não fosse praticante, dentro do universo acadêmico. Associado a esses fatores, cresceu em Carrel um interesse a respeito das curas milagrosas, o que era bastante comum no fim do século XIX na França. Em 1901, quando foi reprovado em seu primeiro concours, escreveu um tratado a respeito das curas da Virgem de Lourdes e, em 1902, voluntariou-se a acompanhar um grupo de peregrinos doentes ao santuário.69

                                                                                                               

68 Schneider, 76. No entanto, a eugenia negativa voltaria ao centro do palco na década de ’20,

em virtude de fatores como a depressão econômica, a influência da Igreja católica e dos movimentos eugênicos nos EUA e na Alemanha nazista; Ibid, 84.

69 Os dados nesta secção foram tomados da obra God’s Eugenicist: Alexis Carrel and the Sociobiology of Decline, de Andrés H. Reggiani. Esta biografia mostra a carreira de Alexis

Carrel como médico cirurgião além de seu envolvimento com movimentos políticos na França e nos EUA relacionados à eugenia.

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Lourdes era na época, não somente o local onde aparecera a uma jovem a imagem de Nossa Senhora (1845) a uma jovem pastora, mas também um símbolo do conflito entre a Igreja Católica e a elite anticlerical na França. Devido às diversas atribuições de curas no santuário, este era o único local da Igreja Católica que possuía um centro médico de “verificações de cura” (Bureau de constatations médicales) de reputação internacional. Isso porque Jean-Martin Charcot (1825-1893), em seus trabalhos sobre a histeria, havia associado os efeitos da fé com sintomas histéricos. Além disso, as péssimas condições de higiene do santuário eram frequentemente apontadas em detrimento das suas curas milagrosas. Porém, os serviços médicos do santuário continuavam a atrair a atenção crescente de médicos de grande reputação da França e regiões vizinhas.

Carrel visita Lourdes dentro deste contexto, voltando seu interesse principal ao que era chamado de cicatrisations ultra-rapides, que o intrigavam. Acompanhou em seu grupo de pacientes peregrinos, especialmente, o caso de uma jovem chamada Marie Bailly, com tuberculose, cujo quadro clínico registrou antes da visita. Após os banhos nas águas quentes, Carrel pode constatar o “milagroso” desaparecimento total dos sintomas (fato atestado por dois outros médicos), na mesma tarde em que chegou, configurando uma cura súbita. Bailly mencionou a um jornal local o nome de Carrel como o da testemunha principal da “cura milagrosa”. Embora ele negasse, por medo às possíveis repercussões sobre sua reputação, os receios confirmaram-se e o episódio chegou ao conhecimento de seus colegas em Lyon, que o

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qualificaram como impostor. Isso marcou o fim de toda possibilidade acadêmica e empregatícia para Carrel.

Carrel tomou a decisão de migrar a Montréal. Ali desenvolveu uma técnica de sutura dos vasos sanguíneos que despertou o interesse dos médicos e acadêmicos norte-americanos, sendo convidado a lecionar na Universidade de Illinois. Em 1905, foi convidado a desenvolver sua técnica de “triangulação” no Johns Hopkins Hospital e, em 1906, Simon Flexner (1863-1946) ofereceu a ele uma posição no Rockefeller Institute for Medical

Research em Nova Iorque. No Instituto, Carrel encontrou o ambiente propício

para sua pesquisa. Em 1912, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, graças a seu trabalho em cirurgia vascular e transplante de órgãos.

Na década de 30, realizou trabalhos de pesquisa em circulação extracorpórea, conjuntamente com Charles Lindbergh (1902-1974). Além do interesse em técnicas cirúrgicas, Lindbergh e Carrel compartilhavam os mesmos interesses políticos. Em 1935, Carrel lançou sua obra literária mais famosa, L’homme, cet unconnu, cujas ideias eugenistas despertaram o interesse de muitos cientistas e acadêmicos nos EUA, tornando seu autor uma verdadeira celebridade literária. No entanto, o ponto de vista político de Carrel estava em dissonância com o clima liberal prevalente entre os cientistas dos EUA em sua época. Dizia que estes ideais democráticos eram os responsáveis pela catástrofe contemporânea, referindo-se ao clima pré-guerra. Conforme a Europa se aproximava da guerra, Carrel impunha sua

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visão fascista, chegando mesmo a glorificar Hitler no prefácio de L’homme,

cet inconnu, editado em 1939.

Em 1939, após o fechamento de seu laboratório no Rockefeller Institute, Carrel voltou para a França, onde tronou-se assessor técnico do Secrétariat

d’état de la famille et de la santé. No entanto, desencorajado pelo clima liberal

que permeava o governo francês, voltou aos Estados Unidos para só regressar à França em 1941, já sob o governo de Pétain, onde achou espaço propício para que suas ideias fossem desenvolvidas.

A Fondation Française pour l’Etude des Problèmes Humains (FFEPH) foi o centro onde Carrel pode colocar em prática seus planos para a medicina preventiva, através de conceitos como os de biotipologia, eugenia, puericultura e higiene industrial. Fundada em 1941, tinha como objetivo aperfeiçoar as condições fisiológicas, mentais e sociais da população francesa. Os trabalhos da Fundação foram publicados nos Cahiers, nos quais Carrel e seus colaboradores descreviam as características dos estudos lá realizados. Nesse contexto, cabe destacar o uso frequente de expressões tais como “fator humano”, “síntese”, “pessoa real”, verdadeiras “senhas” das ideias da época, como é discutido abaixo.

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Figura 7: Alexis Carrel e Charles Lindbergh no Rockefeller Institute, 1935.70

No início de 1944, Carrel estava já afastado da Fondation por problemas pessoais com a nova diretoria. Faleceu em Paris, em novembro deste mesmo ano, enquanto o governo liberal o denunciava por seus atos durante o governo de Vichy.

1.6 Movimentos holistas na medicina francesa

Dizíamos acima, que algumas expressões podem ser consideradas palavras-chave da medicina francesa nas primeiras décadas do século XX,                                                                                                                

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que apontam, diretamente, para o surgimento e a ampla difusão das biotipologias nesse período. O próprio Martiny indicou, para justificar a “ciência da biotipologia”, a necessidade de se abordar os seres humanos de maneira integral ou “sintética”. Vale dizer: reconhecia o valor da abordagem analítica das ciências contemporâneas, mas afirmava enfaticamente que: “não há doenças, mas doentes” e “o homem está feito de todas essas unidades biológicas reunidas e também tem uma personalidade, que só pode ser definida de acordo com o valor específico do ser como um todo”71.

A questão do que se conhece como “holismo médico”72 tem sido amplamente estudada em alguns contextos, como o alemão, onde o conflito “máquina versus organismo” foi um tema explicitamente discutido pela sociedade em geral e os estudiosos em particular, chegando a formar parte do discurso oficial do nazismo.73 No entanto, tem sido, ainda, pouco abordada

no contexto francês.

Na França, aponta George Weisz, 74 o termo “holismo” não se popularizou até a década de 1960, e até então, eram utilizados termos afins, como “síntese”, “humanismo médico” e “neo-hipocratismo”. É neste contexto que se encontram circunscritas as idéias e atividades de Martiny.

                                                                                                               

71 Martiny, Essai de biotypologie, 13-4.

72 O termo “holismo” foi cunhado pelo então presidente da África do Sul, Jan Smuts em sua

obra Holism and Evolution, de 1926, na qual discorria sobre a tendência integralizadora do universo. Apesar disto, Smuts foi um grande defensor da separação das raças num movimento conhecido mundialmente chamado Apartheid. Vide Otto, & Bubandt, Experiments

in Holism, 252 - 4.

73 Vide Harrintgon, Reenchanted Science; Fortes, “Homeopathy and National Socialism”. 74 Weisz, “Moment of Synthesis”, 68.

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De acordo com Fritz Stern, no contexto do pessimismo do período de entreguerras, cientistas tais como Carrel, Rémy Collin (professor de histologia e autor de Physique et metaphysique de la vie, 1925) e Louis de Broglie (vencedor do Prêmio Nobel de Física de 1929) misturavam temas científicos com filosofia, surgindo então, um panorama mais amplo que foi denominado “holismo”. Segundo o próprio autor, este é um termo bastante elusivo e servia para denominar a medicina dita “alternativa”, variando desde o estudo das constituições, a biotipologia, o neo-hipocratismo e a psicobiologia, à homeopatia e os tratamentos fitoterápicos.

O que unia todas estas subdivisões terapêuticas era o fato de postularem que o ser humano não deveria ser observado em seções ou partes, como era próprio da medicina convencional, que tendia às subespecializações e ao aumento crescente dos exames laboratoriais na investigação do processo patológico. Tanto nos EUA, quanto na Europa havia a ideia de que a relação médico-paciente deveria ser diferente, mais próxima, e assim, procurou-se redesenhá-la.75 Esta visão já havia sido desenvolvida por Carrel durante seu período no Rockefeller Institute ao mesmo tempo em que mantinha contato com holistas franceses de Lyon, como René Allendy (1889-1942), Pierre Delore (1896-1960) e Paul Desfosses.76

Weisz descreveu duas linhas de força no desenvolvimento do holismo médico francês que nos ajudam a enquadrar o nosso objeto de estudo. Por

                                                                                                               

75 Reggiani, 61.

76 Paul Desfosses era médico, cirurgião e editor de La Presse Médicale; vide Freire,

Referências

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